26/11/2010

Algumas conclusões políticas para a esquerda da Manifestação anti-NATO e da Greve Geral


Hoje, na sociedade portuguesa, verifica-se um claro fenómeno de crise social, com a pauperização das classes trabalhadoras, de crise económica, com a destruição da indústria produtiva, e política, com a incapacidade do principal partido do Parlamento de governar. Este facto tem acarretado uma crescente radicalização à esquerda. Acresce ainda o clima social vivido em alguns países da EU, tais como a Grécia, a França e a Grã-Bretanha, que tem alimentado o imaginário de certa esquerda. É pois neste clima que se movem os principais actores da esquerda.

Tendo em atenção este facto, torna-se impossível os principais partidos à esquerda do PS poderem contemporizar com este, principalmente com o seu Governo e com o seu chefe incontestado, José Sócrates. O PS pela política defendida e pelas propostas de Orçamento e de PECs apresentadas tem-se vindo a isolar cada vez mais da sua esquerda, praticando uma clara política de colaboração com a direita. Apesar de algumas vozes, que não chegam aos céus dos media, virem regularmente apelar para que se faça mais um esforço de diálogo entre o PS e as forças à sua esquerda, nunca isso esteve tão distante. Daí as dificuldades que a candidatura de Alegre enfrenta.

Como têm o Bloco e o PCP reagido a esta situação? O Bloco apresentando-se cada vez mais como um partido da esquerda não conciliadora, tentando sempre apresentar alternativas que forcem a sociedade portuguesa a evoluir para a esquerda. Há muito que ficaram para trás as causas fracturantes, que facilmente foram recuperadas pelo PS, e se virou para as preocupações sociais e do desenvolvimento económico. Recorrendo a certos chavões da gíria política, tornou-se um partido responsável, reformista e integrado no sistema, apesar de recusar, e bem, qualquer colaboração com o PS chefiado por Sócrates, mas apoiando um candidato da ala esquerda daquele partido, que em tempo oportuno soube dialogar com ele.

O PCP, seguindo na prática uma política semelhante, utiliza na sua definição ideológica e no seu convívio com as demais forças políticas um acentuado sectarismo e esquerdismo verbal, que o arrastam permanentemente para o isolamento, que de um modo geral é procurado, e que no campo internacional o levam a defender as coisas mais indefensáveis. Dai a apresentação de um candidato próprio à presidência da República, sem carisma e sem qualquer relevância política, a não ser dentro do seu partido. Deste facto resulta que na prática as votações do Bloco e do PCP sejam semelhantes na Assembleia da República, mas que depois na vida real não haja quaisquer consequências unitárias ou de acção comum, excepto aquelas que se desenvolvem no âmbito sindical, mesmo aí depois de muitas negociações e de pequenas escaramuças.

A radicalização da sociedade portuguesa acarretou o aparecimento, cada vez com maior visibilidade, do velho esquerdismo, sempre latente desde os anos 60 e 70 na sociedade portuguesa. Hoje simplesmente ele manifesta-se de maneira diferente. Não temos partidos a reivindicarem-se do passado do PCP, mesmo a tentar refundá-lo ou a criar um novo. Temos jovens anarquistas a lutarem contra o sistema ou alguns esquerdistas a assumirem que a luta é contra o capitalismo e não pela sua reforma. Mas temos também, e não tínhamos, ecologistas, mais ou menos radicais, ou apologistas de um viver alternativo à actual sociedade capitalista. Não sendo iguais, conservam igual radicalidade dos tempos antigos. E a crise social e económica do capitalismo tem os vindo a alimentar e a fazer progredir. Em que é que isto se reflecte nas relações destes grupos com os partidos de esquerda com representação parlamentar? Em primeiro lugar, o afastamento de alguma desta gente, os anarquistas nunca lá estiveram, do Bloco. Em segundo, uma recusa total em apoiar Manuel Alegre, o candidato também de Sócrates, como dizem. Em terceiro, uma certa aproximação ao PCP, com a esperança nunca verificada, de que este partido apoiasse um candidato unitário não comprometido com o PS, ou que, dado o seu esquerdismo verbal, os viesse a secundar na sua crescente radicalização social e política.

Em que é que as últimas lutas: manifestação anti-NATO e da Greve Geral, alteraram esta situação? Um maior afastamento dos movimentos radicais do Bloco, considerado um partido do sistema, ao aceitar integrar a parte da frente da manifestação anti-NATO e ao distanciar-se dos grupos que integravam a PAGAN, outra das plataformas que se propunha lutar contra a cimeira daquela organização militar, apesar de alguns dos seus aderentes continuarem a participar nela. E de não terem defendido uma manifestação no final da Greve Geral e terem-se ficado por um espectáculo de variedades na Praça da Figueira. Mas acima de tudo, e anterior àqueles factos, por ser um partido que concentra grande parte de sua actuação no Parlamento e apoia Manuel Alegre.
Em relação ao PCP, apesar de nunca terem morrido de amores pelos comunistas, achavam que teriam alguns pontos em comum. Rapidamente, na manifestação anti-NATO, verificaram o que é a acção trauliteira e sectária do PCP e é vê-los na net a desenterrar todo o conjunto de adjectivos que os seus pais espirituais de há cerca de quarenta anos despejavam sobre aquele partido. Por último organizaram uma manifestação anti-capitalista no dia Greve Geral, que garantem que foi um êxito, seguida de ocupação de uma casa da Câmara que estava devoluta . Tudo acções que não contaram com o apoio da CGTP e por tabela do PCP. A defesa do Francisco Lopes, como candidato à Presidência da República pelo PCP, também não tem contribuído para a sua aproximação àquele partido.

A esquerda está hoje profundamente dividida. Verifica-se de facto uma crescente esquerdização de sectores minoritários da sociedade portuguesa. Espero, no entanto, que isto seja o sinal de que alguma coisa está a mudar, que a correlação de forças será diferente no futuro e que possamos um dia ter a esperança de ter uma “esquerda grande” a governar este país.

25/11/2010

Quinteto Académico



Depois da Greve Geral, não há nada como festejarmos o seu êxito com humor. Descobri esta pequena pérola no blog Blogre

24/11/2010

Ainda as manifestações anti-Nato, algumas reflexões avulsas


Gostaria de começar por uma aforismo inventado por mim: quem anda metido em casa alheia dificilmente trata da sua. Vem isto a propósito de, depois de ter tratado com algum desenvolvimento a prisão de um espanhol e de uma portuguesa na fronteira do Caia e as notícias que sobre o assunto apareceram nos media, deixei por alguns dias de escrever sobre as prisões, a repressão e as manifestações ligadas à cimeira da NATO, em Lisboa. Tudo isto porque andei a consultar blogs alheios e a escrever comentários numa série deles. Quase parecia o Vítor Dias que, apesar de ter o seu sempre actualizado, não perdeu nenhuma ocasião de combater os “heréticos” que se pronunciaram sobre o assunto.

Podemos dizer que os dias que antecederam a cimeira só vieram confirmar aquilo que eu escrevi anteriormente. A fonte da contra-informação foi a polícia, que não perdeu nenhuma oportunidade de se pronunciar e de impedir a entrada de manifestantes estrangeiros só porque traziam comunicados anti-NATO (ver aqui), e a comunicação social que reproduziu passivamente os pontos de vista daquela força, quando não açulava a sua intervenção. Como Glórias do Jornalismo Português, retirando aqui o título ao Vítor Dias, há que destacar, não por mim, mas num comentário ao post do José Neves, esta reportagem de Sandra Felgueiras para o Telejornal da RTP (ver minuto 32.28) que, com grande acinte, dizia, no final da mesma, que os manifestantes, não “oficiais” (digo eu), já estavam “embriagados” ou ainda a reportagem de Paulo Moura, no Público, saborosamente comentada por José Neves.
Há que destacar igualmente as actividades de José Manuel Anes, já por mim referenciado em vários posts, que na TVI, na 6º feira ao almoço, teve o desplante de afirmar, depois de ter garantido que os Black Bloc já cá estavam todos, afinal não tinham vindo por falta de fundos, reproduzindo uma notícia do Público desse dia.

Dito isto gostava de relembrar como é que terminava um dos meus posts anteriores: “mas o que é verdadeiramente grave e atentatório das liberdades é a recomendação” – de um major da polícia – “de que os manifestantes devem evitar a "associação a grupos com cariz anarco-libertário". Então já é o major que decide quem é que participa na manifestação?
E não é que decidiu mesmo. E pior ainda, com a colaboração do serviço de ordem da manifestação do grupo Paz sim! NATO Não!. Sem querer relatar nada, porque não estive lá, por razões que não vêm ao caso, remeto para as descrições de dois jovens amigos em quem deposito toda a confiança, uma é a do José Neves, já por mim atrás referida, e outra do Ricardo Noronha.

Para terminar gostava de fazer algumas reflexões finais. O Bloco de Esquerda foi muito criticado por ter participado na parte da manifestação que se agrupava debaixo da plataforma Paz Sim! NATO Não!, ficando assim “credenciado”, segundo a expressão de um dos membros do serviço de ordem daquele grupo, para poder descer a Avenida. Se é certo que nem todo o Bloco esteve aí. Foi referido publicamente, que o Mário Tomé, o deputado José Soeiro e outros, que eu vi na reportagem da SIC, foram na manifestação enquadrada pela polícia, a direcção do Bloco, no entanto, estava na da frente. José Neves e também outros, fazem referências depreciativas ao seu local de participação. José Neves descreve mesmo com alguma ironia o que foi a história do PSR, um dos grupos fundadores do Bloco. Eu, e porque ouvi o Louçã falar sobre este assunto, compreendo um pouco a posição do Bloco. Há alguns tempos para cá que nas manifestações ditas unitárias ou organizadas pela CGTP começa a haver a preocupação de tentar impedir a entrada do Bloco ou deste só desfilar quando os organizadores entendem. Ou seja, correspondendo ao agravamento sectário do PCP, há cada vez maior preocupação em escorraçar o Bloco, de o atirar para fora das manifestações. É nesse sentido, que o Bloco não pode de modo algum tolerar que haja donos das manifestações, por isso força a sua participação e evita isolar-se do conjunto dos manifestantes. Tenho quase a certeza que foi este o caso. No entanto, há quem ache que isto é uma cedência. Eu penso o contrário.

Por último discordo profundamente deste tipo de prosa publicada no blog Arrastão: “… o braço sindical do PCP, a CGTP, se tornou a central sindical do regime, institucionalizada e pronta a pegar em armas de forma controlada e ordeira, quais cordeiros arrebanhados pela força das circunstâncias.” Para além de revelar algum esquerdismo sectário, permite placidamente que se instale nas pessoas a ideia que a CGTP é do PCP, quando ela é a arma sindical dos trabalhadores e é a única força unitária de que dispõem. Quanto mais se disser que ela é do PCP mais este se convence que é verdade. A nossa luta é para que ela se transforme numa verdadeira Central Sindical de todas as forças que nela participam.

Pensava também fazer uma crítica aos “belos” pedaços de prosa que o Vítor Dias foi espalhando por diferentes blogs em comentários aos vários posts “heréticos”, mas como a nossa caturrice não leva a lado nenhum, por aqui me fico

23/11/2010

Greve Geral


Eu não posso fazer, porque já estou reformado. Mas fiz muitas e organizei, no meu local de trabalho, algumas. Há todas as razões para ser feita. Que seja um êxito!

18/11/2010

Quando as polícias são a fonte da contra-informação e os jornalistas os seus divulgadores passivos


Depois de ter escrito o post anterior sobre a detenção de um espanhol e de uma portuguesa que transportavam “armas brancas” e “panfletos anarquistas e anti-polícia”, segundo as próprias palavras de quem os deteve – facto que eu desconhecia –, resolvi perder umas boas horas a fazer uma pesquisa no Google para saber o que é que os media tinham de facto dito, já que me baseei unicamente no que vi na TV, em algumas notícias do Público, as mais inócuas, e numa notícia da TSF, que transcrevi.

A primeira conclusão que tirei é que, com pequenas variações, todos as notícias repetem o mesmo, tendo sido provavelmente cozinhadas com a ajuda dos faxes da Agência Lusa. Depois, percebe-se que a principal fonte de informação é a GNR, até posso citar um oficial que deu as informações (ver TSF ) e provavelmente do SEF (ver vídeo da TVI 24). Aquilo que eu no post anterior denominei acções de contra-informação do Governo e da Nato são de facto destas duas polícias. As TVs têm mais informação porque enviaram ao local, neste caso à fronteira de Caia, jornalistas que relatam in loco, entrevistando os oficiais da GNR ou do CEF, as informações ou desinformações que estes queiram prestar.
Fica claro que na noite de segunda para terça-feira, por volta das 4h00 da manhã, foram presos um espanhol e uma portuguesa, que se dirigiam para Portugal por aquela fronteira. Há uma reportagem da SIC (a mais completa que conheço e que vale a pena ver) em que se diz que eles vinham no Expresso Madrid Lisboa, quase todas as outras garantem que vinham num carro. Uma tal jornalista do Diário de Notícias, chamada Valentina Marcelino, afirma que foi por encontrarem roupas negras no porta-bagagens que a polícia desconfiou que eles pertencessem ao Black Bloc e os recambiou para o outro lado da fronteira. Esta jornalista manifesta uma clara imaginação, parece que já é contumaz, pois a sua descrição não corresponde ao que foi declarado pelas polícias.
É provável que Valentina, de mãos dadas com José Manuel Anes, queira confirmar a tese daquele de que eles já estavam todos cá.
Portanto, o que se sabe é que depois de uma revista ao porta-bagagens do carro, foram encontradas armas brancas. Na reportagem da SIC já referida vêem-se as armas, a tal catana de 40 cm - se alguém souber o que é uma catana, uma que só tenha 40 cm é bem pequena - depois uma navalha tipo borboleta, que eu não sei bem o que seja, e um estilete, também pequeno. Foi por isto que a maioria das notícias afirma, e provavelmente de acordo com a rádio Elvas, que estes cidadãos foram levados a tribunal e numa acção sumária foram condenados a pagar 1800 euros, cada um, e às custas judiciais, que ficaram pelos 500 euros. O tribunal recusou-se a confirmar esta notícia. Logo a seguir o cidadão espanhol foi expulso para Espanha e, de acordo com as declarações de um GNR feitas para uma televisão, estas já escutadas por mim, a cidadã portuguesa acompanhou-o.
Resta no meio disto tudo a informação prestada pela GNR e pelo CEF sobre os panfletos. Alguns jornais chamam lhes cartazes, mas aquilo que foi mostrado na tal reportagem da SIC são panfletos, que eram de má qualidade porque eram fotocópias, o que não é razão, e estavam escritos em espanhol – óptimo para convencer portugueses. Naquele que nos é mostrado vê-se um polícia, mas não se consegue ler o que lá está escrito, no entanto a SIC sublinhou duas frases, uma: “torturam, maltratam e gozam de impunidade”- veja-se o caso do cantor negro rapper que foi assassinado numa operação stop - a outra “eles expulsam emigrantes” - parece que não é verdade -. Já se sabe que, pela voz das tais entidades, os panfletos são de cariz anarquista – esta do cariz é minha – e anti-polícia a que alguns acrescentam com apelos à violência. Como eu já vos tinha afirmado no post anterior, quer numa reportagem da SIC Notícias, quer na TSF, desaparece o termo anarquista e os panfletos passam a ser só anti-polícia. Hoje reparo que isso se verifica em mais locais.
Concluindo, desconheço qual a legislação que impede a entrada de cidadãos estrangeiros indesejáveis e o que é que está estabelecido nos acordos que aboliram as fronteiras em alguns países da EU. Não sei também o que é que a lei estabelece sobre o que se considera armas brancas que não se podem transportar, penso que também deve haver definições para isso. Se eu levar para um piquenique uma faca, posso ser acusado de transportar uma arma branca? Se a polícia embirrar comigo provavelmente sou. Ou se tiver um canivete suíço, daqueles que têm múltiplas funções, também estarei ao abrigo de tal legislação? De avião sei que nos impedem de transportar as coisas mais mirabolantes.
Agora o que não se pode acusar ninguém é de transportar panfletos anarquistas, e dessa coisa indefinida, que é ser anti-polícia. Ainda ontem na SIC um cidadão se queixou que tinha sido barbaramente agredido numa esquadra, porque o confundiram com um ladrão. Isso não será propaganda anti-polícia. E mesmo que o panfleto fizesse apelo à violência, coisa muito discutível, só um tribunal e de acordo com a lei, se ela existir, poderá definir e julgar se isso é ou não crime.
Tudo o que foi dito e escrito é um exemplo, dos velhos métodos da PIDE, de que a polícia nunca se libertou, e de um jornalismo vendido e passivo capaz de aceitar como boas as justificações das polícias. Ou seja, se a polícia prende um cidadão e o recambia para o seu país de origem por transportar cartazes anarquistas e o diz publicamente está a socorrer-se dos velhos métodos de prender alguém por transportar propaganda subversiva. Compete aos jornalistas quando dão a notícia dizer que isso não é crime e que essa nunca poderá ser uma boa razão para prender alguém. Algum jornalista disse isso?

Gostaria de terminar com estas afirmações de um major da PSP que em relação às manifestações que estão previstas, e que obedecem ao que está estipulado na lei, recomenda que ninguém pode andar de cara e cabeça tapadas. Esta última é uma exigência perfeitamente absurda, porque eu tenho frio na cabeça e preciso de usar boné ou chapéu. Também não se pode levar objectos cortantes ou contundentes, admito. Mas o que é verdadeiramente grave e atentatório das liberdades é a recomendação de que os manifestantes devem evitar a "associação a grupos com cariz anarco-libertário". Então já é o major que decide quem é que participa na manifestação?

É por estas e por outras que é necessário defender a todo o custo a legalidade democrática e poder a todo o momento dizer ao major, e a todos os GNRs e SEFs de Portugal, que a PIDE já foi extinta e que não toleramos métodos semelhantes.

17/11/2010

Lisboa em Estado de Sítio ou a maior manobra de manipulação dos media


Vai realizar-se em Lisboa uma cimeira da NATO nos dias 19 e 20 próximos. Não vou discutir aqui, será fácil perceber a minha opinião, a razão da existência da NATO e o porquê desta cimeira em território nacional, quero só abordar as medidas tomadas e o controlo estrito da informação que tem sido realizado.

Em primeiro lugar as medidas que vão ser tomadas parecem colocar o país, e particularmente Lisboa, em Estado de Sítio. Não me sentia assim desde o 25 de Novembro, quando a partir de certas horas era proibido circular em Lisboa.
Mas não é só isso. Hoje foi noticiado que tinham sido detidos na nossa fronteira um espanhol e uma portuguesa, por transportarem armas brancas e comunicados anarquistas. Quanto às armas, pela descrição feita, pareceram-me canivetes de limpar as unhas, quanto aos comunicados, de repente pareceu-me voltar aos tempos dos comunicados da PIDE, que afirmavam que uns tantos indivíduos tinham sido apanhados na posse de propaganda subversiva. Verdadeiramente, não há nenhum jornalista que confronte o oficial da GNR que fazia estas declarações, se neste pais está proibida a propaganda anarquista – é mais fácil confrontar o primeiro-ministro com perguntas parvas do que um oficial da GNR –. Não podemos tolerar situações deste género. O regime democrático garante a liberdade de expressão. Os meios de informação, especialmente as televisões, transformaram este atentado às nossas liberdades numa situação banal, que merece repressão por parte das autoridades.

O segundo ponto, tem sido, além da constante exibição dos treinos das polícias, a espantosa subserviência dos jornalistas, pelos menos da RTP, ao irem interrogar os lojista da Baixa e da Avenida da Liberdade se não têm medo das manifestações, nem que lhes partam as montras. Nenhum jornalista sério foi capaz de dizer que há uma manifestação que foi comunicada à polícia, e que portanto se pode realizar, marcada para o dia 20, que decorre entre o Marquês de Pombal e o Rossio. Mais, nenhum jornalista, pelo menos da RTP, foi interrogar os promotores desta manifestação, perguntando-lhe as razões da mesma e se eles não têm um serviço de ordem que assegure o bom desenrolar da mesma. Não houve, que eu tenha conhecimento qualquer contraditório em relação à NATO e à realização da cimeira em Lisboa. Mais, tem-se insistido até à exaustão na possibilidade de desacatos e de haver manifestantes anti-globalização e anti-NATO que provoquem distúrbios.

Tal como eu já tinha alertado José Manuel Anes, que na juventude era uma marxista convicto, e que actualmente, além de pertencer a essa associação secreta chamada maçonaria, é presidente da direcção do Observatório de Segurança Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), veio mais uma vez dizer uns dislates para a televisão e não só (ver aqui e aqui), e o pior é que lhe deram tempo de antena. Garantiu que já estavam no nosso país militantes anarquistas prontos a fazerem distúrbios. Há quem me garante que o “rapaz” é simpático, eu quando era jovem também o achava, hoje não passa de um mero provocador, pronto a colaborar com o terror instalado.

Quero ver se ainda se vai realizar algum programa na televisão de debate entre quem é pró-NATO e anti-NATO – que belo tema para o Prós e Contras, de 2º feira. Pelo que se está a ver, todo o mundo sensato é a favor da NATO, o resto são uns desordeiros prontos a atentar contra ordem estabelecida, que até transportam comunicados anarquista. Estamos pois perante a maior operação de desinformação que tenho assistido. A isto o Sr. Pacheco Pereira nada diz.

PS. (às 16h15): já hoje, no noticiário das 11h00, da SIC Notícias, uma locutora depois do GNR ter dito que duas pessoas tinham sido detidas por posse de arma branca, perguntou de seguida se também pelos comunicados anti-polícia. Aqui o GNR resolveu desconversar e dizer que serão detidos todos aqueles que viessem com objectivos de provocar distúrbios – não sei como os distinguem. Portanto, os panfletos anarquistas já se transformaram em anti-polícia: coisa que verdadeiramente eu não sei o que seja. Deve ser de algum sindicato de GNR que não gosta dos seus comandantes. Mas o que é mais espantoso é que esta pergunta, que eu pensei que resultasse da alta congeminação da jornalista, estava também incluída numa notícia da TSF. Portanto, vem provavelmente via Agência Lusa. Ou seja, o Governo ou a sua Central de Contra-Informação, achando ridículo que se prendesse alguém por transportar comunicados anarquistas, transformou-os em anti-polícia. Temos portanto jornalistas que puseram a sua independência informativa ao serviço da contra-informação governamental e da NATO.

15/11/2010

Um blog a seguir: A Essência da Pólvora


Estou em dívida para com os meus leitores sobre uma terceira questão que queria abordar há duas semanas atrás. Depois meteu-se esta minha participação no colóquio que vos referi e no presente, com a evolução rápida dos acontecimentos, já não faz grande sentido.
Quero-vos falar hoje numa actualização que fiz na lista dos Blogs que consulto quase diariamente. Acrescentei o blog A Essência da Pólvora, em que colabora um antigo companheiro das lides do Cine-Clube Universitário de Lisboa, o Brissos (J. Eduardo Brissos), que apesar de me parecer estar um bocado focado para as questões de Loures, tem textos sobre política geral com interesse. Tal como eu, inseriu uma pequena homenagem à Revolução de Outubro. Numa altura em que só o PCP, por questões institucionais, comemora Outubro, é já raro a outra esquerda fazê-lo. Uns até já lhe chamam golpe de estado e outros limitam-se a comemorar a Queda do Muro de Berlim.
Aproveitei para limpar dois blogs que por razões várias não funcionavam, um referente à Esquerda.net, provavelmente porque mudou de endereço electrónico e eu não me actualizei, e o outro, o blog ligado ao Não Apaguem a Memória, que já há muito tinha deixado de existir. É evidente que o primeiro será mantido na zona dos Sites e revistas de esquerda.
PS. (17/11/10)
: Provavelmente por ter Memória no seu título, distraí-me e apaguei dos Blogs que consulto quase diariamente o da Joana Lopes, Entre as Brumas da Memória. À autora as minhas desculpas. Já está reposto.

14/11/2010

O PCP e a Revolução Democrática Nacional

Texto da minha comunicação ao 3º Colóquio Comunistas em Portugal, 1921-2010

Resumo:
Pretende-se provar que o PCP ao inscrever no seu Programa, aprovado em 1965, os oito objectivos da Revolução Democrática e Nacional, que visavam derrubar o fascismo e instalar um regime democrático, sem monopólios e sem a subordinação ao capital estrangeiro, se socorreu do conceito de “etapas intermédias”, que foi inicialmente formulado no VII Congresso da Internacional Comunista (1935) e pelo movimento comunista internacional, ao defender a formação de Frentes Populares e depois, já durante a II Guerra Mundial, de Frentes Nacionais. Este conceito abandonava ou relegava para mais tarde a ideia leninista de revolução socialista imediata. O abandono deste conceito trouxe sem dúvida consequências ao nível da actuação do PCP durante a revolução de Abril e que estão expressas na presente intervenção nas declarações iniciais de Lenine ao chegar a Petrogrado e de Álvaro Cunhal, a Lisboa. Por outro lado, confronta-se esta posição anteriormente assumida pelo PCP com a divulgação recente entre os militantes daquele partido de um texto do PC Grego (KKE) muito crítico da defesa daquelas etapas intermédias e das alianças de classe que daí resultam.


I – Agradecimentos e Esclarecimentos

Antes se mais queria agradecer à Ana Barradas e ao grupo da Política Operária o amável convite que me fizeram para intervir neste 3º Colóquio sobre os Comunistas em Portugal, 1921 – 2010.

Queria começar por fazer alguns esclarecimentos prévios:

Primeiro – não sou historiador profissional, nem me arrogo a sê-lo. Tenho lido e reflectido sobre os temas ligados ao movimento comunista internacional, ao Partido Comunista Português, onde militei mais de 40 anos, e principalmente sobre a Revolução de Abril, que vivi intensamente, quer no PCP, quer no meu local de trabalho. A minha profissão de toda a vida foi a de biólogo. Estou hoje reformado dela, mas não da política.

Segundo – quando me pediram para colaborar neste colóquio disse logo, que não iria fazer nenhum trabalho original, mas sim socorrer-me de um post em duas partes que tinha feito para o meu blog, Trix-Nitrix, e que depois publiquei, quase na íntegra, no site Comunistas.info, do movimento Renovação Comunista. O texto original chamava-se O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril.
Os organizadores deste colóquio entenderam, e bem, dada a extensão do meu texto original, resumir a minha intervenção unicamente a O PCP e a Revolução Democrática e Nacional. Nesse sentido, refiz o texto original na parte dedicada àquela Revolução, tendo-lhe acrescentado algumas opiniões e informações recentes. Porque inicialmente foi divulgado um resumo do meu texto que, socorrendo-se de palavras minhas, não correspondia à comunicação que eu acabei por elaborar, pedi, há última da hora, a sua alteração, o que fui prontamente atendido. Quero pois agradecer à Ana Barradas e à Política Operária este seu último esforço.

I – A chegada de Lenine e Cunhal do exílio

O texto inicial de que me estou a socorrer começava por estabelecer uma clara diferença entre a chegada de Lenine à Estação da Finlândia, regressado do exílio, depois da Revolução de Fevereiro de 1917, que tinha tido lugar na Rússia, e a chegada de Álvaro Cunhal ao aeroporto da Portela, em Lisboa, pouco depois do 25 de Abril de 1974. Se para muitos de vós é clara a diferença, além de alguma semelhança formal, resultante de serem dois exilados que regressavam depois de transformações revolucionárias nos seus países, já para a reacção e especificamente para Zita Seabra e Vasco Pulido Valente, isso não sucede. Fazem comparações descabidas. Afirmam, que os discursos de Lenine e Cunhal foram pronunciados de cima de tanques e que eram um claro apelo à revolução comunista. Isto poder-vos-á fazer sorrir, mas estes senhores andam há anos a difundir esta balela.
Lenine, ao contrário do que é correntemente escrito, fez dois discursos, um ainda dentro da estação e outro no largo exterior, aí de facto em cima de um tanque. Cunhal só falou no exterior do aeroporto, de cima de um tanque, por sugestão, segundo Victor Dias, no seu blog, de Jaime Neves, e depois de ter obtido por troca de olhares e de acenares de cabeça o consentimento de Direcção do PCP, que estava no Interior (declarações de Carlos Brito). Simplesmente, enquanto que Lenine, que estava incomodado com a delegação que o estava a receber, pois além de camaradas, era gente do Governo Provisório, que ele não apoiava, e do Soviete de Petrogrado, na altura dominado ainda pelos mencheviques, proclamou logo no seu discurso a transformação da guerra imperialista (a I Guerra Mundial) em guerra civil dos povos contra os seus exploradores capitalistas e deu vivas à revolução mundial socialista. Álvaro Cunhal, pelo contrário, não só defendeu alguns dos pontos da Revolução Democrática e Nacional, como outros ligados ao momento que então se estava a viver: como a defesa da acção legal dos partidos políticos e o fim da guerra colonial, terminando o seu discurso com uma saudação ao MFA e à Junta de Salvação Nacional. É evidente que as situações eram completamente diferentes e a vontade dos seus intervenientes também era diferente, simplesmente é uma completa mentira falar do apelo de Cunhal à revolução Comunista.

II – Revolução Democrática e Nacional

A Revolução Democrática e Nacional (RDeN), com este nome e com as características a seguir definidas, foi inicialmente defendida por Álvaro Cunhal no relatório denominado Rumo à Vitória – As tarefas do Partido na RDeN e que foi apresentado ao Comité Central do PCP, em Abril de 1964, com vista à preparação do VI Congresso PCP, que teria lugar no ano seguinte. A RDeN seria incluída no novo Programa do Partido, aprovado naquele Congresso.
Eram oito os objectivos fundamentais da RDeN: “instaurar as liberdades democráticas destruindo o Estado fascista e instaurando um regime democrático, liquidar o poder dos monopólios, realizar a reforma agrária, realizar uma política social que garanta a elevação do nível de vida das classes trabalhadoras, democratizar a instrução e a cultura, libertar Portugal do domínio imperialista, reconhecer e assegurar aos povos das colónias o direito à autodeterminação e à independência, adoptar uma política de paz e amizade com todos os povos”.
Assim, segundo Álvaro Cunhal a revolução antifascista seria sinónimo de democrática e nacional e esta só seria alcançada quando todos aqueles objectivos fossem realizados. Por outro lado, e isso é importante, considerava-se que na etapa actual (1965) a revolução era democrática e nacional, que é uma etapa primeira e necessária para a revolução socialista.
É evidente que esta caracterização resultava em primeiro lugar da definição do que se entendia por fascismo: “ditadura terrorista dos monopólios (associados ao capital estrangeiro) e dos latifundiários”. E em segundo lugar de uma análise de classes que opunha “os grandes grupos monopolistas e latifundiários dominantes às restantes camadas e classes da população”. Daí a designação da RDeN como “anti-monopolista e anti-imperialista”.
É evidente que a definição de fascismo não é nova, nem a caracterização das classes em confronto. No VII Congresso da Internacional Comunista (1935) a definição de fascismo tem contornos semelhantes: “ditadura terrorista declarada (aberta) dos elementos mais reaccionários, chauvinistas e imperialistas do capital financeiro”, a que alguns partidos com maior peso de camponeses, acrescentaram “e dos latifundiários”.
Para iniciar a concretização da RDeN e derrubar o fascismo o Programa do PCP apontava para o levantamento nacional, a insurreição popular armada, que no Prefácio à Acção Revolucionária, Capitulação e Aventura, de Cunhal, e mais de acordo como que se tinha sucedido no 25 de Abril, passa a ser uma insurreição militar e popular.
Álvaro Cunhal considera ainda em A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril (A contra-revolução confessa-se) que “a RDeN não estava prevista nos manuais de ciência política, nem na história das revoluções. O programa do PCP foi de facto o programa de uma revolução original, porque original era a situação do país”.
Esta última afirmação parece-me um nítido exagero vinda de quem, como Álvaro Cunhal, conheceu bem, porque delas teve conhecimento directo, ao participar VI Congresso da Internacional Juvenil Comunista, em Moscovo (Setembro-Outubro de 1935), das discussões travadas, no mês anterior, no VII Congresso da Internacional Comunista (IC), que se realizou entre Julho e Agosto de 1935, igualmente em Moscovo. Mas mais do que isso, integrou, como o próprio afirma, a delegação portuguesa, chefiada por Bento Gonçalves (à época secretário-geral do PCP) que discutiu com o Comité Executivo da Internacional Comunista algumas das questões principais desse Congresso. Nele foram assinalados, com o devido relevo, os perigos da ameaça fascista, que até aí tinham sido minimizados pela IC, e foi proposta uma aliança com a social-democracia, com vista à formação daquilo que depois se viria a denominar por Frentes Populares. Esta nova orientação, encabeçada por Dimitrov, veio a suceder a um período ultra-esquedista da IC (1929-1934).
Já na preparação daquele Congresso, e recorrendo a um texto oficial da altura, é afirmado “que a palavra de ordem de luta directa pela ditadura do proletariado não se adequava às condições reinantes em muitos países capitalistas. O socialismo continua a ser a meta final do movimento, mas devemos ter um programa de luta mais concreto, que não aponte logo para a ditadura proletária e o socialismo, mas que leve as massas à luta por esses objectivos finais”. E mais adiante torna-se a afirmar “que o processo revolucionário nos países capitalistas não avançaria imediatamente e directamente através da revolução socialista, mas que se aproximaria dela através da etapa da luta democrática geral contra o fascismo”.
Como vemos, e devido à implantação do fascismo numa série de países com diferentes graus de desenvolvimento capitalistas, a ideia de uma etapa intermédia entre a situação de ditadura fascista e o socialismo, que ainda nessa época era sinónimo de ditadura do proletariado, foi desenvolvida e explanada no VII Congresso da IC.
A própria experiência histórica do PCP permite-nos afirmar que, no início dos anos 30, a prática defendida tinha muito ver com a via insurreccional para concretizar a revolução socialista e a instauração da ditadura do proletariado, de acordo com a orientação seguida então pela IC e aplicada por todo os partidos aderentes. A greve geral de 18 de Janeiro de 1934, contra a fascização dos sindicatos, e a ocupação insurreccional da Marinha Grande pelos grevistas, eram devedoras desses objectivos, que resultavam igualmente da influência do movimento anarco-sindicalista no movimento operário. A Revolta dos Marinheiros que se registou em Setembro de 1936, e que foi prontamente subjugada pelo fascismo, é o último reflexo entre nós dessa concepção. Com o regresso de Bento Gonçalves, que foi preso logo a seguir à sua chegada do VII Congresso da IC, a nova estratégia aí defendida é encarada pelo PCP, com todas as dificuldades que resultavam da prisão do seu secretário-geral, chegando a propor-se a formação de um Frente Popular em Portugal, que não teve sucesso. As propostas unitárias de luta contra o fascismo, com a aplicação das novas orientações, só foram levadas à prática com êxito, primeiro, com a criação do MUNAF (1943) e depois do MUD (1945).

Posteriormente, durante a II Guerra Mundial, a experiência das “frentes populares” foi enriquecida com a formação das “frentes nacionais” nos diversos países onde se lutava contra o fascismo. Recordo que as “frentes nacionais” estiveram posteriormente na origem dos países de “democracia popular”, que se formaram no final da Guerra, dentro da área de influência da União Soviética. As “frentes nacionais” englobavam os movimentos comunista, socialista e social-democrata, mas igualmente forças mais à direita e que se opunham ao nazi-fascismo, como o degaullismo em França.

Para uma melhor caracterização do que temos vindo a dizer, mas de outro ponto de vista, gostaria de transcrever uma declaração do Partido Comunista da Grécia, a propósito do 90º aniversário da Grande Revolução Socialista de Outubro (2007), em que se afirmava: “No Ocidente capitalista, os partidos comunistas não puderam elaborar uma estratégia de transformação da guerra imperialista ou da luta de libertação numa luta pela conquista do poder operário. Eles remeteram o objectivo do socialismo para mais tarde e definiram tarefas que se limitavam à luta na frente contra o fascismo. O ponto de vista que prevalecia na altura, sustentava que era possível a existência de uma forma intermédia de poder, entre o poder burguês e o poder da classe operária revolucionária, com a possibilidade de vir a evoluir para um poder operário.” Ou então, esta outra: “A política seguida por um bom número de partidos comunistas que consistia em colaborar com a social-democracia, fez parte da estratégia da «governação anti monopolista», uma espécie de estado intermédio entre o capitalismo e o socialismo, que se expressava igualmente através de governos que tentaram administrar o sistema capitalista.
Esta declaração mereceu, já na nossa década, ampla divulgação em alguns blogs de militantes do PCP, e serviu mesmo de texto de formação ideológica dentro do próprio partido. É um fenómeno estranho a sua actual popularidade, porque não só critica, mesmo que indirectamente, as posições assumidas pelo PCP em defesa da RDeN, como parece ser a reprodução ipsis verbis das afirmações de Francisco Martins Rodrigues, um dissidente do PCP dos anos 60, já falecido, no seu livro Anti Dimitrov – 1935-1985: meio século de derrotas da revolução. Como se vê, a vida dá muitas voltas.

É interessante que, depois de já eu ter escrito o post inicialmente referido, fui encontrar no livro de Carlos Brito, “Álvaro Cunhal, sete fôlegos de um combatente” um texto do informe de Cunhal ao III Congresso do PCP, de 1943, em que este escreve: “Nós tornamos bem claro que sempre fomos e continuamos sendo pelo Poder Soviético. Mas as condições não estão maduras para a Revolução Proletária. Todas as energias e todas as forças se devem unir no momento presente para bater o inimigo comum – o fascismo”, o que reafirma tudo aquilo que temos vindo a dizer.
Para Carlos Brito o primeiro grande fôlego da Álvaro Cunhal foi sem dúvida o Rumo à Vitória, de 1964, onde era plasmada a situação política portuguesa e as tarefas indispensáveis para o derrube do fascismo e a proposta da Revolução Democrática e Nacional como tarefa central a realizar a seguir à queda do fascismo. Brito afirma mesmo: “O eixo ideológico central do Rumo à Vitória é a Revolução Democrática e Nacional, uma criação teórica a que Álvaro Cunhal chegou depois de profundo estudo sobre a realidade do país, que lhe permitiu fixar a etapa da revolução portuguesa e as respectivas tarefas no processo mundial”.

Retomamos aqui a originalidade de RDeN já defendida por Cunhal e que anteriormente critiquei. No entanto, ainda muito recentemente, num livro com vários autores, todos eles dirigentes do Bloco de Esquerda, Os Donos de Portugal, se faz referência à proposta da RDeN como tendo “em vista uma aliança anti-monopolista abrangendo, para além dos trabalhadores, o campesinato e a pequena e média burguesia do comércio e da indústria. A Revolução não visava apenas substituir a ditadura fascista pela democracia. Iria mais além. O Estado sob a coligação das forças progressistas, tomaria conta dos grupos económicos industriais e financeiros e expropriaria o capital estrangeiro.
Percebe-se hoje que essa seria a última hipóteses do projecto de Fomento, daquilo que se convencionou chamar “o projecto nacional desenvolvimentista”, do desenvolvimento da indústria, da reforma agrária, da substituição das importações, já sem colónias, nem o sorvedouro da guerra colonial, em vidas e orçamento. Um Estado auto-suficiente, com a revolução industrial clássica completa. Da mina à máquina complexa.
Era… a chamada do proletariado à primeira linha da ideologia do Fomento. Apontando para uma etapa de uma democracia progressiva, prévia a um esperado e ulterior regime socialista, cuja transição era indefinida e indefinível. Até porque
segundo Cunhal, no Rumo à Vitória
a liquidação do poder dos monopólios terá de ser acompanhada por uma política de rápido desenvolvimento industrial, onde a direcção superior do Estado não só não exclua como anime a iniciativa das empresas privadas”.
Esta longa citação confirma tudo aquilo que vimos dizendo sobre RDeN, acrescentando-lhe no entanto um ponto novo que é a sua ligação a linhas programáticas anteriores, de autores não alinhados com a classe operária, que defendiam para Portugal um projecto de Fomento. E este texto, que vimos citando, quase que termina com esta afirmação cheia de espírito, de que Ferreira Dias “nunca pensaria que a classe operária poderia cumprir o programa dos engenheiros”. Aquele autor era um conservador afascistado, que defendia nos anos 40 a industrialização do nosso país,

Atendendo ao que anteriormente foi escrito, a RDeN pode-se inserir, com os objectivos que o PCP entendeu formular, e que evidentemente reflectem algumas das características da situação portuguesa da época, dentro das “etapas intermédias” que visavam, por um lado, derrotar o fascismo, e os seus apoios de classe, e, por outro, instalar um regime democrático, sem os monopólios e sem a subordinação ao capital estrangeiro, tendo como objectivo último a instauração do socialismo. Foi fundamentalmente com a experiência da luta anti-fascista, com as “frentes populares” primeiro e com as “frentes nacionais” depois, que o movimento comunista enriqueceu a sua experiência histórica e aprofundou a sua formação teórica, de que, sem qualquer dúvida, é também devedor o PCP. Isto implicou alguma ruptura, nunca assumida, com o leninismo e com a sua teoria da revolução socialista. E se para justificar estas novas concepções, novas para a época, sempre se socorre de alguma frase de Lenine, como esta citada por Cunhal: “todas as nações virão ao socialismo, … mas não virão todas de forma absolutamente idêntica, cada uma trará a sua originalidade, nesta ou aquela forma de democracia, nesta ou naquela variedade de ditadura do proletariado …”, a verdade é que este só escreveu sobre as “etapas intermédias” ou de “transição” a propósito de coisas bem diferentes, como era a revolução democrático-burguesa ou as lutas pela independência nacional. O que é justificável dado que Lenine não foi contemporâneo da ascensão do fascismo. Por isso, compreende-se mal que haja hoje quem no PCP, sem nunca ter feito qualquer crítica ao conceito de RDeN, se assanhe em divulgar uma declaração como a do PC Grego, já por mim referida.

Gostaria de realçar dois aspectos relevantes antes de terminar. Primeiro referiria que, para concretizar a RDeN e derrubar o fascismo, o PCP defendia o “levantamento nacional”, que, segundo a opinião de Cunhal, encaixou como uma luva com o que se passou no dia 25 de Abril. Pode-se afirmar que à época (1961), com a defesa feita no XX Congresso do PCUS (1956) da transição pacífica para o socialismo, era difícil um partido comunista assumir que defendia um caminho de violência para o derrube do Governo do seu país. A seguir àquele Congresso, o Comité Central (CC) do PCP entendeu formular a concepção da “solução pacífica do problema político português” abandonando mesmo a expressão “derrubamento do fascismo”. Mas já com Cunhal em liberdade (Janeiro de 1960), depois da sua fuga de Peniche, o CC decide, em reunião efectuada em Março de 1961, fazer a crítica daquilo que considerou ser “o desvio de direita no Partido nos anos de 1956-59”, reponde de novo a linha de “levantamento nacional”. É justo pois assinalar esta diferença, que Cunhal valoriza extraordinariamente, pelo menos em relação às posições assumidas pelo PC espanhol.

Segundo, assinalar que Cunhal considera no seu livro, O PCP e o VII Congresso da Internacional Comunista, que algumas das acções empreendidas por aquele partido são devedoras daquele Congresso, principalmente a luta pela unidade, apesar de reconhecer que, na situação particular de Portugal, era difícil implantar a “frente popular” e a actuação dos comunistas nos sindicatos fascistas, abandonando a ideia de manter a todo o custo sindicatos paralelos ilegais. No entanto, em parte alguma do livro referido se considera a RDeN como a continuação das propostas avançadas pelo VII Congresso.

III Conclusão

Pelo que atrás ficou dito pode-se afirmar que o conceito de Revolução Democrática e Nacional, estando intimamente ligado à realidade nacional, é no entanto devedor das formulações teóricas, principalmente da ideia de etapa intermédia, entre o derrube do fascismo e a chegada à sociedade socialista, já formuladas no VII Congresso da Internacional Comunista. Simplesmente, este conceito, que informou durante anos o movimento comunista internacional, rompe, mesmo sem o assumir, com o conceito leninista de revolução. Esta ideia teve necessariamente implicações na atitude que o PCP tomou durante a revolução de Abril. E hoje tardiamente, alguns militantes do PCP, sem uma visão crítica do seu passado, retomam, pela porta do cavalo, alguns dos velhos conceitos anteriores àquele Congresso.

Sites onde explano as minhas ideias sobre este tema:

O Desvio Esquerdista e Sectário da Internacional Comunista (1929-1934), 28 Julho de 2007, inComuistas.info.

Os desvarios ideológicos de um militante do PCP, 10 de Novembro de 2007, in DOTeCOMe

Lenine e a Revolução, de Jean Salem – Uma análise crítica – Parte I, 5 de Dezembro de 2007, in DOTeCOMe

Lenine e a Revolução, de Jean Salem – Uma análise crítica – Parte II, 19 de Dezembro de 2007, in DOTeCOMe

O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril, Parte I, 25 de Junho de 2008, in Trix-Nitrix.
O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril, 27 de Junho de 2008, in Comunistas.info.

O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril , Parte II, 28 de Junho de 2008, in Trix-Nitrix.

Álvaro Cunhal, sete fôlegos de um combatente, 9 de Julho de 2010, in Trix-Nitrix

12/11/2010

Os Comunistas em Portugal 1921-2010. 3º Colóquio



AUDITÓRIO DA LIVRARIA LER DEVAGAR

ESPAÇO LXFACTORY-ALCÂNTARA-LISBOA


PROGRAMA


SÁBADO 13 NOVEMBRO

10.00 h – Abertura

10.30 h - Cartas de um preso político para a sua filha
Ana Barradas

11.00 h - O PCP e a PIDE perante a homossexualidade
São José Almeida

11.30 h – Debate

12.00 h – Almoço

14.00 h - Desertar contra a guerra colonial – os núcleos de desertores na Europa
José Manuel Lopes Cordeiro

14.30 h - Um maoísmo português?
Miguel Cardina

15.00 h - A segunda vaga do movimento operário português
Ângelo Novo

15,30 h - Debate


DOMINGO 14 NOVEMBRO

10.00 h - O PCP e a Revolução Democrática Nacional
Jorge Nascimento Fernandes

10.30 h - Os Cadernos de Circunstância
Ricardo Noronha

11.30 h - Debate

12.00 h - Almoço

14.00 h - O PCP e o V Governo
Raquel Varela

14.30 h - Do 25 de Abril do Povo à 3ª cisão do PCR/UDP e a constituição da Política Operária
António Barata

15.00 h – Debate
Como já repararam vou intervir Domingo, às 10h00 da manhã. Espero que alguém acorde a tempo de me ir ouvir.
O Resumo da minha intervenção é o seguinte:

Pretende-se provar que o PCP ao inscrever no seu Programa, aprovado em 1965, os oito objectivos da Revolução Democrática e Nacional, que visavam derrubar o fascismo e instalar um regime democrático, sem monopólios e sem a subordinação ao capital estrangeiro, se socorreu do conceito de “etapas intermédias”, que foi inicialmente formulado no VII Congresso da Internacional Comunista (1935) e pelo movimento comunista internacional, ao defender a formação de Frentes Populares e depois, já durante a II Guerra Mundial, de Frentes Nacionais. Este conceito abandonava ou relegava para mais tarde a ideia leninista de revolução socialista imediata. O abandono deste conceito trouxe sem dúvida consequências ao nível da actuação do PCP durante a revolução de Abril e que estão expressas na presente intervenção nas declarações iniciais de Lenine ao chegar a Petrogrado e de Álvaro Cunhal, a Lisboa. Por outro lado, confronta-se esta posição anteriormente assumida pelo PCP com a divulgação recente entre os militantes daquele partido de um texto do PC Grego (KKE) muito crítico da defesa daquelas etapas intermédias e das alianças de classe que daí resultam.

07/11/2010

7 de Novembro - aniversário da Revolução de Outubro

Não quis acabar o dia sem uma pequena homenagem ao 7 de Novembro, que corresponde ao 25 de Outubro no antigo calendário russo. Inspirei-me num post do Nuno Ramos de Almeida, do blog 5 Dias. Simplesmente tentei arranjar um vídeo que não fosse igual ao que ele lá colocou ou aos que foram depois acrescentados em comentário. Este, não sendo propriamente sobre a Revolução, é sobre o III Congresso da Internacional Comunista, que teve lugar em 1921, e onde estão assinalados algumas personagens importantes da Revolução, que Estaline se encarregou de eliminar. Não será o melhor, mas foi o que se pôde arranjar. Percebi que o tema no YouTube é inesgotável.

06/11/2010

Como às vezes um blogger distraído escreve as mesmas coisas que uma cronista de direita.


Já houve tempo que me dava ao trabalho de ler as crónicas que Helena Matos escreve no Público. Cheguei a responder-lhe com posts inflamados de indignação (ver aqui e aqui). Hoje considero-a das mais tontinhas e reaccionárias escrevinhadoras que povoam o espaço público. Às vezes por desfastio, já que o Público destaca em bold algumas das suas pérolas, costumo lê-las. Na última, de quinta-feira passada, vinha uma intitulada Dissidentes ou resistentes: descubra as diferenças. Depois de falar em países democráticos como a Colômbia, afirma “por que razão os opositores às ditaduras de direita são apresentados como resistentes, oposicionistas, … enquanto no caso das ditadura de esquerda só temos dissidentes”. Depois citas os dois casos já por mim abordados em dois posts anteriores e termina “O dissidente é um produto do totalitarismo estatista:” – não podia faltar este disparate – “indivíduos reduzidos a si mesmos e que na absoluta impossibilidade de se organizarem enquanto oposição transformam o acto de existir numa forma de resistência”.
Ora se leram o meu post sobre o prémio Sakharov eu explicava que não concordava que se chamassem a estes resistentes, combatentes, activistas, etc., dissidentes e até escrevi este termo entre aspas. Achei que eles lutavam por uma causa, que no caso do chinês ganhador do Prémio Nobel até era colectiva, visto que ele tinha organizado um abaixo-assinado, enquanto que a do cubano é menos clara a sua ligação a outros movimentos de resistência. Chegava mesmo a afirmar, provavelmente, crime dos crimes, que Cunhal nunca foi considerado um dissidente mas sim um opositor ou um resistente.
Simplesmente, esta tontinha, para zurzir na esquerda, inventa uma designação de que a esquerda, principalmente os regimes onde aquelas duas personagens vivem, ou noutros casos mais antigos, nunca utilizaram. Ninguém, de certeza, na China chamará ao Prémio Nobel um dissidente, mas sim um criminosos que violou as leis do seu país. O mesmo se passará em Cuba. Foi durante a Guerra-fria que o “ocidente”, as forças dominantes ocidentais e os seus partidos e até as organizações dos direitos humanos chamaram dissidentes a personagens que por uma ou outra razão se opunham aos regimes que vigoravam nos seus países. O termo dissidente não é utilizado pelos comunistas ou outra esquerda não social-democrata. Por isso, percebo mal a indignação desta senhora. Só se acha que de futuro, os do seu grupo, devem chamar a estes dissidentes. resistentes. Por mim nada tenho contra. Só espero que não lhes chamem combatentes da liberdade, como Ronald Reagan chamava aos talibãs quando estes se opunham à União Soviética.

A quadratura do círculo de Manuel Alegre


Na semana que agora finda houve três afirmações que me merecem alguma opinião. No entanto, para tentar tornar mais curtas as minhas intervenções irei fazer um post para cada uma.

No programa Contraste, da SIC Notícias, transmitido às terças, às 23h00, e que junta Francisco Assis e Morais Sarmento, o primeiro defendia abertamente uma junção de esforços entre o PS e o PSD para porem em prática o orçamento aprovado pelos dois partidos. É engraçado que este ponto de vista mereceu uma graçola de Morais Sarmento, a propósito do apoio que o PS está a dar a Manuel Alegre. A que Assis deu troco. Já não me recordo da graçola, nem da resposta de Assis. - Podem, dentro de alguns dias, consultar na SIC on-line o vídeo deste Contraste. - Mas o que interessa aqui reter é esta esquizofrenia que está a atravessar o PS, que defende e pratica acordos à sua direita e acusa os partidos à sua esquerda de extremistas e de protesto e depois apoia um candidato que está a travar uma batalha que é o contrário disso tudo. Por isso percebe-se o apelo de Manuel Alegre para que os socialistas acordem e se envolvam mais na campanha.

De facto a situação está muito complicada e eu não gostaria de ignorar este facto. Com um PS claramente comprometido com o centrão, ou mesmo com as políticas de direita, não há nenhum candidato de esquerda, mesmo independente e super partidário, que resista a que uma das suas bases de apoio não só não esteja nada interessada na sua eleição, dado que isso provavelmente só iria irritar os “mercados” internacionais a que ela está atada de pés e mãos, como esse facto inverteria a sua lógica de apoio à formação do um bloco central.
Se o candidato não perceber esta situação e continuar a tentar trazer todo o PS atrás de si está condenado à derrota mais clamorosa.
O PS, desde que José Sócrates tomou o poder, nunca teve uma estratégia de vitória em relação a eleições que não fossem aquelas a que o seu chefe concorria. Perdeu, as presidenciais de 2006 para Cavaco Silva, já antes tinha perdido as autárquicas de 2005, com principal relevo para a vitória de Carmona em Lisboa. Perdeu as europeias, em 2009, sacrificando o seu compagnon de route Vital Moreira e também as autárquicas de 2009, que só foram ganhas em Lisboa, por António Costa, devido à táctica política seguida por este, ao arrepio provavelmente de alguns vozes mais influentes do PS.
Por isso, não será de estranhar que sacrifiquem mais uma vez no altar das conveniências partidárias de José Sócrates o seu candidato presidencial.

04/11/2010

As SCUTS e as portagens



Enviaram-me por e-mail este vídeo, que, segundo informação do YouTube, foi exibido em Humor Cão, programa semanal transmitido pelo Porto Canal e apresentado por João Seabra. Achei tanta graça que resolvi partilhá-lo com os leitores.