26/09/2010

Quem é o inimigo principal?


O BE e o PCP têm encarado esta crise política que estamos a viver como um jogo de sombras entre o PS e o PSD para, no fundo, justificar a aprovação de medidas mais gravosas para a sociedade portuguesa e para ver quem se livra do ónus de ser o seu principal responsável. Para aqueles dois partidos de esquerda dir-se-ia que estamos perante uma peça de teatro medíocre, daqueles dramalhões que pelo seu exagero acabam por pôr toda a plateia a rir.
Eu não desvalorizaria tanto esta situação, que tem algumas semelhanças com a que se viveu no final do reinado de Guterres, quando este se demitiu para evitar o pântano e a direita paulatinamente tomou conta do poder.
Vejamos o que se passa e as semelhanças entre as duas situações, apesar de na altura da demissão de Guterres a crise económica não ser tão grave como no presente. Quando a direita, PSD aliado ou não ao CDS, não tem condições para governar – foi o caso de do PSD, já sem Cavaco, em 1995, ou quando o chefe deste mesmo partido, em 2005, comete tanto disparates que é despedido – o poder é entregue ao PS, conseguindo este partido obter durante um certo período de tempo as boas graça dos empresários (do patronato), dos comentadores, dos media em geral e até dos eleitores. Foram os quatro anos de euforia de Guterres (a Expo 98) e as sondagens em alta do PS de Sócrates, que, mesmo desgastado com os sucessivos casos porque foi passando, conseguiu sempre resistir.
Qual tem sido na prática a política seguida pelo PS, tem variado, mas no fundo recorre de facto uma política de direita, exceptuam-se os casos da aprovação da legislação sobre a segurança social, no tempo de Guterres, e das leis sobre o IVG e os casamentos entre homossexuais, no tempo de Sócrates, em que aí se socorre da esquerda. Isto tem levado, mais acentuadamente com Sócrates do que com Guterres, a um afastamento bastante acentuado entre o PS e a sua esquerda, que na última Assembleia se tornou verdadeiramente plural, com a existência com peso quase semelhante do BE e do PCP.
Esta política seguida pelo PS tem-no convencido de que é fácil meter os empresários no bolso, controlar a comunicação social e obter a aceitação dos comentadores. Até que chega o momento em que estes, principalmente os primeiros, que são os patrões da comunicação social e dos comentadores, sentindo-se com força o despedem por preferirem que sejamos os seus partidos a cumprir a política que desejam. Esta é a tragédia do PS. Faz tudo que lhe exigem mas volta e meia é despedido por incompetência. É o que lhe está a suceder agora.
Bem pôde o PS assinar o PEC com o PSD, garantindo que finalmente tinha um parceiro para dançar o tango, que este partido sentindo-se com a força das sondagens e do patronato se prepara pura e simplesmente para despedir o seu moço de fretes.
Por isso, eu penso que o que se está a passar não é só um jogo de sombras entre o PS e o PSD, é igualmente uma ofensiva da direita patronal, política e ideológica, contra tudo o que mexe à esquerda. Acho, portanto, que é incorrecto meter tudo no mesmo saco e que devemos dar respostas bem vivas e acutilantes a esta ofensiva da direita que visa rever a Constituição, esbulhar os funcionários públicos do 13º mês e os trabalhadores dos seus subsídios sociais, destruir o SNS e a escola pública e que para isso reuniu um conjunto de ideólogos e propagandistas que diariamente nos atacam nos meios de comunicação social, privilegiando, sem dúvida a Televisão. Veja-se o leque de comentadores, de programas e de debates da SIC Notícias e teremos um exemplo da ofensiva descarada da direita, através dos seus principais agentes: respeitáveis professores universitários ou antigos ministros das finanças.
Por isso, não sendo necessário sair em defesa do Governo, não podemos considerar tudo farinha do mesmo saco e temos que compreender que o povo português está ser vítima de uma programada ofensiva ideológica da direita, que arrastará na sua frente não só o Governo de Sócrates, como provavelmente muitas das conquistas de Abril. É neste emaranhado contraditório que temos que descobrir quem é o nosso inimigo principal e quem é o secundário. Temos que ver quem nos interessa correr e quem queremos que vá para lá, mas mais do que isso como poderemos fazer a ruptura de que há tantos anos se fala e que nunca fomos capazes de concretizar.

22/09/2010

Os neo-estalinistas II


Victor Dias, impante, como é seu costume, vem insinuar em comentário que dirigiu ao meu post sobre Os neo-estalinistas, que o verdadeiro neo-estalinista era eu porque, segundo ele, eu queria que a Festa do Livro da Festa do Avante fizesse censura à História do Partido Comunista da URSS, Breve Curso. Depois espraia-se em comentários sobre aquele espaço ser gerido por uma empresa que não submete os livros a censura prévia dos organizadores da Festa. Eu próprio lhe respondi que de facto não havia censura prévia pois até já lá tinha visto livros fascistas, como um que eu encontrei há dois anos, editado pela Nova Arrancada sobre o 25 de Abril. Simplesmente para mim era sintomático que destacados militantes do PC, editassem e distribuíssem durante a Festa livros de claro pendor estalinista e isso é que contava.
Não é que já depois destas palavras terem sido escritas me chega a informação que o livro de Carlos Brito, Álvaro Cunhal, sete fôlegos do combatente tinha sido censurado por alguém da Festa. A história passa-se assim: a distribuidora do livro do Brito forneceu à editora que opera na Festa o referido livro, de acordo com o estabelecido entre as duas, o livro foi exposto por pouco tempo, mas depois foi retirado e todos os exemplares foram devolvidos à distribuidora.
Já se sabe que o Vítor Dias dirá que isto foi um assunto entre editoras, que o Partido nada teve a ver com o assunto, ele só se rege pelo que está estipulado nos seus Estatutos. Simplesmente uma censurazinha de vez enquanto não fica mal, não vá o Carlos Brito convencer-se que alguém ainda lhe liga alguma coisa na Festa do Avante.
Quando é que o Vítor Dias deixará de ser o idiota útil desta direcção do PCP?

Presidenciais II


O último post que escrevi sobre este assunto, pretendia, sob a forma de comentário a um artigo que Cipriano Justo, da Renovação Comunista, tinha escrito para o Público, alertar para que o candidato do PCP não iria ser um factor de convergência da esquerda para derrotar a direita, mas sim, como resultado do sectarismo e do bloqueio do PCP, poder considerar-se como o único candidato verdadeiramente de esquerda e não comprometido com o PS e por isso incapaz de qualquer compromisso ou desistência para com o outro candidato da esquerda, Manuel Alegre, o melhor colocado para derrotar o da direita.
Sem ter obtido qualquer comentário, fui lendo em alguns blogs (ver aqui e aqui) que a personagem era tão ignorada dos votantes como dos próprios militantes do PCP, ou tão risível, que a sua cadidatura corresponderia a uma táctica de valorização de Manuel Alegre. Não estou de modo algum de acordo com isto e penso, por aquilo que já foi declarado pelo candidato do PCP, se Manuel Alegre não aparecerá também como um dos seus inimigos de estimação, para além, evidentemente de Cavaco Silva. Bem gostaria de estar enganado.

No meu texto não tinha examinado a situação de todos aqueles órfãos da extrema-esquerda nacional, desde que foi criado o Bloco, que eu classificarei de “esquerdistas”, que não se revêem na candidatura de Manuel Alegre e que ou defendem, em desespero de causa, o voto em Francisco Lopes ou então, como o José Neves, em algum candidato exótico, como Defensor de Moura.
Um dos primeiros mitos que esta extrema-esquerda acalentou foi o de que o PCP apresentasse um candidato unitário, tipo Carvalho da Silva, que permitisse o voto da esquerda, que não se quer sujar em compromissos espúrios. Já se sabe que aí o PCP trocou-lhes as voltas. Nunca este partido apresentou candidatos unitários a eleições presidenciais , com a vocação de perderem, mas representarem muito condignamente a “independência” de esquerda. Sabemos que o PCP preferiu, em 1976, arrostar com uma votação humilhante em Octávio Pato do que submeter-se à lógica minoritária e “esquerdista” de Otelo Saraiva de Carvalho. O mesmo se tendo passado com Maria de Lurdes Pintassilgo, em 1986, preferindo desistir a favor de Salgado Zenha do que apoiar aquela candidata.
Por isso, e bem, não puderam contar com o PCP para manterem as mãos puras ao votarem numa coligações anticapitalistas, que, em certas circunstâncias, só conduz à descrença e em nada contribui para a derrota do candidato da direita.
Outros ainda, em face do panorama, depois de terem deixado cair a sua admiração por o Fernando Nobre (ver este meu post), voltam-se para o único candidato, que sendo a emanação do colectivo, segundo a sua suposição idealista, acreditam que este lhes permitirá votarem em alguém que se reclama do anticapitalismo ou então que seja contra a NATO, como eu já vi escrito por aí. Como se Ramalho e Eanes, em quem os comunistas já votaram, fosse um paladino dessa luta.
No fundo é o reencontro do velho esquerdismo nacional, sempre a considerar-se incorruptível e mais revolucionário do que todos os outros e a não admitir acordos com a “burguesia”, com um PCP esgotado e fechado no gueto, que sempre foi considerado revisionista e reformista por estas boas almas, mas que presentemente, em desespero de causa, serve para poderem, sem compromisso, votar.
Alguns, mais puros, parece que se vão abster, porque meter as mãos na “merda” não é com eles.
A todos estes lembrarei que a posição “esquerdista” nunca foi boa conselheira. Espero pois que ainda recuperem, pois por vezes a vida obriga-nos a compromissos e à necessidade de sujarmos as mãos. E penso que custa menos engolir o sapo votando em Alegre do que em Mário Soares, esse sim um verdadeiro sapo peçonhento e dos perigosos.

15/09/2010

DERECHIL



Enviaram-me este vídeo com tanta graça que não quero deixar de partilhá-lo com os leitores

A propósito de Chabrol, resposta a um ex-cine clubista


Claude Chabrol morreu recentemente e a blogosfera, como é seu costume, nestes assuntos de necrologia, teve a preocupação de lhe prestar uma homenagem relembrando cada qual as obras que mais gostava (por exemplo, ver aqui).
João Tunes, um bilioso blogonauta do Vias de Facto e de Água Lisa resolveu, na sua constante guerra com os fantasmas do seu passado, participar nessas homenagem.
Dado que Chabrol não era dos meus autores preferidos, apesar de haver um conjunto de filmes que ele fez na sua maturidade que me agradaram especialmente, não pensava escrever nada sobre o assunto. Não pude no entanto resistir depois de ver o post de João Tunes sobre aquele autor. Primeiro começa por escrever: “Para a cinefilia marxista dos anos sessenta e setenta, sectária como convinha à luta e sobretudo entrincheirada nos cineclubes, Chabrol era o “pior” na herética galeria da nouvelle vague. A alguém que foi dirigente de um cine-clube (o ABC Cine Clube Lisboa) não fica bem vir escarnecer da crítica marxista da época “entrincheirada” nos cineclubes, cujo epígono mais conhecido era provavelmente o seu amigo, já falecido, Manuel Machado da Luz, que de facto era colaborador activo daquele cine-clube. Segundo não sei em que provas materiais se baseia para considerar que para aqueles críticos Chabrol era o “pior” da nouvelle vague. Por último, reúne um conjunto de nomes que de facto constituíram a galeria eclética daquilo que se considerou chamar a nouvelle vague, mas depois acrescenta que essa “turma” estava “reunida à volta de uma revista de cinema (os Cahiers du Cinéma) e tão motivada a escrever sobre cinema e praticando um culto fanático pelo cinema americano que levou a maioria dos seus colaboradores a tornarem-se realizadores.”. Ora de facto três, dos sete autores citados, nada tinham a ver com os Cahiers du Cinéma e alguns nem nunca passaram pela crítica de cinema. Do grupo só os quatro primeiros, em que se inclui Chabrol, passou pela crítica naquela revista. Nada tinham a ver com ela Louis Malle, Agnès Varda e Alain Resnais.
João Tunes pergunta depois: “Mas porque calhava a Chabrol o papel de "inimigo nº 1"? Pois, pela forma sem pudor como se assumia como burguês dos quatro costados e pela mestria como contava tudo o que sabia, que era tanto que soava a demais, replicando Hitchcock, sobre as intimidades perversas da burguesia francesa.” Já se conhece a técnica, cataloga-se o autor e depois garante-se, perante a tipificação feita, que a crítica marxista não gostaria de um autor “que se assumia como burguês”. Termina depois o post com a análise à obra de Chabrol sobre a qual nada tenho a acrescentar.
Mas passemos aos factos. Era conhecido que nos cineclubes não havia uma especial predilecção pelos autores da nouvelle vague, principalmente os provindos dos Cahiers du Cinema. Já, pelo contrário, tinha-se um especial carinho por Resnais e Varda. Simplesmente os filmes que constituíram a primeira vaga da nouvelle vague eram completamente desconhecidos em Portugal. Só muito mais tarde é que vimos a primeira obra de Jean-Luc Godard, About de Soufle (O Acossado), de 1960, ou de Chabrol, Le Beau Serge (Vinho Difícil), de 1959. O primeiro filme que se viu de Chabrol em Portugal foi A Double Tour (Pedido de Divórcio), de 1961, que era já o seu terceiro. E que foi, para informação, do João Tunes exibido pelo ABC Cine Clube, em Maio de 1962, com uma crítica favorável.
Depois realiza mais filmes, nos anos 61 e 62, que não são exibidos em Portugal, até que aparece Landru em 1962, que foi igualmente exibido pelo Cine Clube Universitário de Lisboa (CCUL) em 1969, com uma crítica favorável. Enterra-se a seguir, ainda em meados dos anos 60, numa série de filmes policiais que tinham por título o Tigre contra… A partir de 1966 começa finalmente a entrar na problemática que o iria tornar mais ou menos importante com Le Scandale (Champanhe Escandaloso), de 1966.
Desse período é exibido Que la Bête Meure (Requiem por um Desconhecido) de 1969, também no ABC Cine clube, em 1973. Muito mais tarde, já depois do 25 de Abril, o ABC exibe Violette Nozière, de 1979, em 2 de Abril de 1991. Mas por esta altura já o movimento cine clubista não tinha as características que o distinguiram no tempo do fascismo.
Com tudo isto só quero adiantar que se conheciam mal as suas obras da juventude, e que por isso é um bocado de estultícia vir-se afirmar que Chabrol era o nosso principal inimigo. Segundo, o estilo que depois iria caracterizar a sua obra, a descrição da pequena burguesia rural, só é retomado mais tarde, quando a decadência dos cineclubes já é um facto.
Por tudo isto parece-me este post mais uma batalha perdida de João Tunes com os fantasmas do seu passado, que no caso da crítica marxista e das actividades cine clubistas já seria merecedora de uma análise histórica e não de um ajuste de contas.

13/09/2010

Presidenciais


Utilizei este título genérico para não ferir susceptibilidades, mas ir-me-ei referir preferencialmente à candidatura apresentada pelo PCP.
Cipriano Justo num artigo publicado no Público, a 6/09/10 (sem link), e que denominou As boas razões do PCP, considerava em subtítulo “O que é questionável não é o seu candidato, são os argumentos avançados para justificar a candidatura”, o que resume sucintamente o conteúdo do artigo.
Cipriano Justo não contesta a apresentação de uma candidatura pelo PCP e até justifica a sua apresentação e acha que numa primeira volta ela é indispensável, dado que um processo de convergência com outras candidaturas, neste caso com Manuel Alegre, há muito tempo que se devia ter iniciado.
Estando no essencial de acordo com estas afirmações, gostaria de lembrar que a desistência das candidaturas presidenciais do PCP a favor de outras logo na primeira volta se deu em condições em que anteriormente não tinha havido uma clara convergência à esquerda. Quando o PCP desistiu a favor de Eanes, na segunda recandidatura deste, qual tinha sido a convergência de esquerda com aquele candidato e os seus apoiantes? Quando mais tarde o PCP desistiu a favor de Salgado Zenha, que tinha sido um dos obreiros da luta do PS contra a unicidade sindical, qual era a convergência que havia com ele. Já não falarei de Mário Soares porque aí estávamos numa segunda volta e outra opção não seria possível.
Também a desistência a favor de Jorge Sampaio, apesar da experiência positiva da Câmara de Lisboa, não correspondia a nenhuma convergência que nessa altura houvesse com o Governo PS, de António Guterres, de que ele era a emanação.
Diria que os tempos são outros e outra é a orientação política do PCP. Concordo que tanto no caso de Ramalho Eanes, como no de Salgado Zenha não era o PS que estava no Governo e que com Jorge Sampaio, estávamos ainda no estado de graça do primeiro governo de António Guterres. Hoje, qualquer desistência a favor do candidato apoiado também por Sócrates, mesmo que contrariado, é um pouco diferente. Mas, apesar desta nova situação, o PCP também mudou bastante em relaçãoa esse seu passado, manifestando um completo enquistamento e uma total incapacidade de discussão das questões de convergência com as outras forças políticas de esquerda. O candidato escolhido por aquele partido é o melhor exemplo disso.
Pelas razões atrás expostas não tenho a certeza, como Justo, de não ser desejável, mais uma vez, que o candidato do PCP desista na primeira volta a favor daquele que na esquerda estiver em melhores condições para derrotar Cavaco.

A segunda parte do artigo de Justo é a crítica às razões aduzidas pelo PCP para apresentar uma candidatura própria. Aquele partido acha que nenhum candidato é capaz de denunciar com clareza as malfeitorias do Governo de Sócrates, o que sendo verdade, não é nestas eleições o que está em causa, mas sim derrotar o presidente de direita. Eu não faria como Justo uma separação tão clara entre a apresentação de uma candidatura própria e a sua insistência em ir às urnas e os argumentos aduzidos para a sua apresentação. Só se justifica aquela insistência em manter o candidato na primeira volta se este assumir ser unicamente um claro porta-voz das posições do PCP em relação ao Governo de Sócrates. Por isso, denuncia todos os outros como tendo compromissos com o poder vigente, realçando em Manuel Alegre todas as supostas convergências com Sócrates e o seu passado de socialista e esquecendo-se todas as rupturas em que ele ultimamente participou: valoriza-se o negativo e esquece-se o positivo.
Penso que neste momento para o PCP é mais importante a crítica da governação socrática do que a vitória de Cavaco, já que segundo aquele partido são farinha do mesmo saco. Qualquer possível vitória do Manuel Alegre só iria criar a ilusão de que o PS é de esquerda e facilitaria a manutenção de Sócrates no poder. Ao contrário do que se verificou noutras eleições presidenciais, o PCP considera mais importante uma ruptura com o Governo de Sócrates, que ilusoriamente pensa que conseguirá sozinho, do que a reeleição do actual presidente. Se Manuel Alegre chegar a uma segunda volta estou curioso para ver qual a atitude que o PCP irá tomar. Se fará o mesmo esforço que fez em relação à eleição de Mário Soares e se aconselhará os seus militantes a tomar sais de fruto para melhor digirir o sapo.
Pelo que atrás se disse, pode-se concluir que o PCP, não percebendo o que está em causa nestas eleições – derrotar o candidato de direita e promover a eleição de um de esquerda, que no caso presente só poderá ser o Manuel Alegre, – se preocupa unicamente com a espuma dos dias entretendo-se a apontar as armas da crítica, neste caso, sobre o inimigo secundário. Ou então, numa total incapacidade de distinguir os diversos alvos, considerar Sócrates e Cavaco como os seus principais inimigos.
Quem estudou a história do movimento comunista identifica hoje as actuais posições do PCP e de alguns partidos afins, como o grego (ver este meu post), com a esquerdização da Internacional Comunista, que se verificou no final dos anos 20, princípios de 30, (ver aqui) quando os socialistas, e também aqueles que eram de esquerda, foram considerados como sociais-fascistas. Os tempos são muito parecidos e o ressuscitar de alguns livros do tempo de Estaline são um sintoma um pouco exasperante. O candidato escolhido é um bom exemplo disso. A ver vamos se não tenho razão.

12/09/2010

Uma vida de luta e um boçal reaccionário


Foi publicado recentemente o livro Sita Valles. Revolucionária, comunista até à morte (1951-1977), de Leonor Figueiredo, editado pela Aletheia. Não conhecia a autora, que ao que me informaram é jornalista, mas sabia que Zita Seabra é dona da editora da obra, o que não me deixava nada descansado sobre a imparcialidade da biografia daquela revolucionária comunista. Tinha também visto a entrevista que aquela jornalista deu ao Mário Crespo, na SIC Notícias, toda ela cheia de piscadelas de olho anti-comunistas, mais da parte do entrevistador do que da entrevistada. No entanto, como sabia que alguns membros da antiga União dos Estudantes Comunistas (UEC) tinham sido contactados pela autora e lhes parecia que o seu testemunho estava correcto, resolvi, num impulso, comprar o livro E não dei por mal empregue o tempo que perdi a lê-lo.
O livro é uma clara homenagem a Sita Valles, que tinha passado pelos quadros dirigentes do movimento estudantil comunista em Portugal, dirigido na altura por Zita Seabra, e que em 1975 foi para Angola, sua terra natal, para lutar pela construção de um país novo. Em Angola envolveu-se com uma das facções do MPLA, participando assim nos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, tendo sido fuzilada por isso, juntamente com milhares de outros angolanos.
O livro é escrito por alguém que não é de esquerda e portanto não perfilha as ideias da sua heroína. Por isso, há uma certa ingenuidade, se não mesmo ignorância, em relação às opções políticas de Sita. Quero querer que se baseou muito na informação familiar e se deixou encantar pela família “tão distinta” dos Valles, que eram de origem goesa.
Ficamos com a descrição dos horrores do massacre dos nitistas, grupo a que pertencia Sita Valles, perpetuada pela direcção chefiada por Agostinho Neto, depois dos acontecimentos já referidos, e também, o que não é de somenos, com o relato imparcial das actividades desenvolvidas por Sita. Há algumas alfinetadas no PCP, por não ter interferido por Sita Valles junto da direcção do MPLA, dado que foi um quadro importante da sua organização estudantil. Este assunto, com mais pormenores, já tinha sido abordado no livro que vou a seguir referir.
Sobre este mesmos acontecimentos e manifestando uma preocupação de denúncia do ponto de vista da esquerda, mas também de rigor histórico, temos o livro Purga em Angola. Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunem o 27 de Maio de 1977, de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, Edições Asa, 2007, sobre o qual já elaborei uma crítica aqui.

José Manuel Fernandes (JMF), no Público, de 10/09/10 (sem link), aproveita o lançamento do livro para bolçar cá para fora toda a sua fúria reaccionária.
Começa logo por afirmar que o seu fuzilamento e aquilo que se sabe do seu comportamento heróico perante os carrascos, “não faz de Sita Valles uma heroína. Ou, pelo menos, não devia fazer. Contudo, foi muito essa imagem que passou para os jornais aquando do lançamento do último livro de Leonor Figueiredo”. E depois pergunta: “Quem era realmente Sita Valles? Uma revolucionária e uma comunista, como se diz no título do livro. E seguramente uma idealista, como alguns dos que com ela conviveram a descrevem. Mas também uma fanática, como se percebe de algumas passagens da obra e como o seu percurso confirma sem margem para dúvidas. Por isso valeria a pena ir um pouco além do seu martírio para tentar perceber os mecanismos do radicalismo político, sobretudo do radicalismo dos jovens intelectuais que aderem a ideologias extremistas.
Ora aqui temos JMF incomodado com a possibilidade de que Sita Valles possa ser considerada uma heroína. Uma comunista é sempre uma fanática que adere a “ideologias extremistas”. Só ele, JMF, que na sua juventude militou em partidos maoistas, e que depois se acomodou e foi fazendo pela vidinha, chegando a director do Público e comentador encartado da política nacional é que sabe que todo o comunista é sempre um "extremista".
Todo o artigo é não só uma piedosa reflexão sobre estes jovens transviados que se deixam arrastar pelo radicalismo, como a tentativa de desvalorizar o grupo de Nito Alves afirmando que “este grupo defendia soluções para Angola no mínimo tão radicais, e tão brutais, como as do grupo de Agostinho Neto.” Ou seja, tentando desvalorizar qualquer dos dois lados, de modo a que ninguém tenha piedade dos comunistas mortos.
A seguir a propósito da violência perpetrada por qualquer das facções envolvidos na luta pelo poder em Angola cita Isaiah Berlin em The First and the Last, "causar dor, matar e torturar são actos geralmente condenados; mas se não foram cometidos para meu benefício pessoal e sim em prol de um ismo – socialismo, nacionalismo, fascismo, comunismo, de crenças religiosas fanáticas, do progresso, ou do cumprimento das leis da História –, então esses actos são aceitáveis". Simplesmente este senhor, como muitos outros liberais anglo-saxónicos, que tão acarinhados são pelos nossos intelectuais de direita, esqueceu-se de dizer que a repressão das populações autóctones pelo Império britânico era também um acto aceitável para sua Majestade, ou a tortura na Argélia era compreendida pelo espírito republicano francês ou como presentemnte as intervenções no Iraque ou no Afeganistão são actos aceitáveis em nome da liberdade.
JMF termina com palavras moralistas de alguém que já estando na curva da vida e tendo-se ajeitado na actual sociedade considera todos aqueles que o não fizeram como não se adaptando às realidades da mesma: “Sita Valles era, sem dúvida, uma filha desses tempos, alguém que levou ao limite a condição de "verdadeira crente", alguém que acreditava numa "doutrina infalível" e, assim, ficava imune não só às incertezas como às realidades quando estas se revelavam desagradáveis. Isso cegou-a – e levou-a a não ver a tragédia que se preparava e da qual seria, ela também, vítima.” Paz à alma destes arrependidos.

06/09/2010

Os neo-estalinistas


Pelas razões mais diversas, sendo sem dúvida a principal a preguiça (estamos em férias), tenho-me abstido de escrever qualquer comentário para este blog. Também os assuntos não têm sido assim tantos que mereçam um comentário mais apressado. Mas mais de um mês de paragem é efectivamente demais. Com exemplos destes não há leitores que resistam.
Não vou comentar esta novela de Verão entre o PSD e o PS. Já tinha dado a minha opinião sobre a proposta de revisão constitucional daquele partido, achando que ela se enquadrava na ofensiva da direita, mas agora, e concordando com as opiniões dos dois principais partidos à esquerda do PS, estou perfeitamente convencido que esta luta de galos visa unicamente ver quem consegue ganhar a parada, de modo a que tudo fique na mesma, ou seja, que a política de restrição orçamentais continue.
Não irei também debruçar-me sobre o candidato presidencial apresentado pelo PCP, apesar do texto que se segue tem já um pouco a ver com a opinião que eu tenho sobre a sua candidatura.
Irei, porque é um assunto, que me tem particularmente motivado, falar do artigo que São José Almeida escreveu, no Público, de 4 de Setembro, (sem link) sobre o PCP e que denominou Comunistas, sem vergonha! E que de facto também se refere ao candidato presidencial daquele partido.
O que é que verdadeiramente aborda aquele artigo? Numa súmula muito breve, e recorrendo ao próprio texto, podemos afirmar o seguinte: “aquilo que sobressai de uma análise mais atenta do discurso e das tensões internas mostra como o PCP, ao longo da última década, sofreu uma radical mudança no sentido da sua esquerdização e até, podemos assim dizer sem rodeios, da sua neo-estalinização.
Esta verdade, que a autora parece ter vindo agora a descobrir acusando os restantes media e a maioria dos cidadãos de não ter reparado nela, foi de facto uma das principais causas do afastamento e posterior criação da Renovação Comunista por alguns militantes do PCP que não estavam satisfeitos como rumo que as coisas estavam a levar.
Mas, sem querer para mim pergaminhos especiais, ao longo deste blog, e de outros textos anteriores, não tenho feito outra coisa do que vindo a denunciar a crescente esquerdização do PCP e consequente afirmação de sectarismo. Parece-me desnecessário fazer links para esses textos, mas o leitor que me tenha acompanhado facilmente os localizará.
Depois São José Almeida mete-se por caminhos ínvios ao tentar estabelecer uma diferença entre esta actual neo-estalinização e os tempos mais recuados de Cunhal, chegando mesmo à reorganização de 1940-41. Ou seja, tenta dizer que nessa altura o partido não se afirmava como comunista, nem marxista-leninista e que agora isso passou a ser mais claro.
Já se sabe São José Almeida confunde a política de unidade definida no programa do Partido relativa à Revolução Democrática e Nacional ou o mais recente referente a Uma Democracia Avançada para o Século XXI, como uma descaracterização da afirmação de comunista, coisa que o Cunhal sempre soube distinguir, fazendo uma clara distinção entre as duas.
Mas isto é prosa fácil de jornalista apressada que, realçando com alguma percepção a realidade actual, desconhece a história do PCP.
Depois ainda descamba mais ao falar da ala social-democratizante e da esquerdista, marxista-leninista, na direcção do PCP. Não sei onde é que a senhora foi buscar tais alas, mas isto dá cor ao texto. E ainda, considera que elas sempre existiram ao longo dos seus 89 anos. Não vale a pena sobre este assunto insistir mais.
O que vale a pena aqui recordar e que é citado pela autora deste artigo é as preocupantes manifestações deste neo-estilinismo. Assim, “basta para tal consultar obras como o estudo panegírico de Ludo Martens, Um Outro Olhar sobre Stáline, editado em cima da Festa do Avante! do ano passado pelo site Para a História do Socialismo, que teve como chancela de legitimidade e de credibilização política e ideológica o prefácio de Carlos Costa. E que edita agora a obra de 1938, História do Partido Comunista da URSS. Breve Curso, em cujo prefácio Leandro Martins afirma: "Este "Breve Curso" é, assim, um contributo valioso para a batalha ideológica que se trava não apenas contra o inimigo de classe mas contra as vacilações e oportunismos que, como a obra mostra com clareza, convivem no seio das organizações revolucionárias e podem conduzir às derrotas dramáticas a que assistimos."
Sobre o primeiro livro citado escrevi um primeiro post que dava notícia da sua publicação primeiro na net e depois em edição escrita, com prefácio da Carlos Costa. Escrevi ainda uns comentários a um post de um pedante que escreve no blog 5 Dias e que era elogioso para com o livro e que depois resumi num outro post. Os leitores interessados encontrarão bastante informação nos dois posts referidos.
Quanto ao segundo livro História do Partido Comunista da URSS (bolchevique). Breve Curso foi feito alguma propaganda à volta da sua edição no site referido, com a apresentação da capa e garantindo que o mesmo estaria à venda na Festa do Livro, da Festa do Avante!. Este livro tem prefácio de Filipe Leandro Martins, que eu penso que ainda seja o chefe de redacção do Avante!.
Este livro, como muito bem diz a propaganda inserida naquele site, teve uma distribuição massiça. Só na União Soviética foram editados 600 mil exemplares e foi traduzido em numerosas línguas. E porquê? A sua autoria, que não é assumida na edição portuguesa, pelo menos na capa, é de Estaline e no capítulo IV, é incluído o célebre texto, que posteriormente foi divulgado separadamente, com autoria reconhecida de Estaline, Materialismo Dialéctico e Materialismo Histórico. Podemos pois afirmar que estes dois manuais constituem a base de toda a conversão da imensa riqueza do marxismo e do leninismo não só numa mentira histórica que era visão que Estaline queria que permanecesse da sua tomada do poder no Partido Comunista da União Soviética, bem como uma simplificação e codificação de toda a problemática histórico-filosófica do marxismo. Como é dito, o livro é de 1938, elaborado portanto no auge das purgas no PCUS e dos julgamentos e condenações à morte dos seus principais dirigentes. É pois isto que o PCP de forma encapotada nos oferece na Festa do livro, da Festa do Avante!.
O artigo de São José Lopes termina identificando Francisco Lopes com a ascensão desta corrente neo-estalinista no PCP, opinião com a qual estou de acordo e que oportunamente comentarei, mas acrescenta-lhe, borrando toda a pintura, e tornando simpática a figura de Francisco Lopes que “ele foi o jovem quadro que desde cedo mostrou que não tinha medo de dizer que era comunista. E tem sido seguido por um crescente grupo interno, uma tendência de comunistas que não têm vergonha de o ser.”
Ora nada disto é verdade e nunca ninguém no partido teve medo de dizer que era comunista, tinham era uma visão diferente do que tinha sido a história do movimento comunista e prezavam bastante a unidade das forças antifascistas e progressistas.