30/03/2009

O apagão


A leitura do post de Joana Lopes, Peditórios para que não dou incentivou-me a escrever outro sobre o mesmo assunto, apesar de já ter pensado em fazê-lo.
A iniciativa de apagar as luzes durante um hora em diversas cidades do mundo como forma de alertar as pessoas para os excessivos gastos de energia é daquelas decisões cheias de boas intenções mas que, de um modo geral, não passam de desejos piedosos, que não têm qualquer eficácia, quando não servem exclusivamente para provocar uma irritação especial nas pessoas. Veja-se o dia sem carros, que depois de um começo fulgurante foi desaparecendo pifiamente, porque não havia nenhuma autarquia que estivesse interessada em proibir durante um dia que as pessoas se deslocassem no seu carro.
Joana Lopes no seu post cita um artigo de Nuno Brederode Santos, onde este é ainda mais contundente, pois que a esta iniciativa estão associadas algumas empresas de energia, ou seja, aquelas que lucram com o seu consumo.
Mas aquilo que me trás aqui ainda é mais grave. Os nossos meios de informação começaram durante o dia a falar que às 20h30 ia haver um apagão. Algum deles chegou mesmo a dizer que aquele se verificaria durante o desafio Portugal-Suécia, quando todos os portugueses estariam em frente à televisão a ver o jogo. Não era o meu caso.
Pelas notícias vindas a público quase que se deduzia que a EDP iria apagar as luzes da cidade durante uma hora. Ficaríamos todos às escuras. Eu não liguei, achei que era manifestamente impossível haver um apagão geral. A minha mulher, que teve que sair um pouco antes da hora marcada para ir tratar dos pais, que moram perto de mim, foi-me avisando para que eu estar atento ao telemóvel, não fossem as luzes da rua apagarem-se e, como o local é um pouco ermo, ficar às escuras e ter que pedir ajuda.
Mas o mais grave é que foi encontrar os pais, com quase 90 anos, de velinha acesa à espera que o apagão chegasse.
Depois veio a saber-se que o apagão consistia apenas em alguns monumentos significativos deixarem por uma hora de estar iluminados. A televisão, que não transmitia o futebol, mostrou em directo esse momento. E assim lá cumprimos mais uma gloriosa jornada em defesa do ambiente.

28/03/2009

Ainda o caso Freeport

Não me vou pronunciar sobre o DVD ontem transmitido pela TVI. Ainda não poisou a poeira suficiente para se saber se é verdadeiro e qual o papel desempenhado nele por aquela figura sinistra do Charles Smith.
Queria só abordar as declarações do ex-autarca de Alcochete, Miguel Boeiro, e o artigo de Marinho Pinto, no Boletim da Ordem do Advogados.
Miguel Boeiro dirigia o Município de Alcochete em nome da CDU, quando se verificou os chumbos pelo Ministério do Ambiente da Avaliação do Impacto Ambiental do empreendimento Freeport. Como sabem, o segundo chumbo deu-se nas vésperas das eleições autárquicas, que tiveram lugar a 16/12/01, e que, segundo o autarca, contribuíram para a sua derrota e a eleição de uma vereação presidida pelo socialista José Dias Inocêncio. Foi devido aos resultados obtidos nessas eleições que o Governo presidido por António Guterres, do qual José Sócrates fazia parte, como Ministro do Ambiente, apresentou a sua demissão.
Miguel Boeiro à saída da Judiciária de Setúbal, onde foi prestar declarações, foi bastante loquaz (ler aqui a notícia e ouvir aqui as declarações) e revelou aquilo que eu já pensava e que foi abordado neste meu post, ou seja, que o chumbo do projecto Freeport prejudicou a reeleição do autarca da CDU e que a posterior aprovação, em tempo tão curto, era benéfica para o novo poder socialista. Esta, considerava eu, era uma pista a ter em conta e importante. Estranho é que só agora, quatro anos e meio depois da tão famosa carta anónima, é que se fosse interrogar o autarca derrotado nas eleições de 2001.
Para concluir com alguma moral, a pior forma de compadrio que impregna as instituições da República é a das conivências partidárias. E é mal que ataca todos os partidos, em proporção às responsabilidades que cada um tem nos aparelhos de Estado e autárquicos.

Quanto ao artigo de Marinho Pinto, penso que objectivamente corresponde a um frete a José Sócrates. Vem revelar uma matéria já conhecida de todos. Podemos dizer que a maior novidade (mas que vem relatada num despacho da magistrada Inês Bolina) é que a carta anónima foi sugerida pela Polícia Judiciária. Mas as reuniões em casa do deputado do PSD, Miguel Almeida, com jornalistas do Independente e do Tempo e um agente da PJ, Elias Torrão, eram já do conhecimento público. Pacheco Pereira já se tinha referido a elas, afirmando na Quadratura do Círculo que eram alimentadas por imbecis. Sabia-se toda esta história dado que a mesma tinha sido objecto de julgamento por violação do segredo de justiça, em que o agente da Judiciária, que passou para o exterior as informações, foi condenado. Vir agora, com ares de grande novidade, com direito a abertura de telejornais, revelar factos que são já conhecidos, mais não faz do que deitar poeira para os olhos de quem, com alguma seriedade, quer seguir este caso. Mas mais, se tudo não passava segundo Marinho Pinto de um caso de "conspiração", montado com a cumplicidade do anterior Governo de Santana Lopes, a verdade é que o mesmo assunto deveria ser, mudado o Governo, arquivado, o que não sucedeu. Continuou em banho-maria, e aqui pode-se levantar a suspeita de que este Governo e o Primeiro-Ministro, em particular, seriam os responsáveis pelo arrastar da investigação. Até que as diligências inglesas tornaram manifestamente impossível o seu esquecimento. Se a reabertura corresponde como diz Marinho Pinto a um novo ano eleitoral, é que só agora os ingleses pediram informações sobre o caso. A isto não pode o Bastonário fugir. Tudo mais é paisagem.

É engraçado recordar aqui umas declarações feitas por José Miguel Júdice (JMJ) num programa, que já desapareceu, da SIC Notícias, chamado a Regra do Jogo. Ali aquele advogado garantia que Marinho Pinto ainda iria ser o candidato da esquerda, à esquerda do PS, provavelmente do Bloco de Esquerda e do PCP. Nessa altura indignado com a eleição de Marinho Pinto para Bastonário não arranjou melhor ataque do que conotá-lo com a “extrema-esquerda”, tipo de acusações de que aquele advogado é pródigo, já que o seu passado de jovem fascista lhe permite atribuir certificados de quem é de “extrema-esquerda” ou não.
Mas o mais engraçado é que na sequência destas afirmações, num jantar a comemorar o 25 de Abril, promovido por gente respeitável de esquerda, Marinho Pinto foi convidado para pronunciar um discurso, conjuntamente com um “capitão de Abril” e o Gato Fedorento, Ricardo Araújo Pereira. Este convite quase que tornava real a previsão de JMJ. Eu, que estive no jantar, não gostei do convite, nem o discurso dele se enquadrava no que estávamos a comemorar. Mas paciência, o mal seria meu.
Hoje, depois destas declarações, mas de outras também sobre Vale de Azevedo e sobre a prisão preventiva do homem forte do BPN, Oliveira e Costa, fica afastada qualquer hipótese da sua candidatura pela “extrema-esquerda”. JMJ, que continua a barafustar contra este Bastonário, pode ficar descansado que ele não será candidato daqueles grupos políticos, e se foi útil para alguém, foi em relação ao seu amigo José Sócrates.
PS.: No Eixo do Mal, da SIC Notícias, desta noite, Clara Ferreira Alves concordou com o artigo de Marinho Pinto e mostrou-se muito indignada com a origem deste processo. Alguém de dentro da Judiciária a sugerir que um funcionário escrevesse uma carta anónima para se dar inicio ao processo Freeport, que provavelmente iria incriminar o candidato a primeiro-ministro, José Sócrates. Tem toda a razão. Está, no entanto, a indignar-se em diferido. Tudo isto, não sei se com todos os pormenores, já era do conhecimento público e até tinha acarretado a condenação de um inspector da Judiciária.
A verdade é que este processo, tendo começado mal e isso está a tentar servir para destruir toda a investigação, nunca foi arquivado e neste momento, para além das inquirições inglesas, continua em força a ser investigado em Portugal. O seu início não nos pode fazer esquecer que o caso existe e não foi uma invenção da equipa do Santana Lopes em fim de mandato, com medo de perder as eleições.

Um debate à esquerda

A livraria Círculo das Letras tem desenvolvido uma meritória actividade cultural e política de divulgação de livros e de pintura e, por vezes, permitindo o debate entre as várias visões da esquerda.
Com este objectivo, realizou ontem mais um debate sobre o livro de José Neves, Comunismo e Nacionalismo em Portugal – Política, Cultura e História no Século XX (Tinta da China, Edições, 2008). Participaram nele, além do autor, Vítor Dias e Miguel Portas.
Pensava que a sessão seria um sucesso, mas correndo bem e com uma sala composta não foi quanto a mim o êxito de público que eu esperava, dadas as ligação políticas dos dois principais comentadores do livro: Vítor Dias, ao PCP, e Miguel Portas, ao Bloco.
José Neves é um jovem da geração da minha filha e seu grande amigo, que eu conheço desde que pertencemos os dois à Direcção do Sector Intelectual da Organização de Lisboa do PCP, no tempo em que ainda lá pontificava a Helena Medina. Afastámo-nos na mesma altura, cada um seguindo o seu percurso.
Tive o prazer de assistir ao seu doutoramento, a que fiz uma breve referência neste blog, e depois ao lançamento do seu livro em Lisboa. Tive conhecimento que um dos seus apresentadores em Coimbra, tinha sido Rui Bebiano, que para o efeito fez um texto para o seu blog escorreito e de que gostei.
A representar a livraria, presidindo à mesa, estava o Fernando Vicente, um velho companheiro das políticas, que muito prezo e admiro. No final, satisfeito com a realização, congratulou-se por ter sido possível juntar na mesma iniciativa dois actores de duas áreas da esquerda, que têm andado de costas viradas. Prometeu que este ano se iriam realizar outros debates do género.
Quanto ao tema em discussão irei dar, segundo a minha versão, sempre falível em relação àquilo que os intervenientes dizem, os dois pontos de vista que foram expressos pelos dois comentadores do livro.
Vítor Dias afirma que não concorda com a utilização do termo nacionalismo aplicado à visão do PCP tem da realidade nacional e critica a frase escrita na capa, que afirma que a história da oposição entre o PCP e o Estado Novo é aquela que opõe o nacionalismo comunista ao nacionalismo fascista. Depois interpreta a adesão do PCP aos valores nacionais como resultado da sua particular visão da realidade nacional, de país colonizador e simultaneamente colonizado, e da definição que aquele partido dá do Estado fascista, que obriga à unidade de todas as classes anti-monopolistas contra os monopólios que são o seu sustentáculo. Esta caracterização da realidade leva a que o PCP defenda valores que extravasam a própria classe operária e se considere como representante dos interesses nacionais, contra uma classe parasitária ligada ao imperialismo estrangeiro.
Miguel Portas tem uma explicação diferente para o mesmo fenómeno. O enraizamento do PCP na realidade nacional, resultaria, como já tinha acontecido com os Partidos sociais-democratas da II Internacional, na inserção desses partidos na realidade da Nação que era uma criação recente, que não tem mais de cem anos. Podemos resumir, afirmando que a força das novas nações tinha postergado para segundo plano a afirmação de Marx de que os trabalhadores não têm Pátria. E termina, com esta revelação importante de que o próprio Bloco de Esquerda era, neste momento, vítima deste dilema, ou seja, a realidade nacional e a sua importância para os trabalhadores portugueses estava-se a impor sobre a própria internacionalização do trabalho.
José Neves, sem ter a preocupação de rebater ponto por ponto estas duas visões, foi afirmando que por exemplo a frase transcrita da capa do livro é um pouco mais completa do que o que tinha afirmado Vítor Dias e leu-a na sua totalidade, para que não restassem dúvidas: “A história da oposição entre o Partido Comunista Português e o Estado Novo é em parte a história da contradição entre o internacionalismo comunista e o nacionalismo fascista, mas é também, vê-lo-emos ao longo deste livro, a história da oposição entre dois tipos de nacionalismo.” Realçando devidamente este mas é também.
Manifestou desagrado pela expressão enraizamento referida, penso, pelos dois intervenientes, pois considerava que levada à letra permitiria que se considerasse o PCP como um partido estranho à realidade nacional, que só posteriormente se teria enraizado nela. Houve mais algumas críticas da sua parte que permitiram tornar vivo todo o debate.
Se me é permitido meter a colherada, e falar de um livro que ainda não li, mas de que já possuo bastante informação, eu estaria de acordo com Vítor Dias sobre a utilização, que me parece um pouco provocatória, do termo nacionalismo para falar das posições do PCP e preferiria o termo patriotismo. Não tenho qualquer dúvida que os factos relatados pelo José Neves correspondem àquilo que eu chamaria a progressiva nacionalização do PCP e que, com alguma audácia interpretativa da minha parte, remontariam, com o atraso típico português, à política corresponde à proposta de formação das Frentes Populares, resultantes do VII Congresso da Internacional Comunista, que teve lugar em 1934. Podemos dizer que com a Greve Geral falhada de Janeiro de 1934, a que correspondeu o chamado soviete da Marinha Grande, termina para o PCP a sua fase obreirista ou operária, como preferirem, e iniciar-se-ia – com todas as contradições próprias de um pequeno partido, vítima da repressão e ainda sem um corpo dirigente estável – a da criação de um partido antifascista, com as características que Vítor Dia lhe atribui.
Nesta discussão, não deixaria de louvar a análise da realidade do PCP traçada pelo José Neves. E consideraria as propostas de Miguel Portas, sobre a influência da ideia de Nação na nacionalização do PCP, como um campo igualmente a explorar.

27/03/2009

Anúncio da "Antena 1" alternativo



Já tinha falado da versão oficial deste anúncio de propaganda à Antena 1, que punha em causa o direito à manifestação. O Bloco de Esquerda, invertendo o seu sentido, aproveitou-o para fazer um apelo à participação na manifestação do 1º de Maio.

A Guerra – colonial, do ultramar, de libertação


Que eu tenha reparado, pelo menos naqueles blogs que eu frequento regularmente, nenhum falou desta magnífica série que está a ser exibida pela RTP 1, da autoria de Joaquim Furtado.
Já tinha visto os anteriores episódios e vi os que compõem esta nova série. Para quem não saiba exibem-se às quartas-feiras, por volta das 9h30 da noite.

A guerra colonial foi o facto mais importante que se desenrolou nos últimos anos do regímen fascista em Portugal. A minha geração, ou com idades aproximadas, sofreu-a de uma maneira ou de outra: desertando ou cumprindo o serviço militar obrigatório, que lhe levou no mínimo três anos da sua vida, quando não a morte, a deficiência física ou psíquica.
No entanto, não era disto que queria falar, mas do conhecimento que tínhamos dela. Hoje, pela primeira vez estou a conhecer factos que desconhecia. Cada um teve um conhecimento parcelar da guerra, ou seja, conheceu unicamente a sua guerra e nunca o geral. A censura, a repressão fascista, tornavam impossível conhecer os factos, ao contrário do que sucede hoje que é possível acompanhar pelos media qualquer guerra, por mais distante que seja. Mas o problema não resultava só da globalização informativa que hoje se verifica. Provavelmente, um jovem que seguisse atentamente as notícias da época saberia mais sobre a Guerra do Vietname do que sobre a Guerra Colonial. A missão do regímen era omitir e deturpar os factos. De acordo com os media censurados, nada se passava, a não ser pequenas acções de bandoleiros que gostavam de perturbar o sono das populações. Mesmo quem tivesse acesso à imprensa e às rádios clandestinas não teria uma informação geral do que se passava em todos os teatros de operações, nem muito menos a opinião dos guerrilheiros dos movimentos de libertação, nem dos meandros do poder fascista.
É bom que isto conste. Porque é que um homem da minha idade (65 anos), que sempre se preocupou com a política, membro do Partido Comunista, que ouvia, quando podia, as rádios de Argel e do PCP, na Roménia, lia o Avante clandestino, comprava à socapa alguns livros estrangeiros, como o de Gérard Chaliand sobre o PAIGC (Lutte armée en Afrique, Maspero, 1967), ainda hoje se espanta com o que se passou e com o encadear dos factos. Posso parcer ingénuo para aqueles que são especialistas nesta matéria. Mas não fazia a mais pequena ideia do desastre da retirada de Madina do Boé, ou do ataque a Teixeira de Sousa, em Angola, perpetrado pela UNITA. Desconhecia, como foi revelado num episódio da outra série, a influência de Franz Fanon, de quem tinha lido o livro Os Danados da Terra, nas acções da UPA no Norte de Angola no início da guerra. E podemos acrescentar muito mais factos.

Poderão dizer que sou um ignorante da nossa história contemporânea. Não é verdade. Mas o conhecimento da guerra colonial, tirando os relatos dos que lá combateram e da repulsa que ela nos merecia, é do ponto de vista factual um grande vazio histórico. Esta parte da nossa história contemporânea só agora se começa a fazer e esta série contribui decisivamente para isso.

25/03/2009

Mais uma Assembleia Municipal

Como sabem sou deputado municipal independente pelo Bloco de Esquerda. Se leram os jornais e viram a televisão, o PSD resolveu apresentar na Sessão da Assembleia Municipal de Lisboa, que teve lugar ontem, uma moção de censura ao executivo camarário, que foi aprovada, já que o PSD tem a maioria absoluta naquele órgão municipal. Esta foi a informação mais relevante desta Sessão. Mas façamos um pouco de jornalismo e contemos o que se passou.
Existe uma prática comum no Parlamento, e penso que em todas as Assembleias, que é haver um período antes da ordem do dia, que reduzido aos seus acrónimos se transforma em PAOD. No início, quando comecei a frequentar as reuniões para preparação das assembleias municipais, sempre que falavam em PAOD fazia um ar de espanto, como se estivessem a falar chinês. Mas o tempo passou e hoje já pergunto, com grande desenvoltura, se esta ou aquela Assembleia tem ou não PAOD.
Ora na Assembleia de ontem havia um PAOD. Uma das moções apresentadas pelo PSD nesse ponto da ordem de trabalhos, depois dos considerandos, que regra geral todas as moções têm, deliberava “manifestar a sua profunda preocupação e censura pela incapacidade da Câmara Municipal de Lisboa, e do Dr. António Costa, em definirem uma estratégia municipal na área de segurança na cidade”… e “exigir que o Dr. António Costa apresente … o Plano Municipal de Segurança”.
Esta moção contou com os votos favoráveis do PSD, CDS, PCP e PEV (verdes), a abstenção do Bloco e o voto contra do PS.
A forma como estava redigida, a referência explícita ao Dr. António Costa, a sua divulgação antecipada por tudo o que era comunicação social faziam inegavelmente parte da campanha de Santana Lopes para a autarquia. O PCP e o PEV alinharam nestas zangas do Centrão, o Bloco, e bem, não se misturou com estas altercações, e absteve-se. Para que não subsistisse a ideia de que não estava interessado na segurança dos cidadãos de Lisboa, votou favoravelmente uma moção apresentada pelo PCP que criticava igualmente a estratégia do executivo camarário quanto às questões de segurança, mas relacionava a insegurança com os problemas sociais resultantes da crise que se vive.
Já se sabe que a aprovação daquela moção do PSD não teve qualquer efeito prático. Unicamente permitiu que aquele partido pudesse agitar nos media a incompetência do actual presidente da Câmara e foi imediatamente acompanhada de uma conferência de imprensa de Santana Lopes para tratar da sua grande obra, o túnel do Marquês.
As moções e recomendações apresentadas no PAOD foram várias. Pode-se dizer que se perde muito mais de metade, diria quase dois terços, da duração da Assembleia com este período. São as regras do sistema democrático.
O Bloco, entre outras moções, também apresentou uma, da minha autoria, Congratulando-se pelo êxito da Manifestação da CGTP-IN, de 13 de Março (ver em PS. a deliberação apresentada), que só contou os votos favoráveis do PCP, PEV e BE, e os votos contra das restantes bancadas, sendo portanto recusada. Depois da prosa sectária e vesga do editorial do último Avante, aos olhos daquele Partido, o Bloco lá estaria mais uma vez a aproveitar-se do êxito da mesma. Triste partido que se julga proprietário de tudo que acontece à esquerda.
Também no PAOD lá veio mais um voto de congratulação pela beatificação de D. Nuno Álvares Pereira, apresentada pelo PSD. Quando o vi, disse logo: “eu voto contra”. Penso que a restante bancada do BE teve dúvidas. No entanto, resolveu coordenar a sua actuação com a posição que tinha assumido na Assembleia da República, em que o voto também tinha sido negativo, fazendo uma declaração de voto. Nesta Assembleia referiu-se que no Estado laico os seus órgãos não se devem pronunciar sobre as resoluções tomada por qualquer dos seus grupos religiosos. Por mim a declaração teria sido mais violenta, primeiro porque os considerandos traçam uma biografia perfeitamente heróica daquela personagem, quando nem todos os historiadores estão de acordo em relação à sua importância histórica e humana. Por outro lado, os motivos apresentados pelo Vaticano para a sua beatificação são ridículos, o de se ter verificado um ”milagre” quando uma senhora, que ficou momentaneamente cega por ter derramado óleo a ferver nos olhos, resolveu rezar a D. Nuno e obteve “a graça” de passar a ver, com atestado passado por médico e tudo. Mas é a minha saudável veia anti-clerical que me vem ao de cima. Mas o que é mais incompreensível é a abstenção do PCP e do PEV, que nestas coisas de Igreja consideram que o “respeitinho” é muito bonito.
Quanto ao resto não teve história. O expediente do costume.

(a fotografia é do antigo cinema Roma, onde hoje está sediada a Assembleia Municipal de Lisboa)
PS
.: Moção de congratulação pelo êxito da Manifestação da CGTP-IN, de 13 de Março, proposta de deliberação:
1. Saudar os trabalhadores que participaram na grande manifestação realizada na cidade de Lisboa, no dia 13 de Março, sob o lema Mudar de Rumo com mais empregos, salários e direitos;
2. Apelar aos órgãos de soberania para que ouçam e ponham em execução as exigências formuladas na resolução aprovada na Manifestação;
3. Apoiar as acções futuras propostas naquela resolução em que se destacam a participação activa nas comemorações que no dia 25 de Abril se realizam por todo o país e na grande jornada de luta do 1º de Maio;
4. Repudiar todas as declarações que visem diminuir o êxito da manifestação, incluindo aquelas que afirmam que os trabalhadores foram vítimas de manipulação política;
5. Entregar esta moção a todos os órgãos de soberania.

24/03/2009

Comunismo e Nacionalismo em Portugal


Debate sobre o livro de José Neves, Comunismo e Nacionalismo em Portugal - Política, Cultura e História no Século XX, na livraria Círculo das Letras, Rua Augusto Gil, 15 B, na esquina com a Óscar Monteiro Torres (muito perto da Av. de Roma), Quinta-feira, dia 26 de Março, às 18h45. Participarão Miguel Portas, Vítor Dias e o autor do livro, José Neves.

(clique na imagem para a aumentar)

22/03/2009

Um pequeno fait divers: o número de manifestantes

Não é nada de importante, mas de repente retomou-se o tema do número de pessoas que participam nas manifestações. O Expresso, em artigo destacado, fala que os números de manifestantes são menos do que aqueles que os organizadores das manifestações normalmente afirmam e para isso recorre à simples matemática: se por m2 só cabem no máximo quatro pessoas, se a área abrangida pela manifestação é tanto então o número de manifestantes, consoante se considerem quatro, três ou dois por m2, seria igual à multiplicação dessa área pelo número que se considere para cada m2. Isto é simples matemática e quem sou eu para discordar desta regra. Só que me parece ser difícil delimitar a área abrangida e conseguir que em determinado momento todos os manifestantes estejam concentrados nela.
Mas não são estas contas do Expresso que me interessa abordar neste post. É o desejo gritado pelos meios de comunicação de que a polícia lhes forneça um número.
Até há bem pouco tempo era normal o número de manifestantes ser dado pelos organizadores da manifestação, que poderiam ser contestados por algum artigo mais crítico, ou até por aqueles que se sentiam lesados pelos protestos da rua. A polícia, ao contrário do que sucedia lá fora, nunca era chamada para desempatar. Era uma tradição nacional que eu achava bem, porque nunca considerei aquela estrutura como isenta e desvinculada do Poder, por isso era normal os números apresentados pela polícia serem sempre inferiores aos fornecidos pelos manifestantes.
Até que um dia, não sei se neste Governo se no anterior, o ministro da Administração Interna permitiu que a polícia passasse a indicar o número de manifestantes segundo a sua perspectiva. Então lá tivemos a guerra dos números, coisa tão grata aos meios de comunicação social. Se os manifestantes diziam que eram tantos, contrapunham-lhe os dados fornecidos pela polícia, que indicavam outros valores. E assim fomos durante algum tempo, não sei se anos, confrontados com as informações prestadas pela polícia.
Até que o actual Ministro da Administração Interna resolveu acabar com isso, a polícia deixa de fornecer um número. Eu penso que isso sucedeu quando se verificaram as manifestações dos professores. O Governo não queria a polícia a avalizar as gigantescas manifestações que aquela classe profissional realizou. E assim se acabaram as avaliações da polícia. Grande coro dos meios de comunicação social, que já não era possível ter uma estrutura independente a dar os números, ou seja, acabou-se-lhes o circo. Já não podem, de microfone em riste, vir com ar inquisitorial perguntar ao Carvalho da Silva como é que ele justificava que em vez dos 200 mil manifestantes que ele garantia que eram, afinal a polícia dizia que eram só 100 mil.
No fundo já perceberam o meu ponto de vista. Acho que a polícia não é um órgão independente do Governo para avalizar o número de manifestantes e que esse trabalho deve ser deixado aos promotores das manifestações e àqueles que quiserem discuti-los.
Deixemos esses maus hábitos lá para fora, conservemos uma boa tradição caseira.
Por indicação bastante útil de um leitor corrigi um erro grave de matemática que tinha na anterior redacção. Assim, para determinar o número de manifestantes não devia utilizar uma divisão, como afirmava, mas sim uma multiplicação (o total da área vezes o número de manifestantes por m2), como de facto é simples de perceber. Obrigado pela correcção.

21/03/2009

O para-facismo ataca de novo. O spot publicitário da Antena 1


Antes de mais gostaria de avisar que retirei o antepenúltimo post, referente a um vídeo dos Monty Phyton dedicado aos católicos e protestantes, exclusivamente por motivos técnicos, pois aparecia-me, sempre que tentava fechar o meu blog, uma mensagem a dizer que havia um erro de scrip que eu associei àquele post. O que de facto se confirmou ao eliminá-lo. Não sei se aos meus leitores também lhes sucedeu o mesmo?

Voltemos ao motivo que me levou a escrever este post (ver aqui o spot publicitário). Sei que o título é forte, mas convém chamar os bois pelos nomes.
Alguns bloggers indignaram-se com o papel desempenhado neste spot pela jornalista Eduarda Maio, que já tinha escrito um livro de propaganda a José Sócrates, afirmando, e com razão, que os jornalista não podem participar em publicidade. Outros estão contra o ataque expresso à garantia constitucional do direito à manifestação. Alguns referem a responsabilidade, em última instância, do Ministro Santos Silva, que tutela a comunicação social. Por último o Público garantia, pela porta-voz da RTP, que este anúncio era uma ideia criativa da agência de publicidade, limitando-se a RTP a aprová-lo.
Tudo isto são aspectos importantes, mas não eximem a administração da RTP/RDP de ser responsável por ter escolhido um spot publicitário que faz apelo a valores e ideias afascistadas.
Vejamos. Uma das consignas do salazarismo era “a minha política é o trabalho”. O que significava que quem não queria encrencas não se metia em políticas ou em manifestações, só aquelas que fossem “espontaneamente” organizadas pelo regime. O mesmo reflecte a ideologia expressa por este spot publicitário. Os bons chefes de família, representados pelo condutor do automóvel, não se metem em manifestações que são uma arma dirigida a contra todos aqueles que “honestamente” querem chegar a horas ao trabalho.
Como todos sabemos, e basta percorrer os comentários bastante afascistados, que têm sido deixado nos posts que se referiram a este spot, para se verificar que há muita boa gente que tem uma nostalgia acentuada pelos "bons tempos" do passado, em que as manifestações estavam proibidas e em que aqueles que nelas participavam eram desordeiros e subversivos, talvez manipulados pelo PCP e pelos “esquerdistas”, pais do actual Bloco de Esquerda.
E aqui entroncamos nas perigosas afirmações do primeiro-ministro que, em relação à manifestação da CGTP, considerou que os seus participantes tinham sido manipulados por aqueles dois partidos. Num ápice juntou a velha ideia salazarenta, de que toda a desordem é o resultado da agitação promovida pelos comunistas, a outra da guerra-fria, de que certos sindicatos são manipulados e instrumentalizados pelos Partidos Comunistas, aos quais havia que opor um sindicalismo livre e independente, tão independente como o que depois se viu na semana seguinte, em que a tendência socialista da UGT se reúne com José Sócrates, do PS, para indicarem o próximo secretário-geral da UGT.
O caminho que estamos a seguir é perigoso. O PS em desespero de causa, com o gauleiter Santos Silva, está a pretender meter na ordem os sindicatos e a tentar impedir as manifestações que estes promovem. Temos que estar atentos a esta grave situação e à ideologia que está por detrás dela.

Parece que os protestos foram tantos e tão pronta foi a acção do provedor do ouvinte que o spot publicitário foi retirado e no Telejornal de hoje foi até garantido que este já tinha sido feito no Verão passado e só agora é que foi exibido. Isto para demonstrar que nada teria a ver com as recentes manifestações da CGTP.
PS. (23/03/09): Já passaram alguns dias, mas encontrei em 5 dias.net, num post de Nuno Ramo de Almeida uma referência a este caso. Não havia qualquer problema, este assunto durante um curto espaço de tempo, que é sempre aquele que leva a bloggosfera a indignar-se, encheu as manchetes de todos os blogs progressistas. Não fui excepção, simplesmente eu fazia referência, no dia 21 de Março, a uma ideia salazarenta de que a minha política é o trabalho, no dia 22 o Nuno referia-se ao mesmo. Não quero tirar o copyright desta ideia, mas lá que houve transmissão de pensamento, houve. A diferença é que em relação ao meu post nem um comentariozinho para alegrar a festa e no do Nuno registei até hoje 39. Não quer dizer que tivesse qualquer interesse em ter comentários do calibre daqueles que lá se escrevem, mas ao menos um só.
PS. (30/03/09): Afinal não foi só o Nuno que teve transmissão do pensamento em relação à frase salazarente “a minha política é o trabalho”. Mário Crespo num artigo de opinião no Jornal de Notícias, de 23 de Março, escreve o “slogan da ditadura que a melhor política é o trabalho”. Ou seja, fica claro que uma mesma causa, neste caso as palavras de Eduarda Maio, provocam a mesma reacção, a associação àquela palavra de ordem do fascismo. Aqui fica pois a resposta ao comentário do Nuno.

16/03/2009

A visita de José Eduardo dos Santos a Portugal. A posição do Bloco de Esquerda.


Socorro-me do debate travado na primeira parte do Eixo do Mal (sem link) para abordar este tema. Daniel de Oliveira, um dos habituais intervenientes e militante do Bloco de Esquerda, mostrou-se intransigente para com a personagem que nos visitava e com a sua ida à Assembleia da República, a casa da democracia. O próprio coordenador do programa, brincando, chegou mesmo a referir que Daniel de Oliveira poderia já não estar para a semana naquele programa, dado que os dinheiros de Angola, que parece que já entraram no semanário Sol, poderiam facilmente intervir naquele canal de televisão e correr com o crítico do Presidente angolano.
Clara Ferreira Alves, outra das intervenientes, contra argumentou, inserindo o que se passa em Angola no contexto africano, chegando a afirmar que aquele país não era onde se verificava a maior violação dos direitos humanos: não havia muitos prisioneiros políticos e até se publicavam alguns órgãos de informação relativamente críticos. Depois falou da independência recente de Angola e que o que lá se passava não seria muito diferente do que sucedia na maioria dos países africanos.
No fundo, e é isto que por vezes me irrita nos paladinos da defesa dos direitos humanos, é que o fazem em abstracto, sem ter em atenção o contexto, a situação política interna e a inserção dos países no confronto político e económico internacional. Neste exemplo, Daniel Oliveira comporta-se como o idealista, que tem ideias pré-concebidas e as tenta aplicar à realidade, mesmo que esta não se compraza com elas, e Clara Ferreira Alves como a realista, que analisa a situação concreta e a tenta interpretar e compreender em função dos dados objectivos de que dispõe.

Recuemos um pouco. Como sabem a situação dos movimentos de libertação de Angola era bastante complicada à data da independência daquele país. Um movimento progressista fraco, o MPLA, sem retaguardas protegidas, que não consegue criar uma verdadeira situação de perigo para o colonizador, e dois outros movimentos, a FNLA e a UNITA, de carácter regionalista, com clara expressão racista e ligados a países pouco respeitáveis, o primeiro, para além dos Estados Unidos, ao Congo de Mobutu, e o segundo, depois da sua colaboração com a PIDE, ao Governo racista e agressivo da África do Sul. No entanto, depois da independência o imperialismo americano e o racismo sul-africano foram derrotados e fortemente em Angola com a ajuda das tropas cubanas. Primeiro, em 10 de Novembro de 1975, na batalha de Quifandongo, que permite que o MPLA proclame em Luanda a independência de Angola, e posteriormente na de Cuito Cuanavale, a 23 de Março de 1988. Foi esta última derrota que possibilitou primeiro a independência da Namíbia e posteriormente o fim do apartheid na África do Sul (ver aqui, apesar de ser um post anterior à eleição de Barack Obama).
Eu sei que não podemos eternamente continuar presos a um passado já enterrado e completamente esquecido, que o MPLA dessa época não será igual ao de agora. No entanto, houve à época algumas páginas negras naquele movimento, como o assassinato de Nito Alves e de Sita Vales e o massacre de grande número de angolanos, em Maio de 1977, perpetrado por Agostinho Neto. Sabemos também o que representou para certos movimentos progressistas do Terceiro Mundo, como o MPLA, o desaparecimento da União Soviética, as implicações que isso trouxe para os seus referenciais ideológicos e para as suas economias, que eram apoiadas pelo “campo socialista”. Angola foi obrigada a fazer uma mudança brusca de uma economia dita de comando central para outra de predomínio capitalista. E depois sempre a guerra a consumir recursos e a debilitar a sua frágil estrutura social. Não é mistério para ninguém que a seguir aos acordos de Bicesse, em Maio de 1991, a realização de eleições, em Setembro de 1992, foi apressada e acabou num banho de sangue. A guerra continua até 2002, o que não permitiu qualquer veleidade de organização democrática do Estado. Estes são os factos, que temos que tomar em consideração.

Hoje, a África é um continente complicado. No espaço de poucas décadas tenta-se libertar do colonialismo e duma sociedade tribal, que permanece quase intacta nas suas estruturas mentais e organizativas e que permite que os chefes sejam corruptos e cleptómanos, como já o eram no passado. Tenta abraçar o espírito progressista de libertação nacional, que desempenha um papel importante nas suas independências, mas rapidamente é envolvida na Guerra Fria, com apoios soviéticos ou de outros países do campo socialista completamente desfasados do que era a sua realidade, ampliando para o pior as formas ditatoriais copiadas do “socialismo real” e inserindo-as em sociedades muito carentes e bastante desorganizadas. A juntar a isto a intervenção imperialista, sempre pronta a corromper e a instalar governos fantoches e incapazes. Para agravar a situação, o fim da Guerra-Fria, onde se teve que rapidamente fazer uma inversão de alianças, organizar a sociedade de outro modo e acabar com o passado marxista-leninista. É nesta conjuntura que o Governo do MPLA soube acabar com a guerra (2002), vencendo e matando um dos piores carrascos do povo angolano, Jonas Savimbi, tentando garantir a gestão nacional dos seus recursos e diversificar os seus apoios internacionais. Concentrando, é certo, o poder político e económico numa só família e nos seus amigos, permitindo que a classe dirigente viva numa ostentação iníqua em relação à pobreza do seu povo.

Estes últimos factos poderiam levar o Bloco de Esquerda a distanciar-se daquela visita. Não precisava de dizer, como todos os outros o fizeram, de que havia progressos democráticos em Angola. Poderia distribuir pelos media um comunicado bem feito a descrever o que foi a história recente daquele país e as agressões de que foi vítima e o papel que desempenha hoje na política e na economia o visitante e a sua família. Mas não precisava era de tão ostensivamente se recusar a comparecer nas cerimónias oficiais. No fundo, alinhou com todos aqueles, e não foram poucos, que na direita manifestaram a sua indignação com esta visita e com a recepção e a cordialidade com que se recebeu José Eduardo dos Santos (Ver o artigo de opinião de Helena Matos, no Público, e a intervenção de Pacheco Pereira, na Quadratura do Círculo, só para dar um cheirinho).

É evidente que este post não aborda, para além do caso pontual de Angola, o problema dos direitos humanos e a posição que a esquerda deve ter perante os mesmos e as suas opções face à sua discussão internacional. Deixemos este assunto melindroso e complexo para outra ocasião.
Acabei de assistir até onde a minha paciência aguentou o programa de Fátima Campos Ferreira, Prós e Contras. Uma vergonha. O representante oficial de Angola a defender com unhas e dentes o seu amado líder e a garantir que não havia corrupção e os empresários portugueses a acenarem com a cabeça, em sinal de assentimento. Por último, e foi quando desisti, Fátima Roque, ex-quadro superior da UNITA, e o delegado daquele partido em Portugal a garantirem que era tudo verdade, excepto a ausência de liberdade económica. Só um senhor, que eu penso que se chama Costa e Silva, e que me parece que pertence à empresa que gere os petróleos da Gulbenkian, a chamar a atenção para a miséria do povo angolano. Como era previsível o Bloco de Esquerda não foi convidado. Ia estragar a festa e aqui assim é que deveria denunciar todas as malfeitorias que quisesse, dentro é certo de uma perspectiva histórica e factual.

14/03/2009

Falemos de coisas mais importantes: Manuel Alegre

Tenho andado ultimamente enredado em pequenas quezílias pessoais ou confissões um pouco auto-punitivas, por isso não me tenho referido a alguns dos assuntos que marcam a actualidade.
Um certo “operário desempregado” acusou-me de não falar da manifestação da CGTP. Como já deve ter reparado o blog dedica-se mais à luta política-ideológica do que às agendas reivindicativas, por muito sérias que sejam. Por isso, não vejo qualquer razão para noticiar ou propagandear a manifestação e o seu indiscutível êxito, que foi por todos os media reconhecido.
Houve depois um outro assunto, provavelmente por não conseguir encontrar o tom certo, que ainda não abordei. Foi a visita de José Eduardo dos Santos a Portugal e a posição do Bloco de Esquerda, com que eu não estou de acordo.
Irei agora falar dos recentes desenvolvimentos daquilo que eu chamaria a novela Manuel Alegre.
Fui dos que saudei a sua candidatura às presidenciais. Ela prefigurava uma velha aspiração do PCP que era dividir o PS, daí o seu apoio ao PRD, do general Ramalho Eanes. É evidente que o apoio à criação daquele partido consistia unicamente em instrumentalizar a divisão do campo socialista, possibilitando até uma possível maioria de esquerda, no caso de Manuel Alegre as razões são mais profundas e nem sequer envolvem o PCP. Se as propostas presidenciais daquele político nem sempre me agradaram, a personagem, a sua entourage e aquilo que podiam significar tinham um peso político bastante diferente do que tinha a sido a criação do PRD, que no fundo acabou por resultar na passagem directa de eleitorado comunista e socialista para o PSD de Cavaco.
Tivemos depois os episódios da Trindade e da Aula Magna, com comícios em que participaram a título individual o Bloco de Esquerda e, no primeiro claramente, a Renovação Comunista. Quer se quisesse quer não, estes encontros, os discursos pronunciados e os temas abordados podiam deixar antever um ruptura de Manuel Alegre com o PS, o aparecimento de um novo partido e até a possibilidade, para já, do aparecimento de listas conjuntas Alegre-Bloco de Esquerda e, no futuro, a formação de um novo partido semelhante ao Die Linke alemão, que juntou socialistas de esquerda e comunistas pós-Muro.
Nada disto aconteceu, muito se especulou sobre de quem era a culpa, mas a verdade é que Alegre não rompe com o PS, não forma nenhum novo partido e o Bloco de Esquerda fala de Convergências à Esquerda, que se referem só a ele e a alguns independentes, como, por exemplo, para as europeias, o Rui Tavares.
Ontem Manuel Alegre, em declarações à Antena 1, já afirma: se a direcção do partido não dá um sinal da demarcação em relação à afirmação de um dirigente (José Lello) que diz que eu não tenho carácter, então não pode querer contar comigo como candidato a deputado nas próximas eleições. Ou seja, aquele político já admite participar nas listas do PS se este se demarcar do José Lello, coisa que não é difícil, se para conquistar uma maioria absoluta isso for necessário. E António Costa, na Quadratura do Círculo, da SIC Notícias, fala mesmo em coligação entre o PS oficial e Manuel Alegre. Proposta que hoje leva ao rubro Pacheco Pereira na sua crónica no Público, Uma coligação do PS-1 (Sócrates) com um PS-2 (Alegre) (ver aqui).
Sem saber como é que tudo isto irá acabar, parece-me, e espero que me engane, que findará numa coligação eleitoral um pouco original entre Alegre e o PS, em que este garante uns lugares na Assembleia e até, provavelmente, no Governo, como neste momento já tem a Ministra da Saúde, Ana Jorge, e acaba tudo com Manuel Alegre e Sócrates nos comícios eleitorais a darem vivas ao PS. Espero que este pesadelo não se concretize e que haja um pouco mais de dignidade na política.
Estamos todos cá para ver, é o meu desejo.

13/03/2009

Erros ortográficos


Sou daqueles que dá extremo valor à maneira como se escreve. Nenhuma ideia pode ficar bem expressa se o texto que a pretende traduzir está mal redigido. No fundo, aplico à escrita a velha questão artística da interligação entre a forma e o conteúdo. Os erros de ortografia estão também incluídos nesta mesma relação. Não se pode escrever um post a “malhar” em alguém e depois o texto ter erros ortográficos. Causa uma péssima impressão.
Por isso, eu tento escrever utilizando sempre o corrector ortográfico do próprio Word. Mesmo as resposta aos comentários de outros raramente são publicadas sem utilizar esse sistema. Fico, por esse motivo, extremamente irritado, quando alguém resolve publicar comentários aos meus posts ao correr da inspiração, sem previamente escrever o texto e revê-lo com a ajuda de um corrector ortográfico.
Junta-se a isto um problema que ocorre no meu computador em que o teclado, por razões que desconheço, salta letras ou espaços. Sem corrector ortográfico quase que era impossível ler os meus textos, ou então, o tempo que eu perdia a corrigi-los era muito maior.
Sucede que por vezes há palavras que o corrector não identifica e por isso temos que recorrer a um dicionário para verificar a sua existência. Mas há mais, e mais grave, é caso das palavras que se as escrevermos erradamente elas têm outro significado e por isso o corrector não assinala o erro. A mim já me sucedeu, escrever passo, do verbo passar, com ç transformando assim o passo em paço real.
Agora vieram-me chamar a atenção para outro termo que eu utilizo abundantemente: descriminar, que com e significa descriminalizar, e que com i refere-se a diferenciar, separar.
Por isso peço a todos os meus leitores que me desculpem os erros cometidos e que quando encontrarem, em posts passados, o termo descriminar, com e, já sabem que quero referir-me a discriminar, com i.
Há outro facto, para o qual já me têm chamado a atenção, que é a falta de concordância entre o predicado e o sujeito ou os diversos complementos. O corrector linguístico também resolve isso, mas aqui porta-se bastante pior do que o ortográfico. E por vezes não consigo reparar nestas discordâncias.
Devo este pedido de desculpas aos meus leitores.

O literalista


Finalmente acusaram-me de alguma coisa. Tal como eu pedia, em resposta a um dos meus comentadores, já tenho um epíteto atribuído, literalista. Foi a maneira educada de me dizerem que era pouco esperto e pouco subtil. Lá terão as suas razões. Simplesmente, nas minhas imprecações contra as muralhas da cidade, que eu me recorde, nunca os meus opositores foram classificados em função dos seus dotes intelectuais, apesar de haver grandes diferenças. Penso que a luta política não passa por aqui e por isso coíbo-me de fazer esse tipo de críticas.
Quanto, à referência aos Coros do Exército Vermelho é outra maneira, esta menos subtil, de me considerar um nostálgico da União Soviética. Para certos bloggers, aqueles que ainda se reclamam de certa influência da Revolução de Outubro, que não classificam a aventura comunista como um totalitarismo, tão horrível como o nazi-fascismo, que não consideram o mundo contemporâneo como uma luta exclusiva entre aqueles que defendem os direitos humanos e os que não os protegem. Para aqueles que consideram que o imbróglio muçulmano é bastante mais complexo do que uma luta entre a civilização ocidental e os fundamentalistas islâmicos, só resta a terrível tortura de ficar para o resto da história a ouvir os Coros do Exército Vermelho ou então, na pior das hipóteses, a verem aqueles filmes soviéticos (ver imagem) em memória de Estaline e dos seus feitos. Não aceitamos estas dicotomias, nem a simplificação da realidade, há mais mundo para além daquele que as boas almas querem que haja.
Não fomos nós que exigimos que o Bloco de Esquerda rompa com toda e qualquer ligação com os comunistas e com todo o seu passado estalinista/maoista ou trotskista. Nós convivemos bem com o pluralismo que há naquele partido. Provavelmente daí a diferença entre ser literalista e não ser.
E por aqui me fico, não deixando de ler, por vezes com gosto, o meu taxonomista, porque ele é o exemplo e o paradigma, no seio da esquerda, de uma certa corrente que a desvirtua e a torna refém da agenda da direita, mas entendo que neste momento já nada temos a acrescentar aos epítetos com que nos fomos mimoseando.

09/03/2009

Quando as comadres se zangam

Dada a minha proverbial prolixidade em relação aos assuntos que abordo perco normalmente a oportunidade falar neles quando acontecem, assim para manter o meu blog com novos posts recorro frequentemente a pequeno vídeos e agora até a fotografias. Por isso, quando me preparava para “malhar”, uma expressão que agora está muito em moda, mais uma vez num post de Rui Bebiano, que tinha lido, sem saber de quem era, em o Tempo das Cerejas, e que tinha considerado bastante reaccionário, reparo que já tinha sido ultrapassado pelos acontecimentos. É que a seguir a este já tinham sido publicados outros dois (ver aqui e aqui) tão reaccionários como o anterior, o que me levou a pensar que o autor ou se tinha definitivamente passado dos carretos ou então se comprazia no deleite de provocar os seus leitores de esquerda. Por isso, achei por bem não gastar mais cera com tão ruim defunto, ou seja, deixar de comentar os seus posts tal como não faço com os do 31 da Armada, do Blasfémias ou do Atlântico.
Resolvi, por isso, abordar uma zanga de comadres que tinha assistido na última quinta-feira na Quadratura do Círculo e que, apesar de já terem passado uma série de dias, me apetece comentar dado a sofreguidão com que António Costa defendeu o seu líder e como todos, com um sorriso nos lábios, estiveram de acordo com as boçalidades com que Costa mais uma vez mimoseou o Bloco de Esquerda.
A Quadratura do Círculo, quando começou há muitos anos na TSF com outra designação, tinha como intervenientes, que eu me recorde, o Pacheco Pereira, o único que se manteve fiel ao formato, alguém do CDS e o José de Magalhães, ainda deputado do PCP. O PS estava ausente, penso que representado pelo coordenador. Depois o José Magalhães, sem sair do Parlamento, mudou-se para a bancada do PS e o programa nunca mais teve ninguém à esquerda deste partido. O que neste momento se torna profundamente injusto dado que uma corrente de opinião, com mais de 20% de intenções de voto (Bloco de Esquerda mais PCP), está completamente ausente de um programa de discussão política. Este facto permite a manutenção do stato quo dominante, expresso por Pacheco Pereira, em nome do PSD, é verdade que nem sempre alinhado, por Lobo Xavier, em nome do CDS, dizendo praticamente os dois a mesma coisa, contra um PS oficial representado por um peso pesado, António Costa, que raramente foge à versão oficial dos acontecimentos.
Na Quadratura desta semana o único tema abordado foi o Congresso do PS. Pacheco Pereira iniciou as hostilidades com o ataque ao discurso que Sócrates pronunciou no primeiro dia, aquele em que ele atacou a imprensa, principalmente o Público e a TVI, e se vitimou, garantindo que havia contra ele uma campanha negra. Depois Lobo Xavier comparou o discurso do Primeiro-Ministro ao dos autarcas corruptos, quando dizem que está nas mãos do povo a decisão da sua continuação no Governo, e não nas mãos de “um qualquer director de jornal ou de televisão”. Já se sabe que o caso Freeport veio novamente à baila e aí António Costa contra-ataca e as coisas começaram a azedar. Costa, invocou o comunicado da Procuradoria, e hoje percebe-se o alcance daquele comunicado, dizendo que as Autoridade Judiciais não consideravam José Sócrates nem suspeito, nem arguido, nem sequer que estivesse a ser investigado e quem falasse no Freeport alinhava na campanha negra que aqueles media estavam a desencadear contra o Primeiro-ministro.
Para um observador distraído estas personagens pareciam estar muito zangadas. Já assisti na Assembleia Municipal de Lisboa a troca de acusações entre deputados do PSD e do PS que dariam, na vida real, para os intervenientes chegarem a vias de facto ou para nunca mais se falarem e não é que depois os encontro nos corredores em amena cavaqueira uns com os outros, como se nada se tivesse passado. Por isso, apesar do ar zangado de António Costa e principalmente de Lobo Xavier acabou tudo em bem, quando António Costa, dizendo que nisso convergia com o Pacheco Pereira, começou mais uma vez a malhar no Bloco de Esquerda.
Por último duas coisas marginais ao debate. António Costa veio recordar a expressão “um voto na AOC era um espinho cravado na garganta do Cunhal”, que eu referi a propósito da crítica que fiz a um post de Rui Bebiano. A associação de ideias tinha a ver com Espinho, o local onde se tinha realizado o Congresso do PS.
A segunda foi Costa ter afirmado que aderira ao PS, e à sua “luta pela liberdade”, quando este desencadeou o caso República. Triste exemplo este. Hoje sabe-se que o PS utilizou este caso, que nada teve a ver com o PCP, para nacional e principalmente internacionalmente desencadear um campanha mentirosa contra os comunistas que estariam a cercear a liberdade de imprensa em Portugal, aproveitando-se, é certo, da má fama que estes tinham noutros países.
PS. (10/03/09): ao contrário do que costuma aparecer nos media não existe o termo vitimização e vitimizar como eu escrevi neste post e em anteriores, mas sim vitimação e vitimar. Neste ainda resolvi fazer a correcção, em relação aos outros espero que os meus leitores que me desculpem mas que façam eles a alteração.

08/03/2009

Portugal no seu melhor - II


Continuando a série Portugal no seu melhor apresento-vos esta fotografia que não tendo tanta graça como a anterior, também tem o seu castiço. O título é Cemitério.

07/03/2009

Portugal no seu melhor


Enviaram-me recentemente um conjunto de fotografias com o título Portugal no seu melhor, porque achei esta particularmente engraçada quis partilhá-la com os meus leitores

05/03/2009

Uma Conferência quase clandestina de Domenico Losurdo

Já um pouco atrasado venho dar conta de uma conferência que assisti na quinta-feira da semana passada. Como o tipo de posts que escrevo têm sempre muita prosa, e meteu-se o Congresso PS de permeio, não me sobrou vagar para relatar este evento quase clandestino, porque foi muito pouco divulgado.
A Conferência teve lugar no ISCTE, foi patrocinada por João Arsénio Nunes, professor daquela escola, e integrada nas cadeiras que ministra, e pelo site ODiario.info, em que um dos co-editores é Miguel Urbano Rodrigues, que esteve presente na mesa. O orador foi o historiador e filósofo marxista italiano Domenico Losurdo, professor na Universidade de Urbino. Com obra vasta publicada em Itália e quase toda ela traduzida no Brasil (no final apresentarei uma curta bio-bibliografia) e noutros países.
Pelo nome dos organizadores penso que os meus leitores já perceberam que estávamos perante uma realização bastante próxima do PCP. João Arsénio Nunes, meu amigo de longa data e que me convidou para estar presente, é um dos poucos historiadores que permanece filiado naquele partido. Quanto ao site em questão, tendo provavelmente vida própria, não difere muito das intervenções patrocinadas pelo PCP.
Com este pano de fundo, muitos se interrogarão se valerá a pena assistir a este tipo de conferências, onde a ortodoxia dominante no nosso PCP tornaria manifestamente impossível qualquer interrogação que fugisse ao discurso que predomina naquele partido. A verdade é que muitas das intervenções de alguns, não direi de todos, dos teóricos que ainda restam no movimento comunista internacional, muitos deles professores universitários, com obra de vulto, têm uma outra abertura e compreensão da realidade do que foi o “campo socialista”, visto participarem activamente na discussão destes temas nos seus países, que está longe de se reduzir aos chavões e palavras de ordem produzidos pelo nosso PCP. Mesmo neste campo, do aprofundamento do marxismo, da discussão teórica e da investigação histórica, o nosso atraso é manifesto.
Dito isto, concluo que foi proveitoso assistir a esta comunicação, cujo tema era “O movimento comunista no século XX”.
O que disse o autor. Começou primeiro por um preâmbulo que eu subscrevo por inteiro e que é o seguinte (a tradução da comunicação está transcrita em ODiario.info): “Como resumir o balanço histórico do movimento comunista no século que passou? Hoje em dia, o discurso acerca da sua “falência” é tão pouco discutido que não chega a suscitar objecções, nem mesmo na esquerda. A ideologia e a historiografia actualmente dominantes parecem querer compendiar o balanço de um século dramático numa historieta edificante, que pode resumir-se deste modo: no princípio do século XX, uma rapariga fascinante e virtuosa, a menina Democracia, foi agredida, primeiro por um bruto, o senhor Comunismo, a seguir por outro, o senhor Nazi-Fascismo; aproveitando as contradições entre eles e através de peripécias complexas, a jovem consegue por fim libertar-se da terrível ameaça; tornando-se entretanto mais madura mas sem nada perder do seu fascínio, a menina Democracia consegue coroar o seu sonho de amor pelo casamento com o senhor Capitalismo; rodeado pelo respeito e a admiração gerais, o feliz e inseparável casal gosta de levar a vida principalmente entre Washington e Nova Iorque, entre a Casa Branca e Wall Street. Assim sendo, não há mais lugar a dúvidas: é evidente e inglória a falência do comunismo.”
Esta historieta, tirando o “casamento como senhor capitalismo”, pode ser subscrita por todos os historiadores conservadores, liberais e até por algumas boas almas que povoam a nossa Internet, e assenta fundamentalmente na luta da democracia contra os totalitarismos, de esquerda ou de direita, e tem no pacto germano-soviético a expressão máxima da união entre aquelas duas doutrinas totalitárias e que é um dos pilares em que assenta a historiografia do Século XX.
Depois a comunicação, fugindo bastante àquilo que nos é proposto no título, passa a explanar as três grandes descriminações (racial, censitária e sexual) que ainda nas vésperas de Outubro de 1917 (Revolução de Outubro) desvirtuavam a democracia e que se mantiveram por bastantes anos, até quase aos nossos dias. Um exemplo é a descriminação racial existente nos Estados Unidos da América. Foi igualmente referida a ligação que houve entre a descriminação racial nos Estados Unidos e os teóricos do racismo anti-semita do Terceiro Reich.
Outra descriminação era o voto censitário, ou seja, só podiam votar aqueles que tinham um determinado rendimento, e até muito recentemente as mulheres também estavam arredadas das eleições.
O autor defende depois o ponto de vista de que foi a Revolução de Outubro, o aparecimento da União Soviética e do movimento comunista internacional que influenciaram decisivamente o progressivo desaparecimento das três descriminações referidas.
O desaparecimento daquele país e o enfraquecimento do movimento comunista está a influenciar um retorno ou a restauração daquelas descriminações e, na sequência dessa afirmação, são dados alguns exemplos recentes.
A terminar o autor descreve a complexa dialéctica que resultou da interacção entre os dois sistemas que co-existiram e que, do meu ponto de vista, serve para caracterizar a situação actual.
A partir de Outubro de 1917 desenvolveu-se uma dialéctica complexa e contraditória. O sistema capitalista, reforçado pela absorção de elementos derivados da bagagem ideal e política do movimento comunista e da própria realidade do socialismo real, soube depois exercitar por sua vez uma atracção irresistível sobre a população dos países caracterizados por um socialismo que, desde o início, traz impressos na face os sinais da guerra desencadeada e imposta pelo Ocidente, e que depois se torna cada vez mais ossificado e esclerótico até se tornar a caricatura de si próprio. Quer dizer, os regimes nascidos na onda da revolução bolchevique não souberam confrontar-se concretamente com o Ocidente que eles próprios tinham contribuído para modificar em profundidade. Em última análise venceu o sistema político-social que melhor soube responder ao desafio lançado ou objectivamente constituído pelo sistema oposto e concorrente. E foi assim que, também neste caso, a inicial vitória parcial conseguida pelo movimento operário e comunista, com a capacidade demonstrada de desenvolver a sua eficácia histórica concreta também no campo adversário, se transformou numa derrota de alcance estratégico.”
Eu diria que se a Revolução de Outubro forçou a longo prazo a introdução de uma democracia plena no sistema capitalista o inverso não se verificou e quando isso aconteceu ou foi reprimida ou então abalou definitivamente o sistema. Esta última faceta não foi desenvolvida pelo autor e seria interessante que o fosse.
Como se pode ver pela leitura daquele último parágrafo, e para os mais interessados recomendo a consulta de todo o texto e de uma outra conferência que aquele foi fazer no dia seguinte a Coimbra (ver aqui), as suas reflexões, sendo críticas em relação à ideologia dominante e mesmo para aquela acantonada à social-democracia e que no nosso país tem algum reflexo no Bloco de Esquerda, não me parecem que sejam representativas do actual pensamento do PCP. O mais que podemos dizer é que são estes os ideólogos que, a nível internacional, mais próximo estão daquele partido e menos se sentem incomodados com a sua presença.

Para terminar e num apontamento muito pessoal, um dos temas abordados por Losurdo foi o dos Untermenschen, o termo com os alemães classificavam os judeus, que era a tradução naquela língua do termo, Under Man, dos ideólogos racistas americanos, quando estes se referiam aos negros. A tradução portuguesa poderia ser sub-homem. Pois eu senti-me assim naquela conferência. Depois de anos de convívio com alguns membros do sector intelectual do PCP de Lisboa, e que eu conhecia bem, acharam naquela sessão que eu era um ser inexistente e por isso nem para mim olharam, nem esboçaram um simples cumprimento. Para certos militantes do PCP, aqueles que alguma vez deixaram de ser do seu partido, passam a ser como Untermenschen.

Pequena biografia e bibliografia de Domenico Losurdo

Nascido em 1941 nos arredores de Bari, é actualmente Professor catedrático da Universidade de Urbino e Presidente da Sociedade Internacional Hegel-Marx.
Um dos principais campos de investigação de Domenico Losurdo situa-se na reconstrução da história política da filosofia clássica alemã, de Kant a Marx, tendo ainda dedicado ensaios a Nietzsche e Heidegger.
Mais recentemente dedicou-se a uma leitura crítica da tradição liberal e das origens ideológicas do fascismo e do nazismo, na sua relação com as tradições coloniais e imperialistas.
A mais recente das suas obras, Stalin. Storia e critica di una leggenda nera, suscitou intenso debate e o comentário elogioso, entre outros, de Gianni Vatimo: “Graças aos documentos e citações presentes no livro conseguimos entender como Stalin foi sobrevalorizado por muitíssimos estadistas, como Churchill e De Gasperi e filósofos como B. Croce, que sempre olharam Stalin com respeito, simpatia e mesmo admiração”

(biografia elaborada por João Arsénio Nunes - JAN - e que acompanhava o convite).

Bibliografia. Obras recentes
  • Hegel, Marx e la tradizione liberale. Roma, Editori Riuniti, 1988. (Hegel, Marx e a Tradição Liberal. Liberdade, Igualdade, Estado. Editora Unesp, 1998).

  • Democrazia o bonapartismo. Trionfo e decadenza del suffragio universale. Torino, Bollati Boringhieri, 1993 (Democracia e Bonapartismo. Triunfo e Decadência do Sufrágio Universal. Editora UNESP, 2004).

  • Il Revisionismo Storico. Problemi e Miti. Laterza, Roma-Bari, 1999.

  • Hegel e la Germania. Filosofia e questione nazionale tra rivoluzione e reazione. Milano, Guerini-Istituto Italiano per gli Studi Filosofici, 1997.

  • Democrazia o bonapartismo. Trionfo e decadenza del suffragio universale. Torino, Bollati Boringhieri, 1993. (Democracia e Bonapartismo. Triunfo e Decadência do Sufrágio Universal. Editora UNESP, 2004).

  • Antonio Gramsci, dal Liberalismo al "Comunismo Critico". Roma, Gamberetti, 1997. (Antonio Gramsci: do Liberalismo ao “Comunismo Crítico”. Editora Revan, 2006).

  • Fuga dalla storia? Il movimento comunista tra autocritica e autofobia. La Città del Sole, Napoli, 1999. (Fuga da História? A Revolução Russa e a Revolução Chinesa Vistas de Hoje. Editora Revan, Rio de Janeiro, 2004 - edição ampliada em relação à italiana).

  • Ipocondria dell’impolitico. La critica di Hegel ieri e oggi. Milella, Lecce, 2001.

  • Nietzsche, il ribelle aristocratico. Biografia intellettuale e bilancio critico. Bollati Boringhieri, Torino, 2002.

  • Controstoria del liberalismo. Laterza, Roma-Bari, 2005. (Contra-História do Liberalismo. Idéias & Letras, Aparecida, 2006).

  • Liberalismo. Entre Civilização e Barbárie. Editora Anita Garibaldi, 2006.

  • Il linguaggio dell'Impero. Lessico dell'ideologia americana. Laterza, Roma-Bari 2007.

  • Stalin. Storia e critica di una leggenda nera. Carocci Editore, Roma, 2008.

(Bibliografia elaborada por mim, com base na de JAN. Entre parêntesis as edições brasileiras. Para a bibliografia completa ver).

03/03/2009

A única Orquestra Sinfónica da RDC de Kinshasa


Le seul Orchestre Symphonique de RDC à Kinshasa
Enviado por pollux91
Este pequeno vídeo já há tempos que corria na net. No entanto, apesar de provavelmente todos o conhecerem, parece ser suficientemente interessante para ser mostrado. Mesmo nas condições mais difíceis o espírito humano sempre consegue vencer.

Pobre debate político

Sócrates sem tento na língua


Chegou-me recentemente uma lista completa dos diversos sites que o Bloco de Esquerda tem espalhados na net, todos eles com diversas funções e alcances. Neste, no My Space, dedica-se a pequenos vídeos gozando com as incongruências de Sócrates e do actual Governo. Vejam este que tem graça.

02/03/2009

“A Campanha Negra”. Congresso do PS – Parte II


Podem alguns vir dizer que “não se deve gastar cera com tão ruim defunto”, ou seja, que o Congresso do PS não vale dois posts seguidos. No entanto, acho que se deve dizer mais qualquer coisa, pois este Congresso entronizou “a campanha negra” contra o seu Secretário-geral e o partido que dirige.
Sócrates e os seus apaniguados já há muito tinham lançado o mote contra “a campanha negra” de que ele e o PS estavam a ser vítimas. Mas foi neste Congresso que se tornou doutrina oficial. A partir de agora há dois tipos de portugueses, aqueles que acreditam na “campanha negra” e os que duvidam.
Mas o mais espantoso é que todos os membros do PS, mesmo quando vestem a pele de comentadores “independentes”, quer António Vitorino, nas Notas Soltas, quer António Costa, na Quadratura do Círculo, assumem em uníssono esse desiderato. As palavras podem ser diferentes, mas no fundo defendem sempre o mesmo: há uma “campanha negra” contra Sócrates e o PS. Santos Silva vai mesmo mais longe, quem a puser em causa está já colaborar com essa campanha.
Neste Congresso “a campanha negra” adquiriu uma forma mais elaborada. Passou a ter o rosto de um director de jornal e de uma televisão. Logo vozes pressurosas se apressaram a descodificar qual era o jornal, o Público, e a televisão, a TVI. Depois era uma carta anónima que ajudava à festa. Com tão pouco, “a campanha negra” não ia longe, mas foi o suficiente para que todos à porfia se esfalfassem para agradar ao chefe e garantir que havia uma campanha.
O PS já é useiro e vezeiro em campanhas negras e cabalas. No caso de Casa Pia estava montada uma cabala para atacar o Paulo Pedroso e o Ferro Rodrigues. Aí, mesmo assim, havia mais probabilidades de acertarem, mas no entanto a direcção daquele partido teve o bom senso de parar com a vitimização, abandonando, e bem, a tese da cabala.
Quanto se fala de “campanha negra”, vem novamente ao de cimo a tese da vitimização que, segundo alguns, poderá render alguns votos, mas principalmente poderá fazer a ponte para aquilo que segundo Marcelo Rebelo de Sousa irá acontecer, ou seja, rapidamente a Procuradoria vai dar por encerrado este caso, provando por A mais B que Sócrates não é suspeito, nem nunca foi. Provavelmente só restarão corruptores e não corrompidos e por isso encerra-se a investigação.
Toda esta prosa, que relata o óbvio, pretende unicamente chamar a atenção para aquilo que mais me confrange em toda esta história que é tornar-se doutrina oficial uma boutade que, em momento mais infeliz, se deixa escapar contra acusações que, segundo o visado, podem parecer injustas. Nesse sentido, só tendo uma clara noção de que vai tudo acabar em “águas de bacalhau” e que Sócrates poderá mais uma vez emergir da adversidade como um vencedor é que se transforma um caso de justiça numa “campanha negra”.

Tudo o mais que se diga do Congresso é inútil, a imprensa os blogs já fizeram o relato completo. Quanto à escolha de Vital Moreira para candidato ao Parlamento Europeu, tenho as minhas dúvidas quanto à sua eficácia. Escolher ex-comunistas para roubar votos aos comunistas já se revelou, no passado, um disparate, principalmente quando o seu afastamento em relação ao PCP é de 180 º. Em relação ao Bloco, parece-me outro disparate, pois naquele partido ninguém se revê na prosa e no discurso apparatchik daquele intelectual, sempre pronto, do ponto de vista ideológico, a justificar os disparates mais irrelevantes de José Sócrates e do seu Governo. Não é pessoa por quem se tenha qualquer admiração intelectual e quem o afirma é que está a fazer figas por trás, pois Vital Moreira é o exemplo, devido aos seus artigos, do chico-esperto que já em tempos acusei alguns do porta-vozes do PS. Para a direita, por outro lado, tem suficientes anti-corpos de esquerda que não justificam que se gaste cera com tão ruim defunto. E acabo assim como comecei.

“Partido oportunista, que parasita a desgraça alheia”. O Congresso do PS – Parte I


Foi com esta acusação forte que António Costa se referiu ao Bloco de Esquerda no Congresso do Partido Socialista. Estava dado o mote, o Bloco seria naquele Congresso o bombo de festa, e não fui só eu que notei, todos os comentadores se referiram a isso.
Mas, acrescentemos alguns pormenores. No noticiário da noite de Sábado da SIC, Ricardo Costa, irmão de António Costa, dá conta deste assunto da seguinte maneira: “comecemos por recordar aquela que é sem dúvida a polémica política do momento, a picardia violenta entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista”. Estranha forma de relatar uma “picardia”, empregando o sua expressão, que tinha sido começada, sem aviso prévio, por António Costa, do PS, no discurso que tinha pronunciado de manhã no Congresso e não pelo BE. A resposta dada à hora de almoço por António Louçã, na comemoração do décimo aniversário do seu partido, esteve à altura: “tanta raiva, e tanto insulto grotesco, porque eu pergunto ao país, quem são os parasitas? …”, já se imagina quem eles são. À noite António Costa reage (não tenho link para estas declarações) em entrevista a uma TV: “caiu a máscara ao BE, afinal revelou-se como ele é”. Não se percebe depois dos mimos da manhã de António Costa qual deveria ser a resposta do Bloco, diria que estava de acordo e que para a próxima iria portar-se melhor. Como não foi esta, afirma-se que lhe caiu a máscara. Quem me parece que ficou completamente desmascarado foi António Costa, que se portou como José Lello, porque depois do que disse, nunca mais pode vir para a Câmara de Lisboa reclamar pela unidade de esquerda.
O mais espantoso na intervenção de António Costa foi as razões que ele invocou para a ruptura do acordo com o BE. Segundo o Presidente da Câmara, o acordo com o Bloco de Esquerda foi escrupulosamente cumprido por ele, coisa que “eles”, BE, “nem sequer contestam”, mas estes ao verem reforçadas as competências de José Sá Fernandes, eleito como independente nas suas listas, “como são alérgicos a assumir qualquer responsabilidade governativa”, resolveram romper o acordo. Completa mentirola. Primeiro, o BE nunca rompeu o acordo com o PS, mais, este assunto até foi objecto de votação na assembleia concelhia, e a posição de romper o acordo não foi aprovada. Segundo, a ruptura verificou-se com o seu vereador independente, que deixou de ter o apoio daquele partido por razões completamente diferentes. Pelas posições assumidas por Sá Fernandes numa série de dossiers, principalmente em relação aos contentores de Alcântara. Assim, pela voz de António Costa fica o Bloco a saber que este e o PS, consideram que o acordo deixou de valer, e que uma ruptura entre o Bloco e o seu vereador é interpretada por aquele como uma ruptura entre o BE e o PS.
Algumas consequências o BE tem que tirar deste caso. Acordos desta natureza têm que ser assumidos com menos ligeireza e ser mais bem estruturados, de modo a que não seja assacada ao Bloco as responsabilidades da ruptura de acordos com um partido, que como ficamos agora a saber, é pouco sério nestas trapalhadas.
Não foram só estas as referências ao Bloco, também o “inefável” José Lello, se pronunciou sobre aquele partido. Com a subtileza de um elefante, lá foi defendendo que o Bloco fazia purgas ao estilo estalinista ou trotskista (tem que se decidir por um deles). Ainda pensei que fosse a Joana Amaral Dias, mas não, era o José Sá Fernandes que, não sendo militante do Bloco, era assim purgado por este. Triste sina de quem tem militantes com esta subtileza.
Os comentários gerais a estes factos eram de que tinha sido um erro o PS neste Congresso ter erigido o BE como o seu principal inimigo. Hoje, Marcelo Rebelo de Sousa, no seu comentário semanal na RTP I, afirma que o ataque do PS nada tem a ver com o medo de perder eleitores para aquele partido (eu não estaria tão confiante como Marcelo) mas sim para apelar ao centro para que votem no PS e lhe dêem a maioria absoluta, porque senão terão o Bloco, que frequentemente foi acusado de partido radical e extremista, a dificultar a acção do Governo. Ou seja, a velha táctica anti-comunista, que tanto êxito teve nos tempos do PREC, ou o PS ou a extrema-esquerda.
Em próximos post irei falar mais deste Congresso.