29/03/2010

O Dia de Estudante de 1962. Um livro


Abalancei-me a relatar a minha visão pessoalíssima do que tinha sido para mim o Dia de Estudante de 1962. Tirando um ou outro pormenor que fui consultar à Internet, como seja os nomes pelos quais alguns dos participantes eram mais conhecidos e não encontrei de todos, limitei-me às minhas recordações pessoais. No entanto, ao fim de 48 anos, mesmo que a memória sobre o passado ainda esteja a funcionar, há sempre um grau de subjectividade, de parcialidade e até de omissão, de que não nos damos conta.
Por isso, fui recorrer a um livro que possuía, publicado em 2001, e se refere a estes acontecimentos: Grandes Planos, Oposição Estudantil à Ditadura - 1956-1974, de Gabriela Lourenço, Jorge Costa e Paulo Pena (Âncora editora). O livro é muito romanceado e feito ao estilo jornalístico, entrecruzando a biografia de alguns dos participantes, que os autores entrevistaram, e os acontecimentos.
Foi aí que confirmei que o restaurante que eu chamava Castanheira, se chamava de Castanheira de Moura. Já está corrigido no post.
Pelo livro também sobe que “mais de dois mil estudantes aguardavam no Estádio Universitário o resultado da reunião” – as tais negociações de que falei no post anterior –, “enquanto decorre o festival desportivo do Dia do Estudante” – não me lembrava que os jogo que se realizavam nessa tarde tinham a ver com o próprio Dia –. “Porém a única novidade que lhes chega é a primeira carga policial. Sem saberem como nem porquê, pouco versados em técnicas de fuga, alguns estudantes são espancados e alguns vão presos. A investida detém-se quando saltam as primeiras frases do hino nacional. A confusão é grande entre os polícias – muitos põem-se em sentido fazendo continência. Os estudantes continuam a cantar e sentam-se na relva.
Este episódio, que eu não descrevo deste modo, pois baseio-me na minha própria aprendizagem sobre o que era uma carga policial, tem alguma veracidade. Não sei se houve continências ao hino nacional, mas é um facto que teve um efeito apaziguador nos polícias. Também tenho uma vaga memória que os estudantes se sentaram na relva, mas penso que foi sol de pouca dura.
Não me parece, em relação ao que depois vi, que a polícia tenha espancado estudantes ou que os tivesse prendido. Mas o erro pode ser meu. O número de estudantes também me parece exagerado.
Os autores do livro falam do convite de Marcello Caetano para o jantar, dado que a Cantina, onde se devia realizar o jantar do Dia de Estudante, tinha sido encerrada pela polícia. Os termos empregues por aquele seriam: “A reitoria convida-vos para jantar no Castanheira de Moura”. Dito assim ou de outra forma, a verdade é que o convite existiu e as pessoas começaram a deslocar-se para lá. Os autores falam que se desceu a Alameda da Universidade, eu quase que jurava que foi a então chamada Av. 28 de Maio.
Falam também na carga policial do Campo Grande, que me parece que se verificou precisamente quando as pessoas, vindas de Entrecampos, estavam a chegar à Av. do Brasil. Exageradamente, de quem não conhece as armas da polícia, falam que os estudantes fugiam à frente da coronha das metralhadoras, tenho quase a certeza que não havia metralhadoras, mas sim as velhas Mausers, que serviam muito bem para agredir estudantes contestatários. Até porque dois parágrafos à frente falam que os estudantes saíram do Castanheira de Moura entre alas de capacetes de ferro e espingardas Mauser. Contradições de quem não revê o texto.
Depois é afirmado que “três dezenas de estudantes são levados ao hospital, sob prisão”. Parece-me, por aquilo que sei da história do meu amigo Brás, que eles estavam à espera deles à porta do Santa Maria e foi aí que os foram prender. Tenho a ideia que nem de perto nem de longe chegou àquele número.
Fala-se também que Marcello Caetano nunca chegou a ir ao Castanheira de Moura, mas que alguns professores, que de manhã tinham defendido os estudantes, entre eles Lindley Cintra, chegaram até lá e ainda tentaram negociar com a polícia, o que me parece ser exacto.
A manhã de Domingo, dia 25, está mais ou menos como a descrevo.
Na noite de 25, a Reunião Inter Associações (RIA), decide, em função do que se passou decretar o luto académico, que era nem mais nem menos do que a greve às aulas, que no caso de Ciências englobava as aulas teóricas, de frequência não obrigatória, e as aulas práticas, que obrigavam a presença e o chumbo na cadeira se o número faltas ultrapassasse um certo valor.

Este pequeno post não é uma crítica ao livro referido, mas unicamente um confronto entre o que permanece na minha memória e a recreação, por três jovens, muitos anos depois de acontecimentos de que não foram testemunhas. Voltarei aos dias da Crise Académica de 62 em próximo post.

PS. (04/04/10). Resolvi ir confrontar o meu amigo Brás com o que passou de facto com a sua prisão. Foi depois de ser tratado no Santa Maria do lenho que a polícia lhe tinha feito e de sair pela porta das traseiras é que apareceu um polícia a prendê-lo. Levou-o depois para a esquadra do Campo Grande, onde esteve lá até tarde e de seguida foi transferido para os calabouços do Governo Civil, dormindo numa sela com todos os meliantes que nessa noite tinham sido caçados. No dia a seguir é lavado para a PIDE, onde teve um interrogatório sumaríssimo e onde lhe foi feita a ficha que o havia de perseguir até depois do 25 de Abril. Com ele só esteve um outro estudante do Técnico, que fez o mesmo percurso. Para que fique como testemunho desse Dia.

28/03/2010

O portuguesing do Zeinal

Não pude resistir em copiar este vídeo inserto pela Joana Lopes, no Vias de Facto. Reconheço que é uma montagem, mas quem fala na portugalidade da PT e depois começa a falar portulês (termo que agora inventei ), não merece melhor tratamento.

26/03/2010

O Dia do Estudante de 1962. Um percurso pessoal. II


Estávamos no Dia do Estudante de 1962. Desloquei-me para a Cidade Universitária motivado pelo apelo das Associações de Estudantes. Não me recordo do que vi, nem onde almocei. Sei que telefonei para casa a dizer que não contassem comigo para o almoço, porque outros valores mais altos se levantavam. Esses telefonemas eram sempre difíceis. Se havia uma mãe que cobria os acontecimentos, já a postura do meu pai era mais severa e desencorajava-me sempre a pôr o pé em ramo verde.
Telefonei também para os amigos. Sei que a meio da tarde encontrávamo-nos todos no estádio da Cidade Universitária, penso que há espera do resultado de negociações que se desenrolavam com as autoridades universitárias a propósito da proibição do Dia de Estudante. Era a notícia disso que nos mantinha ali. Recordo-me que para fazer horas um amigo meu, estudante de medicina, nos desafiou a irmos ver os fetos, verdadeiros monstrozinhos, conservados em álcool ou formol que povoavam uma das salas da Faculdade de Medicina. Ainda hoje recordo que a impressão foi bastante desagradável.
Quando saímos soubemos que a polícia estava a carregar sobre os estudantes que estavam no Estádio Universitário. Os jogos dessa tarde tinham acabado e não havia razão para o pessoal se manter ali. Como nunca tinha presenciado uma intervenção policial resolvi, contra a corrente que vinha em sentido contrário, aproximar-me da polícia, queria ver tudo, assistir àquilo a que se chamava uma carga policial. É verdade que esta não foi das mais violentas. Recordo hoje que os polícias só estavam a enxotar os estudantes do Estádio Universitário, à força sim, mas sem grande violência. Presenciei aquilo que desconhecia, parecia o soldado que não tendo participado na batalha, se limita a seguir, a distância prudente, os acontecimentos.
Andei por ali durante um certo tempo, até que surge a informação que o reitor nos convidava a para irmos com ele jantar ao restaurante Castanheira de Moura, que ficava perto da Alameda das Linhas de Torres. É evidente que tudo isto, lido hoje, tem carácter de patranha. Não era possível o reitor fazer esse convite, nem o restaurante tinha capacidade para o bom milhar de estudantes que já se tinha juntado. Parece que a intenção era ser um jantar de convívio entre os dirigentes associativos e o reitor, que era o Marcelo Caetano. No entanto a palavra que perpassou para as massas foi vamos todos para o Castanheira de Moura.
Lembro-me de alguns, mais críticos, dizerem que, depois de um dia glorioso de luta, acabava tudo numa jantarada. De facto nada disso foi o que se passou. A imensa mole começou a descer, e isso tenho a certeza, a na altura Av. 28 de Maio, hoje Av. das Forças Armadas. Em Entrecampos virámos para o Campo Grande e foi ao atravessarmos a Av. do Brasil que a polícia carregou brutalmente sobre a manifestação. Já não tive a curiosidade que manifestei no Estado Universitário, fugi com quantas pernas tinha. No entanto eu e muitos mais, depois de dispersos, continuámos com o objectivo de chegar ao Castanheira de Moura, que de facto alcançamos.

Nessa carga policial o meu amigo do peito Brás, para os amigos Quim João, foi atingido por uma coronhada de um policial. Eu não vi, só relatarei o que ele depois me contou. Foi abrigar-se num café, onde os populares, muito indignados, disseram-lhe que ele se fosse tratar a Santa Maria, para lhes mostrar do que eles eram capazes. O jovem, que não tinha nessa altura mais do que 17 anos, incitado por essas boas recomendações põe-se a caminho. Já se sabe, não foi preciso dizer muito, para ser imediatamente engavetado e ir parar à esquadra, penso eu, do Campo Grande. Passou lá a noite. Foi identificado, o pai foi chamado, o que lhe valeu um raspanete de todo o tamanho e praticamente a proibição de participar em manifestações estudantis. Uma tragédia familiar, como muitas que na altura aconteceram. A partir daí ficou sempre com ficha na PIDE, era considerado “politicamente suspeito”, o que lhe trouxe algumas complicações, mais que não seja com o passaporte. Já depois do 25 de Abril, quando o pediu para se deslocar a França, este não lhe foi dado com a rapidez necessária, porque havia informações negativas a seu respeito. Tivemos, por isso, um herói entre os nossos amigos.

Retomo a chegada ao Castanheira de Moura. O restaurante estava cheio de bons chefes de família que tinha decidido deslocar-se ali para o seu jantar de Sábado à noite. Tal não foi o seu espanto quando viram entrar pela sala fora umas dezenas, não sei se centenas, de estudantes. Mas o mais engraçado, e que hoje recordo, foi o nosso ar de desprezo perante a burguesia a gozar as delícias do regime e nós, pobres estudantes, a sermos vítimas de cargas policiais. Nunca na vida me senti tão revolucionário a humilhar a burguesia. Já se sabe rapidamente apareceu um major da polícia que, com os seus homens, cercaram o Castanheira de Moura. A ordem era para dispersar. Percebi que os dirigentes estudantis ainda tentaram negociar com o major, que depois se tornaria célebre em múltiplas acções de repressão contra os estudantes. Não quero mentir, mas parece-me que era um tal major Maltez.
Lá nos fomos embora com a informação de que nos devíamos reunir, no Domingo de manhã, na sala que a Pró-associação de estudantes de Medicina tinha em Santa Maria, que era onde estava instalada a sua faculdade.

No dia seguinte lá estivemos em Medicina, não me recordo quem falou e o que se decidiu. Provavelmente aquilo que já se esperava que era a greve às aulas e a instauração do Luto Académico. Também nessa manhã, ao fim de algum tempo, lá apareceu a polícia para evacuarmos a sala nuns tantos minutos. Acatámos a ordem. Eu já estava suficientemente informado como actuava a polícia, não senti qualquer curiosidade em saber como agia. Sei que a partir daí entrava sempre em pânico, quando havia perigo e estava em locais fechados, sem possibilidades de fuga. Mesmo mais tarde, em manifestações, quando via que a retirada podia estar comprometida, acontecia-me o mesmo. Como vim a descobrir não era nenhum herói, a polícia tinha conseguido instalar em mim o medo.

Depois seguiu-se um longo fim de Primavera e início de Verão. A luta só termina quando foi estabelecido um acordo, penso que já em Julho. Mas esses pormenores ficarão para outro post.

25/03/2010

O Dia do Estudante de 1962. Um percurso pessoal.


Fui este ano, mais uma vez, ao jantar do aniversário do Dia do Estudante de 1962, que rememora, a 24 de Março, aquela data. O jantar decorreu na Cantina Velha da Cidade Universitária. Para além das caras conhecidas que ao longo dos anos fui recuperando e hoje já as identifico bem, encontrei algumas que o tempo foi esbatendo mas que descobri agora que estão vivas e de boa saúde. Dito isto passemos à história.

Entrei para a Faculdade de Ciências no ano lectivo de 1961-62. Posso dizer que era caloiro quando se deu a Crise Académica de 1962. Quando cheguei à Faculdade não era um jovem despolitizado, já há muito tinha feito a minha opção pela Oposição - o nome que se dava aos que se opunham ao regime salazarista -, esta já era também uma tradição da família. Recordo-me de que já me considerava marxista e próximo dos comunistas, mas tirando eu e os meus amigos, que me acompanhavam do liceu, não conhecia gente activa da Oposição, mesmo aquela que poderia pontificar no movimento associativo académico. Também não conhecia ninguém ligado ao PCP. Podemos dizer que quando cheguei à Faculdade andava como uma personagem de um livro, que já li há muitos anos, de César Pavese à procura dos comunistas, ou, para parodiar outro título literário, andava à procura de Deus.
Para meu azar as personagens que fui encontrando no meu curso estavam no lado oposto. No curso de Biologia a maioria eram mulheres. Descortinava-se um homem aqui e acolá. Os que me saíram na rifa – é bom que se diga que nessa época era normal os homens darem-se com homens e as mulheres com mulheres – foram o José Luís Pechirra, uma personagem sinistra, que os estudantes daquela altura conheceram bem, que se dizia que era da PIDE, pelo menos era um provocador da extrema-direita; o Antunes Dias, que era um ex-seminarista, muito reaccionário, mais velho do que eu; um jovem, que penso que se chamava Octávio, que tinha vindo de Goa e porque nesse ano (Dezembro de 1961) se deu a invasão daquela colónia, ficou isolado em Portugal, sem poder comunicar com os pais e por isso com grandes dificuldades económicas – compreende-se que não fosse favorável às ideias progressistas – e mais alguns, mas que afinavam quase todos pelo mesmo diapasão.
Por esse motivo, apesar de trocar apontamentos e por vezes algumas opiniões moderadamente políticas, tentei procurar outra gente que tivesse as mesmas afinidades políticas. Por isso, comecei a frequentar a Associação de Estudantes, fiz-me sócio, participava assiduamente nas suas Assembleias-gerais, e ao fim de pouco tempo já era notado como votando favoravelmente com a esquerda, ou seja, com a malta que era do “contra”. Aos poucos e poucos fui conversando, trocando opiniões. Um dia falando com um dos “contra”, o Carlos Plantier, que era do meu curso, mas mais velho – penso até que já morreu –, e porque ele dizia que tinha contactos com a Seara Nova, disse-lhe que era sobrinho do Ulpiano Nascimento colaborador, à época, daquela revista e hoje, com 95 anos, seu actual director. Sei que a partir daí passei a ser conhecido como o Nascimento, nome de guerra que nunca mais abandonou até sair da Faculdade e ir para a tropa, onde passei a ser conhecido por Fernandes, que era o que constava na farda.

Convém contar aqui o episódio das eleições para a Direcção da Associação de Estudantes. Todos os anos, chegado o Outono, tinha que se fazer eleições. Era normal concorrerem duas listas, parece-me que no ano anterior, por decisão da Assembleia-geral, a lista vencedora teve que incorporar alguns elementos da lista derrotada. Mas neste ano não estava previsto nada disso e assim apresentou-se uma lista chefiada pelo Nicolau, das geologias, e outra da oposição de esquerda, chefiada pelo Cordeiro, que eu penso que depois desertou para a FRELIMO, pois era de origem moçambicana. Sei que a primeira lista, seria constituída por gente que hoje se poderia enquadrar no centro-direita, com forte influência católica, da JUC, corporizada pelo António Ribeiro, que era também das geologias e filho do Professor Orlando Ribeiro. Verifiquei que foi um dos oradores da sessão solene invocativa dos 40 anos do dia de estudante de 1962. Acho que o Pechirra fazia parte também dessa lista. Sei que se chegou à noite das eleições, que eram realizadas em Assembleia-geral eleitoral e o clima estava electrizante. O Hernâni Pinto Bastos, filho do célebre médico que foi dirigente do PCP, e que encontrei mais uma vez neste jantar, insurgiu-se, contra umas provocações feitas por um homem da extrema-direita, legionário ou PIDE, chamado Rebordão. Chegou-se quase a vias de facto. Mas quem ganhou foi o centro-direita, o tal Nicolau.
Há tempos, num colóquio sobre a crise sino-soviética, que se realizou na Universidade Nova, em que alguns dos intervenientes recordaram as suas memórias associativas, eu lembrei essa célebre noite e garanti que as freiras que eram alunas tinham sido mobilizadas para sair à noite e ir votar na lista católica. A verdade é que não havia muitas freiras estudantes e não seriam elas as responsáveis pelo resultado obtido pelo centro-direita, o que sucedeu, e agora recordo, é que as meninas que estavam hospedadas nos lares dirigidos por freiras tiveram ordem de soltura nessa noite para vir votar na lista da JUC. Fez-se posteriormente uma Assembleia-geral só para discutir isto, mas não se chegou a conclusão nenhuma.

Finalmente chega-se à véspera do Dia de Estudante que estava programado para os dias 24 e 25 de Março. Não me lembro se pensava participar nas suas actividades. Sei que Sábado de manhã, dia 24, e nessa altura o Sábado, pelo menos de manhã, era um dia normal de trabalho, eu estava na Faculdade em aulas, quando ao final da manhã chegam notícias de que o dia de Estudante tinha sido proibido e que a Cidade Universitária tinha sido invadida por polícias que tinham batido em professores e alunos. Decretou-se mobilização geral e apelou-se para que toda a gente fosse imediatamente para a Cidade Universitária para o que desse e viesse
Mas o que se passou nesse dia fica para outro post.

22/03/2010

Ainda não levou com a última pazada de terra


Quando da publicação pelo SOL das escutas aos boys do PS, havia muito boa gente que dava o José Sócrates como morto. Garantiam mesmo que estava por dias, mesmo que esses dias fossem meses, já que a Assembleia não podia ser dissolvida senão a partir do final de Março ou princípio de Abril, não sei as datas precisas. A verdade é que o defunto não estava tão bem enterrado como os seus opositores desejavam.
Tal como afirmei em post anterior, Sócrates lançou uma contra ofensiva, que não lhe saiu tão mal como se podia pensar, visto que culminou, para sua sorte, na desgraça da Madeira, onde pôde aparecer como homem conciliador que, em nome do interesse nacional, esquece até os seus inimigos pessoais.
Depois teve a aprovação do Orçamento, umas sondagens que lhe são favoráveis e até esse fait-diver inventado por Santana Lopes que é, como a imprensa pressurosa lhe veio a chamar, a lei da rolha. Pelo caminho temos o PEC, que anda a causar alguns engulhos à direita, porque apesar de o criticar, não consegue deixar de exultar com algumas das medidas propostas, que lhe facilitariam muito a vida se alguma vez for Governo.

É evidente que no meio disto temos os candidatos à presidência do PSD, cada um a tentar mostrar quem é que faz mais peito ao Governo. Assim, saltam propostas de moções de rejeição de todos os lados, apesar de ter dúvidas se, depois de eleito, o vencedor irá apresentar uma moção desse tipo. Só se juntarmos a fome com a vontade de comer, ou seja, se a pressa de chegar ao poder for tão forte que o eleito se lance, sem medir as consequências para o seu partido, em algum raid suicida.
Pacheco Pereira, na última Quadratura do Círculo, prevendo provavelmente a vitória de Passos Coelho, que ele detesta, foi dizendo que os tempos não estavam fáceis para o PSD. E porquê? Porque, segundo ele, o partido só cresce em alturas de expansão económica, quando os empreendedores pensam que poderão fazer o caminho sozinhos, sem a ajuda do Estado ou, segundo afirma, “quando a sociedade tem forte mobilidade social”. Os tais famosos self-made men (ver este meu post) que lhe são tão caros e que podem ser representados por essas duas figuras tão prestimosas como são Oliveira e Costa e Dias Loureiro. Nos tempos de crise, em que todos se vêm abrigar nas asas do Estado, é mais provável ser o PS a crescer, porque, como diz, hoje a sociedade portuguesa “castrou esse dinamismo social”. Isto não tem pernas para andar, mas dá bem a ideia da visão pessimista que Pacheco Pereira tem do seu Partido.

Resta, a tão famosa ala esquerda do PS, que parece que em relação a este PEC resolveu vir distanciar-se dele. No entanto, e não subestimando as importantes declarações de Manuel Alegre e até, parece, os estados de alma de Vieira da Silva, a verdade é que penso que esta corrente, representada por algumas figuras institucionais do PS e não propriamente pelos outsiders mais conhecidos ou pelo conjunto de votantes de esquerda, é tão impotente em relação àquele partido como os renovadores comunistas o foram em relação ao PCP. Por razões diferentes, nem os primeiros conseguem romper com o PS e afirmar-se como corrente independente, nem os segundos são capazes de estabelecer uma corrente de opinião que seja verdadeiramente comunista e renovadora.

Feitas estas apreciações políticas, um pouco desconchavadas e muito descrentes de uma alteração rápida da situação, resta-me esperar para ver no que é que irá dar esta Comissão de Inquérito à compra da TVI pela PT e para saber se o primeiro-ministro mentiu ao Parlamento. O seu êxito ou fracasso trará, quanto a mim, algumas consequências para o Bloco de Esquerda, um dos seus promotores, já que numa manobra de antecipação José Sócrates, com grande descaramento, veio falar numa Santa Aliança entre a esquerda, que pretende ser esquerda, e o PSD. Mas isto é o papel que lhe compete, temos é que estar preparados para estes truques de prestigiador em fim de carreira, apesar de eu pensar que ainda faltam algumas pazadas para o enterrar de vez.

19/03/2010

Entrevista a Néstor Kohan

Recebi recentemente via net um texto de Néstor Kohan chamado Nuestro Marx. Não conhecia o autor, nem o livro. A versão que me chegou às mãos era em PDF, de um livro de 463 páginas. Mais tarde percebi que tinha sido editada pelo jornal digital, em língua espanhola, Rebelión, de que vos recomendo a leitura.
Fui ler um dos capítulos chamado El Marx del materialismo dialéctico, com o subtítulo (De Plejanov y Stalin a los manuales del Partido Comunista de la Unión Soviética [PCUS]), que aborda de forma muito interessante, para quem se interessa pela filosofia marxista, aquilo a que podemos chamar o papel da ideologia e a crítica da visão determinista e economicista que o Engels tardio e depois a “ortodoxia” da II Internacional quiseram dar do pensamento de Marx. Trata igualmente dos livros de Lenine sobre questões filosóficas como o Materialismo e Empirocriticismo e os Cadernos sobre a Dialéctica de Hegel, fazendo a defesa deste último contra o primeiro, e finalmente da codificação do materialismo dialéctico e histórico pelos manuais de marxismo-leninismo, editados pelo PCUS.
Posteriormente à leitura deste capítulo foi procurar na net mais informações sobre Néstor Kohan e fiquei a saber que é argentino e investigador e docente da Universidade de Buenos Aires (UBA), com ampla obra publicada sobre o marxismo, Gramsci e as suas repercussões na América Latina.
Encontrei também este vídeo que vos recomendo, que consiste numa entrevista ao autor de Nuestro Marx, quando este se deslocou à Galiza, em Abril de 2008, para participar no debate internacional sobre O socialismo do século XXI, integrado nas XII Jornadas Independentistas Galegas.
A entrevista é longa e nem sempre o som é o melhor. Tem também o terrível defeito de ser no espanhol cantado da Argentina, que afasta sempre muitos portugueses. Eu por mim, que estou muito habituado àquele idioma, não me importo.
Os temas abordados são vastos e referentes ao socialismo e comunismo do século XX. Mas podemos resumi-los ao debate ideológico e à luta cultural, à crítica ao pós-modernismo e à falta de ligação entre a teoria e prática política, tudo isto com referências a Marx na primeira parte, a Guevara, de quem o autor se reivindica, a Gramsci, e a Mariátegui, um marxista sul-americano, natural do Peru, que morreu em 1930 e que influenciou profundamente o pensamento político da esquerda sul-americana. Tem uma crítica interessante ao Negri.

Por mistérios que só a informática conhece, sempre consegui reproduzir neste post o vídeo referido. Fica igualmente o link para o site onde o podem ver.

16/03/2010

O fascismo quotidiano II


Podem os comentadores acusar-me de botar opinião sem ler o livro a História de Portugal, de Rui Ramos, e de julgá-lo unicamente pela opinião que tenho do seu autor. É verdade que isso sucede, simplesmente a parte que li referente à repressão no regime fascistas deixou-me tão incomodado que achei por bem vir demonstrar que não basta provar por números que a repressão até nem foi muito elevada, quando o que contava era o medo que a população ia interiorizando relativamente ao fascismo e às suas práticas repressivas.
Vem também isto a propósito de declarações que o historiador em questão tem feito relativamente à República. Diz ele a determinada altura na sua entrevista à LER, de Janeiro de 2010: “A actual democracia não tem nada a ver com a República. Os Republicanos não se reconheceriam neste regime democrático. [...] Estamos a comemorar um regime que foi odioso para uma grande parte da população portuguesa: que ofendeu, magoou, espezinhou. E vamos comemorar isso como se ele fosse um antecessor da nossa Republica. Aquilo que nós vamos ter é uma comemoração de um dos regimes mais intolerantes e mais perseguidores na História de Portugal.»
Sem querer adjectivar estas afirmações, que só vêm corroborar a opinião que eu tenho do autor, diria que estamos mais uma vez no domínio da pura provocação política. Como sabe Rui Ramos que o regímen foi odioso para uma grande parte da população portuguesa? Mas o principal é esta ideia de que a República foi um dos regimes mais intolerantes e mais perseguidores. É por isso, que na sua História recorre aos números para confrontar a República com a Ditadura e é aqui que se dá a grande mistificação. Pois nós sabemos que a República prendia e reprimia os sindicalistas, simplesmente era sol de pouca dura, vinha um golpe de estado ou um novo governo e era aprovada uma amnistia aos presos e deportados do anterior governo. Nunca a República suprimiu duradouramente a União Operária Sindical, que em 1919 deu origem à Confederação Geral do Trabalho (CGT), de tendência sindicalista-revolucionária, nem o seu principal órgão informação A Batalha. Ora o fascismo fez tudo isso, e de vez, reprimindo e enquadrando politicamente os sindicatos e eliminando os jornais operários. Ou seja, à bagunça política da I República sucedeu a ordem fascista, que progressivamente foi enquadrando tudo o que podia mexer e fazer-lhe frente.

Mas não é só sobre o repisar da questão do post anterior que me quero pronunciar. Li numa pesquisa Google que o jornal i tinha publicado um pequeno extracto do livro de Rui Ramos na parte referente aos anos que antecedem e precedem as eleições de 1958 em que concorreu Delgado, em nome da Oposição, e Américo Tomás, pela Ditadura.
A descrição transcrita no i começa com as diferentes correntes situacionistas que estavam em jogo nas vésperas daquelas eleições: a do tenente-coronel Santos Costa, representando a facção reaccionária e conservadora do exército, e a do professor Marcelo Caetano, desejoso de mobilizar as massas para um programa social de cariz fascista-corporativista, que pelas contingências da paralisia do regime se iria converter anos mais tarde em chefe de uma fugaz tentativa liberalizante.
Depois fala de todos aqueles que despeitados pela não recandidatura de Craveiro Lopes, se afastaram do regime ou pensaram destituir Salazar com um golpe de estado. Refere-se neste caso a Humberto Delgado que se iria apresentar às eleições de 1958, contra o candidato da “situação” e depois acrescenta: “As oposições, depois de o denunciarem como um "general fascista", não tiveram remédio senão segui-lo.” Generaliza, com a utilização do plural, e esquece que houve uma corrente da oposição encabeçada por um dos seus homens mais sábios, António Sérgio, mas não só, que desde o princípio o apoiaram e o incentivaram a concorrer. Quando Humberto Delgado dá a sua conferência no café Chave de Ouro em que diz “obviamente, demito-o”, e referia-se a Salazar, já estava ladeado por essa corrente da oposição. Outras correntes, incluindo o Partido Comunista, tiveram de facto muitas dúvidas em apoiar um general que ainda há bem pouco tempo era um dos filhos dilectos do regime fascista. Verdade se diga, que depois das portentosas manifestações do Porto e de Lisboa a favor do General, o PCP e alguns dos seus amigos fazem com que o seu candidato, Arlindo Vicente, estabeleça um acordo com Delgado, que ficou conhecido como o acordo de Almada, desistindo aquele a favor do General. Ora nada disto é escrito, passando Rui Ramos sobre este assunto como cão por vinha vindimada.
Sobre estas eleições, que abalaram profundamente o regime, resume-as Rui Ramos às declarações da embaixada espanhola – logo a quem ele as foi buscar – “que a crise tinha sido suscitada, "não pela força da oposição em si mesma, mas pelo cansaço, deserções e deslealdades" dentro do regime.” E depois resume os acontecimentos de toda a actividade oposicionista da época às deserções do Bispo do Porto, que teve de facto importância política, e a uma misteriosa, porque ignorada, ruptura na Causa Monárquica, em que “a "gente mais nova" … conseguiu envolver o duque de Bragança, D. Duarte, num movimento a favor de uma monarquia constitucional.” Gloriosa Causa que estava na vanguarda da luta contra o fascismo. E é esta a história com conceitos novos que nos querem vender.

Como já alguém escreveu esta é a História de “Muita fidalgaria e pouca arraia-míuda…”.

Se para isso tiver força e não vos maçar muito gostaria de fazer uma pequena apreciação de como esta História, que eu visse, não suscitou mais nenhuma crítica do que aquela que indiquei no parágrafo anterior. A esquerda portuguesa já não tem coragem de derrubar um Rui Ramos.
Fotografia da multidão saudando o General Humberto Delgado na Praça Carlos Alberto, no Porto, no dia 14 de Maio de 1958.

15/03/2010

O fascismo quotidiano


Tenho sido daqueles que na blosgofera têm feito bastantes referências críticas a Rui Ramos. Quando este historiador escrevia todas as semanas no Público era certo e sabido que alguma ferroada lhe havia de dar a seguir. Hoje, por razões que só são justificáveis pela leitura que cada um faz dos jornais, não o sigo com tanto cuidado a sua coluna no Expresso como o fazia com a daquele diário. Assim, ainda no tempo em que eu escrevia para o DOTe.COMe critiquei-o pelo seu artigo sobre o resultado do referendo ao aborto. O mesmo se verificou quando fez o obituário de Luís Pacheco, desta feita já no Trix-Nitrix. Neste post chamei-lhe mesmo um “camelot du roi à portuguesa”, que segundo a definição que dei na altura eram um “grupo de provocadores católicos e monarquistas, adeptos da Action Française, de Charles Maurras, que pontificavam entre as duas guerras e que participaram activamente nos motins provocados pela extrema-direita em França, no dia 6 de Julho de 1934.” Que é um provocador é ele próprio que o afirma, ao dizer que “arranja sempre maneira de escandalizar a esquerda” (entrevista à Ler, de Janeiro de 2010), monarquista não tenho à mais pequena dúvida, católico não sei, mas o texto sobre o resultado do aborto leva-me a pensar isso.
Vem tudo isto a propósito da sua mais recente obra por todos incensada, História de Portugal, de que foi coordenador e autor da terceira parte, referente à idade contemporânea. Por me retrair sempre em relação aos livros muito propagandeados achei por bem não comprar a obra. Mas um dia destes, passando pela FNAC e para fazer horas, resolvi ir retirá-la da prateleira e pôr-me a lê-la nuns agradáveis sofás que aquela cadeia de livrarias põe ao dispor dos leitores de pouco recursos ou mais vagarosos na sua decisão de compra.
Fui logo ver o que Rui Ramos dizia sobre o fascismo, que ultimamente é vulgar designar como “Estado Novo” – esta é uma discussão para outra altura –. Fui cair num capítulo, sobre a repressão, que eu não sei se assim se chama, durante os primeiros anos da ditadura salazarista. Esta obra que, de acordo com os seus louvaminheiros, trás conceitos novos, tem a preocupação em quantificar a repressão e compara abundantemente os mortos e os presos políticos com o que se passou na República e pasme-se com a Itália democrática saída do pós-guerra, mas penso também com a França. Ou seja, para Rui Ramos o fascismo português era benigno e suportável não sendo pior até do que alguns regimes democráticos. Por isso, José Mattoso na recensão que faz ao livro no último Ípsilon, do Público, escreve de modo eufemista: “O carácter irreverente de Rui Ramos vem, por vezes, à tona em alguns dos seus comentários, o que talvez lhe traga a má vontade de alguns leitores”.
Eu não lhe chamaria irreverência, mas deliberada provocação à esquerda, como era típico dos jovens intelectuais fascistas dos anos trinta.
Esta apreciação do fascismo, reduzindo-o a números, que penso que sejam factuais, transforma a realidade política da repressão numa simples comparação numérica, esquecendo-se do que era o quotidiano de medo sob o olhar permanente da PIDE e de todos os organismos repressivos que foram criados para enquadrar a política salazarista.
Como exemplos de fascismo quotidiano e por serem aqueles de que sempre recordo quando falo destas coisas, citaria três simples casos passados comigo e que são muito menos aviltantes do que aquilo que a população portuguesa sofreu no seu conjunto.

Um dia, durante a minha juventude, a minha mãe sempre um pouco mais exaltada contra Salazar do que o meu pai, pessoa extremamente comedida, falou ao almoço mais alto do que era costume e logo foi admoestada pelo meu pai porque as suas palavras se podiam ouvir na rua. A minha mãe pede à empregada para fechar a porta da sala de jantar, o meu pai ainda mais irado responde que nem pensar, pois isso poderia levar a empregada a pensar que naquela casa se falava de coisas “subversivas”. Este episódio, que hoje parece ridículo, ficou registado indelevelmente na minha memória e ilustra bem como as famílias portuguesas incorporavam em si o medo que o fascismo inspirava.

Outro episódio, já era eu mais crescidinho, passou-se no Cine-Clube Universitário de Lisboa. Na altura eu era dirigente daquele cine-clube com a função de escolher os textos para os programas que eram entregues aos sócios sobre os filmes que eram exibidos. Lembro-me que o filme era O Ladrão de Bicicletas, e que no programa se fazia referência a “um mal remunerado empregado municipal”, que penso que era o herói do filme. Nessa altura, os programas eram enviados à Censura, e não é que esta não corta o termo “mal remunerado”, mesmo referindo-se este a um empregado municipal italiano. Fosse em que país fosse um empregado municipal nunca poderia ser “mal remunerado”. Este era o controlo que o fascismo fazia ao pensamento livre.

A terceira, esta mais grave, passa-se já depois do 25 de Abril. Como eu tinha, antes daquela data, alguma actividade política, era uma questão de precaução, quando se saía de casa espreitar sempre para todos os lados para ver se havia algum carro que me estivesse a seguir ou que pudesse intempestivamente surgir à minha frente para me prender. Tinha-se passado isso com alguns camaradas meus. Pois não é que já o 25 de Abril ia alto e os PIDEs estavam todos presos, quando me apanho ainda a olhar para todos os lados a ver se havia algum carro suspeito.
Este era o fascismo quotidiano, que nenhum número, mesmo que tente demonstrar a benignidade da repressão, pode apagar. O medo e a interiorização desse medo era nossa realidade e não há Rui Ramos nenhum que a consiga desvirtuar, mesmo que seja um provocador de pacotilha.

Numa segunda parte irei escrever sobre o pequeno texto, mas muito significativo, que Rui Ramos reserva à época das eleições do Humberto Delgado e que foi publicado no jornal i. Recordo ainda que, segundo a imprensa, Rui Ramos dedica 40 páginas ao PREC, apesar de estar mortinho por ler essas páginas, vou ainda resistir algum tempo até comprar o livro.

08/03/2010

Berlusconi à portuguesa


Sabe-se que quando um juiz ou algum colectivo de juízes levanta problemas a Berlusconi este classifica logo os autores de tal descaramento como “vermelhos”. É uma forma de desvalorizar perante a opinião pública os magistrados face a um primeiro-ministro cheio de candura e bom comportamento. Esta acusação só funciona porque em Itália já ninguém tem respeito pela bandeira vermelha (Bandiera Rossa) do falecido Partido Comunista Italiano.
Em Portugal, dados os fracos recursos dos nossos políticos, não é o primeiro-ministro que acusa a magistratura, mas manda que outros o façam.
Assim, o impoluto ministro do Trabalho do anterior Governo e agora da Economia, Vieira da Silva, encarregou-se há uns tempos, quando do início do processo Face Oculta, de considerar que a acção dos magistrados era pura “espionagem política”. Esta frase de grande rigor argumentativo foi também utilizada pelo pau para toda a obra que é o ministro Santos Silva.
Mas não contente com estas peregrinas afirmações dos membros do Governo eis que surge o Bastonário da Ordem dos Advogados a declarar que o poder judicial ou “parte importante do poder judicial” está “empenhado em derrubar o primeiro ministro”, o sempre querido José Sócrates, e que esse desejo é motivado por este ter tocado “em alguns privilégios da corporação”.

Em Portugal a acusação de “vermelho” não funciona. Há muito que nos habituamos a conviver com o PCP e já lá vai o tempo em que era um labéu grave ser-se comunista. Por isso nada melhor do que acusar os magistrados de quererem continuar a usufruir privilégios que a maioria dos cidadãos não alcança. No nosso país atiçar a inveja em relação aos benefícios alheios é ainda muito mais eficaz do que a acusação de ser-se “vermelho”.
Já tinha escrito sobre o papel de idiota útil que Marinho Pinto tem vindo a desempenhar em todas estas histórias que envolvem o primeiro-ministro. Esta excedeu as minhas expectativas. Acusar a magistratura que querer derrubar José Sócrates só de um Berlusconi à portuguesa.

Mas já agora, não queria que Marinho Pinto ficasse sozinho, acrescentava-lha Miguel Sousa Tavares (MST), que, quanto a mim, depois de ter feito um frete ao primeiro-ministro dando-lhe tempo de antena na primeira entrevista do seu programa, Sinais de Fogo, sai agora em defesa do “honrado” Lopes da Mota, que já em tempos tinha estado envolvido numa história pouco clara com Fátima Felgueiras, e ataca sem despudor os dois magistrados que andam a investigar o caso Freeport. Leia-se (sem link) o último artigo que escreveu para o Expresso, de Sábado passado.
MST, talvez tomado pelo excesso de vendas dos seus livros, tem ultimamente protagonizado algumas afirmações de claro desnorte político. Estou-me a lembrar de quando afirmou que Lula da Silva andava às ordens de Hugo Chávez, porque tinha apoiado o ex-presidente das Honduras, que segundo MST tinha sido muito bem derrubado. Não tenho dúvidas, com o êxito de venda dos seus livros no Brasil, anda a ler demasiado a imprensa de direita daquele país, que é quase toda.
Estes são dois exemplos de gente que parecendo por vezes de esquerda perde completamente o pudor quando se deixa arrastar pelas seus ódios pessoais: Marinho Pinto aos magistrados em geral, MST à autonomia e independência do ministério público que, segundo ele, anda em “roda livre” e devia obedecer às determinações do poder político.

A higienização da vida nacional. O afastamento de Sócrates.


Por motivos vários, não tenho escrito nada sobre a situação política que se tem vindo a viver nos últimos dias em Portugal. Fui acumulando raiva contra o Jardim e recolhendo exemplos vários dos seus dislates. Ainda ontem ouvi mais um, quando lhe perguntaram se iria seguir as recomendações dos ambientalistas, respondeu que não os conhecia de parte nenhuma e que ele é que era um verdadeiro ambientalista. Tudo o que se escreva a propósito de tão sinistra personagem, será sempre menos grave do que ele diz e faz na Madeira.

Mas o título deste post vem a propósito de um tema que percorre o espectro partidário e que acarreta por vezes a uma grande confusão política.
No último Quadratura do Círculo, da SIC Notícias, António Costa defendia que em vez das oposições e o Governo estarem a discutir os reais problemas do país estavam a desviar a sua atenção para as questões laterais da liberdade de imprensa, das escutas ou da não viabilizada compra da TVI pela PT. Os opositores de direita falavam que, ao contrário do que dizia o seu interlocutor, era necessário para bem da democracia e do país proceder-se à higienização da vida política portuguesa, que consistia no afastamento do primeiro-ministro, José Sócrates.
Em artigo publicado no Público, de Sábado, António Vilarigues, militante do PCP, que tem o blog O Castendo, referia: “Este Governo PS de José Sócrates bem pode mandar acender umas velinhas. Seja em agradecimento aos santos, seja às bruxas. Com efeito as notícias sobre o envolvimento do Governo num alegado “plano para controlar os órgãos de comunicação social” desviaram por inteiro as atenções sobre os reais problemas que atingiram o povo português”.
Estes são dois dos aspectos com que se confronta a realidade política portuguesa. Mas é bom não limitar este confronto às opiniões da esquerda e da direita. Paulo Portas, do CDS, é bem capaz de dizer coisas semelhantes e isso depende do dia em que lhe der mais jeito dizer que só se preocupa com os verdadeiros problemas da Nação ou que, utilizando o termo dos dois comentadores de direita da Quadratura do Círculo, é necessário proceder à higienização do país.
Quanto a mim entendo o seguinte, que o primeiro-ministro está a arrastar este país para um claro desprestígio das instituições e que ele, com os problemas com que se defronta na Justiça e na vida privada, está a provocar uma lenta erosão do Governo e do seu partido, originando na opinião pública um claro estado de revolta e de indignação que a direita, a seu tempo, tentará reverter a seu favor. Ou seja, a necessidade de higienização do país leva a que a direita possa ambicionar a ser Governo, e como sempre nada garantindo que melhore seja o que for. Nesse sentido, compreende-se a preocupação do PCP por este ser o motivo do possível afastamento de Sócrates e não a luta de rua contra, por exemplo, os despedimentos ou o congelamento dos salários da Função Pública. O Bloco de Esquerda, mais cauteloso, foi propondo uma Comissão de Inquérito ao caso mais escandaloso, ao negócio da compra da TVI pela PT, que levou António Filipe, do PCP, a dizer, nos corredores da Assembleia, que este não era o principal tema da actualidade nacional.
Já se sabe, que o PS, pela voz de António Costa, quer fugir deste tema como o Diabo foge da Cruz.
Eu por mim, e já o escrevi , acho que a esquerda não pode alhear-se de um assunto que revela os contornos pouco sérios da governação e do seu principal responsável e que, sabendo que poderá não ser a principal beneficiária desta situação, deve lutar para que de facto haja um claro saneamento da vida política nacional. O seu grau de autonomia é pequeno e muitos são os alçapões em que poderá cair, não pode é em nome do debate das grandes linhas da política económica que está a ser seguida pelo Governo e pela direita esquecer também o que se passa à sua volta.

PS.: não há links para a Quadratura do Círculo e para o Público, que deliberadamente tranca os artigos de opinião.

03/03/2010

Contra os "vigaristas" verdes

Não pude resistir a incluir mais esta catilinária, de 16/03/09, do Alberto João, desta vez contra os "vigaristas" verdes. A colecção, para desgraça da Madeira, vai aumentando.