30/09/2009

Uma "extraordinária vitória"


Com um pouco de atraso, aqui vai mais uma interpretação dos resultados das eleições.

José Sócrates na noite de Domingo, cheio de entusiasmo, clamou que o PS tinha tido uma “extraordinária vitória”. Ora, depois de conhecidos os resultados a “extraordinária vitória” consistiu na perda de cerca de 500 mil votos e de 8,5% de votantes, em relação às legislativas de 2005 (45,03%), ou então, por ter ficado abaixo dos resultados de 2002 (37,79%), quando o PS era chefiado por Ferro Rodrigues e perdeu as eleições para Durão Barroso. Ou ainda, por ter ficado entre 2 a 4% abaixo do que aquilo que as sondagens lhe davam no final da campanha. Tenho para mim que a “extraordinária vitória” se ficou a dever a ter quebrado o enguiço das europeias, que o PS sempre garantiu que eram eleições de natureza diferente.
Mas desfeito este equívoco da “extraordinária vitória”, que mesmo assim alimentou quase toda a noite informativa, vamos ao que interessa. O PS ganhou, mas ficou muito fragilizado em relação às maiorias relativas de Guterres. Sócrates tem de facto que fazer algum jogo de cintura se quer sobreviver, pelo menos, durante os dois anos iniciais, que normalmente se vaticina que dure esta legislatura.
O principal facto é que tem que contar com a participação activa de um partido à sua esquerda para derrotar qualquer proposta do PSD(78)+CDS(21), já que estes dois partidos tiveram juntos mais deputados que o PS(96).
Como conclusão geral pode-se dizer que o PS perdeu para todos, até para o PSD que subiu algumas décimas (0,3 % e 7000 votos) em relação às eleições de 2005, em que Santana Lopes foi derrotado.
Isto é o resultado de uma Governação desastrosa, que não teve mais repercussão eleitoral, porque o PS encontrou pela frente um PSD incapaz, gerido por uma senhora incompetente, que defendeu em campanha coisas indefensáveis. A sua insistência na “asfixia democrática”, que suspeito que foi bichanada por Pacheco Pereira, o homem que vê sempre em tudo a mão perigosa dos socialistas e dos seus media completamente anestesiados, o que sendo verdade, não pode ser tema único de campanha, ainda por cima dando como exemplo as escutas ao Director do Público, que no mesmo dia foram desmentidas pelo próprio.
Não quero subestimar, porque isso foi visível, o papel que tiveram algumas notícias assassinas, como o e-mail, publicado no Diário de Notícias, para a derrota do PSD. E isso deve-se à boa agência de comunicação do Governo.

O PSD sendo o derrotado da noite, nunca percebeu que tinha que estancar à sua direita a fuga para o CDS, permitindo assim, tal como o fez o PS, que Paulo Portas actuasse em roda livre, sem qualquer crítica, excepto aquelas que lhe fez o Bloco no final da campanha. Bastava que o CDS baixasse um pouco a sua votação, para que o PSD, com os votos fugidos para aquele partido, já pudesse fazer algum peito ao PS.
O PSD vai ter uma vida difícil no Parlamento, apesar da sua líder parece ter já dito que irá abster-se no primeiro orçamento do PS, garantindo assim ao Governo deste partido uns segundos mais de vida.

A subida do CDS fica-se a dever não só à incompetência do PSD, mas acima de tudo a uma perigosa situação que se verifica em tempos de crise económica, que é a deslocação de franjas da população para soluções e propostas da extrema-direita. Dirão que Portas não é Le Pen, mas o tema dos imigrantes andou na campanha, o dos ciganos também e o do rendimento mínimo nacional e dos preguiçosos que não querem trabalhar foram igualmente falados. Nos últimos dias, Portas percebendo que podia passar à frente do Bloco, desencadeou uma feroz campanha anti-comunista, já por mim referida aqui.
Por outro lado, devido ao nosso sistema de círculos eleitorais, com uns com muitos votantes e outros com poucos, o CDS, com mais 0,7% de votos que o Bloco, conseguiu mais cinco deputados. Isto sucede porque o Bloco teve muitos votos inúteis em círculos onde não conseguiu eleger deputados, ao passo que o CDS teve essa possibilidade. O mesmo sucedeu em relação ao PCP, pois uma diferença favorável ao Bloco de 2%, só se traduziu em mais um deputado: o Bloco teve 16 e o PCP 15.

Quanto ao PCP aconteceu-lhe aquilo que ultimamente lhe tem sucedido, sobe 0,6% e mais 30 mil votos e considera que se reforçou e teve um bom resultado. No PCP acontece aquilo que sucede àquelas equações que tendem para o infinito mas que nunca o atingem. Assim, o PCP está sempre a subir mas nunca atinge uma votação expressiva como já teve no passado. O drama do PCP é que não consegue capitalizar em votos o descontentamento popular de que ele é o principal organizador. Este é um problema que devia afligir os seus dirigentes, que depois se permitem declarar que o PCP não é um partido eleitoralista. Mas sem votos nunca se vai lá.

Em relação ao Bloco houve de facto diversos problemas que toldaram a sua vitória indiscutível. Primeiro ficou a duas décimas dos dois dígitos, o que, como se verificou com o CDS, daria para inchar as suas velas. Mas o pior foi ter ficado atrás do CDS, diminuindo desse modo o alcance dos resultados obtidos. Por outro lado, como já se viu, foi prejudicado na tradução do número de votos em deputados, ficando assim impossibilitado de poder, se quisesse, viabilizar legislação que fosse comum ao PS e ao Bloco. Deste modo, fica sempre dependente do PCP para encontrar soluções legislativas. O PCP dirá que é um bem, eu não acho, conhecendo a retórica oposicionista daquele partido.
Quanto à sua linguagem, penso que em certas alturas seria bom que tivesse maior contenção na apologia das suas vitórias, que, como se viu no final da noite eleitoral, não corresponderam às declarações iniciais de ser a terceira força política do país.
Penso que o Bloco terá neste momento que repensar quase toda a sua actuação. Primeiro, tendo em atenção que hoje as forças dominantes (veja-se as declarações do patrão dos patrões) viraram contra ele todas as suas baterias, terá que pensar bem no que diz e no que propõe, pois o seu programa será esmiuçado até ao último pormenor. Segundo, ter consciência que o seu eleitorado é mais volátil do que o do PCP e por isso tanto pode continuar a subir, como de repente ter uma quebra acentuada. Terceiro, tem que estabelecer uma clara política de contactos e alianças com possíveis forças emergentes à esquerda, que possam representar um aumento da sua influência política e eleitoral. A “esquerda grande” tem que ter conteúdo. O bloco social das camadas e estratos da esquerda tem que encontrar a sua representação política. Nesse aspecto, são indispensáveis os contactos com a esquerda do PS e com o conjunto de pessoas sem partido, que estão disponíveis para actuar conjuntamente com o Bloco.
Tenhamos em atenção, e isso é um facto que pouca gente realça, é que ainda em 1987 o PCP tinha 12,14 % de votos. Ora todos os eleitores que deixaram de votar naquele partido e que se refugiaram na abstenção ou no PS devem ser recuperados para o Bloco. Não é por acaso que quando fui à sessão da Aula Magna encontrei tantos velhos ex-militantes do PCP, que de certeza estavam em transição do voto do PS para o Bloco. Apesar dos anos e da lei da vida poder ter alterado um pouco esta realidade, há que recuperar os antigos votantes do PCP, que infelizes, mas sem alternativa, votavam PS, já que aqueles que votam CDU continuam a votar nela.

Parece-me pois que o se retira destas minhas apreciações é que não antevejo grande futuro em compromissos com Sócrates, mas que temos que preparar o futuro para o pós-socratismo.
PS. (30/09/09): como o post foi redigido um pouco à pressa, foram cometidos alguns erros de concordância gramatical. Espero que os principais tenham sido agora eliminados.

25/09/2009

Até um museu do ateísmo tinham


Ontem Paulo Portas, no papel do anti-comunista de serviço, achou por bem indicar a Albânia como modelo do Bloco de Esquerda. Depois de uma descrição terrível do país, metendo medo a todos, com o que nos poderia suceder se por qualquer razão o Bloco chegasse ao poder, eis que, como último argumento, indicou que a Albânia até um museu do ateísmo tinha. Vade retro, Satanás. Não fosse o demónio tentar estes bloquistas a instalar em Portugal, essa coisa tão obscurantista que é um museu do ateísmo.
O ridículo mata, mas o grave é que esta gente pensa que isto rende votos, e por isso faz afirmações deste jaez.
Há certas camadas dos nossos votantes que ainda não saíram da Idade Média mental. Mas o grave é que se Paulo Portas diz estes disparates. A “menina” Nogueira Pinto fala que o Bloco é só "espuma", e o ministro Vieira da Silva diz que uma aliança com o Bloco é uma aliança com os “conservadores”.
E ainda vem o Avante escrever: “Não é por acaso, aliás, que mais uma vez nesta campanha eleitoral os órgãos da comunicação social dominante – todos: quer os que são propriedade do grande capital, quer os que, devendo ser públicos, são de facto servidores exclusivos da política de direita – colocaram o seu tempo, o seu espaço e as suas simpatias ao serviço da propaganda do BE.
Triste jornal que não percebe quem são os inimigos principais e embarca nesta mentirola, quando sabe perfeitamente que hoje, pelas mesmas razões que dantes era o PCP, o Bloco é o inimigo principal dos partidos ditos de Governo, já que lhes pode retirar, juntamente com o PCP, a confortável maioria com que têm governado. Devia ter algum pudor e abster-se de comentários deste jaez.

Zangam-se as comadres, sabem-se as verdades


Escrevi um post sobre o problema das escutas e a luta do Presidente da República contra o PS/Governo, ou vice-versa, para influenciar o resultado destas eleições. Utilizei deliberadamente um tom duro e que deixava pouca margem entre as desonestidades de uns e as falsidades de outros.
Ontem ao ouvir a Quadratura do Círculo, da SIC Notícias, achei que o que tinha escrito era uma conversa de anjos, comparada com o que aqueles senhores disseram no programa.
Lobo Xavier mais informado, por ser da administração do Público, foi dizendo coisas espantosas, que, penso eu, sejam todas verdadeiras. Assim, o e-mail enviado para a Madeira existia e tinha aquele conteúdo. Bem pôde o José Manuel Fernandes andar a dizer que era falso ou outros a garantirem que era truncado, ficámos agora a saber que nada disso era verdade.
Segundo, houve uma “toupeira” – expressão do Lobo Xavier – dentro da redacção do Público, que passou cá para fora o e-mail de um colega e foi entregá-lo a alguém (?), que o levou a uma agência de comunicação, que segundo Pacheco Pereira trabalha para o PS. Pelo contrário, António Costa (AC) defendia que se devia prestar uma homenagem ao jornalista desconhecido que tinha conseguido restituir a dignidade a um jornal, que já tinha sido de referência. Isto foi dito, não estou a inventar.
Pacheco Pereira garantia que a agência de comunicação tentou colocar o e-mail em várias redacções de jornais, tendo o Expresso recusado a sua publicação.
Estas foram as revelações mais importantes, que permitiam a Pacheco Pereira (PP) deduzir que o PS tinha montado esta tramóia para atacar o PSD. António Costa, com ar de santo, a expressão não é minha, é do PP, garantia que os socialistas nada tinham feito, o PSD é que cavalgou a onda, o que é verdade, alimentando durante um dia a versão do Director do Público, quando afirmou que tinha sido escutado pelos serviços secretos. Mas mais, dizia sem se rir, que nem lhe passava pela cabeça que Cavaco Silva estivesse a par do assunto ou fosse responsável pelo conteúdo do e-mail. O que permitiu a Pacheco Pereira dizer que se AC estivesse ligado a um detector de mentiras, o ponteiro estaria em alta.

Não vos maço mais com esta história, só retiraria a afirmação espantosa de Pacheco Pereira de que esta tramóia servia, entre outras coisas, para fragilizar o PR, de modo a este não impedir uma aliança do PS com o Bloco de Esquerda. Este tema foi igualmente referido por Alberto João Jardim, num comício na Madeira, que, de dedo em riste, intimou o PR a garantir que proibiria a entrada do Bloco, esses comunistas, na área do Governo. Como o intelectual erudito e o populista boçal estão de acordo em relação ao Bloco.

Assim vai a campanha eleitoral.

24/09/2009

Aos medrosos e medricas


Na hora a que estou a escrever este post todas as sondagens indicam que o PS vai ganhar por uma maioria relativamente confortável. Uma atribui-lhe 40%, outras duas 38%. O PSD está derrotado e foi derrotado por incompetência da sua chefe, que se enredou nos temas menos apropriados para estas eleições, mas acima de tudo porque Sócrates e o seu grupo têm um claro domínio da comunicação social. Souberam em tempo oportuno enlear a sua opositora nos labirintos que criou e lançaram para a campanha, com biscas oportunamente colocadas nos jornais, temas que verdadeiramente assassinavam os seus adversários.
Estamos pois perante um Primeiro-ministro e um grupo de dirigentes do PS que depressa se recompuseram da derrota que sofreram nas europeias e que retomam, com uma agressividade mais virulenta, o seu domínio e controlo da sociedade portuguesa. Não nos ponhamos a pau e vamos ter novamente as mesmas políticas e a mesma agressividade que durante quatro anos assombrou este país.
Por isso, todos aqueles que após as eleições europeias acordaram cheios de medo, ai que aí vem a direita, e lembravam que pela primeira vez poderíamos ter uma maioria e um Presidente de direita, enganaram -se redondamente. O pior é que se serviram disso para o apelo ao voto útil no PS e tentaram forçar as forças à esquerda do PS a desarmarem-se para apoiar ou defender propostas de união com Sócrates. Só mostraram ou que eram actores passivos da estratégia socratista ou exibiam um desusado medo por uma coisa que ainda não tinha sucedido e, como se há-de ver, não irá suceder. O que não significa que não estejam mais uma vez a preparar nos bastidores novas conciliações e novos compromissos que serviriam como sempre o PS de Sócrates. Estejamos por isso de pé atrás perante o canto melífluo destas sereias.

Hoje José Neves escreveu mais uma vez um post com humor no Cinco Dias. Reza assim: “não deixa de ser divertido que, uma vez eliminada a hipótese de uma vitória do PSD, e colocando-se a hipótese de uma nova maioria absoluta Sócrates, o voto “útil” à esquerda acabe por ser o voto no PCP e no BE, a fim de impedir a maioria absoluta e de criar condições para um governo Sócrates um pouquinho mais à esquerda.”

Eu, por mim, voto útil no Bloco de Esquerda.

22/09/2009

O aprendiz de feiticeiro


Em post anterior já tinha feito referência às alegadas escutas de S. Bento a Bélem. E tinha focado a minha intervenção no jornalista do Público, que protagonizou o envio do e-mail ao correspondente na Madeira daquele jornal.
Vozes amigas vieram-me dizer que o senhor até era boa pessoa e não era de direita. De facto, como afirmei no meu artigo, não o conheço de parte nenhuma, o que relacionei foi uma notícia antiga, que era trapalhona, e o seu envolvimento no envio de um e-mail que me deixou perplexo.
Sobre a tal notícia já tudo foi dito na altura, sobre o e-mail, apesar de muitos acharem que o que lá se escreve é o pão nosso de cada dia nos media, acho que um cidadão tem ainda o direito de se indignar quando percebe que querem fazer dele parvo, ou seja, que querem manipular a informação que lhe fornecem. Acho que devemos sempre denunciar, e não admitir como normal, situações deste tipo.

Passados estes dias, e depois da estupefacção, vem a apreciação crítica. Reconheço que Bélem, ou seja o nosso Presidente da República, é um aprendiz de feiticeiro perante um Governo que actua com um profissionalismo indiscutível quando se trata de deitar abaixo o adversário.
Bélem comportou-se com um tal amadorismo, que roça a indigência. Não soube “colocar” uma notícia devidamente na imprensa e não protegeu as suas fontes. Permitiu que o Governo, por intermédio seja de quem for, fosse capaz, de em dois tempos, arrumar de uma penada as tentativas incapazes de Cavaco Silva para influenciar a campanha eleitoral e encalacrar José Sócrates. Andou uma pobre candidata a falar de asfixia democrática, a defender o Jornal de Sexta, da TVI, e o director do Público, das escutas que estava a ser vítima, e quem foi ao ar, sem grande indignação pública, foi a Manuela Moura Guedes, e um jornal respeitável, considerado de referência, caiu no mais completo lodaçal e o seu director a ser provavelmente despedido com justa causa.
Triste história, que revela um Presidente pouco escrupuloso e um Governo que, com profissionalismo, vai destruindo, com notícias estrategicamente colocadas na imprensa, os seus principais inimigos. Veja-se este caso em relação a Cavaco, a compra de votos no PSD e a primeira página do Expresso, com os PPR de Louçã. Quem tem uma boa agência de comunicação e coordena todos os serviços secretos não permite que os outros brinquem em serviço.

As pressões


Estão-se a avolumar à esquerda fortes pressões para que haja entendimento entre o PS e as forças à sua esquerda, particularmente o Bloco de Esquerda.
No post anterior, fiz uma ligeira referência ao assunto a propósito das declarações de Paulo Rangel num comício em Aveiro. Parece que primeiro foi Ana Gomes, depois Mário Soares a afirmar que não lhe repugnaria um acordo com o Bloco. Hoje, são dois artigos no Público assinados por André Freire e Elísio Estanque (para os quais não há links) sobre o mesmo assunto. Para terminar, e sem ter a importância das declarações anteriores, temos um artigo de Cipriano Justo para o site da Renovação Comunista.
De todas estas acções, aquela que poderá ter mais significado político é sem dúvida a de Mário Soares, que gosta sempre de mandar barro à parede para ver se pega.
Não tenho nada contra acordos pós-eleitorais entre as diferentes forças de esquerda, mas está-me a parecer que este tipo de propostas, vindas de destacados militantes do PS, se assemelham a uma célebre encenação protagonizada por Mário Soares, nos distantes anos setenta, em que, depois de ter visto o seu Governo de PS sozinho ser chumbado no Parlamento, propôs às diferentes forças políticas um acordo. Por esse motivo entrou em negociações com o PCP e o CDS, já que o PSD se recusava a colaborar, e depois de muitas negociações escolheu o CDS, dizendo que o PCP não queria coligar-se. O PCP afirmou na altura, ao contrário do que dizia o PS, que no campo da Reforma Agrária o que o PS tinha para propor era umas páginas em branco. Ou seja, tudo não passou de uma encenação para, atribuindo culpas ao PCP, fazer uma aliança com o CDS.
Não estou a dizer que é isto que vai suceder, temo é que, apesar das boas intenções de muitos, o PS como é seu hábito mude o bico ao prego e parecendo virar à esquerda, se prepare para se aliar à direita ou governar com o apoio dela.

Sem querer entrar em polémicas escusadas com os dois autores que publicam artigos hoje no Público, e que me merecem todo o respeito e consideração, gostaria de realçar algumas partes dos seus artigos que são objecto de alguns reparos.
Assim, André Freire diz: “há um certo défice de cultura democrática na “esquerda radical”: em democracia os números contam e, por isso, nunca poderão ser os pequenos a determinar as principais linhas de uma coligação. A não ser que só consigam governar em maioria absoluta … Claro que, num tal acordo, os pequenos obtêm geralmente um poder acrescido. Mas isto não significa que sejam eles a determinar o grosso do programa.” Verifica-se aqui uma crítica a um acontecimento que ainda não sucedeu, nem se sabe se irá suceder e que a prática continuada anterior nada faz prever.
O artigo de Elísio Estanque tem quanto a mim, pelo menos neste seu parágrafo, a virtude de tentar sossegar os espíritos mais irrequietos com a presença do Bloco numa coligação de esquerda. Diz ele: “a eventual influência do Bloco no governo (com ou sem ocupação de pastas no executivo) poderia garantir mais transparência e eficácia na acção reguladora do Estado, e, em contrapartida, essa eventualidade significaria que o Bloco assume o reformismo e a economia de mercado como eixos estruturantes socioeconómica”. E depois assegura que isso tem um preço para os sectores mais radicais do Bloco, mas seria um bem para a “história da esquerda e da democracia portuguesa.” Nada melhor para apaziguar os ânimos e fazer as ovelhas voltarem ao redil.
Citei longamente estes dois autores porque me parece que já há aqui demasiados aprioris para que qualquer concertação à esquerda tenha lugar.
Mas acima de tudo, nada faz pensar que, com Sócrates e a sua entourage, possa haver um acordo. Pressionar nesse sentido só poderá acarretar fracassos, quando não, e não quero fazer comparações com o que se passou com a Câmara de Lisboa, levar a água ao moinho de Sócrates e companhia.
Esperemos pelos resultados das eleições e estejamos atentos ao que dizem os seus principais protagonistas e depois falaremos sobre o assunto.

PS: já este post estava escrito, quando ouvi António Vitorino, no Notas Soltas, da RTP, com meridiana clareza, defender que não devia haver qualquer coligação com o Bloco de Esquerda e que, se o PS ganhasse, formaria Governo sozinho. Cada um assumiria depois as suas responsabilidades. Normalmente este tipo de declarações costumam conter uma chantagem implícita, típica do PS, se a direita não avalizar o orçamento é responsável por alianças à esquerda. Se a esquerda não o fizer corre o risco de apanhar com um Governo de direita. Ao longo dos anos o PS já nos habituou a esta chantagem. Esperemos que desta vez não resulte.
A fotografia é dos dirigentes da Frente Popular, que teve lugar em França em 1936. Destaca-se, de punho erguido, Leon Blum dirigente da corrente socialista francesa (SFIO).

21/09/2009

O perigo do “sistema soviético”


Paulo Rangel, essa nova esperança do PSD, apareceu em Viseu a dar a mão a Manuela Ferreira Leite. No seu discurso, depois de ataques aos apoios que Manuel Alegre e Mário Soares deram a Sócrates, achou por bem fazer esta pergunta ao PS “Mas afinal o PS faz ou não acordos com o passado?” O passado era representado pelo Bloco de Esquerda que defendia para Portugal o “sistema soviético”, (palavras do próprio Rangel), que já tinha sido vencido. Isto, porque Mário Soares de manhã tinha dito que não lhe repugnava uma coligação com o Bloco de Esquerda.
Para lá destas biscas que alguns PS e de outras áreas de esquerda vão lançando, tentando influenciar o pós 27 de Setembro – mas isto é outra história –, temos esta afirmação perfeitamente espantosa, não de um qualquer militante do PS, como esse Tomás Vasques, agora promovido debatente oficial entre bloggers, no TVI 24 horas, mas do euro deputado, vencedor das últimas eleições para o Parlamento Europeu e putativo candidato a Presidente do PSD.

Depois de no último post ter falado dos Os ódios de classe ressuscitados, que mereceu do meu amigo Fernando Penim Redondo, do DOTeCOMe, o comentário de que não era por ódio de classe que o Expresso tinha falado dos PPR do Francisco Louçã, mas sim por despeito e de António Costa Pinto, na SIC Notícias, à noite, ter dito que os dirigentes do Bloco eram da classe média e estavam entrar na idade adulta da política, por já terem esqueletos no armário (os PPR) como qualquer político que se prezasse, reconheço que, se as notícias do Expresso e os noticiários da SIC Notícias não são por ódio de classe, são pelos menos por ódio político profundo.
É evidente que na tradição marxista vulgar ódios de classe tem sempre a ver com a luta entre burguesia e proletariado e entre os partidos representantes destas classes. Simplesmente, como já nada disto é como era, apesar de Jerónimo de Sousa dizer que era por coerência, com a sua classe, penso eu, que não tinha PPR – quem falou em oportunismo político –, eu ainda continuo a pensar que a ideologia dominante, neste caso a informação dominante, não convive bem, nem quer, que um partido de esquerda, não capitalista, possa ter êxito numas eleições democráticas e tudo fará para que isso, pelo menos com a sua conivência, não suceda. Conhecemos o que se passou no Chile e o que se passa hoje na América Latina.

Por isso, Paulo Rangel não faz mais do que ressuscitar o velho papão comunista, seguindo sem originalidade grande número de comentadores, como o Pacheco Pereira, que mais não fazem do que garantir que o Bloco tem uma agenda escondida e que se lhe derem a mão, ele a toma para num repente transformar Portugal no país dos sovietes. Para mim, isto é ressuscitar o velho ódio de classe, que neste caso se manifesta pelo anti-comunismo, mas que na notícia do Expresso e nos noticiários e comentários referidos se expressa pela desinformação e provocação, mas acima de tudo pela omissão, pelo comentário jocoso, pela opinião que parecendo séria mais não faz do que desvalorizar e confundir.

Vemos seguir os próximos episódios, suspeito que vem provocação e da grossa.

19/09/2009

Os ódios de classe ressuscitados


Quem leu hoje o Expresso e viu a SIC Notícias da hora do almoço, mas quem igualmente tem acompanhado nestes últimos dias o comentário político daquela estação, perceberá até que ponto a honestidade informativa, o preconceito ideológico e a campanha desinformativa chegaram ao ponto zero da independência jornalística.
O Expresso foi um jornal que, nos tempos do PREC, se distinguiu por ter uma redacção compostas por meninos do MRRP que se profissionalizaram no tipo de provocações, que foram ressuscitadas na edição de hoje. Em que é que constavam esses ataques. Eram normalmente dirigidos ao PCP e aos seus simpatizantes, aos meios militares de esquerda e visavam criar a ideia de que bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz e não faças o que ele faz. Ou seja, que a prática seguida pelos defensores de certas teorias de esquerda não correspondiam ao que diziam, isto tanto na política, como na sua vida pessoal. Por isso, todas as notícias que pudessem achincalhar a esquerda dita gonçalvista eram pespegadas no Expresso. Isto fez carreira e ainda hoje é a glória de Marcelo Rebelo de Sousa.
Já se sabe que, normalizados os tempos, tirando um caso ou outro de clara provocação jornalística, o Expresso tem-se vindo a caracterizar por ser o porta-voz da bem-penância nacional, nada vocacionado para as provocações, nem para o agitar de águas.
Mas hoje não resistiu a vir dizer que Francisco Louçã apesar de denunciar os PPR comprou um, de que por sinal se desfez, para ir aplicar nos PPR criados pelo Governo. Diga-se de passagem que esta notícia seria até uma boa propaganda para o Bloco e para os fundos nacionais criados pelo Ministério do Trabalho, que abandonando os PPR privados se resolve a comprar os públicos como o objectivo de obter mais lucro e maior garantia. Mas o Expresso não lhe interessa isso, quer é mostrar aos seus leitores que as poupanças de Louçã já são de seis mil contos, ou trinta mil euros, vejam lá a fortuna, e que foram aplicadas naquilo que o Bloco condena como desprovidas de interesse económico.
É interessante que nas páginas interiores vem um artigo arrasador, que eu não subscreveria, de Miguel Sousa Tavares sobre a inveja nacional para com todos aqueles que vingaram e tiveram êxito na vida, e que se reflectem nos comentários anónimos dos blogs. Ora é isto mesmo que o Expresso está fazer, vejam lá este senhor que anda a combater o Governo pela esquerda, tem um pequeno pé-de-meia, que é de facto mais do que a maioria tem, e ainda por cima vai colocá-lo naquilo que combate. Se isto não é apelo à inveja nacional que Sousa Tavares condena, vou ali e já venho. Mas o assunto não se ficou por aqui, mereceu honras de tratamento informativo destacado na SIC Notícias, todo ele escrito e redigido com aquele ar de piscadela de olho ao espectador: em bem te topo, querias lutar pelos pobres mas tu és é um rico, que fazes tudo aquilo que condenas. E termina o locutor de serviço, com aquela objectivada de cão de fila a defender o patrão, apesar do que se disse o Bloco "lá" consegue o terceiro lugar nas sondagens. Ou seja, para o locutor, o Bloco, por Louçã e alguns dos seus dirigentes terem comprado PPR e acções (até a já não dirigente Joana Amaral Dias leva por tabela) devia estar no último lugar, naturalmente não existir mesmo. E assim vai o jornalismo em Portugal.
PS.: porque não dou exemplos em relação ao que estou a afirmar sobre a SIC Notícias, aqui vai: só ontem, sexta-feira, os convidados do Expresso da Meia-Noite eram todos do Bloco Central, que se perderam num combate de galos, mas que quando paravam lá vinham dar umas bicadas no Bloco. Antes disso a apreciação à campanha eleitoral foi feito por esses dois grandes comentadores “independentes” chamados Luís Delgado e Mário Bettencourt Resendes. Mas outros exemplos se poderiam dar, mostrando a extrema dependência em relação ao Bloco Central daquela estação de televisão.

18/09/2009

Um já conhecido jornalista


Há tempos escrevi um post, que denominei As Trafulhices do Público, denunciando uma notícia completamente aldrabona que metia o Carlos Carvalhas, os encontros da Aula Magna e uma outra realização, que os seus organizadores, por mera casualidade, fizeram quase coincidir com os tais encontros e para onde convidaram o ex-Secretário-Geral do PCP, além de outros, como Jorge Sampaio.
A notícia confundia todas estas realizações e chegava ao ponto de considerar Carlos Carvalhas, secretário-geral da CGTP. Na altura como os disparates eram tantos deduzi que mesma tinha sido redigida por um(a) estagiário(a) do Público, que, acabado(a) de chegar, trocava tudo. Ora, a mesma era assinada por LA que eu na minha ignorância confundia com o(a) tal estagiário(a). Depois via blog do Vítor Dias vim a saber quem era o dito jornalista: Luciano Alvarez, que afinal merece a confiança do Presidente da República e da própria Direcção do Público.
Este senhor é o mesmo que hoje aparece nas bocas do mundo como tendo sido procurado por um assessor do Presidente da República, Fernando Lima, que, depois de lhe passar a mão pelo pêlo, o encarrega de fazer uma notícia sobre a vigilância que o Primeiro-ministro andaria a fazer ao Presidente da República, através de um assessor que tinha sido enviado para espiar os passos que este tinha dado aquando de uma visita de Estado à Madeira.
O tal Luciano Alvarez escreve então um e-mail ao seu colega de jornal, na Madeira, que é um mimo de português e do modo como estas coisas são tratadas na política, sugerindo-lhe que a notícia parta de lá, para que dê a sensação que foi uma fuga de informação do gabinete do Alberto João.
Recomendo-vos a leitura do e-mail pela ideia sinistra que transmite de como nós, os ignorantes, somos tratados por estas avis rara que têm a capacidade de nos aldrabar e de tentar condicionar o nosso juízo crítico. E ao mesmo tempo levar-vos a pensar que Cavaco e Sócrates estão bem um para o outro e que não merecem estar à frente deste país, tão detestável tem sido o seu comportamento.

O caso Manuel Alegre


Depois de me ter envolvido em violentas polémicas (ver aqui, aqui e aqui) em defesa das Conversas do Trindade e da Aula Magna (ver desta última a descrição aqui), em que participaram Manuel Alegre, o Bloco e outros movimentos de esquerda, com alguma relevância no primeiro encontro para a Renovação Comunista, escrevi um texto muito crítico sobre aquilo a que eu chamava a novela Manuel Alegre. Assim, a 14 de Março deste ano escrevi: “Sem saber como é que tudo isto irá acabar, parece-me, e espero que me engane, que findará numa coligação eleitoral um pouco original entre Alegre e o PS, em que este garante uns lugares na Assembleia e até, provavelmente, no Governo, como neste momento já tem a Ministra da Saúde, Ana Jorge, e acaba tudo com Manuel Alegre e Sócrates nos comícios eleitorais a darem vivas ao PS. Espero que este pesadelo não se concretize e que haja um pouco mais de dignidade na política.Estamos todos cá para ver, é o meu desejo.
De facto estive cá para ver e ainda bem, mas o pesadelo que eu anunciava em Março, depois de muitas peripécias, que eu relatei aqui, aqui e aqui, confirma-se, não nos moldes por mim descritos, mas sob a forma de um Comício em Coimbra, em que Manuel Alegre participa ao lado de José Sócrates e de Ana Jorge. O que irá dizer e se se dará vivas ao PS de Sócrates não sei, mas a sua presença ao lado do Secretário-geral, depois de tudo o que disse e que fez, é quanto a mim lamentável. Mas esta é a crítica moral, a apreciação política vai seguir.

Faço particular referência aos artigos que escrevi ao longo de mais de um ano sobre Manuel Alegre e a sua relação um pouco atrabiliária com a outra esquerda, dado que fui seguindo com alguma atenção o seu percurso e as esperanças que em certo momento nele se depositaram. Mas, para que todos aqueles que criticaram aquelas Conversas não se fiquem a rir e a pensar que eu sou um vendedor de ilusões e que caio sempre nas que vou semeando, contra a opinião sempre avisada dos que prevêem tudo, direi que daquelas Conversas resultou, sem sombra de dúvida, um encontro entre esquerdas que não se conheciam e que não tinham o hábito de dialogar em conjunto e a possibilidade, que não foi pequena, de olhar para o Bloco, não como um partido extremista, herdeiro dos velhos “esquerdistas” dos anos 60, mas como um partido novo, que pretende para Portugal uma nova esquerda, que se apresente ao eleitorado sem os complexos e o peso do passado, contra o cinzentismo e as derivas neo-libeais da actual social-democracia portuguesa. Nesse aspecto as Conversas foram positivas.

Resta o problema central da possível candidatura de Manuel Alegre a Presidente da República. Hoje, depois de tudo o que aconteceu parece-me a mim que aquele está cada vez mais desejoso de ser o candidato da esquerda e que por isso, para além das pontes que mantém com o Bloco, quer deixar a porta aberta para que o seu partido também o apoie. Só nesse sentido se percebe estas constantes hesitações, em que umas vezes está contra outras a favor, numa carreira errática que provavelmente deixará os seus mais fiéis apoiantes em desespero, mas que permite manter uma porta aberta com o PS de Sócrates. Sem querer justificar nada, acho que só isto explicará politicamente estas suas atitudes.
E quanto ao PCP, o seu principal crítico à esquerda, na hora da verdade, quando lá chegarmos, engolirá todos os sapos e irá votar na candidatura presidencial de Manuel Alegre.

15/09/2009

Os benefícios fiscais. Uma polémica artificial.


Depois do célebre debate entre Sócrates e Louçã, em que aquele acusou o líder do Bloco de Esquerda de tentar destruir a classe média retirando-lhe os benefícios fiscais dos PPR e nas despesas com a saúde e a educação, Vítor Dias fez de imediato um post em que admitia que as propostas do Bloco relativas aos benefícios fiscais com a saúde e educação pudessem ser semelhantes a outras de Vital Moreira, que ele anteriormente tinha criticado.
Esta posição do Vítor Dias, a quem ironicamente agradeci aqui, e que foi também referida por José Neves no 5 Dias, mereceu depois resposta de Vítor Dias, não só não concordando com as propostas do Bloco, como achando que ao justificarmos a sua defesa com as de Vital Moreira estaríamos a cair num grande oportunismo (expressão minha). A seguir para mostrar que nunca tinha estado na sua ideia ajudar o Bloco, escreveu mais um post a criticar um outro de Francisco Louça, no Esquerda.net, arranjando quanto a mim umas desculpas esfarrapadas para ilustrar aquilo que o separava das propostas de Louçã. Dava a sensação que pretendia justificar-se junto dos seus camaradas como é que involuntariamente tinha ajudado o Bloco.

Vítor Dias nunca compreendeu o que é que estava verdadeiramente em causa e o significado, mesmo que não fossem iguais, da semelhança das propostas do Bloco com as defendidas por Vital Moreira.
Vítor Dias e o PCP continuam a alimentar a lenda de que o Bloco é favorecido na comunicação social. Que os jornalistas levam ao colo o Bloco e que este foi criado pela burguesia para destruir o PCP – versão de comentador rasteiro – ou então, devido à sua origem social, é um partido irremediavelmente comprometido com a colaboração de classes e a social-democracia – versão de comentador mais especializado. Ora a verdade, é que neste momento dada a ameaça que representa para o PS a subida eleitoral do Bloco de Esquerda, a ofensiva anti-Bloco passou a ser descarada e com grande apoio nos media dominantes. Mas, acima de tudo, o PS passou a dirigi-la, classificando o Bloco como partido extremista e radical, que quer destruir a classe média portuguesa. E tem vindo a repetir esta afirmação, como eu já escrevi aqui, quer nos comícios, quer nos tempos de antena, tentando que uma mentira repetida mil vezes possa aparecer como verdade. Ou seja, independentemente do interesse das propostas do Bloco e da semelhança ou diferença que existam entre elas e as de Vital Moreira o que está em causa é o ataque injusto e falso ao Bloco, capitaneado pelo PS, tentando fazer passar propostas discutíveis, mas razoáveis, já defendias por amigos importantes do PS, como propostas extremistas, que visam acabar com a classe média.
Eu percebo que Vítor Dias não queira dar para este peditório, considerando que nada tem a ver com ele, simplesmente referir-lhe-ia aquele célebre poema de Brecht, em que "Primeiro levaram os comunistas, mas não me importei com isso eu não era comunista. Em seguida levaram alguns operários, mas não me importei com isso eu também não era operário. Depois prenderam os sindicalistas, mas não me importei com isso porque eu não sou sindicalista. Depois agarraram uns sacerdotes, mas como não sou religioso também não me importei. Agora estão-me a levar a mim. Mas já é tarde....". Para bom entendedor meia palavra basta.

Mas, independentemente desta minha apreciação política, que pode levar Vítor Dias pensar que eu quero inibi-lo de fazer críticas ao Bloco, há também as razões de fundo sobre este problema dos benefícios fiscais, que segundo os fiscalistas seriam considerados como deduções à colecta. Sobre este aspecto gostaria de citar, apesar da prosa já ir longa, a opinião de Eugénio Rosa, economista do PCP, que num texto que escreveu para o Resistir.info, apesar da crítica que faz ao debate, tem esta apreciação sobre as deduções com a saúde e depois com a educação:

Assim, quanto mais elevado é o rendimento mais poderá descontar, pois para descontar é preciso ter imposto suficiente a que se possa deduzir a despesa. Os que têm dinheiro para recorrer a clínicas e hospitais particulares de luxo são certamente os mais beneficiados porque conseguem deduzir mais, pagando assim muito menos de IRS. As injustiças são grandes e graves. Vários países da União Europeia (ex. Espanha, França, Inglaterra) não têm um sistema como o português, pois não existem deduções.
Uma alternativa a este sistema, que certamente seria mais justa, pois beneficiaria quem menos tem, e evitaria as injustiças que o actual sistema cria, seria reduzir os benefícios fiscais na saúde e aumentar, em igual volume de despesa, as comparticipações nos medicamentos. O Estado não perderia nem ganhava. Seria uma medida com efeitos imediatos. E certamente determinaria uma repartição mais justa desta despesa do Estado. O mesmo estudo poderia ser feito na educação, entre gratuidade dos livros no ensino obrigatório, eliminação das propinas na licenciatura e redução nos mestrados, e dedução das despesas de educação no IRS. Os meios financeiros não são ilimitados e há que fazer opções que devem ser as mais justas. Isto são alguns contributos pessoais que deixamos aqui para reflexão dos leitores Mas qualquer mudança exige um estudo prévio profundo para avaliar as eventuais consequências sociais, e um grande domínio desta matéria. E isso foram coisas que os intervenientes no debate revelaram não possuir.

Para além desta apreciação crítica aos debatentes, que me parece injusta, pelo menos em relação ao Louçã, atendendo que o debate tinha um tempo limitado e exigia uma grande contenção verbal, parece-me que as propostas de Eugénio Rosa não andam muito longe das do Bloco, que a serem aplicadas, nunca o seriam de imediato e necessitariam de estudo prévio.

14/09/2009

O impasse do conservadorismo nacional - II


Por típica moleza nacional ainda não tinha dado continuidade ao meu texto sobre o artigo de Pacheco Pereira, publicado no Público, de Sábado, 5 de Setembro. Mais rápido do que eu, alguém do blog Spectrum escreveu um post bastante bom sobre ele. Continuo, no entanto, a pensar que aquilo que quero dizer ainda poderá ser novidade e por isso mais uma vez me abalanço a comentar o referido artigo.

Em primeiro lugar, e porque isso tem sido nestas eleições o objectivo da direita, mas igualmente de Sócrates e do PS oficial, a classificação o Bloco e do PCP como os “dois partidos da esquerda mais extrema”. Pacheco Pereira classifica-os logo no título como da “esquerda revolucionária”.
Sócrates pouco incomodado com a fuga improvável de votos para o PCP, mas muito mais atordoado com a possível deslocação para o Bloco, chega mesmo a afirmar que este quer destruir a classe média portuguesa.
O primeiro-ministro segue mesmo aquela máxima que uma mentira repetida mil vezes pode parecer verdade. Assim, salta do frente a frente para declarações em comício e até, pasme-se, para a transcrição do debate, em tempo de antena na televisão, do seu ataque a Francisco Louçã, demonstrando que este, no afã de destruir a classe média, propunha a eliminação das deduções à colecta, o termo mais técnico, das despesas efectuadas com os gastos com a educação e a saúde. Bem pode toda essa retórica ser desmontada aqui, e noutros posts, provando que a proposta do Bloco se assemelhava a outras defendidas pelo cabeça de lista de Sócrates às europeias, Vital Moreira, estas sim bastante mais gravosas para a classe média. Houvesse mais escrutínio e independência jornalística, coisa que o Pacheco Pereira tem vindo a defender para ele e para o seu partido, mas nunca para os outros, que um qualquer órgão de informação teria denunciado esta manipulação do José Sócrates. Bastava fazer uma pequena investigação jornalística e recolher a opinião de alguns fiscalistas. Mas isso era se houvesse seriedade na imprensa.

Um segundo ponto, e este bem mais grave, que ressalta do texto de Pacheco Pereira: estão “ambos no ofício de parecer que são hoje o que não foram no passado próximo. Na verdade, embora o PCP e o BE sejam muito diferentes entre si, pela história, pela composição social, ambos estão como que presos num corpo sem cabeça. O corpo move-se bem, mas a direcção que é suposto ser a cabeça a dar está ausente, porque ambos perderam os "objectivos finais", perderam a grande estratégia, ou não a podem enunciar porque isso pareceria inaceitável em democracia.” E depois Pacheco Pereira enumera tudo aquilo a que eles são favoráveis mas que, por motivos de táctica, são obrigados a esconder. Logo o primeiro exemplo é elucidativo: “ambos desvalorizam as eleições "burguesas", mas estão transformados em partidos eleitorais”. Garante a seguir que eles não agem por “dolo”, mas “porque ficaram perdidos no meio de uma história que os condenou ao "movimento", como dizia Rosa Luxemburgo, e lhe retirou os "objectivos", os "fins", que não só não sabem como não podem enunciar.” É interessante que Pacheco Pereira recorra aqui ao livro de Rosa Luxemburgo Reforma ou Revolução, pondo estes dois partidos ao lado do reformista Eduard Bernstein, que Rosa critica, contra a revolução defendida por esta.
Mas passemos à crítica. Bem pode Pacheco Pereira, mais esperto que alguns dos seus epígonos, garantir que estes partidos não nos andam a enganar, mas que são simples náufragos da história. No entanto, Pacheco Pereira, mesmo que indirectamente, e alguns socialistas mais ousados (um deles já eu referi aqui ) voltam ao local do crime, ou sejam retomam uma velha tese da PIDE, de que os democratas que combatiam o fascismo, eram, na maioria dos casos, criptocomunistas, comunistas escondidos, que dizendo-se defensores da democracia pretendiam estabelecer o “domínio comunista”. Mas Pacheco Pereira ainda é mais rebuscado, e aí perfeito leitor dos Comunicados do Ministério do Interior do tempo de fascismo, é “porque com Louçã há dolo deliberado – ele sabe muito bem o que quer e não o diz –, mas não me parece que o mesmo aconteça com os eleitores do BE.” Ou seja, os chefes sabem muito bem onde querem conduzir as massas ignaras, tal como os agitadores comunistas que na clandestinidade conduziam estudantes, operários e outras grupos para as lutas, sabiam muito bem onde queriam chegar.

Há a seguir esse ataque mais desenfreado ao Bloco, que Pacheco há muito prossegue, associando-o às manifestações contra a globalização, à violência urbana, a todos os desacatos que por esse mundo têm lugar, mas que no nosso país, apesar dos esforços de Pacheco, de certas forças policiais, de alguns governadores civis mais irresponsáveis, e lamentavelmente de alguns meninos anarquistas, nunca se verificaram devido ao serviço de ordem montado e à grande experiência reivindicativa das massas trabalhadores. Assim, diz Pacheco: “em tempos de crise isso faz do BE uma organização que, por onde passa, deixa as sementes de um populismo, que começa na recolha de um voto de protesto radical mas que introduz agressividade e violência na vida política portuguesa. Brinquem e achem graça ao BE e depois queixem-se.” Ou seja, Pacheco, ameaça a burguesia – as classes médias – que se votarem no Bloco e lhe acharem graça, podem amanhã acordar, com os seus carros a serem queimados ou as montras das suas lojas a serem partidas. Já conhecíamos também da PIDE este tipo de prevenções.

Depois Pacheco enumera toda a fraseologia do Bloco e de Louçã, retirando-a do contexto, e explicando às massas o que ela significa e como tudo isto conduz “à repressão em nome da "justiça", dos "pobres", da "igualdade", da "revolução", é inevitável para se manter o "movimento". Perguntem a Chávez.
Aqui temos o paradigma já não dos comunicados da PIDE, mas da direita americana de que Pacheco tanto gosta, em que tudo o que não se coaduna com a literatura para almas ingénuas, como são as dos políticos americanos, já cheira a fogueira comunista que, como já acabou a União Soviética, é agora encarnada em Chávez.

Se Pacheco Pereira fosse um autor, em relação a esta prosa, para ser levado a sério, dir-lhe-ia, que tudo o que diz não tem qualquer consistência histórica. Não só ao considerar em 2009 o PCP como um partido revolucionário, e muito menos o Bloco de Esquerda, como o de chamar à colação a Rosa Luxemburgo. Esquecendo que na história do movimento comunista já muita coisa se passou depois da Revolução de Outubro. E que um partido como o Bloco de Esquerda já nada tem a ver com essa história, mas sim com os modernos partidos de esquerda, à esquerda da social-democracia, que por essa Europa, com maior ou menor êxito vão despontando, como por exemplo o partido da Esquerda Europeia, de que faz parte o Bloco.
Mas Pacheco Pereira fiel ao anti comunismo nacional, ressuscitando para uso caseiro a velha linguagem, um pouco disfarçada, da PIDE, mais não faz do que atacar o seu principal inimigo, ajustando contas como seu passado, já que o PCP, como objecto do seu trabalho, é melhor preservado dos seus dislates. Pacheco Pereira não perdoa que os da sua classe e profissão, e não o camponês atrasado do Alentejo ou o operário duma indústria em extinção, possam em qualquer altura votar Bloco e não na sua amada líder Manuela Ferreira Leite.

10/09/2009

Um belo post de José Neves. Como eu o gostaria de ter escrito.


José Neves, um jovem pensador das novas gerações, escreveu no 5 dias um texto exemplar, chamado Terceira margem – edição revista e aumentada, sobre o actual momento político e, acima de tudo, sobre as relações da esquerda. Uma crítica severa ao PS e provavelmente a todos aqueles, que nos seus cozinhados políticos, pensam há muito, deixando-se de romantismos, votar seguro e certo no PS, apesar deste ser chefiado por Sócrates, o político que pela sua postura e formação menos tem a ver com a esquerda em toda a história do PS. É, ao mesmo tempo, um elogia à possível e desejável subida eleitoral do Bloco e do PCP e à ruptura que esse facto provocará na sociedade portuguesa.
Provavelmente, por eu ser de outra geração, não escreveria assim, diria as coisas de outro modo, mais agressivas, mais datadas, mais enraivecidas, com contas a ajustar com o passado. Mas é de um jovem, sem o lastro de anos de política mal digerida, que vem este límpido e claro post sobre aquilo a que poderíamos chamar a verdadeira unidade de esquerda.

09/09/2009

Obrigado Vítor Dias


Vítor Dias num post escrito logo a seguir ao debate entre Louçã e Sócrates transcreve antigos textos seus, em que é muito crítico em relação aos benefícios fiscais dos PPR, pelas mesmas razões que Louçã, e ressuscita um artigo de Vital Moreira, criticados por ele, que propõe algo parecido, mas não o mesmo, sobre a eliminação dos benefícios fiscais em relação às despesas com a saúde e a educação.
Provavelmente pela minha ignorância nunca tinha ouvido esta discussão sobre a supressão dos benefícios fiscais para a saúde e para a educação. Por esse motivo, tendo percebido o que queria Francisco Louçã, achei mesmo assim um pouco arriscado para as seus objectivos eleitorais propor que os gastos com a saúde e a educação não servissem para descontar no IRS. Ora Vítor Dias, que já escreveu sobre tudo, conhecia estes espantosos textos de Vital Moreira, pena é que Louçã não os conhecesse, porque de certeza deixaria Sócrates de boca à banda se lhe dissesse que esta era também a opinião do seu ideólogo de serviço Vital Moreira. Como se percebeu, Sócrates demagogicamente serviu-se deste facto para meter medo à classe média com as propostas ditas “extremistas” e “radicais” de Francisco Louçã, que afinal também eram de Vital Moreira.
Também é perceptível pela leitura que Victor Dias faz do texto de Vital Moreira que há diferenças em relação ao que propõe Louçã, sendo a sua crítica às propostas do primeiro justas.
Não sei se seria esta a intenção de Vítor Dias, mas que o seu texto serve às mil maravilhas para retirar a Louçã a sua “tentativa de eliminar as classes médias”, como afirma o primeiro-ministro, e para atacar Sócrates é um facto.

07/09/2009

O impasse do conservadorismo nacional – I


Já foi publicado um post de Miguel Cardina sobre o artigo de José Pacheco Pereira (JPP), Debate Louçã – Jerónimo: O Impasse da Esquerda Revolucionária, publicado no Público, de Sábado passado. Esperando dizer coisas novas, aqui vai a minha reflexão pessoal sobre o tema.
Pacheco Pereira, por razões do seu trabalho como historiador, tem mantido com o PCP relações de amor-ódio, que por vezes chegam mesmo ao elogio ou, pelo menos, à sua defesa. Nesse sentido é manifesto uma maior complacência de JPP pelas posições do PCP do que pelas do Bloco. Mas este facto, que no caso de JPP poderá simplesmente coincidir com os seus interesses profissionais, tem expressão significativa num conjunto vasto de comentadores de direita.
E porquê? Quanto a mim, neste momento o PCP, depois da queda do Muro de Berlim e do desabar do mundo do “socialismo real”, desperta pouco receio na direita portuguesa. Estamos longe do ódio e do silenciamento com que o PCP foi tratado depois do 25 de Novembro de 1975, principalmente a quando dos Governos do PS, sozinho ou acompanhado, e da Aliança Democrática. Soares Carneiro, com a arrogância de todos os generais fascistas, chegou a afirmar que se ganhasse as eleições para Presidente da República permitiria a existência legal do PCP e que essa seria a melhor maneira de o aniquilar.
Hoje, o PCP, ainda mantendo o mesmo espírito dessa época, continua a gritar que é ele o mais perseguido e o mais mal tratado na comunicação social. Penso que isso já não corresponde à realidade. É que hoje a Festa do Avante, os comícios do PCP e as opiniões do mesmo são vistas pelos media dominantes, por uma lado, como aquele turista que visita a reserva de índios, achando-lhes muita graça, mas que não se quer misturar com eles, e por outro como um património importante do nosso passado político, em que se mostram os heróis, quando eles já estão mortos e não podem voltar a agir. No entanto, é bom que se diga que a ofensiva ideológica contra o comunismo não esmoreceu, quer internacional quer nacionalmente. Com certa regularidade são publicados livros a demonstrar quão terríveis eram aquela ideologia e a experiência que dela se podia retirar. Mas isto é outro tema.
Já agora, porque vem a talho de foice, quando ontem no debate entre Manuela Ferreira Leite (MFL) e Francisco Louçã, aquela falou que as nacionalizações do pós 25 de Abril tinham arrasado o tecido produtivo português e que, por isso, já se sabia no que dariam as actuais propostas do Bloco, todos os comentadores das televisões informativas (ver o post anterior), com aquele sorriso alvar que caracteriza a direita, acharam que tinha sido a melhor intervenção de MFL. Ou seja, o PREC ainda mete medo à nossa direita.
Podemos dizer que o artigo do JPP é todo ele contra o Bloco, tema que já não é novo naquele articulista e que demonstra que este partido pode ser na conjuntura actual, ao contrário do que pensa o PCP, aquele que maiores engulhos trará ao cinzento quotidiano da política portuguesa.
Como já afirmei em post anterior, o Bloco pode ser, se para isso tiver capacidade e agilidade, a força política capaz de desbloquear o círculo vicioso em que se tem movido nos últimos anos a esquerda portuguesa, com um Partido Socialista a mostrar-se de esquerda quando está na oposição ou, como agora, em véspera das eleições, e a ser de direita quando está no Governo, e um PCP bloqueado, que mantém a sua identidade para não perder votos e a não poder ganhá-los porque a conserva. O Bloco aparece, à esquerda, como a força que é capaz de captar todos aqueles que no PS ansiavam por uma política de esquerda, mas que não se reviam no PCP, alguns comunistas que desejavam uma modificação na esquerda portuguesa ou no conjunto de independentes que flutuavam nesta área política.
No artigo seguinte prometo que, com mais rigor e menos subjectividade, fazer a apreciação da crítica que JPP faz ao Bloco e ao PCP.

06/09/2009

Asfixia democrática


Realizou-se esta noite, como todos sabem, o debate entre Francisco Louçã e Manuela Ferreira Leite na TVI. Logo a seguir, todos os canais por cabo que se dedicam à informação, e são três: SIC Notícias, TVI 24 e RTP N, arrancaram com um leque de comentadores para apreciarem o debate.
Em nenhum dos canais, e parece que os comentadores foram todos escolhidos a dedo, não houve ninguém que ideologicamente estivesse à esquerda do PS. Já se sabe que foi um fartote, quem mais mal dizia das propostas do Bloco de Esquerda.
Não houve da parte de qualquer dos canais a preocupação de um balanceamento, de apresentarem diversos pontos de vista. E mais, sem conhecer todos os comentadores, diria que foram escolher os mais reaccionários. Nem sei mesmo se estava alguém próximo do PS.
Na SIC Notícias estava a Inês Serras Lopes, bem conhecida pelas posições reaccionárias e um economista, João Duque, também altamente conservador, e outro, que não me lembro. Na TVI 24 estava o José Manuel Fernandes, director do Público, fresco também, e outros dois do mesmo jaez. Na RTP N, onde se esperaria maior imparcialidade, foram juntar Carlos Abreu Amorim, que prima pelas reaccionarices que diz, Joaquim Aguiar do mesmo estilo e alguém do Expresso.
Se isto não é a verdadeira asfixia democrática de que Manuela Ferreira Leite acusa o PS, então o que é? Já se sabe que esta senhora nada tem contra esta situação. Mais, parece que ela foi criada mesmo para a defender e ao bloco central da boa performance de Francisco Louçã.
São estas coisas que o Sr. Pacheco Pereira sempre muito atento ao controlo da informação não é capaz de denunciar.
P.S. (7/8/09):
o outro da SIC Notícias era o Paulo Baldaia, director da TSF e socratista, até ver, dos quatro costados. Parece que este tema causou a devida indignação na blogosfera. Ainda bem. Assim reparo no 5 dias, no Entre as brumas da memória e no Avatares de um desejo, de onde foi retirado o primeiro post referido.

O caso de que se fala


Como já devem ter previsto o caso de que se fala é o da suspensão do Jornal Nacional, da TVI, das sextas-feiras. Segundo os analistas políticos, transvertidos agora em politólogos, parece que esta suspensão está a provocar profundos estragos na estratégia eleitoral do PS e até nos possíveis resultados eleitorais deste partido.

Comecemos pelo princípio. Vi raras vezes o Jornal Nacional e quando ele começou a ser falado tive o cuidado o visitar, mais para me actualizar sobre o caso Freeport, que foi neste blog bastante referido, do que verdadeiramente pela informação prestada. Podemos dizer que o Jornal Nacional, era o protótipo do populismo, tão de agrado direita inculta portuguesa e do lumpen-proletariado citadino, sempre pronto a pescar nas águas turvas do Paulo Portas ou do Santana Lopes. Era uma coisa intratável, muito do género do que se faz na América do Norte, segundo dizem, e do que povoa as televisões latino-americanas, também segundo opiniões alheias.
Nesse sentido, percebe-se que no último Eixo do Mal, da SIC Notícias, Clara Ferreira Alves, considerando este jornal aberrante e a sua autora uma jornalista desclassificada, ache bem a sua suspensão e mostre alívio por o mesmo desaparecer.
O que se me oferece dizer sobre esta opção.
Este tipo de jornalismo, populista, dirigido a alguns políticos específicos, nada objectivo e apelando aos sentimentos mais baixos e rasteiros da opinião pública, há muito que existia – veja-se os jornais tablóides –, só não tinha lugar nas televisões. Nelas estávamos habituados à respeitabilidade e seriedade na informação, que, no entanto, vinha de há uns anos para cá a ser alterada, tanto na TVI como na SIC, dado que tinham começado a recorrer ao sangue e às misérias individuais para aumentar as audiências. Contudo, temos que ser claros, aquela informação dita objectiva, a que existia na RTP, praticou durante muitos anos a censura mais rasteira e a desinformação mais descarada. Estou-me a lembrar, porque segui este assunto de perto, do caso dos hemodialisados de Évora, num dos Governos de Cavaco Silva, cuja morte foi devida à qualidade da água que lhe era injectada nas veias, e que a televisão pública, numa manobra de censura e manipulação de informação, conseguiu fazer passar a ideia de que a culpa era da Câmara Municipal de Évora, nessa altura gerida pelo comunista Abílio Fernandes, porque as águas de abastecimento público tinham valores de ferro que ultrapassavam os limites superiores estipulados na lei, e não do Hospital, que injectava essa água directamente nas veias dos pacientes, para economizar, sem a fazer passar por um sistema de osmose inversa que retivesse o ferro existente na água de abastecimento. Estou recordado que foi devido à existência da SIC, nos bons tempos iniciais, em que esta dedicava grande espaço televisivo aos programas de informação, que foi possível esclarecer este assunto e que acarretou posteriormente o julgamento e a acusação dos médicos envolvidos no processo. Não existisse a SIC, e a RTP, com toda a seriedade informativa, conseguia manipular a opinião pública de modo a culpar a Câmara comunista das malfeitorias do Hospital.
Portanto, este exemplo, só vem ilustrar como nem sempre a informação séria é aquilo que pensamos e como a mesma pode censurar e manipular a seu belo prazer.
Tudo isto para concluir que, havendo diversas opções, aquele tipo de televisão não deve ser abafado, até porque pode permitir o contraditório, não podemos é permitir que, devido aos interesses dos grupos capitalistas envolvidos, ele se torne dominante e consiga abafar a outra informação. É bem verdade, que no nosso país, dada a estrutura frágil e dependente dos nossos grupos económicos, é difícil durante muito tempo uma televisão privada manter no ar informação que deliberadamente hostilize o poder vigente. Mas isto acontece enquanto for o bloco central a mandar. Forme-se um governo de esquerda, hostil aos grupos económicos, e ver-se-á imediatamente as campanhas que estas televisões serão capazes de desencadear. Por isso, se deve manter sempre uma televisão pública forte e com audiências, capaz de na devida altura responder a estas ameaças asfixiantes da democracia.
Já agora, para aqueles que tem muitas preocupações com o que se passa na Venezuela e em alguns países latino-americanos, gostaria de informar que a maioria dos canais televisivos desses países praticava um jornalismo deste tipo. Como não existiam televisões nacionais com a projecção devida, quando as forças progressistas ganham as eleições aquele tipo de televisões, arruaceiras e de extrema-direita, controladas pelos grandes grupos económicos, se não pelos norte-americanos, são normalmente lestas em desencadear em uníssono campanhas de desinformação contra os novos governantes. Quando, de acordo com a lei, são retiradas a essas televisões a concessões que lhe tinham sido concedidas, ai que é a liberdade de informação que está em jogo. Conhecemos a história.

No mesmo programa do Eixo do Mal, Daniel de Oliveira, vem defender, contra a opinião de Clara Ferreira Alves, a intocabilidade de programas deste tipo, já que considera a liberdade de informação um valor absoluto, que não pode estar submetida aos interesses dos governos ou das empresas. É evidente que aqui Daniel de Oliveira leva longe de mais a sua absolutização da liberdade de imprensa. Em primeiro lugar temos que saber como é que este programa foi criado. Não foi devido ao prestígio de jornalista de Manuela Moura Guedes que ele lhe foi atribuído. Por exemplo, Marcelo Rebelo de Sousa tem prestígio e jeito, vale por si. Ninguém o convida por ser do PSD e ser professor doutor, mas sim pelas audiências e prestígio que trás à televisão. Já tenho mais dúvidas sobre António Vitorino. Ora a apresentadora do Jornal Nacional estava lá por ser unicamente mulher do “patrão”, José Eduardo Moniz, afastado este eis que a mulher lhe segue os passos. Portanto não estamos aqui perante um atentado à liberdade de informação, mas provavelmente ao acabar com um caso simples de nepotismo familiar. Por isso, tenhamos alguma moderação naquilo que dizemos e não transformemos uma menina rabina e de poucas letras, numa heroína da liberdade de informação em Portugal.

Resta por último a posição daqueles que por ódios antigos, Cintra Torres, no Público, ou por aproveitamento eleitoral evidente - a posição de Pacheco Pereira e de Manuela Ferreira Leite, e do factótum Cavaco Silva - quiseram transformar este caso num ataque do PS à liberdade de informação. Isto são guerras em que não me quero meter. Não posso, no entanto, deixar de constatar que Sócrates, quando ainda os ventos da política lhe corriam de feição achou por bem desencadear um ataque em forma aquele Jornal Nacional, com aquele ódio e aspereza que se lhe conhecem e que o tornam um político arrogante e sobranceiro. Neste momento está por isso a colher as tempestades que semeou e é bem feita, porque todas as que lhe caiam em cima são o resultado de quatro anos de um Governo pesporrente, dono e senhor do poder.

05/09/2009

O "extremismo" volta a atacar

Alguma esquerda não alinhada partidariamente, sempre impulsionada pela pulsão unitária, atitude louvável, mas nem sempre produtiva, vinha há muito defendendo uma aliança para derrotar a direita e empreender um novo rumo para a esquerda.
Como Sócrates parecia de pedra e cal – os resultados das sondagens, mesmo que não confirmassem a maioria absoluta, garantiam uma confortável maioria governamental, que com algum esforço poderia dar em absoluta –, todas as preocupações se viravam para o que iria fazer Manuel Alegre, depois de gorada a criação de um novo ente político que fosse capaz de dar continuidade aos encontros do Trindade e da Aula Magna.
Como o oráculo nada disse, só restava apelar para a eleição de uma maioria de esquerda para Câmara de Lisboa. Assim, surgiu um abaixo-assinado para uma convergência de esquerda para Lisboa. Eu próprio fui um dos seus subscritores, alertando logo para o perigo que se poderia correr de o mesmo servir os objectivo políticos de António Costa e não o da criação dessa maioria em Lisboa.
Lamentavelmente, foi isso que veio posteriormente a acontecer (ver aqui), simplesmente num tempo em que as condições políticas já se tinham degradado extraordinariamente. Sócrates e o PS convictos dos resultados das sondagens, nunca esperaram pela derrota estrondosa que tiveram em 7 de Junho, nas eleições para o Parlamento Europeu. Nem eles, nem esta esquerda a que tenho vindo a fazer referência. Por isso, com alguma pressa se tentou, mas sem grande êxito, virar as baterias para um novo apelo a uma maioria de esquerda para derrotar Manuela Ferreira Leite. Simplesmente Sócrates e os seus amigos não ajudavam nada. Correram com Manuel Alegre e os seus companheiros das listas. A única abertura à esquerda foi a inclusão de Miguel Vale de Almeida, que se prestou a isso, mas que abrange um grupo muito específico de votantes. A manobra com Joana Amaral Dias não resultou. E por aqui nos ficamos nas aberturas à esquerda.
Por isso, a esta esquerda desalinhada só restou e só resta, gorada qualquer aproximação a Sócrates, batalhar para que o Bloco, já que não têm qualquer esperança em relação ao PCP, se proponha participar e apoiar um governo de esquerda. Simplesmente, a expressão pública destas iniciativas e propostas é diminuta. A campanha eleitoral está aí em força, com outros temas, não facilitando de modo algum estes apelos ou estas propostas.
Ao contrário do que sucedeu com as listas do PS para a Assembleia da República, António Costa teve êxito nas suas iniciativas. Conseguiu captar, como já se esperava, José Sá Fernandes, que oportunamente arranjou uma associação política que lhe deu cobertura para a sua inclusão na lista do PS. E fez um acordo “coligatório” com Helena Roseta, dando cumprimento, a uma antiga proposta sua de uma coligação PS mais Manuel Alegre (ver aqui). Foi isto que levou alguns a considerarem que se não houve uma coligação de banda larga para Lisboa houve, pelo menos, uma de banda estreita (Expresso, 22/08/09).
Feito este enquadramento, que me pareceu indispensável para se compreender o que vem a seguir, retomo aquilo que me trouxe aqui, que foi mais uma vez a referência explícita de António Costa, na Quadratura do Círculo, desta quinta-feira, aos partidos extremistas, que recolhem o voto de protesto. Como já aqui referi, estes epítetos de António Costa não são novos, mas depois de vir defender uma coligação para Lisboa com os partidos à esquerda do PS: Bloco e PCP, os tais partidos extremistas, e continuar a classificá-los como tal, leva-me a pensar que a sua posição nunca foi séria nem honesta, porque não nos coligamos com aqueles que consideramos extremistas, e que foi sempre uma grande treta, acalentada por alguns, a sua vontade de unidade à esquerda. Conseguidos os objectivos mais imediatos, e que parece, e ainda bem, lhe vão permitir derrotar Santana Lopes, eis que a máscara unitária se desfaz com já tinha acontecido no próprio Congresso do PS, ou nas referências reiteradas que tem vindo a fazer aos partidos extremistas no programa Quadratura do Círculo.

02/09/2009

Como o "social-fascismo" irrompe na campanha eleitoral


Não será o assunto mais importante. Só um coca-bichinhos como eu se dedicaria a escrever sobre este tema exótico, quando a campanha eleitoral está aí em força, cheia de pequenos fait-divers que permitem trocadilhos chocarreiros, como as afirmações disparatadas da mandatária para a juventude do PS – a dos caroços e da empregada.
No entanto, foi sobre as afirmações relativas ao social-fascismo que me resolvi debruçar.
Vital Moreira já tinha dado o tom. Na crónica semanal que tem no Público, publicou na semana passada (25 de Agosto) um artigo intitulado Arcaísmos de esquerda (sem link). Entre outras asserções provocadoras para a esquerda, à esquerda do PS, tem esta afirmação:
Ao ouvir certas declarações mais destemperadas de alguns dirigentes do PCP e BE (ver os seus últimos congressos), dir-se-ia que voltámos ao tempo em que os partidos estalinistas qualificavam de “sociais-fascistas” os partidos sociais-democratas, contribuindo dessa forma para abrir um fosso irreparável na luta contra a ascensão do nazismo e do fascismo nos anos 30 do século passado. Agora, é evidente que não está em causa sequer o regime democrático, mas não podem restar muitas dúvidas de que a principal prioridade de tais partidos é derrotar o PS, mesmo que isso acarrete, como seria inevitável, a entrega do poder à direita”.
Irene Pimentel não lhe quis ficar atrás, ou não fosse Vital Moreira o ideólogo oficial do socratismo, e assim num post no Simplex apesar de dizer “que jamais utilizaria a História para comparações abusivas com a realidade actual”, afirma depois, “se o fizesse, vir-me-ia logo à cabeça a forma como o Partido Comunista Alemão contribuiu para a subida de Hitler ao poder, ao erigir os sociais-democratas como «sociais fascistas». Claro que, ao ser criado o primeiro campo de concentração em Dachau, foram lá encarcerados tanto sociais-democratas como comunistas, mas o mal já estava feito. Upsss! Do que me fui lembrar e até estou a dar ideias!”. Este post retorquia a um texto crítico de José Neves no 5 dias (foi uma grande “contratação” para aquele blog) e que mereceu deste a devida resposta.
Na minha área política, os renovadores comunistas, também é frequente recordarem-me em relação a esta campanha eleitoral os tristes dias da ascensão de Hitler ao poder e esta posição ultra-sectária da Internacional Comunista e do PC alemão.
Como escrevi um longo texto sobre o assunto, diria com algum carácter pioneiro entre nós, já que a maioria dos textos escritos por alguns historiadores comunistas se referem à radical ruptura da Internacional, em 1935, no seu VII Congresso, com esta posição, sinto-me na obrigação de me referir a este tema lançando algumas pistas que os textos em causa esquecem.
Em primeiro lugar quem utilizou em Portugal o termo social-fascista foram os "esquerdistas", nos ataques que dirigiam ao PCP, antes e depois do 25 de Abril. Era vulgar o MRRP e posteriormente a AOC, cujo o chefe era um conhecido provocador, chamado Eduíno Vilar, acusarem o PCP de ser social-fascista, na sequência das posições dos maoistas, que acusavam a União Soviética de ter um comportamento social-imperialista e de os partidos que a apoiavam serem sociais-fascistas. Na altura, esta designação, que os maoistas tinham ido buscar ao léxico da Internacional Comunista, do início dos anos 30, soava aos ouvidos da juventude esquerdista como uma grande novidade terminológica, esquecendo-se do seu triste passado. Mas na sequência destas críticas, a rapaziada o PS, a que andava de braço dado com alguns AOC, aqueles que afirmavam que um voto na AOC era uma espinha cravada na garganta do Cunhal, muitas vezes no entusiasmo da crítica deixaram-se arrastar por esta terminologia e chamavam sociais-fascistas aos militantes do PCP.
Por isso, alguns ideólogos do PS seria bom que metessem a mão na consciência e vissem quem iniciou e utilizou no passado esta terminologia.
Em segundo lugar, Vital Moreira ainda afirma que esta classificação dos sociais-democratas como sociais-fascistas abriu “um fosso irreparável na luta contra a ascensão do nazismo e do fascismo nos anos 30 do século passado”, já Irene Pimentel provavelmente menos preparada ideologicamente afirma: “vir-me-ia logo à cabeça a forma como o Partido Comunista Alemão contribuiu para a subida de Hitler ao poder, ao erigir os sociais-democratas como «sociais fascistas»”. Nesta citação aquele chavão não enfraqueceu unicamente a luta mas contribuiu igualmente para a subida de Hitler ao poder. Já estamos pois no perfeito delírio de atribuir aos comunistas alemães a responsabilidade de um facto que em primeiro lugar, tem origem na direita, que com um medo atávico do avanço dos comunistas alemães preferiu vender a República de Weimar ao seu carrasco, do que permitir a ascensão eleitoral do PC alemão.
Como exemplo histórico é péssimo , já que o sectarismo era comum aos dois partidos, aos sociais-democratas e aos comunistas alemães.
A crítica ao ultra-esquerdismo da Internacional Comunista desses anos pode ser citada como exemplo em relação ao actual sectarismo do PCP, mas nunca pode servir para isentar o PS de Sócrates de um comportamento direitista e igualmente sectário em relação às forças à sua esquerda, cujo o exemplo mais chocante é o artigo já referido de Vital Moreira. Nem pode muito menos servir de apelo ao voto útil no PS, como ingenuamente nos querem convencer os ideólogos daquele partido.
Por último gostaria de lembrar que foi a própria Internacional, ainda no tempo de Estaline, que fez a crítica severa a estas posições ultra-esquerdistas, e defendeu posteriormente, a partir do VII Congresso (1935), a união de socialistas e comunistas naquilo a que viria a chamar-se as frentes populares, que tanto êxito tiveram na França, na Espanha e no Chile. Quem no nosso país sempre denegriu o frentismo, criticando-o e achincalhando-o mesmo, foram alguns socialistas, de que de certeza Vital Moreira é herdeiro, que consideravam que estava ultrapassado pelo socialismo moderno e que não passava de um velharia histórica. Era bom pois que metessem todos a mão na consciência e não falassem de cor sobre assuntos bastante sérios, que dificilmente se enquadram na actual chicana política.
No cimo, fotografia de Rosa Luxemburgo, uma das fundadoras do Partido Comunista Alemão, assassinada em 1919, com a cumplicidade da social-democracia de direita. Uma pequena homenagem.