18/01/2008

As palavras dúbias de um comentador de direita


Publicou Pacheco Pereira (PP), no Sábado passado, mais uma das suas crónicas (Os velhos do Restelo contra a West Coast of Europe) que escreve regularmente para o Público. Depois da sua leitura, percebe-se que ele se dirige genericamente aos apoiantes de Sócrates e de Luís Filipe de Menezes, ao centrão, que criticam os Velhos do Restelo, que seria formado por ele próprio, Vasco Pulido Valente (VPV) e António Barreto (AB). Este grupo caracterizar-se-ia por não se conformar com o Portugal expresso pelos cartazes com que o Governo entendeu fazer propaganda ao nosso país, localizando-o na Costa Oeste da Europa, fugindo, provavelmente com medo dos camelos e dos atentados, a situá-lo ao Sul. Deste modo, PP e consortes consideram-se os Velhos do Restelo em luta contra os situacionistas do regime.
Partindo desta ideia simples, que no seu conjunto é um disparate, mas que se coaduna com aquilo que PP gostava que pensassem de si, começa a disparar em todas as direcções, atribuindo-se, e provavelmente aos outros, a participação em batalhas em que a maioria dos novos comentadores não participaram.
Assim, fala de um tempo em que a luta contra os comunistas era conduzida por poucos e em que “o arranque da historiografia e da sociologia para fora das baias do antifascismo e do jacobinismo se lhes deva em parte (VPV e AB, digo eu), quando a academia permanecia gloriosamente dominada pelo PCP e pelos esquerdistas”. PP aparece assim como um herói avant-la-lettre, coisa em que o comum yuppie (a expressão é dele) dos nossos dias não tem pergaminhos.
Para um sexagenário como eu, da mesma geração que a dos Velhos do Restelo, esta referência aos novatos, à gente sem espessura, nem história, nem formação é sempre agradável de ouvir. Pode-se dizer que li um pouco embevecido algumas das críticas que lhes eram dirigidas.
Mas eis que um jovem de outra geração, Rui Tavares, numa crónica que escreveu igualmente para o jornal Público, se sente atingido pelas afirmações de PP e acutilantemente lhe responde, garantindo que este, “como opinador independente e corajoso que é,... não consegue citar um nome, responder a uma opinião, refutar um argumento. O seu confronto faz-se fantasmagoricamente, contra categorias vagas de gente — os “modernizadores”, os “pensadores-engraçadistas”, os “inocentes úteis” — em estilo críptico de treinador de futebol”.
Tal como afirmei no princípio, se a crónica tem destinatários gerais, não consegue particularizar nenhum dos seus adversários, ficando de forma enviesada pela generalidade dos comentadores.

Mas o que diz Pacheco Pereira: “Não adianta sequer dizer à ignorância impante que, com excepção de meia dúzia de conservadores, poucos, aliás, a "luta final" que terminou em 1989 com a queda do Muro de Berlim, como escreveu Silone, foi mais entre comunistas e ex-comunistas. Os grandes textos simbólicos contra o comunismo, O Retorno da URSS, O Zero e o Infinito, o 1984 e O Triunfo dos Porcos, vieram de homens como Gide, Koestler e Orwell. Nos momentos mais duros da guerra fria, os ex-comunistas e os liberais mais radicais com quem se aliaram foram os únicos a travar o combate intelectual contra a hegemonia intelectual comunista. Revistas como o Encounter ficaram como exemplo dessa aliança em tempos bem mais difíceis do que os de hoje. E que, nos momentos decisivos do fim do império soviético, quando o expansionismo soviético conheceu o seu espasmo agressivo entre o Afeganistão e Angola, só ex-comunistas, como Mário Soares, e ex-maoistas lutaram contra a URSS, a favor de dissidentes soviéticos como Sakharov, em Portugal, em França com os "novos filósofos", mesmo nos EUA, onde muitos neocons vinham da esquerda radical americana.”
Transcrevi longamente esta pérola de PP para mostrar como este historiador se auto-valoriza e incensa todos aqueles que, como ele, vieram do maoismo e do marxismo-leninismo.
Começa PP por atacar os tais “ignorantes impantes” que não sabemos quem são. Pode até coincidir com a minha apreciação, que sempre tive a pior das opiniões de alguns dos intelectuais orgânicos do actual situacionismo, mas ao qual não são alheios PP, VPV e AB.
Depois, socorre-se de Silone para afirmar que a “luta final” seria entre comunistas e ex-comunistas, porque os conservadores seriam muito poucos. Desconheço estas afirmações de Silone, mas elas nunca se poderiam referir ao fim da União Soviética, porque este escritor morreu antes de ter a “felicidade” de assistir a tal fim.
A seguir altera francamente a história do século XX e da luta contra o comunismo. Porque ao citar Gide, começa por localizar o seu início entre as duas Guerras, o que é justo. Ora é preciso ter desplante para esquecer a ofensiva fascista, e não só, contra os comunistas. A “luta final” para alguns, e não foram poucos, foi de facto a sua encarceração na prisão e em campos de concentração e a política levada a efeito por um conjunto de intelectuais, muitos hoje esquecidos, que contribuíram de forma decisiva para a prevalência daquela ideologia e do combate anticomunista. Hoje é prática corrente dos anticomunistas hodiernos tentar provar que se havia uma ditadura fascista havia igualmente uma ditadura ideológica comunista, como o seu confrade Rui Ramos vem regularmente afirmando (ver aqui).
Quanto ao pós-guerra resume a luta anticomunista a uma aliança entre os intelectuais ex-comunistas e uns poucos ultraliberais. Ou seja, tenta generalizar a situação de França a todo o campo “ocidental”. Naquele país, que não é mencionado, a maioria dos intelectuais conservadores bandearam-se com o colaboracionista Pétain e mesmo com o nazismo, e por isso havia uma prevalência das ideologias de esquerda. O que não sucedeu por exemplo nos EUA, onde a sinistra Comissão das Actividades Anti-Americanas, com a sua caça às bruxas, levou à prisão ou forçou à emigração alguns dos mais importantes cineastas e argumentistas de Hollywood, com a acusação de serem comunistas. Depois, para sua desgraça cita a revista Encounter, que hoje se sabe que foi financiada pela CIA, tal como o Congresso para a Liberdade da Cultura, que de facto apostou em alguns ex-comunistas, e não só, como força de choque para a luta contra os comunistas (ver a obra – “Qui Mène la Danse? La CIA et la Guerre Froid Culturelle”, de Frances Stonor Saunders, da Denoel, 2003).
E para provar as suas afirmações mistura três intelectuais de diferentes níveis e formações. André Gide, um grande escritor, que no auge da ascensão do fascismo colaborou momentaneamente com os comunistas, mas que depois de uma visita à URSS (“Retour de l’URSS” - 1936), num ano tão terrível como o dos primeiros processos de Moscovo, se desiludiu com a mesma. No entanto, nunca passeou pelos corredores do poder a sua profissão de fé anti-comunista.
Arthur Koestler que de militante comunista passou, com a sua mais famosa obra “O Zero e O Infinito” (1941) (há uma primeira tradução portuguesa de Domingos Mascarenhas, um jornalista ligado ao cinema e à direita, de 1947, da Livraria Tavares Martins – Porto) a activista anticomunista e a um dos principais suportes do já referido Congresso para a Liberdade da Cultura. A parte final da sua obra é dedicada à ciência e à parapsicologia, deixando em testamento dinheiro para se fundar uma cátedra desta última “ciência”.
Quanto a George Orwell, bem conhecido e incensado, é involuntariamente, porque morreu em 1950, um dos principais expoentes da ofensiva anticomunista do pós-25 de Abril em Portugal – Júlio Isidro dedicou-lhe na televisão pública uma tarde de Sábado no ano referente ao seu mais célebre livro, 1984. Sabe-se hoje que escreveu listas com os nomes de intelectuais com possíveis afinidades comunistas e as entregou ao Governo Britânico.
Continuando na senda do seu auto-elogio, fala em que só um ex-comunista como Mário Soares – há quantos anos ele tinha pertencido ao PCP? - e ex-maoistas empreenderam a defesa de Sakarov e lutaram contra a URSS. Aqui esquece como os maoistas há muito já tinham classificado a URSS e os partidos que a apoiavam como social-fascistas e como o seu camarada de partido Durão Barroso se passou gloriosamente da luta contra os sociais-fascistas para a luta contra os comunistas. Ou então, quando ele e Mário Soares apoiavam, em nome provavelmente da solidariedade atlantista, um bando de assassinos chefiados por Jonas Savimbi, e esqueciam, como foi provado recentemente, o massacre perpetrado em Angola contra comunistas (Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunen e mais 30 mil companheiros).
É preciso ter uma grande ousadia para transformar em heróis um conjunto de personalidades de diferentes origens e percursos (ex-maoistas, como ele, “novos filósofos” franceses ou neoconservadores americanos) que se prestaram a defender a ideologia dominante e a usufruírem gloriosamente das cadeiras da fama e do poder.
Por tudo isto, sendo sempre agradável ouvir dizer mal dos yuppies dos nossos dias, considero que Rui Tavares tem toda a razão para criticar PP, esse “glorioso” lutador do anti-comunismo.

PS. Este vosso comentador suspende por algum tempo a sua intervenção porque vai ser submetido a uma operação cirúrgica melindrosa. Depois relatarei as minhas impressões.

11/01/2008

Um Camelot du Roi à Portuguesa


Fui assistir na quarta-feira ao doutoramento no ISCTE do jovem José Neves – a quem dou os parabéns – sobre o tema Comunismo e Nacionalismo em Portugal – Política, Cultura e História no Século XX. No final da sua dissertação afirmou que, com a sua tese, quis também escrever a história na perspectiva dos vencidos e citou, como contraponto à sua intenção, uma frase que tinha lido nesse dia e que atribuiu ao “historiador do Público”: Luís Pacheco, recentemente falecido, tinha vivido entre duas ditaduras a de Salazar e a do PCP. Fiquei espantado, tinha lido naquele jornal os textos necrológicos que normalmente são reunidos quando alguma personalidade relevante morre e não tinha encontrado nada que se pudesse assemelhar a tão estranha, mas corrente afirmação.
Descobri que José Neves já tinha lido o Público desse dia e que frase era do historiador Rui Ramos, que semanalmente, às quartas, tem uma crónica naquele diário.
A frase, que depois encontrei, referia-se ao drama dos "jovens intelectuais" da "colheita literária de 1945" – Cesariny, O’Neil e outros, incluindo Luís Pacheco –, que "passaram os trinta anos seguintes a ser moídos entre a ditadura política do Estado Novo e a ditadura cultural do PCP". Ou seja, por outras palavras, confirmava-se o que eu tinha ouvido da boca do José Neves.
Já se sabe que para reforçar esta provocação o “historiador do Público” tinha que recorrer à bênção de algumas prestimosas figuras intelectuais: Eduardo Lourenço, que segundo o autor explica bem esta situação, ou então ao diário de Virgílio Ferreira ou à correspondência de Jorge de Sena. Os dois últimos estão mortos e não podem vir desmentir o que se lhes atribui. Provavelmente Virgílio Ferreira até concordaria, quanto a Jorge de Sena, tenho dúvidas. Em relação a Eduardo Lourenço considero-o probo de mais para aparecer misturado com este pequeno provocador de direita.
Mas analisemos a prosa deste camelot du roi de trazer por casa. Os trinta anos a seguir a 45, altura em que surgiu o surrealismo, que desalinhou com o "nacionalismo salazarista e o neo-realismo comunista", vão parar a 1975, o que só por manifesta ignorância se pode considerar como a época "colonizada por “antifascistas” e académicos, todos muito respeitáveis". Todos sabemos, os que vivemos aquela época, que em 75, vá lá nas vésperas do 25 de Abril, há muito que o neo-realismo como corrente literária tinha esgotado a sua capacidade de intervenção, e que se de facto os grandes escritores portugueses eram antifascista, o que deve desagradar muito a este corifeu da direita, a verdade é que novos caminhos literários e com outras problemáticas tinham surgido. Não falando do Virgílio Ferreira, temos, no entanto, o Cardoso Pires, o Augusto Abelaira, o Stau Monteiro, o Nuno de Bragança, o próprio Urbano Tavares Rodrigues, que estava longe de ser neo-realista. Ou gente que veio do surrealismo, como o Ernesto Sampaio, o Virgílio Martinho ou o Mário-Henrique Leiria, e depois, como o Luís Pacheco, se aproximaram do PCP.
É difícil a um historiador, que tinha meia dúzia de anos em 74 perceber este meio literário, cheio de pequenas intrigas, que tinha ódios de estimação, recordava memórias e picardias de há vinte ou trinta anos atrás. Mas uma coisa era certa não usufruíam das sinecuras, dos bons lugares, dos convites para a rádio e a televisão, não reforçavam de certeza o seu fim de mês com a prosa escrita para os jornais do regime. Por isso, para os bem instalados de hoje este meio pode parecer claustrofóbico, mas a única ditadura que havia era de Salazar, com a PIDE a vigiar os cafés e a fazer relatórios sobre o que aqueles “irados” diziam.
Mas depois desta prosa do Rui Ramos, o mais espantoso é lermos o Avante! desta semana, dedicando um longo texto ao Luís Pacheco, escritor e comunista, com um discurso do José Casanova, no seu enterro, lembrando que uma das condições que ele exigiu para se tornar membro do Partido, é que tivesse um enterro como o Ary, com bandeira do PCP e discurso.
Pode o Sr. Rui Ramos tentar recuperar para a sua ideologia o Luís Pacheco, o provocador dos grupos “nacionalistas e neo-realistas”, mas na sociedade dominada pela beatice e pelo respeitinho o Luís Pacheco tinha sempre que ser subversivo, coisa de que está longe ser o “historiador do Público”.

PS.: Camelots du Roi, grupo de provocadores católicos e monarquistas, adeptos da Action française, de Charles Maurras, que pontificavam entre as duas guerras e que participaram activamente nos motins provocados pela extrema-direita em França, no dia 6 de Julho de 1934.

09/01/2008

A Regra do Jogo


Esta noite estreou-se na SIC Notícias mais um programa de debate. Aquela estação de televisão, percebendo que o seu público é sensível ao confronto de ideias, tem espalhado ao longo da semana diversos modelos de debate. Este é semelhante à Quadratura do Círculo, dado que há também um moderador e comentadores residentes, que se movem politicamente em redor do Bloco Central. Assim, no confronto desta noite estrearam-se José Miguel Júdice e António Barreto, moderados por António José Teixeira.
O programa chama-se indevidamente A Regra do Jogo, que foi o nome de um filme, uma das grandes obras-primas entre as duas Guerras (1939), de Jean Renoir. Uma comédia de enganos que antevia a guerra que ai vinha, feita por um realizador que pouco tempo antes tinha realizado a La Vie est á Nous, uma homenagem ao Partido Comunista Francês e ao Governo da Frente Popular de 1936. Portanto, pouco recomendável para nome de programa do sistema.
É evidente, que António Barreto, no contexto actual, aparece como muito crítico em relação ao Governo de José Sócrates e às suas escolhas. Basta ler os seus artigos do Público para se perceber as suas claras opções críticas e como neste momento não está enfeudado a nenhum partido político, pode evitar os pinos que os comentadores ligados aos partidos do centrão são obrigados a dar. No entanto, em nome de que valores critica? Não é de certeza em nome da esquerda.
Quanto a José Miguel Júdice está tudo dito. De fascista, com actividade reconhecida na Universidade de Coimbra antes do 25 de Abril, passando por preso político durante o PREC e exilado em Espanha a trabalhar no departamento político do MDLP, a apoiante pela direita do Governo de José Sócrates, é um bom exemplo do que a necessidade camaleónica obriga. Por isso, nada de bom deste comentarista há-de vir.
Quanto aos temas abordados: foram a ASAE, o referendo europeu e a Mensagem de Ano Novo do Presidente da República. Em relação ao primeiro todos estiveram de acordo, o que é fácil suceder. Quanto ao referendo já se conhecia a defesa que dele faz António Barreto. Quanto a Júdice, na linha de José Sócrates, é contra. Relativamente à Mensagem do Presidente, principalmente na parte referente aos ordenados dos administradores, manifestaram-se contra aquelas palavras. Acham que a defesa de um certo moralismo não deve ser apanágio do Estado. São favoráveis, se fosse caso disso, ao aumento fiscal sobre aqueles elevados rendimentos. Apresentaram, neste caso, um discurso muito menos ultraliberal do que os intervenientes na Quadratura do Círculo por mim referidos em post anterior.

08/01/2008

Declaração de Princípios


Num ímpeto de fazer o meu próprio caminho sozinho, resolvi à pressa construir o meu blog. Todas as vezes que inscrevia a minha palavra-passe no site onde colaboro, para inserir novos posts, aparecia sempre a sugestão de criar um novo blog. Hoje finalmente não resisti.
A primeira pergunta foi qual era o nome? Fui buscar às memórias da adolescência um nome, um dito, alguma coisa que fosse comum a um conjunto de jovens que, pelos inícios dos anos 60, passeavam a sua ociosidade pela Lisboa daquela época. E nada melhor de que o grito que eu lançava de vez em quando: Trix-nitrix, penso que designava um fecho-éclair, mas nem isso estou seguro. Aquela onomatopeia era gritada unicamente pelo prazer de juntar aquelas palavras, pela riqueza da sua sonoridade.
Depois, a segunda pergunta foi qual era o texto que eu queria inserir? Fiquei aflito, não tinha ainda nenhuma Declaração de Princípios para publicar. Veio-me à memória, uma célebre Declaração escrita por Kane (Orson Welles), no Mundo a seus Pés (Citizen Kane), em colaboração com o seu crítico teatral (Joseph Cotten), para o jornal que ia dirigir e a felicidade que lhe estava estampada no rosto depois de a ter assinado no final da noite. Eu não tinha ainda redigido nenhuma Declaração e o primeiro texto que de que me lembrei foi o prosaico post que recentemente tinha publicado sobre a Mensagem de Ano Novo de Cavaco Silva.
Mas para que quero eu um blog? Para poder, quando me apetece, escrever aquilo que penso sem achar que este ou aquele texto não se enquadram no estilo ou no projecto dos sites para onde escrevo normalmente os mesmos textos: o blog já referido ou o site da Renovação Comunista.
Nesse sentido, este vosso blog será um local de reflexão pessoal e de armazém de textos já publicados ou que irei dando à estampa regularmente.
Que tenha sucesso é o meu desejo.

Os rendimentos dos dirigentes de empresas são desproporcionados em relação aos dos seus trabalhadores


Na sua Mensagem de Ano Novo Cavaco Silva resolveu interrogar-se sobre se os rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas não serão, muitas vezes, injustificados e desproporcionados, face aos salários médios dos seus trabalhadores. Foi, sem dúvida, o assunto mais falado da sua comunicação, até porque num discurso cinzento e de meias palavras, foi aquilo que sobressaiu como mais explícito. Assim, e sem referir os múltiplos comentários que foram escritos na imprensa, destacaria os dois programas da SIC Notícias que lhe fizeram pormenorizadas referências: Quadratura do Círculo e Expresso da Meia-Noite.
O primeiro constituído por um grupo de comentadores, todos a puxar para o mesmo lado, referiu-se lhe criticamente, o segundo mais matizado, prestou, quanto a mim, até algumas informações úteis.
Mas passemos aos factos. Na Quadratura do Círculo, António Lobo Xavier, claramente o representante do grande capital e da alta finança, foi muito crítico sobre aquela passagem. Achava que o Presidente da República não tinha nada a ver com isso. E na sequência de intervenções anteriores do mesmo jaez, achou que na vida privada das empresas ninguém se devia meter. Elas são donas e senhoras daquilo que administram. Foi o mesmo personagem que no caso da menina Esmeralda se insurgiu contras as críticas que foram feitas ao Tribunal, que decidiu que aquela deveria ser entregue rapidamente ao pai biológico, sem ter em conta os problemas psicológicos e afectivos que essa decisão iria causar na pequena. Considerou que o Sargento, o pai afectivo, era um raptor e que não havia pais biológicos, havia unicamente pais. Revelando uma insensibilidade típica das gentes bem nascidas, que consideram que têm desde a nascença direito de pernada sobre o comum dos mortais. E isso tanto se aplica aos filhos como às empresas que administram ou de que são consultores.
Pacheco Pereira, mais político, não se indigna tanto com as palavras do Presidente da República, mas considera que elas traduzem a posição ideológica de Cavaco Silva, que não se consegue libertar totalmente da tralha do Estado Social, que para Pacheco Pereira é a raiz de todos os males e do empobrecimento da Nação. E apesar destas afirmações, que são ridículas aplicadas a este Governo, nunca vi Jorge Coelho fazer o mais pequeno esforço para se demarcar delas.
Por fim, este último, usando uma daquelas tiradas demagógicas, que são apanágio do PS, diz que o que está mal é haver tantos a ganharem tão pouco e não os ordenados chorudos dos administradores. Ou seja, neste caso, porque lhe convém, para não destoar dos seus companheiros de debate, quer nivelar por cima, ao contrário dos seus camaradas de Partido e de Governo, que no dia a dia vão nivelando por baixo, afirmando sempre que os que têm umas migalhitas a mais são uns privilegiados e que há pôr todos por igual.
Quanto ao Expresso da Meia-Noite a corrente era outra. Excepto Inês Serras Lopes que no princípio, ainda embalada pela opinião de vários comentadores de direita, criticou aquelas palavras do Presidente da República, todos os outros, apesar de terem posições ideológicas diferentes, se manifestaram favoravelmente em relação a elas. Afirmando, com conhecimento de causa, que este assunto está a ser debatido noutro países. Na Alemanha, por exemplo, a chanceler pretende até legislar sobre o assunto. Nos EUA é também objecto de discussão. Por outro lado, as empresas cotadas na bolsa devem fornecer o vencimento dos seus dirigentes, dado que quanto maiores eles forem menores serão os lucros dos seus accionistas. Ou seja, traçaram um perspectiva sobre o assunto que foge á tradicional reflexão dos nossos liberais de trazer por casa, que quando se critica a sacrossanta propriedade privada e a gestão das suas empresas, aqui D’el-rei que estão a limitar a liberdade dos patrões. Por outro lado, chegou-se a insinuar que as palavras de Cavaco Silva se referiam aos ordenados desmedidos dos administradores do BCI, agora que começaram a ser conhecidas as trapaças que aqueles cometeram.
Quanto a mim, aquelas afirmações de Cavaco Silva, que, ao contrário do que alguns têm dito, não se converteu à esquerda, vêm na linha, não da social-democracia, de que alguns dizem que Cavaco Silva é um lídimo representante, mas sim do ensinamento social da Igreja, que sempre achou que a riqueza desmedida de alguns, é uma ofensa a Deus e os pobrezinhos e que os que muito têm devem ajudar os que menos têm e isso se pode desde logo aplicar às empresas que administram.
Reconhecendo que este discurso não resolve nada, tem pelo menos o mérito de opor ao neo-liberalismo vigente, algumas preocupações socais, que hoje estão completamente ausentes do discurso dominante.