31/05/2008

Vai bonito o insulto no PSD


Ouvi hoje na televisão, mas não consegui encontrar o registo vídeo destas declarações, por isso reproduzo-as como vêm noticiadas pela Lusa:

Lisboa, 31 Maio (Lusa) - O presidente demissionário do PSD, Luís Filipe Menezes, criticou hoje a "canalha" que lhe fez "a vida negra" e que "não tem carácter", lançando um duro ataque a Pacheco Pereira, apoiante de Manuel Ferreira Leite.
"Vou mostrar logo à noite [quando forem conhecidos os resultados] como sou diferente dessa canalha que me fez a vida negra, que não tem carácter", disse, adiantando que o grupo a que se referia inclui "pessoas como aquele senhor de barbas que participa na Quadratura do Círculo", numa alusão a Pacheco Pereira, apoiante de Manuela Ferreira Leite e um dos mais ferozes críticos da presidência do autarca de Gaia.
Questionado pelos jornalistas hoje de manhã em Gaia após votar nas directas do PSD, Menezes afirmou que respeitará "os resultados [das directas] sejam eles quais forem".
A propósito, criticou os "tristes, infelizes e barbaramente obcecados" que quando foi ele eleito para a presidência do partido não tiveram a mesma atitude.
"Não pertenço a essa laia", salientou.”

Que eu, um simples mortal, chame canalha a alguém, e há uns que bem merecem, vá que não vá. Mesmo assim que eu me recorde não utilizei ainda esta “bonita expressão” na net. Que o Sr. Filipe Menezes chame canalha ao Pacheco Pereira, com todas as letras e em canal aberto, é um espanto. Assim vai este PSD, que em tempos pretendeu ser comandado por dois miríficos políticos nacionais, os Srs. Sá Carneiro e Cavaco Silva.

30/05/2008

Sessão festa no Teatro da Trindade promovida pela esquerda plural

Vai realizar-se 3º-feira, dia 3 de Junho, às 21h30, no Teatro da Trindade, em Lisboa, uma festa sessão, em que serão oradores Manuel Alegre, Isabel Allegro, professora universitária e antiga colaboradora de Maria de Lourdes Pintasilgo, e o deputado bloquista José Soeiro.
A festa terá como tema Aqui e Agora, 1974-2008 Abril e Maio. Apesar do lema da convocatória falar Contra o pensamento único, a injustiça e a desigualdade a sua mobilização está a ser feita na base de um Apelo subscrito por 85 personalidades, de algumas importantes correntes de esquerda: Manuel Alegre e alguma esquerda do PS, o Bloco de Esquerda, a Renovação Comunista e alguns independentes.
Segundo declarações do próprio Manuel Alegre, este encontro visa estabelecer um diálogo à esquerda, entre gente que tem andado desavinda. E refere-se a Abril e Maio, o primeiro como o mês da conquista da Liberdade e, o segundo, como o da luta pela igualdade social.

28/05/2008

Duas novas revistas on-line


Passaram a ser distribuídas on-line duas novas revistas, editadas pela Zion Edições. O primeiro número de qualquer delas é gratuito, depois terá que se pagar a sua assinatura. Não sou proprietário de nenhuma, nem seu colaborador, mas pelo seu inegável interesse recomendo, pelo menos, a consulta dos primeiros exemplares electrónicos.
A primeira é a edição portuguesa da célebre revista marxista norte-americana Monthly Review, fundada em 1949, por Paul M. Sweezy (ver fotografia aqui ao lado), em colaboração com Leo Huberman. O primeiro foi um dos mais reputados estudiosos, do ponto de vista marxista, do desenvolvimento do capitalismo e do imperialismo. Qualquer deles já falecido.
O sumário do primeiro número é o seguinte:
Estados Unidos da insegurança, entrevista com Noam Chomsky
A crise alimentar mundial, Fred Magdoff
O colapso do subprime, Karl Beitel
Sweezy em perspectiva, John Bellamy Foster
Este último o seu actual director.
Quanto à segunda revista, que será editada simultaneamente com a anterior, é uma revista portuguesa, que se chama Shift – revista do pensamento crítico radical. É dirigida por Fernando Ramalho e com um conselho redactorial formado Bernardino Aranda, Fernando Ramalho, Paulo Fidalgo, Ricardo Noronha e Rui Duarte. O primeiro número tem como título geral O fim do neoliberalismo ou a segunda morte de Milton Friedman.
O sumário deste número é composto pelos seguintes artigos:
Editorial Das últimas ilusões à vida imprevisível Fernando Ramalho
O financeiro contra o económico Carlos Pimenta
Mecanismos de formação das crises económicas Guilherme da Fonseca-Statter
Poder mundial e dinheiro mundial Robert Kurz
Recensão Socialismo sem dogma Ricardo Noronha
Pelo exposto parece-me pois que valerá a pena a consulta ao site da editora, sendo possível a partir daí, desde que nos registemos, obter gratuitamente o primeiro exemplar de cada uma delas.
Desejo pois às duas grande sucesso .

21/05/2008

Quem é Ricardo?




Curta-metragem de José Barahona, com argumento e diálogos de Mário de Carvalho, sobre um interrogatório da PIDE

20/05/2008

50º Aniversário da Candidatura de Humberto Delgado a Presidente da República


Sei que estes posts também se fazem de memórias e que nem sempre sou obrigado a escrever prosa “séria”, mal de que muitas vezes padeço.
Tinha 14 anos quando Humberto Delgado se candidatou às “eleições” presidenciais de 1958. Faria 15 anos pouco depois da sua “derrota”.
O que fazia e o que sabia sobre a Oposição.
Vivia em Lisboa, sempre vivi, e estudava no Liceu Gil Vicente. Estava no 4º ano do liceu, com um atraso de um ano escolar em relação à idade. Era filho de uma família oposicionista, que me mantinha mais ou menos bem informado sobre as notícias que fervilhavam na Baixa lisboeta. Os meus pais trabalhavam no Terreiro do Paço. Estava pois a par dos mexericos, dos reboliços, dos abaixo-assinados, das cartas-abertas e de alguns comunicados da Oposição Democrática. Nunca por minha casa, que eu visse, passou o papel de bíblia dos comunicados do Partido Comunista.
Não me lembro se fui informado antecipadamente da chegada do Humberto Delgado à Estação de Santa Apolónia, regressado da sua visita triunfal ao Porto. Soube depois da repressão sobre aqueles que o tinham ido esperar. Um amigo meu contou-me mais tarde que tinha ido com a sua mãe, como quem vai esperar um familiar, à Estação ver o General.
O clima estava criado, todos os dias iríamos ouvir falar daquelas eleições e de Humberto Delgado. Nem eu, nem os meus pais, participámos em qualquer manifestação ou comício, mas todos os dias o tan-tan das notícias me chegava da Baixa.
Os meus amigos à época, que eram colegas de escola, não se interessavam por política. Eram jovens entre os 14 e 15 anos, mais virados para catrapiscar as raparigas que saíam da Escola Voz de Operário, que, na altura, era uma Escola Comercial para o sexo feminino, ou então para jogar bilhar no Largo da Graça. Eu, um pouco mais espigadote intelectualmente, já era mais dado a leituras.
Sei, no entanto, que o furacão Delgado impressionou todos, foi motivo de conversa e de apoio. Mesmo aqueles que estavam a leste de qualquer preocupação política não deixaram de se entusiasmar com a personagem.
Não me recordo de muitas mais coisas, sei, no entanto, que alguns dos meus amigos foram ou tentaram ir ao célebre comício do Liceu Camões, aquele em que Santos Costa, pôs a tropa na rua. Tive depois a descrição de repressão e do que se passou nas imediações da praça José Fontana.
Lembro-me também que havia um grupo no meu liceu, em que participava o Mário Vieira de Carvalho, que tempos depois se tornou um bom amigo, muito desenvolto, que fazia às claras propaganda do General. Fui avisá-los, com a minha proverbial prudência, que não se expusessem demasiado.
Recordo-me igualmente de uma tia que tinha visto passar Humberto Delgado em Almada e que vinha excitadíssima com a loucura que tinha sido a sua recepção naquela localidade.
Pouco me recordo da campanha do Arlindo Vicente, outro dos candidatos da Oposição, que desistiu a favor do Delgado. Sabia que este tinha sido apoiado pelo Partido Comunista, enquanto que Delgado inicialmente não tinha sido.
Os meus pais, que me recorde, não foram votar, porque não achavam as eleições livres e tinham provavelmente medo de represálias nos seus locais de trabalho. É preciso dizer que os votos estavam separados e facilmente, dada a cor do papel, se distinguia o voto na Situação do da Oposição.
Tudo isto terminou de um modo muito triste para mim e para a Nação. Recordo que fui passar umas férias, das muitas que tínhamos, a casa de um tio, um fascista um pouco encapotado, que no dia em que a Oposição decidiu protestar contra a fraude eleitoral – devia ser Julho –, propondo que todos pusessem luto, não fossem a espectáculos e tomassem outras medidas que ilustrassem a sua indignação, me propôs irmos ao cinema para verificarmos in loco se as pessoas tinham aderido ao boicote. A minha ingenuidade e o desejo de ir ao cinema levaram-me a participar, um pouco a contra gosto, na farsa.
No ano escolar seguinte, acho que mudei de amigos, passei a reunir-me com eles ao cimo da R. Angelina Vidal, facto que já comentei num post anterior. Encontrava-me, para o Fernando Penim Redondo que os conhece, como Victor e o Osvaldo. Um dia, primeiro a medo e depois claramente, começaram-me a falar do “nosso homem”. Este não era outro senão o general Humberto Delgado. A partir daí criou-se entre nós uma amizade, a que depois se juntaram muitos outros, também adeptos do “nosso homem”, que durou para o resto da vida. Todos esses jovens aos poucos foram entrando para o Partido Comunista, alguns, como eu, já lá não estão, mas mantiveram sempre com a esquerda uma forte relação.

Reflexões em aberto sobre o Maio de 68


Num programa de Júlio Isidro, por sinal de uma piroseira indescritível, dedicado ao Maio de 68 e que passou na RTP I, na passada quarta-feira, Fernando Rosas, um dos convidados, considerou, por outras palavras, que, em oposição à visão de Sarkosy, que considerava que era necessário “liquidar a herança do Maio de 68”, o legado daqueles acontecimentos abriu as portas à modernidade dos nossos dias.

I – O revisionismo da direita
Aquela proposta de liquidação do Maio de 68, insere-se num certo revisionismo histórico, que sendo coisa demasiado complicada para um político fogo-de-vista, como é o Sr. Sarkosy, percorre no entanto muito do pensamento conservador contemporâneo e pode, por isso, ser perceptível mesmo para políticos menos dotados para as “questões filosóficas”.
Hoje a direita conservadora, com o apoio de alguma esquerda bem-pensante, tenta eliminar da história todos os momentos de grande transformação social, que, por essa razão, são portadores de uma dose, por vezes não controlada, de violência. Assim valoriza unicamente a Revolução Americana, de que resultou a independência da América do Norte e, segundo ela, a formação das sociedades democráticas do Ocidente, opondo-a à Revolução Francesa, principalmente à fase de domínio jacobino, o chamado período do Terror. Abomina a Revolução Russa, considerando que Estaline é o continuador, para pior, dos métodos de Lenine, que por sua vez já se fora inspirar em Marx.
Depois, mais recentemente, o nazismo não seria mais do que uma resposta ao comunismo e a II Guerra Mundial só terminou com a queda do Muro de Berlim, porque primeiro se derrotou o “totalitarismo” nazi, que no princípio estava associado ao comunismo, e depois o “totalitarismo” comunista com a “libertação” dos povos do leste Europeu (Bush dixit: ver notícia no Público e a prosa reaccionaríssima de um comentador americano, traduzida para brasileiro). Para alguns conservadores, só por acaso, é que houve uma aliança entre as democracias e os comunistas, que na altura, e bem, se chamava antifascismo, e se realizou uma conferência de Yalta, em que o principal representante das democracias, Roosevelt, era, para aqueles, um chefe débil e à beira da morte. Sobre todos estes assuntos ver a prosa interessantíssima de António Figueira aqui e aqui .
Também, o conservadorismo nacional tenta rever a nossa história contemporânea. É a reabilitação do Rei D. Carlos e o estigma dos regicidas, com a tentativa de impedir a transladação de Aquilino Ribeiro para o Panteão. É a República transformada em antecâmara da ditadura, pois seria tão prepotente como que aquela (veja-se as declarações de Rui Ramos ao Primeiro de Janeiro ou ao programa Diga Lá Excelência ). É o PREC transformado em ditadura comunista (ver este artigo do Diário de Notícias sobre a morte do cónego Melo).
Chegou agora a vez do Maio de 68 e é vê-los em bicha, desde o Vasco Pulido Valente até ao João Carlos Espada, a combaterem a herança do Maio de 68.

II – O adquirido civilizacional progressista
Retomando as declarações iniciais de Fernando Rosas, lembremos outras que ele fez ao P2, do Público, de 2 de Maio. A propósito das afirmações de Sarkosy, considera que “mais tarde ou mais cedo, a lógica neoliberal do discurso político tinha que ir a Maio”. E acrescenta “os adquiridos civilizacionais progressistas de Maio só estarão seguros quando se escorarem numa verdadeira alternativa de poder à agenda e aos valores do neoliberalismo. Maio não é um fecho é uma abertura. Abre um campo de possibilidades muito actuais. Toda a nova esquerda europeia só pode ser pensada em função desse momento original e genético que são as revoluções de Maio”.
O discurso é empolgante, fala-se mesmo em revoluções, e não só no Maio de 68 francês. Mas é indispensável fazer uma reflexão mais fina. Pela minha parte tentarei fazê-la.
A parte mais consensual das heranças dos diversos Maios consiste talvez na conquista da igualdade de género, com a libertação da mulher das suas limitações sexuais, devido ao aparecimento da pílula, e com a sua independência económica, resultante do acesso maciço ao mercado de trabalho. Qualquer delas estarão mais ligadas a toda a década de 60 do que unicamente ao Maio de 68.
Quanto à transformação das mentalidades, o surgimento de um novo relativismo de valores e de uma maior liberdade individual – cada um por si –, é efectivamente um adquirido que eu continuaria a considerar mais da época do que do Maio de 68, mas que radica numa transformação social do assalariado de que irei falar a seguir.

III – A transformação da classe operária e da sua representação política
Penso que as greves operárias de 68 em França foram as maiores, na Europa Ocidental, da segunda metade do século XX, mas que constituíram também o fim de uma certa classe operária, como a entendíamos no pós-fordismo, integrada em grandes fábricas e fazendo parte de uma infindável linha de montagem, tal como era representada nos Tempos Modernos, de Chaplin. Em Portugal, com todos os atrasos que nos são característicos, tivemos também um exemplo dessa classe operária. Estava localizada na margem esquerda do Tejo e era constituída pela Siderurgia, pela CUF do Barreiro ou pelos estaleiros da Lisnave e Setenave.
Esta classe operária foi destruída. Terceirizou-se ou reformou-se. O que resta dela são hoje os operários de bata branca da Auto-Europa, ou então foi substituída por trabalhadores de Leste, por africanos ou brasileiros.
No resto da Europa a situação não foi muito diferente. Os grandes partidos operários desapareceram. Do PCF e do PCI já quase nada resta. Thatcher acabou por destruir a ala esquerda do Labour inglês. A social-democracia alemã está hoje muito mais desfigurada do que a que existia nos tempos de Willy Brandt .
Tudo isto teve efeitos devastadores, por um lado, na composição da esquerda europeia, por outro, na organização das forças capazes de resistir à ofensiva neoliberal.
Por isso, custa-nos a perceber que um filósofo respeitável como Daniel Bensaïd, em entrevista à Visão História, Abril de 2008, possa afirmar que “os trabalhadores estão menos organizados e, por isso, menos capazes para resistir à brutalidade da ofensiva neoliberal. Mas, por outro lado, estão menos controlados por aparelhos e mais livres para lutas espontâneas.” Ou seja, de acordo com dados por fornecidos pelo entrevistado, a CGT tinha na altura “3 milhões de filiados, hoje tem menos de 700 mil, já contando com os reformados. O Partido Comunista tinha entre 20 a 25% dos votos e tinha o controlo, quase o monopólio, sobre a maioria dos trabalhadores. Por isso, entre estudantes e trabalhadores, em 68 havia um muro de desconfiança. Não era uma desconfiança espontânea, mas construída, principalmente pela CGT e pelo PCF. Hoje esse muro foi destruído. Isso é positivo”. Estranho que alguém, sabendo o que é a ofensiva neoliberal, e a dificuldade de resistência dos trabalhadores a essa ofensiva, possa ainda acreditar, em nome da espontaneidade das lutas, que a destruição dos sindicatos operários e dos seus partidos foi benéfica para combater essa ofensiva. (ver igualmente uma entrevista sobre o Maio de 68 de Daniel Bensaïd ao Rebelion ).

IV – Crítica à herança política do Maio de 68
Voltemos ainda às declarações de Fernando Rosas à Visão História, repetindo as suas afirmações finais: “toda a nova esquerda europeia só pode ser pensada em função desse momento original e genético que são as revoluções de Maio”.
Estou bastante em desacordo com esta afirmação. Primeiro como já o afirmei no ponto anterior, lamento não considerar como estruturante de uma nova esquerda a destruição das mais importantes centrais operárias, nem dos seus partidos, mesmo que isso corresponda a uma maior espontaneidade das lutas.
Segundo, que podemos nós hoje pensar da herança maoista, há muito renegada no seu centro de origem, e que constitui sem dúvida um dos piores momentos de sectarismo e de esquerdismo do movimento marxista, não correspondendo de modo algum a visão humanista e rigorosa dos seus fundadores.
Terceiro, que podemos nós hoje dizer, que interesse verdadeiramente à transformação social da Europa e à luta contra a ofensiva neoliberal, que tenha haver com o guevarismo – com a teoria do foco ou a criação de um, dois ou três Vietnames –, ou com o respeitável pensamento de Trosky, só provavelmente com a sua crítica à burocracia do antigo “socialismo real”.
Que pode hoje a esquerda, a que se reclama do Partido da Esquerda Europeia, retirar do Maio de 68 senão nostalgia e recordação dos bons velhos tempos. Politicamente, lamento dizer, mas Maio está morto desse ponto de vista. Hoje o nosso trabalho é outro. Temos que ir provavelmente apanhar os cacos daquilo que deixámos pelo caminho: Gramsci em primeiro lugar, o austro-marxismo, algum do marxismo ocidental, tão renegado pela ortodoxia soviética, Rosa Luxemburgo e a sua crítica ao centralismo bolchevique, provavelmente a Bukarine e a defesa do mercado no socialismo.
Por isso, afirmei em post recente “que bem exprimido o Maio de 68, na sua forma comemorativa e retórica, pouco nos deixou que verdadeiramente seja transformador das sociedades hodiernas”.
Considero que esta afirmação é discutível, e que se pode confundir com os ataques da direita. Contudo, penso que ao comemorar o Maio de 68 não o podemos reduzir a adorno da mediatização triunfante, que tudo transforma em espectáculo, ou de uma certa esquerda que dele se serve para ajustar umas contas com os antigos partidos comunistas. Tal como em todas as comemorações, temos que valorizar o que ainda hoje está válido e qual a sua contribuição para o processo transformador, tendo sempre em conta que o nosso discurso se integra na luta ideológica que quotidianamente travamos com a ideologia dominante.

13/05/2008

A hegemonia cultural e política da esquerda nas vésperas do 25 de Abril


Ao consultar na net a edição portuguesa do Le Monde Diplomatic encontrei referência a uma conferência internacional, que eu já conhecia, mas na qual não pude infelizmente participar, sobre o Maio de 68 e que teve lugar a 11 e 12 de Abril passados.
Sei que dessa conferência resultaram imensas entrevistas aos participantes estrangeiros, incluindo uma a Daniel Bensaïd, que irei posteriormente comentar, e que ela serviu de fonte de inspiração a muitos jornalistas para as suas reportagens sobre o Maio de 68.
Uma das primeiras comunicações apresentadas foi a de Fernando Rosas, que se intitulava: Teses sobre a geração dos anos 60 em Portugal e a questão da hegemonia e cujo resumo, que constava do programa, era o seguinte: “pretende-se discutir o papel que o "Maio de 68" em Portugal, ou seja, a contestação estudantil de 1969, desempenhou na radicalização da luta política em geral e na alteração das relações de hegemonia em favor das mundivisões marxizantes e revolucionárias na sociedade portuguesa da época.”
Fiquei bastante interessado no tema e tentei ver se na net havia o texto completo da comunicação. Eu próprio, em reflexões pessoais, e na perspectiva de um estudante comunista, já tinha dado a minha visão do que tinha sido a influência do Maio de 68 no movimento estudantil desses anos.
Mas, o que despertou mais o meu interesse foi, no resume da sua comunicação, a expressão “a contestação estudantil de 1969” provocou “alteração das relações de hegemonia em favor das mundivisões marxizantes e revolucionárias na sociedade portuguesa da época.”
Com a audácia de alguém que não assistiu à conferência, queria no entanto sublinhar que se isto é verdade, houve à época um outro conjunto de circunstâncias, políticas e culturais, que permitiu a alteração das relações hegemónicas a favor de uma modificação revolucionária da sociedade portuguesa e com contornos marxistas, que teve evidentemente reflexos no pós-25 de Abril, que não seria o que foi se não tivesse o terreno já previamente adubado.
Mas comecemos pelo princípio.
Num filme que passou recentemente na RTP I, sobre Humberto Delgado e as eleições de 1958, muito discutível pela selecção dos depoimentos a que recorre – não há nenhum comunista a falar sobre aquelas eleições –, Lauro António, o seu realizador, vai ouvir a opinião de Marcelo Rebelo de Sousa. Este, com grande ligeireza opinativa, refere que a queda do salazarismo teria começado com aquelas eleições. Victor Dias no seu blog já comentou devidamente estas declarações. No entanto, gostaria de acrescentar, que os tempos em que se desenrolaram aquelas eleições, que corresponderam ainda a um Portugal arcaico, nada tiveram a ver com o clima político e cultural criado durante o marcelismo e que de facto correspondeu ao fim do regime fascista. Ou seja, em 58 era ainda impossível descortinar qualquer hegemonia das “mundivisões marxizantes e revolucionárias” na sociedade portuguesa. É bom não esquecermos que Salazar ainda em 1961, com os acontecimentos no Norte de Angola e a sua exigência de ir para lá e em força, tinha conseguido de novo a mobilização de certas camadas populacionais, do campesinato a certa pequena-burguesia citadina. Só posteriormente, com o arrastar da guerra e a emigração para França da grande base de apoio do clericalismo e do salazarismo, se começa a verificar uma nova correlação de forças desfavoráveis à ditadura e à criação de uma cultura de resistência à mobilização para a guerra colonial.
Se o Maio de 68 teve sem dúvida efeitos na esquerdização da juventude e por reflexo na sociedade portuguesa, é evidente que não foi o único evento que provocou essas alterações. A queda de Salazar e a nomeação de Marcelo, tendo provocado algumas ilusões em certa “oposição”, possibilitou ao mesmo tempo o seu revigoramento. Basta pensar que as eleições para Assembleia Nacional, que tiveram lugar em 69, com o reforço do trabalho de base promovido pela CDE, nessa altura uma coligação de comunistas e católicos progressistas e de “outros democratas”, como se dizia então, teriam sido impossíveis nos anos de chumbo de Salazar. Basta comparar com as anteriores, de 65.
Mas, mais do que isso foi todo o clima cultural e politico criado na época. A conquista dos sindicatos fascistas pelos trabalhadores e a formação da Intersindical foi um facto de enorme importância. Quem esquece as manifestações à hora do almoço dos bancários, essa classe tão recuada, a propósito da prisão de um dos seus dirigentes, o Daniel Cabrita.
A criação de cooperativas culturais e livreiras, onde se procedia à realização de colóquios e à venda de livros, muitas vezes proibidos. A realização dos Congressos Republicanos em Aveiro. A manutenção sobre formas legais e semi-legais da CDE durante todo esse período.
Mas também o que se lia. O próprio panorama editorial se modificou: editou-se Lenine, dando-lhe o nome de baptismo, Ulianov. O revigoramento do jornal República e de grande parte da informação regional, como o Jornal do Fundão, o Notícias da Amadora, e o Comércio do Funchal. Revistas como a Seara Nova, a Vértice e o Tempo e o Modo tiveram grandes tiragens.
As canções que se ouviam: José Afonso e Adriano, mas a seguir todos os baladeiros. Até já nem o Festival da Canção escapava, com as letras do Ary dos Santos.
É a tudo isto que chamo as alterações de relação hegemónica que se deram a favor da esquerda, das mudanças revolucionárias, se quiser do anti-fascismo, que se verificaram nas vésperas do 25 de Abril e a que os militares não ficaram imunes, no Continente e nas colónias. Em 1970, dá-se a incorporação dos expulsos da Universidade de Coimbra pelo Governo devido à crise de 69. Em Abril de 1970, na minha incorporação, fui encontrar muita desses estudantes, o que necessariamente ia ter reflexos nas companhias que partiam para África.
E aqui entronca outra das discussões que se travou aqui há tempos na blogosfera a propósito de um artigo de Pacheco Pereira sobre a guerra colonial. Se todos os que nos opúnhamos àquela guerra tivéssemos desertado, a nossa intervenção junto dos militares no activo tinha sido insignificante e não teria depois a importância que veio a ter na sua insubordinação e adesão a muito dos princípios da própria luta de libertação dos povos coloniais.
Quero com tudo isto dizer que houve uma alteração hegemónica cultural e política, que se verificou a partir de 69, que apressou o fim do marcelismo, motivou um grupo de militares da baixa patente e permitiu a explosão revolucionária do pós-25 de Abril.
Por tudo isto, considero que os problemas da hegemonia cultural e política deveriam ser hoje um tema central do nosso debate político contemporâneo.

12/05/2008

Sectarismo no Avante!


Num artigo de um tal Henrique Custódio, na rubrica A Talho de Foice, do jornal Avante!, é feita referência a uma comemoração que ia ter lugar no ISCTE, no dia 10 de Maio, promovida pelo Bloco de Esquerda sobre o Maio de 68.
Logo, no próprio título do artigo se inicia a provocação, O Maio deles, dando a sensação que os do PCP comemoram um outro Maio, o dos trabalhadores, esquecendo que dias antes trabalhadores do PCP e do BE e de outras tendências tinham desfilado até à Alameda Afonso Henriques sob a bandeira da CGTP.
Acho também estranho que se considere como o Maio deles, o Maio de 68,quando o PCP, que eu me recorde, organizou, numa outra data redonda, um colóquio sobre o Maio de 68. Mas, passemos adiante.
Depois toda a prosa do artigo tem um tom chocarreiro, normalmente utilizado para retratar as iniciativas do primeiro-ministro ou da direita. Assim, um almoço transforma-se em “patuscada”, o “comício da praxe é abrilhantado pelo inevitável Francisco Louçã, esse líder fatal das “esquerdas” e são promovidos “artistas mimosos” de uma dada banda
Depois, é insinuado que “por um conto reis ida-e-volta” se podia vir “passear” a Lisboa, para ouvir o Louçã, tal como os “excursionistas que vinham aos Maios promovidos pelos salazaristas nunca souberam quem era o tal “Baltazar” (faz referência à canção do Sérgio Godinho) que lhes pagava as viagens”. Ou seja, concretizando, as pessoas que vinham ouvir o Louçã, vinham só porque lhes pagavam a viagem, tal como no tempo de Salazar se fazia, quando se queria uma sala cheia.
O tom continua, agora fazendo referência a onde é que o Bloco foi arranjar dinheiro para fazer tal comemoração, já que os preços de participação eram baixos.
E termina, afirmando que o BE já arranjou lugar para si, “como se vê por esta adaptabilidade aos truques “do mundo novo” que medra por aí”.
Sei que o Daniel de Oliveira já tinha feito um post sobre este mesmo assunto, no entanto, não quis deixar de lhe fazer referência, tal é a rasquice e o sectarismo que medram na mente de certos escribas do Avante!, com a autorização do seu Director, o José Casanova.
Em todo o artigo não há uma ideia sobre o Maio de 68, alguma divergência sobre a oportunidade da comemoração, só há galhofa e graves insinuações sobre um tipo de realização que é, do ponto de vista organizacional, igualzinha às do PCP.

02/05/2008

Ainda o Maio de 68


No meu texto sobre o Maio de 68 , que a Joana Lopes que teve a amabilidade de citar, fiz referência genérica a alguns livros publicados em França sob a égide do Partido Comunista Francês (PCF) relativos aos acontecimentos que se acabavam de se desenrolar.
Um deles chamava-se Mai des prolétaires, foi escrito por Laurent Salini, estava integrado numa colecção de livros de algibeira chamada Notre Temps e era das Éditions Sociales, que eu no post referido traduzi por Edições Sociais, uma editora ligada ao PCF, que já desapareceu. O livro foi publicado em Novembro de 1968, portanto muito em cima dos acontecimentos.
No capítulo final, dedicado Em direcção ao socialismo, numa tradução da minha autoria, é afirmado o seguinte:
…“longe de transformar as “regras estratégicas em princípios morais”, nós (PCF) lutamos contra os esquerdistas não porque eles fossem “a vanguarda do movimento de Maio”, não porque eles preparassem a revolução, mas porque ao voltarem-se contra o Partido Comunista e a estratégia que propõe, travam o caminho do nosso povo em direcção ao socialismo, ajudam a contra-revolução, abrem caminho às forças reaccionárias. Combatemo-los, não porque queiram, apesar da nossa iniciativa, incentivar a luta proletária, mas porque trabalham para a enfraquecer, desviando-a dos seus objectivos. Combatemo-los porque, à tentativa de encontrar novos caminhos para o socialismo, opõem dogmas mortos, transpõem de forma livresca tácticas válidas noutros locais, mas inaplicáveis aqui, copiam tristemente experiências inspiradas por situações diferentes da nossa.
E, já que falamos de estratégia – os estrategas são muitos neste momento nas ruas de Paris – o que é que se entende por uma estratégia revolucionária senão aquela que tende a juntar efectivamente contra a burguesia e para lhe retirar o poder, forças decisivamente superiores às do adversário e a este unicamente. Toda a tentativa de dividir o movimento, toda a acção que conduza a formas de luta extremas de uma única parte das forças que se devem unir no combate contra o grande capital, toda a acção que isole um grupo de combatentes é necessariamente nefasta. É criminosa. Sobretudo quando, aproveitando a inexperiência da juventude, quer-se lançar esta, ou seja, a geração que vai carregar com o peso principal das lutas do futuro, em aventuras, que, magoando-a, arriscam-se a semear entre ela a derrota e o desencorajamento e a afastá-la do combate popular.” E o texto continuava neste termos.
É evidente, que esta é uma linguagem de palha, muito comum ontem e hoje a algum movimento comunista, no entanto, este texto não deixa de reflectir o que pensava o PCF sobre o movimento esquerdista e aquilo que ele propunha aos estudantes, bem como o que nós comunistas portugueses, ou pelo menos alguns de nós, também pensávamos sobre o assunto. E ainda hoje, sem me rever nesta fraseologia, reconheço que bem exprimido o Maio de 68, na sua forma comemorativa e retórica, pouco nos deixou que verdadeiramente seja transformador das sociedades hodiernas.
Quando ainda recentemente, no programa Prós e Contras, Fátima Campos Ferreira queria comparar o “é proibido proibir”, do Maio de 68, com a má educação de uma jovem que queria impedir que uma professora lhe retirasse o telemóvel, podemos perceber o que aquela data significa para muita gente. Lamento, mas eu não alinho nesta onda comemorativista.
Se integrarmos o Maio de 68 no conjunto de fenómenos que pelos anos 60 atravessaram as sociedades capitalistas do ocidente desenvolvido, e até algumas do socialismo real, e os confrontarmos com a posterior transformação do capitalismo, poderemos talvez compreender melhor o que se passou naqueles anos e enquadrá-los numa verdadeira perspectiva histórica.