23/02/2011

Duas formas de cepticismos a propósito da revolta árabe – II

Ainda não sei como se vai resolver a situação na Líbia, tenho para mim que ela é bem mais complexa do que a que teve lugar na Tunísia e no Egipto. Mas deixo para depois a sua análise. Declarando desde já que não tenho qualquer simpatia pelo Sr. Kadafi.

Nos dois posts que já escrevi (ver aqui e aqui) a que chamei primeiro revolução e hoje, mais de acordo com uma sugestão do Pacheco Pereira, chamo revolta árabe, transparece um certo cepticismo em relação ao que irá acontecer no futuro: se nos dois países, Tunísia e Egipto, serão as forças progressistas, democráticas e de esquerda que levarão a melhor.
Nesse sentido, gostaria hoje de manifestar a minha crítica a duas ideias dominantes que percorrem a blogosfera de esquerda, que ficaram fascinadas pelas movimentações de massas naqueles países. Facto que eu também saúdo, mas com todas as precauções e avisos que já referi.

A primeira é a comparação entre a revolta árabe e a queda do “socialismo real”, no Leste da Europa, já que na Rússia a situação foi um pouco diferente. Tenta-se comparar o que se passou no Leste europeu – as movimentações populares, o desmoronar dos regimes e a alegria posterior das massas – com o que se passou na Tunísia e no Egipto, e com o que hoje se está a passar, com maior ou menor intensidade, em grande número de países árabes.
Tenho para mim que a queda do “socialismo real” resultou de facto da acção popular, do descontentamento que lavrava naqueles países, da impossibilidade da “nomenclatura” manter por mais tempo uma ficção em que já não acreditava e do desejo da direcção soviética de deixar de controlar aqueles povos. Mas estes acontecimentos não originaram uma saída progressista e de esquerda. Admito que desembocaram numa democracia de tipo ocidental, mas tal como no Ocidente, e sem as mesmas defesas de que dispõe a classe operária desta área geográfica, as disparidades sociais aumentaram, a corrupção também, as minorias étnicas têm tido problemas graves (veja-se o que sucede nos países Bálticos com a minoria russa), a perseguição aos antigos membros e aos partidos comunistas é uma realidade e até, como no caso da Hungria, a supressão da liberdade de informação. Posto isto, acho estranho que alguém de esquerda ache que as duas alterações que se verificaram são do mesmo sinal. Em sociedades tão desiguais como são as árabes, sem uma intervenção forte dos sindicatos, se o caminho a seguir for o da Europa de Leste facilmente se instalará um capitalismo selvagem, ultraliberal, tal como se instalou nesses países. Este é portanto o meu primeiro cepticismo.

O segundo tem a ver com a alegria existente também em alguns blogs e parece que transparece de um artigo que vem no Público, do seu enviado ao Cairo, Paulo Moura, que glorificam a espontaneidade das massas, libertas das burocracias sindicais e políticas. Como se percebe, estou-me a referir aos sindicatos e aos partidos de esquerda que para certos revolucionários não passam de burocratas, sempre prontas a refrear a espontaneidade das massas. Tenho para mim que a ausência de sindicatos e partidos de esquerda fortes são indispensáveis para que seja possível haver uma saída progressista, democrática e de esquerda para a crise que aqueles países atravessam. Se as massas não tiverem palavras de ordem que as conduzam nesse sentido, facilmente os Irmãos Muçulmanos as poderão arregimentar. No entanto, já li artigos  em que as principais acções que se verificaram no Egipto não foram as que tiveram lugar na Praça Tahrir, mas sim as greves que se realizaram em diversos locais daquele país.

Em próxima oportunidade voltarei a este assunto, que pelos vistos vai, nos próximos tempos, ser inesgotável.

21/02/2011

Duas formas de cepticismos a propósito da revolta árabe – I

Pacheco Pereira (PP) há muito que queria discutir na Quadratura do Círculo a questão do Egipto. Não o conseguiu. Vem agora num artigo no Público, de Sábado, e na sua rubrica semanal na SIC Notícias, Ponto Contraponto, dar a sua opinião sobre o que se passou naquele país.

O artigo do Público denomina-se mesmo Uma Narrativa Bizarra (sem link). Percebe-se logo que PP não está de acordo com a história que nos andam a contar sobre o que se passou no Egipto e, por tabela, na Tunísia. Uma revolução de cariz democrático-liberal encabeçada pelas massas educadas e utilizadores dos novos instrumentos comunicacionais, como os telemóveis, o Facebook, a net, etc.
Mas quem, segundo PP, nos anda a contar ou a vender esta história, são os media dominantes, esta última palavra é minha, que transformam as massas do Cairo e de Tunis nos bons e os ditadores nos maus. Para PP não se trata de uma revolução mas sim de uma revolta, a revolta árabe. Neste ponto até somos capazes de estar de acordo. Quanto ao resto acho graça: quem vive permanentemente através dos media – começa à quinta-feira na Quadratura do Círculo, penso que nesse mesmo dia tem uma coluna na revista Sábado, passa pelo Público ao fim-de-semana, e termina no Ponto Contraponto, da SIC Notícias, ao Domingo – não se pode queixar muito de que não seja um dos principais condicionadores dos media dominantes. Podemos afirmar que eles manifestam uma opinião à revelia daquilo que PP queria que eles dissessem.

Mas quais são os argumentos de PP para desconfiar que afinal os bons não são tão bons como se anda por aí a dizer. Primeiro, o ataque, com cariz sexual, a jornalistas que faziam reportagens na Praça Tahrir e ainda por cima chamando-lhes judias. Ora que eu saiba só vi uma jornalista queixar-se de ter sido molestada sexualmente, não vi várias, como diz o PP. Mas já uma é o suficiente. No entanto, ouvi dizer que os apaniguados de regime atacaram diversos jornalistas, mas isso não relata PP. Por outro lado, chamar judia no mundo árabe a alguém, e nesta altura, é o mesmo que, logo a seguir ao 25 de Abril, acusar-se um cidadão de ser da PIDE. As barbaridades cometidas por Israel em Gaza, são de tal ordem que nos permitem fazer a comparação, ficando aquela polícia muito mais bem colocada. Por isso, não me espanta nada que aquela acusação, apesar de não ser verdadeira, tivesse as consequências que teve. Mas, como em todos os casos deste tipo, é tomar a Nuvem por Juno. Se alguém tivesse dado no Rossio uns tabefes a um inocente cidadão, acusado injustamente de ser da PIDE, não se ia dizer que o povo que saiu à rua a festejar a libertação de Portugal da ditadura, não manifestava um enorme desejo de liberdade e democracia.

Mas a segunda razão invocada por PP é de uma reportagem em que se vê a multidão que estava concentrada na Praça a ajoelhar-se na sua totalidade e a rezar a Alá. Neste caso o PP poderá ter alguma razão, fazendo a comparação com os padrões ocidentais dos tempos modernos, posteriores à Revolução Francesa. Mas ainda não há muito tempo se viam as tropas e as massas apoiantes de Franco a rezar em público, contra os “malfeitores” comunistas e republicanos. É evidente que não estavam a fazer uma revolução, até porque no Ocidente todas elas se fizeram contra a vontade da Igreja. Mas já agora, eu não vi, mas não teria havido na Polónia umas missazinhas colectivas em glória do Solidariedade ou antes dos grevistas partirem para a luta? Tenho algumas dúvidas. Mas, nas informações prestadas nos media falou-se que os cristãos coptas do Egipto tiveram também direito à sua oração, com grande compreensão dos seus irmãos muçulmanos. No entanto, PP argumenta que se fossem agnósticos ou ateus, ou seja, se não se ajoelhassem, teriam tido problemas. Concordo, mas quem combateu no mundo árabe os lideres que defendiam a laicidade do estado? PP afirma que eram todos ditadores ou ligados a invasões estrangeiras, dos soviéticos, quer ele dizer. Mas o que fizeram os seus amigos do Ocidente? Puseram outros ditadores e organizaram outras invasões que em nada resolveram este problema.

Mas que pretende PP com todo este cepticismo? Instalar a dúvida entre todos os apoiantes da revolta árabe. Não serão eles afinal os mesmos fundamentalistas que dominam o Irão? Não quererão eles atacar o Ocidente ou destruir o Estado de Israel? Esta é pois a posição de PP. Por isso, eu concluiria que ele pensa que mais vale uma mão de ferro a controlar aquelas massas desordeiras e perigosas do que acreditar que o que elas querem é estabelecer uma democracia igual à do Ocidente. PP é um neo-conservador, que não vai cá em modernices, nem na fúria libertadora das massas. Ordem e disciplina, porque nunca se sabe o que elas desejam. Pacheco Pereira comporta-se aqui como o velho Salazar, que desconfiava sempre da vontade do povoléu.

Este é pois uma das formas de cepticismo. Num segundo post farei referência àquele que me assalta em contraposição a algumas das afirmações cheias de optimismo de muita da esquerda da nossa praça.

Estado Mínimo, Crise Máxima



Universidade de Primavera


Estado Mínimo, Crise Máxima

25 a 27 de Fevereiro

Ovar , Pousada da Juventude

PROGRAMA

25 de Fevereiro, Sexta

a partir das 15H

acreditação

21H

conferência de abertura: 'Estado e Sociedade'

Luís Fazenda e José Manuel Pureza

26 de Fevereiro, Sábado

10h - 12h30

Sessão de trabalho - Serviço Nacional de Saúde

Aula: Pedro Ferreira - Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Mesa Redonda: com João Semedo e Isabel do Carmo

13h

Almoço

14h30 - 17h30

Sessão de trabalho - Educação

Aula: Manuel Sarmento - Universidade do Minho

Mesa Redonda: com Ana Drago e Maria José Araújo

18h

Mesa redonda - Os jovens e as esquerdas

com João Mineiro, Leonor Figueiredo, Hugo Ferreira, Gonçalo Monteiro, Pedro Feijó

Moderação de Daniel Oliveira

Jantar

21h

Sessão de trabalho - Cultura

com António Pinto Ribeiro e Catarina Martins

27 de Fevereiro, Domingo

10h - 12h30

Sessão de trabalho Segurança Social

Aula: Carvalho da Silva - Secretário-Geral da CGTP


Participação – Entrada Livre, limitada a 60 inscrições (enviar e-mail para veraouniversidade@gmail.com)

Estadia (2 noites com P.A.) - 20€ (5€ para jovens e estudantes)

· Transferência para o NIB: 0036 0143 9910 0014 7015 0 (Montepio)

· Enviar e-mail para veraouniversidade@gmail.com, confirmando pagamento com dia e hora de transferência.

· A reserva da Estadia só será confirmada depois de efectuado o pagamento.

Deslocação - Para oferecer ou apanhar boleia enviar e-mail para veraouniversidade@gmail.com com telemóvel, cidade, dia e hora de partida e regresso.

Organização Fórum Manifesto

Centro de Estudos Sociais e Políticos

http://manifesto.com.pt/

20/02/2011

A bem-pensânsia nacional não gosta dos Deolinda


Vi ela primeira vez os Deolinda em 2009, num festival de Músicas do Mundo que se realizou na Póvoa do Varzim. O palco principal estava cheio com as atracções principais e nos palcos paralelos actuavam os grupos ainda sem nome feito, como aquele grupo. A sala estava repleta, a deitar por fora. Achei-lhes imensa graça, percebe-se logo, a partir do próprio nome da banda, que há uma grande ironia em tudo o que fazem. As suas canções, as que eu ouvi aí, não sendo panfletárias, criticavam o quotidiano com imensa graça.

A canção “que parva que sou”, cantada pela primeira vez no Coliseu, não me pareceu melodicamente com a mesma força das que tinha ouvido na Póvoa do Varzim, tinha no entanto uma letra que, com grande ironia, relatava o ar do tempo: as dificuldades em se arranjar um emprego, mesmo estudando, e a situação precária em que se encontram os jovens trabalhadores com habilitações.
Pela força e ironia da letra não só o Coliseu veio abaixo, como rapidamente a canção passou ao Facebook e depois para os blogs. Já se sabe que os jornalistas os, comentadores e os políticos, rapidamente a transformaram em motivo de comentário, discussão e bandeira política.

A semana que agora finda passou a discutir a canção e o seu significado e todos os blasés deste mundo acharam que deviam opinar criticamente sobre a mesma
Começou por um artigo José Manuel Fernandes, no Público, que eu não li na totalidade, mas que percebi logo o conteúdo. Culpava as gerações antigas, as do 25 de Abril, que garantiram trabalho fixo e que presentemente abandonavam estes jovens à sua sorte. Conclusão, maior flexibilidade no trabalho, todos se deviam tornar precários para maior glória do capitalismo nacional. A direita aproveitou deste modo a canção.

Mas o mais interessante, foi depois as discussões nos diversos programas televisivos. Como eu normalmente só vejo a SIC Notícias, é, de modo geral, a ela que me vou reportar.
Na Quadratura do Círculo, Pacheco Pereira, com a sua sobranceria de intelectual que não participa em modas, suspeito que não disse nada sobre o grupo. Lobo Xavier, como grande entendedor de música popular portuguesa, começou por desvalorizar os Deolinda dizendo que havia canções muito mais reivindicativas e críticas do que esta. E começa por citar o Sérgio Godinho. Que grande novidade! Só que o Sérgio Godinho já vem de antes do 25 de Abril e não é de certeza daquilo que este comentador gosta. Espantoso argumento para quem o que interessa é desvalorizar uma canção que neste momento critica os valores instituídos.
Mas a seguir tivemos o Expresso da Meia-Noite, também a discutir o mesmo tema: os precários e a canção. Convidaram Vicente Jorge Silva para mais uma vez vir justificar a sua célebre frase sobre a geração rasca, que por sinal, e de forma muito explícita, se transformou em geração à rasca e que se vai manifestar no dia 12 de Março. Já se sabe que aquele articulista, começou logo por desvalorizar os Deolinda, inclusive o nome. Provavelmente achou-o ordinário ou popularucho, não percebendo a ironia do mesmo.
Todo o resto da intervenção foi de uma auto-justificação de meter dó, em que o principal da argumentação não se percebia
Pedro Lomba, da direita, lá vinha com os argumentos da geração que tinha trabalho garantido e não permitia que nova lá chegasse.
Mas o que mais me espantou foi o Ricardo Costa a virar-se para o representante dos precários, de que não me lembro o nome, a dizer que a canção dos Deolinda só denunciava o problema não apresentava alternativas. De repente vi-me quarenta e tal anos atrás a discutir nos cineclubes, que um certo filme só descrevia a situação, que de um modo geral era o capitalismo, e não apresentava soluções, ou seja a solução revolucionária para ultrapassar aquela sociedade. É evidente que naquela altura isto não era dito por estas palavras tão explícitas, mas ficava subentendido que era isso que se pretendia. A resposta do nosso precário foi de que estávamos a falar de uma simples canção, que não tinha esses objectivos. Hoje no DOTE.COMe, do meu amigo Fernando Penim Redondo, num artigo de que discordo totalmente, intimida a pobre banda a fazer uma canção, vejam lá com que tema: “necessitamos de um novo modo de produção que funcione noutros moldes, que esteja adequado às tecnologias de hoje e aos meandros da globalização.”
Foi também dito pelo Ricardo Costa que hoje o Expresso trazia uma artigo da antiga Ministra da Educação a garantir que quem estudava tinha mais possibilidades de emprego e de sucesso que aqueles que não o faziam. Há gente a levar demasiado a sério uma canção, que não passa disso mesmo e que, com grande ironia, critica os tempos presentes. É com isso que a bem-pensância nacional não pode.

13/02/2011

A Esquerda depois da moção de censura

Ontem no Eixo do Mal, da SIC Notícias (não nos vou fazer outro relato do que lá se passou) Clara Ferreira Alves afirmava que o Bloco era afinal um partido colectivista, e outras coisas que tais, e não tinha correspondido às expectativas que se depositavam nele.
Para ela, para António Costa, e para outros tantos o Bloco de Esquerda deveria ser o apoia à esquerda do PS e a partir de agora não havia qualquer possibilidade de alguma vez se constituir um governo de coligação entre aquelas duas forças políticas.
Como já vos relatei no post anterior – um bocado aborrecido, diga-se de passagem – o Bloco, passou a ser o inimigo principal da ordem estabelecida. Para além da campanha da direita, aliada ao PS, de dizer que afinal este partido não serve para nada, aparece também a denúncia de que ele anda a enganar as pessoas. Tal como no tempo da PIDE se dizia que os democratas eram criptocomunistas (comunistas escondidos), agora o Bloco também passa por um partido democrcrítico de esquerda, mas afinal é comunista, trotskista, radical de esquerda e até colectivista.

José Neves já denunciou aqui esta nova argumentação e aqui também já falou da moção de censura que aquele partido vai apresentar, em termos que eu subscreveria.
Mas o mais espantoso foi este post elaborado por Tiago Mota Saraiva, que eu penso que é militante comunista, que muito lucidamente afirma que esta esquerda para certa gente deixou de ser “nova” e “sexy” e passou a “trotskista” e “radical” e Louçã deixou de ser “inteligente” para acumular “tiques revolucionários”. E mais do que isso faz uma crítica justa à posição assumida pela Renovação Comunista e por André Freire, terminando o post: “Toda esta concessão é embelezada pela ideia que a maioria silenciosa dos votantes no BE, gente séria e ponderada, deseja que este partido se constitua como um alicerce do PS e do Governo – exactamente como tantos outros partidos europeus fizeram com, aliás, extraordinários sucessos políticos e eleitorais…

De facto é isto que muita gente desejava que fosse o papel do Bloco de Esquerda, um partido engraçadinho, que retiraria votos ao PCP e serviria, nas alturas de aperto, para votar com o PS, as medidas de direita. Era este também o papel que o PCP gostaria que o Bloco representasse, para facilmente o classificar como social-democrata e como esse “grande” comunista Miguel Urbano Rodrigues lhe chama “esses pequeno burgueses enraivecidos”.
Neste aspecto não queria terminar sem sublinhar a boa prestação de Bernardino Soares no Expresso da Meia-noite, da SIC Notícias, desvalorizando as pequenas tricas que se querem criar entre o Bloco e o PCP.

PS.: Já que falamos de troskistas, aqui vai a fotografia do jovem revolucionário.
PS. (16/02/11): Não sei se a Clara Pinto Correia diria a mesma coisa, mas por amor á verdade corrijamos o nome para Clara Ferreira Alves.

12/02/2011

O BE quer desenvolver uma cruzada contra os ricos e os bem sucedidos

Teve lugar, na passada 5ª feira, mais uma daqueles deliciosos programas “cheios de contraditório”, como o Pacheco Pereira gosta, chamado  Quadratura do Círculo, na SIC Notícias.
Como se sabe, a discussão decorre à volta de uma mesa entre um jornalista, que faz perguntas e modera os tempos de intervenção, e três figurões da nossa praça política: o Pacheco Pereira, deputado do PSD e intelectual, o António Lobo Xavier, militante do CDS e pertencendo em não sei quantos Conselhos de Administração, e António Costa dirigente importante do PS e Presidente da Câmara de Lisboa. Já se sabe que a maioria das vezes é uma luta de dois, a direita unida, contra um, o PS oficialíssimo. Mas, por vezes, como sucedeu agora, a propósito do aviso da moção de censura do Bloco de Esquerda, os três contra a esquerda, à esquerda do PS, principalmente contra o BE.
Já diversas vezes, me tenho referido a esta programa, a que muitos não ligam nenhuma, mas que reflecte um modo de pensar, nem sempre alinhado dos dois da direita, mas sempre oficial da parte do representante do PS, que já foi o Jorge Coelho e agora é o António Costa (AC).

Parece, segundo percebo, que os temas a discutir são propostos pelos participantes e desta vez estava em cima da mesa, da responsabilidade do AC o caso, bastante trágico, da velhota que esteve nove anos morta no seu apartamento, e de todos o aviso da moção de censura do BE.
O AC, que gosta destes temas populistas, lá introduziu o caso da velhota, fazendo um ar de indignação, e o Pacheco Pereira com sobranceria, de quem não discute coisas menores, a dizer que não estava interessado no tema, o que gostava era de discutir o caso do Egipto ou o da não entrega do relatório ao público sobre o que aconteceu no dia das eleições presidenciais, relativamente às dificuldades em votar. António Lobo Xavier, um pouco na mesma linha, termina a dizer que “à morte e aos impostos ninguém escapa”, o que neste caso era absolutamente verdade, já que foi devido a uma penhora das finanças ao apartamento da velhota que se descobriu o corpo dela.

Mas o que me interessa, depois deste longo arrazoado, foi de facto a fúria com que os três atacaram o BE a propósito do aviso feito por Louçã de que este iria apresentar uma moção de censura contra a política de direita seguida pelo Governo.
Destaquemos algumas frases de fino recorte literário, qualquer delas de Lobo Xavier a primeira a dizer que “a táctica do BE é de restaurante do Bairro Alto” e depois a acrescentar a frase que serve de título a este post.
AC faz o grande elogio do PCP, falando da sua inserção nos trabalhadores, garantindo que o BE é um fenómeno efémero, que não representa nada. PP acha que mesmo assim há camadas educadas, radicais e citadinas representadas pelo Bloco. O problema para Pacheco é que a liderança é ainda muito leninista, muito comunista, no sentido do comunismo radical, infantil diz o Costa, Pacheco Pereira aduz, sim naquele sentido em que Lenine chamava a doença infantil do comunismo. E PP acrescenta, eles actuam assim porque a sua direcção é trotskista, comunista e leninista. Caramba, como em tão pouco tempo tantas acusações perigosas e subversivas foram dirigidas contra o Bloco. Que inveja não sentiram os do PCP por isto não ser dirigido contra eles. Salva-se o Lobo Xavier, que no final, depois de AC e PP garantirem que o PCP era um partido fiável e que respeitava os acordos que se estabeleciam com ele, garantia que os outros se estavam a esquecer que o PCP era comunista, estatista, totalitário e apoia os regimes de Cuba e da Coreia do Norte. Ah! Caramba, despejou o saco.

No meio de isto tudo pareceu-me claro que do PS vem aí um ataque em forma ao Bloco, tentando passar a mão pelo pêlo do PCP. Não sei se será esta a estratégia do Sócrates?
E que o a direita, pela voz daqueles dois comentadores, não estaria com muita pressa em derrubar o Governo, excepto alguns homens do aparelho desejosos de ocupar taxos.
Pacheco Pereira perguntava mesmo que campanhas iriam fazer os partidos se houvesse agora eleições. O PS vitimizar-se-ia, apontando todas as malfeitorias que a subida do PSD ao poder acarretaria para o país. O PSD ou falava verdade, descrevendo as desgraças que nos esperam, e não tinha votos, ou prometia coisas que não podia dar e fazia uma campanha desonesta. Isto diz PP.

O Bloco Central, apesar dos insultos que todos os dias os partidos que o integram trocam entre si , está ainda para ficar. E a Quadratura do Círculo mais uma vez a demonstra como é bom apelar ao contraditório, mas não o aplicar.

O começo de uma revolução

Escrevi a 9 de Fevereiro um texto um pouco descrente do que poderia vir a acontecer no Egipto. Não via uma saída para o impasse em que as coisas estavam, pelo menos naquele fim-de-semana.

Hoje, depois da queda do ditador e da alegria dos milhões de egípcios, reconheço que as coisas evoluíram mais depressa do que eu antevia. No entanto, mais uma vez vejo gente a embandeirar em arco com aquilo que é só um começo. Não estamos ainda na revolução, mas sim a comemorar a queda do ditador. Foi isso que fizemos logo no 25 de Abril e depois no 1º de M aio. E no entanto, tínhamos de avanço sobre os egípcios, os PIDES presos e um exército dividido e com a baixa oficialidade pouco disposta a entregar de mão beijada o poder aos generais. Fomos saudados por toda a Europa. Hoje todo o mundo dá os parabéns ao Egipto, no entanto o poder está entregue a generais que durante anos foram o sustentáculo de regime e com ele se reproduziram e enriqueceram. Para lá da alegria que tudo isto me causa, como sou macaco com o rabo demasiado pelado, desconfio que a situação ainda esteja muito longe de estar resolvida, mesmo com o apoio de milhões, a revolução pode ser facilmente empalmada pelas antigas castas dirigentes.

Saudemos o começo da revolução e esperemos pelo seu triunfo.

PS.: rapaziada apressada já começou a fazer comparações históricas e a elaborar teorias. Não se precipitem, a história dá muitas voltas e nada é como a gente pensa.

Glórias do jornalismo português

Durante toda esta semana e no final da anterior um dos temas dominantes foi a possibilidade do PCP apresentar uma moção de censura ou votar uma apresentada pela direita.

Tudo isto começou com uma entrevista  de Jerónimo de Sousa a Maria Flor Pedroso, no dia 4 de manhã, sexta-feira, na Antena 1, depois tivemos já na segunda-feira seguinte, no Frente a Frente, da SIC Notícias, Benardino Soares a falar do mesmo assunto e, que eu tivesse reparado, António Filipe fez o mesmo na RTPN, terminando com Jerónimo de Sousa, a dar justificações ou directamente aos jornalistas ou numa intervenção numa reunião. Isto para não referir que não houve cão nem gato da comunicação social que não tivesse opinado sobre este assunto. Ou seja, até ao Bloco dizer que apresentava a sua moção de censura, esta quinta-feira, o tema da moção de censura do PCP foi objecto de variadas referências mediáticas.

Pode-se dizer que a comunicação social deturpou tudo o que o PCP disse, mas que o seu secretário-geral e alguns dos seus destacados dirigentes falaram no assunto é uma verdade indesmentível.

Pacheco Pereira, ontem, na Quadratura do Círculo, que provavelmente merecerá um post à parte, dizia para criticar o Bloco e defender o PCP, como é seu costume, que só tinha havido uma referência soft de Jerónimo de Sousa sobre o assunto. Mentira, como todos bem sabem e viram, houve igualmente as intervenções referidas.

Depois disto o que se esperava que o jornal do Partido Comunista, o Avante!, fizesse? Que desse a notícia da entrevista de Jerónimo, dos comentários dos seus deputados ou dos esclarecimentos posteriores de Jerónimo.

Durante a semana estive quase para fazer um post sobre o assunto, no entanto, apesar de ter ouvido a entrevista do Jerónimo, achei que seria melhor esperar pela saída do jornal do seu Partido, até na esperança de poder copiar ipsis verbis o que Jerónimo tinha dito a Flor Pedroso, em vez de estar a ouvir e a transcrever o que ouvia na rádio.

Pois rien de rien, nada, nicles. O Avante! era completamente omisso sobre este assunto, nem a entrevista de Jerónimo foi transcrita. Nem mesmo naquela rubrica que eu considero a Noite da Má Língua do Avante!, o Actual, há qualquer referência ao assunto, excepto uma pequena frase a dizer que o PSD não apresentava nenhuma moção de censura. Não sei onde foram descobrir isso, é tão verdade como o Público garantir que o PSD iria votar a moção do PCP.

Não seria natural que o jornal do Partido reflectisse o que os seus dirigentes dizem? Deixo no ar esta interrogação, quem quiser que tire as conclusões.

09/02/2011

Quando a direita tenta empalmar uma revolução

Um fantasma percorre o Norte de África, é o fantasma da revolução.
Com esta adulteração das palavras de Marx, do Manifesto do Partido Comunista, quis simplesmente alertar para o optimismo excessivo que percorre a esquerda e até alguma direita, mais dada a ficar estarrecida quando houve a palavra democracia.

Dando uma rápida olhadela aos últimos anos da política mundial, e sem valorizar o que se passou a Leste, já nesse longínquo ano de 1989, e depois nas sequelas montadas pelas forças reaccionárias locais, como seja a Revolução Laranja, na Ucrânia, uma outra, a Revolução Rosa, na Geórgia e mais algumas em Belgrado ou noutras capitais do antigo “socialismo real”, tenho para mim que as últimas “revoluções” que envolveram milhões de manifestantes na rua se verificaram nas Filipinas (1986), para correr com o ditador Marcos ou, anteriormente, no Irão, para acção idêntica contra o Xá (1979). No caso das Filipinas não me recordo que alguma alteração notável tivesse ocorrido depois da queda do ditador. Só o episódio bem caricato da sua mulher Imelda, ter concorrido a umas eleições presidenciais posteriores (1992) e ter tido ampla cobertura mediática das revistas de coração, contra o que seria normal que era ser presa e julgada por ter delapidado os dinheiros públicos em sapatos.
Quanto à queda do Xá, sendo de facto uma situação bem mais complexa do que a das Filipinas, no fundo acabou também, depois de vencidos as forças populares e laicas como o TUDEH, o Partido Comunista do Irão, com o poder a ser açambarcado por uma clique religiosa, os Ayatollahs.

As massas levantaram-se na Tunísia, o ditador Ali teve que fugir à pressa. Mas o que ficou foi um primeiro-ministro do seu partido e um Governo, que eu saiba, sem a confiança da oposição. A Tunísia acalmou, pode ser que as forças populares tenham possibilidades de impor uma nova ordem e estabelecer um regime mais democrático que reflicta os interesses das massas populares empobrecidas por uma família de cleptómanos. Tudo, no entanto, ainda está em aberto.
Quanto ao Egipto, depois de grandes esperanças do derrube rápido do ditador, eis que este, numa manobra de mestre,  lança a sua polícia à civil, mais os ladrões recentemente libertos das prisões, aquilo que o general Loureiro do Santos, no Prós e Contras, não teve o pudor de chamar os Tonton Macoute, de Mubarack, sabendo nós que aquela força eram o bando terrorista do ditador Duvalier, pai e filho, do Haiti. Este último parece que reapareceu ultimamente neste país.
Apesar das notícias do dia darem conta que se reacenderam as manifestações na cidade do Cairo, até ao momento, dado por um lado a técnica de terra queimada aplicada pelo ditador com as suas milícias terroristas e a passividade dos militares, está difícil de encontrar uma saída revolucionária e democrática para a situação. Temo, e porque a pressão dos Estados Unidos e de Irael vai nesse sentido, que se tente encontrar uma saída negociada, que modifique alguma coisa para que tudo fique na mesma., como dizia Lampedusa no seu livro O Leopardo.

É mesmo esta a minha preocupação principal e porquê?
As exigências de democracia são legítimas, mas as classes dominantes, com a ajuda dos Estados Unidos, poderão sempre reverter a seu favor a aspiração democrática e progressista das populações. A juntar a isto, não tanto na Tunísia, mas principalmente no Egipto, temos que a principal força oposicionista são os Irmãos Muçulmanos, que na história daquele país nunca representaram um papel progressista, mas  foram a arma de arremesso de sauditas e americanos contra o nacionalismo e neutralismo nasseriano.

A inexistência de um pólo alternativo democrático, progressista e laico não existe com força política em nenhum daqueles países do Norte de África, se exceptuarmos a Argélia no passado, por isso temo que o espírito de revolução e de alteração do statu quo não tenha qualquer concretização visível que possa corresponder a uma saída democrática e revolucionária para aqueles povos.

PS.: (12/02/11) a versão mais rigorosa que eu conheça do Manifesto em português é a dirigida por Vasco Magalhães-Vilhena (Edições Avante!, 1975). A tradução da primeira frase do Manifesto é a seguinte: “Anda um espectro pela Europa – o espectro do Comunismo”, adaptando ao meu texto diria “Anda um espectro pelo Norte de África – o espectro da Revolução”. Devia aos leitores este rigor, que era uma das características desse grande filósofo que foi Vasco Maglhães-Vilhena, hoje já completamente esquecido.

02/02/2011

A resposta do PS ao diálogo com os partidos à sua esquerda

Em diversos artigos que, por sinal, têm sido publicados no Público, alguns intelectuais de esquerda, têm feito referências à necessidade de diálogo entre as esquerdas.

Cito os dois dos mais importantes, o de Rui Tavares, no Público, de 27/01/11, e transcrito no seu blog, ruitavares.net/blog,  e o de André Freire, no Público, de 31/01/11, e transcrito no site do MIC – Movimento de Intervenção e Cidadania 

No primeiro dos artigos sublinharia esta parte: “Não poder a esquerda convergir é um péssimo vício nacional. Como qualquer vício, não desaparece de um momento para o outro. E enquanto dura impede-nos de ser um país normal e uma democracia em que da alternância nasça alternativa. Ora isso é um sinal de subdesenvolvimento, não só do país, mas sobretudo da própria esquerda — que continua a comportar-se como se devesse alguma coisa aos sectários que dentro de cada partido.” Não quero neste momento entrar em polémica com Rui Tavares, gostaria unicamente de sublinhar o seu desejo legítimo de convergência da esquerda.

Do segundo sublinho também este longo período: “A impossibilidade histórica de as esquerdas se entenderem em Portugal, ao contrário do que se passa em muitos países europeus, sobretudo após o fim da Guerra Fria, é um problema não só para a relação entre representantes e representados (os segundos apoiam maioritariamente tal entendimento, os primeiros não), mas também para o equilíbrio do sistema político (a direita coopera, a esquerda não) e para a normalização da nossa democracia (já para não falar da brutal redução da influência dos votantes da esquerda radical, sempre excluídos do Governo). Claro que todos sabemos que há vários factores que tornam esse entendimento muito difícil (temos um dos partidos socialistas mais alinhados ao centro da UE; a esquerda radical não fez a devida actualização ideológica, parece não aceitar os nossos compromissos europeus e, sobretudo, parece não aceitar que, tendo em conta o seu estatuto de minoria, poderia apenas influenciar um eventual governo de "esquerda plural", nunca determinar as suas orientações fundamentais). Mas, apesar de tudo isso, é importante que os agentes políticos e os cidadãos (de esquerda) dêem passos no sentido de superar esse bloqueamento, uma patologia do nosso sistema político.” Não vou igualmente polemizar com André Freire, meu colega do blog Alegro Pianíssimo, de apoio a Manuel Alegre. Também este autor defende que é importante que os agentes políticos superem os bloqueamentos da esquerda.

Depois destas duas recomendações, que merecem discussão séria, mas de cuja viabilidade tenho muitas dúvidas, obtivemos hoje a resposta do PS, pela voz de Jorge Lacão. O PS propõe ao PSD como tema de revisão constitucional ou de lei eleitoral, não percebi, a redução do número de deputados de 230 para 180, já que este número está inscrito na Constituição, e também a falaciosa proposta de ligar os eleitos aos eleitores.
Aqui temos pois como o PS pensa resolver o problema das alianças à sua esquerda, fazendo-a desaparecer da Assembleia da República, ou reduzindo-a à sua expressão mais simples.
Como todos percebem reduzindo o número de deputados diminui-se a proporcionalidade e se juntar-mos a isto um outro sistema de eleição dos deputados, podemos acabar de vez com os pequenos partidos. Reduz-se a Assembleia a uns tantos deputados do PS e outros tanto do PSD, para rodarem entre si conforme as conveniências.
Aqui temos pois a resposta ao diálogo entre as esquerdas.