31/03/2011

O jogo das palavras

Sei que este meu post não irá facilitar a convergência da esquerda, à esquerda do PS, mas como lá diz o ditado popular, quem não sente não é filho de boa gente, achei por bem responder e acusar o toque relativamente a um post de Vítor Dias, sem destinatário certo, chamado As palavras e a sua contaminação - "Credível", dizem eles.

Diz Vítor Dias que quem utiliza como arremesso crítico contra o BE e o PCP o termo credível, por vezes acompanhado de exequível, sofre de um terrível desnorte ideológico e termina, sublinhando, "adjectivos como «credível» ou «exequível» estão absoluta e devastadoramente contaminados pela ideologia e pelas políticas dominantes e que, para elas, nada que as conteste, no todo ou em parte, jamais será «credível»."

Ora como no meu último post , referente à União das esquerdas e das suas dificuldades, utilizei um dos termos, a propósito de “programas exequíveis” do BE e do PCP, senti que o desnorte ideológico também me era dirigido.

Já agora gostaria de esclarecer o Vítor Dias que um programa exequível o era para as massas votantes e não para ser aceite pela ideologia dominante. Exequíveis eram também os oito pontos da Revolução Democrática e Nacional e não a conquista do socialismo já. Como é compreensível, quando um conjunto de forças se juntam, o seu programa será sempre o denominador comum entre elas e aquele que a dado momento é o objectivo possível da luta política e não o programa maioritário de cada uma delas. Isto é simples de perceber, tudo o mais são tretas que brotam de uma cabeça atacada de forte sectarismo partidário.

Como não sou de branduras, nem de grande compostura, quando penso que estão a a fazer de mim parvo espirro com força.

24/03/2011

A união da esquerda e as suas dificuldades

Publicou Ricardo Paes Mamede no blog Ladrões de Bicicletas um post, chamado Momento de verdade para a esquerda portuguesa, donde sublinharia estes dois parágrafos:

E a esquerda? PCP e BE estão mais uma vez encurralados. Num cenário em que a situação interna e os constrangimentos externos deixam pouco espaço de manobra, não têm conseguido fazer muito mais do que anunciar que vem aí o desastre. Podem até ter razão. Mas para a maioria das pessoas, inclusive muitos dos seus eleitores, serão vistos ou como parte do problema (contribuindo para a ingovernabilidade) ou, pelo menos, como não sendo parte de qualquer solução.

Mas PCP e BE poderiam dar um sinal diferente. Poderiam ter a iniciativa de se apresentar com uma plataforma comum, propondo ao PS um conjunto de condições mínimas para apoiar uma solução para a crise assente numa maioria de esquerda no Parlamento. Uma solução que mostrasse que existem outros caminhos possíveis, mesmo com todos os constrangimentos internos e externos.

A transcrição é longa, mas parece-me que é indispensável para se poder compreender o que vem a seguir. José Neves, logo de seguida, No Vias de Facto, não assina por baixo, mas gosta de ler. Victor Dias, no Tempo das Cerejas, dá-lhe uma corrida em forma, a que Paes Mamede responde educada e contidamente. Não é como eu, que atiro a matar. Nuno Ramos de Almeida, no Cinco Dias, recomenda vivamente a leitura dos dois posts de Paes Mamede, num texto que denomina Para um programa comum das esquerdas em copy lefte e a finalizar José Neves volta novamente ao tema em A esquerda em Portugal nas próximas eleições .

Feita esta descrição rápida da agitação que este tema motivou na blogosfera, é evidente que associado à queda de José Sócrates e à proximidade de eleições, passemos àquilo que me interessa comentar.

Em vivi muito traumaticamente um período da política portuguesa que vai desde o lançamento do Apelo à Convergência de Esquerda nas eleições para Lisboa (ver aquiaqui, aqui  e aqui), penso que faz agora dois anos, a um Compromisso à Esquerda – Apelo à estabilidade governativa (ver aqui), publicado logo a seguir às eleições legislativas de finais de Setembro de 2009. Qualquer dos dois apelos assentava no pressuposto de que o PS estaria disposto a fazer unidade à esquerda e que a sua a esquerda estaria disposta a se “amarrar” aos interesses do PS. Lamento, mas muito da argumentação na altura aduzida para fundamentar aqueles dois apelos era um pouco a mesma do post inicial de Paes Mamede A esquerda à esquerda do PS propunha qualquer coisa ao PS e se ele não aceitasse a responsabilidade era de quem não aceitava. Em qualquer dos casos, o PS deu resposta, com mais êxito em Lisboa, porque levou Helena Roseta consigo, ridícula, excepto para os convertidos, em relação ao Governo do país, ao convocar todo o mundo para S. Bento.

Em resposta a esta recusa da esquerda, neste caso o Bloco, de alinhar como o PS, publicou recentemente André Freire, no Público, um artigo chamado A moção, o passado e o futuro (sem link disponível) que propunha a criação de um novo partido que correspondesse àquilo que André Freire considerava que deveria ser a missão do Bloco, que, por palavras minhas, seria a muleta do PS. Francisco Louçã, no Esquerda.net, já lhe deu a resposta política devida.

Neste mesmo sentido, iniciaram-se movimentações para criar um novo partido, que parece já estarem em marcha, tendo em vista que, com mais um partenaire, se consegue finalmente unidade de todos. Já se sabe o que é que este novo partido pretende, sem o dizer, é dispor dos deputados que faltam ao PS para governar.

Por isso quando vi o artigo do Paes Mamede e a recomendação da sua leitura pelo José Neves, pensei que novamente uma loucura mansa estava a atacar a esquerda portuguesa.

Pela postura posterior do José Neves, na sua análise de como se deve comportar a esquerda, e no artigo do Ramos de Almeida já encontro matéria suficiente para concordar. Ou seja, parece-me claro que com o PS oficial, o de José Sócrates, que mais uma vez vai concorrer às eleições, é impossível qualquer acordo. Ele e o seu partido representam aquilo que mais negativo existe na política portuguesa, a de estarem a fazer o “mal”, a atacarem as classes mais desfavorecidas e os interesses de quem trabalha, convencidos que estão a fazer o “bem” e a tentarem convencer-nos disso. Nesse sentido qualquer aliança ou proposta de entendimento com este PS e José Sócrates deve ser combatida. Evita-se assim criar ilusões nas massas populares e a presunção num conjunto de eleitores de que, se falarmos todos uns com os outros, nos entendemos para bem da esquerda.

Mas o que propõe José Neves e Ramos de Almeida já me parece razoável que é a unidade ou a colaboração ou qualquer outra forma de enlace entre o Bloco e o PCP, com a adesão de independentes, de gente do MIC ou mesmo algum PS de esquerda que para aí esteja mais virado. Por isso acho que Vítor Dias não tem razão no seu último parágrafo quando diz e sublinha: as pré-campanhas as campanhas eleitorais, por natureza e definição, não são um território para negociações entre partidos por via da comunicação social, antes são, por excelência, o território central da exposição dos projectos e propostas de cada partido, do seu diálogo directo com os eleitores e do esforço tenaz, combativo e confiante para conquistar uma influência maior e criar uma diferente correlação de forças que influencie a evolução da vida política e das soluções políticas e governativas após as eleições.

Já se sabe, que ninguém estaria à espera que houvesse negociações através da comunicação social, mas lá que a esquerda, à esquerda do PS, tinha muito mais força se aparecesse unida e com projectos exequíveis, é um facto. Não votaram os dois partidos na Assembleia da República em conjunto os segundos pontos das suas Resoluções em que propunham uma alternativa aos ditames do PEC e não votou o PS com a direita contra esses mesmos pontos? Se isto foi possível, porque não nos esforçarmos para apresentar em conjunto ao eleitor qualquer alternativa viável em vez de cada um por si.

Parece-me que isso está ao alcance da esquerda.

Imagem da Frente Poular de 1936, em França, vendo-se León Blum, da SFIO (Secção Francesa da Internacional Socialista - Partido Socialista da época) e Maurice Thorez, do PCF (Partido Comunista Francês).

21/03/2011

A propósito dos bombardeamentos da Líbia



Enviaram-me este vídeo. Riam-se um bocado.

O Impasse Líbio resolvido pelo Imperialismo

Há um conjunto de boas almas que povoam a Internet e por vezes o comentário político nas televisões para quem o mundo é a preto e branco. Há os maus e os bons, a injustiça e a justiça, a democracia e a ditadura. Se Muamar Kadafi é mau, injusto e ditador então porque não saudarmos a votação do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a consequente intervenção de franceses, americanos e ingleses, apoiados nas bases aéreas italianas, e por esse obscuro emirato do Qatar, que parece que vai enviar quatro aviões, para mostrar o empenho dos árabes na intervenção.

Estas boas almas nunca se interrogam o que é que está em causa em cada situação concreta, quais são as forças em presença, que jogos políticos envolvem. Nunca se questionam que posições devem tomar as forças progressistas neste e naquela situação. Ignoram por completo a história, os seus ensinamentos e o passado de outras situações com os mesmos intervenientes. Fazem proclamações bombásticas ou apelos desesperados. Reduzem tudo a estados de alma e transformam todas as situações em opções morais.

Eu sei que quem ler isto dirá: este está a defender o relativismo cultural ou então a real politike, aceitando tudo em nome dos interesses dos estados, dos governos, da esquerda ou da revolução. Não é nada disso, cada caso precisa de ser examinado em concreto e estudado. Só um conhecimento profundo da realidade nos permitirá agir sobre ela e tomar posições progressistas sobre a mesma.

Num post anterior, em que falava do Impasse Líbio, forneci-vos, para lerem, diversos sites onde havia posições contraditórias, mas não reaccionárias, sobre a realidade daquele país.

Pois hoje, depois dos ataques militares que a coligação desencadeou sobre a Líbia, recomendo àquelas boas almas, que desde logo começaram a tomar posições morais sobre o assunto, novas leituras e mais prudência. Ainda vão ter que ficar com o menino nos braços e não saberem o que fazer dele.

Para já, qual a moral do Sr. Sarkosy, um homem que vendeu aviões militares à Líbia de Kadafi, apoiou o regime ditatorial da Tunísia, parece que recebeu dinheiro para a sua campanha eleitoral do ditador líbio, para iniciar, com uma fúria repentina, os bombardeamentos na Líbia? É a este senhor que certas boas almas recorrem para impor a zona de exclusão aérea, coisa que ninguém sabe bem o que é, nem como se vai desenrolar essa interdição?

E as nossas boas almas, que conhecem o longo historial de intervenções imperialistas em toda a parte do mundo iniciadas pelos Estados Unidos, com a ajuda por vezes da Inglaterra, são capazes de acreditar numa palavra do que este país nos possa dizer sobre a sua "intervenção humanitária" na Líbia? É espantoso, depois de tudo o que se passou ao longo do século passado, com as intervenções dos americanos na América Latina, no extremo e médio oriente e na própria Europa (Sérvia e Kosovo) ainda acreditam candidamente nas palavras do imperialismo.

Porque razão se intervém na Líbia, dizendo que Kadafi quer assassinar o seu povo, e se esquece o que se está a passar no Iémen, onde hoje morreram mais 50 manifestantes assassinados pelo regime, ou no Bahrein, onde há uma clara intervenção de tropas da “democrática” Arábia Saudita?

É triste que estas boas almas se deixem apanhar nas suas simples dicotomias.

Junto indico mais um conjunto de sites onde podem obter mais informação sobre este tema: Aumenta o perigo de intervenção imperialista na Líbia  (02/03/11. Interessante introdução ao tema); Liga Árabe repudia ataque internacional à Líbia; Liga Árabe e Rússia pedem o fim da operação militar na Líbia; Os perigos da intervenção humanitária na Líbia, artigo de Robert Frisk (ver igualmente outros artigos do site brasileiro Carta Maior - O portal da esquerda); La intervención occidental en Libia y la represión en Bahrein. Por hoje fiquemos por aqui.

19/03/2011

Provocação ou incompetência?

Em tempos antigos, nos Governos de Mário Soares, Sá Carneiro ou Cavaco Silva, era normal o Telejornal, da RTP 1, estar ao serviço dos interesses destas personagens, que para isso nomeavam administrações obedientes e submissas. Era vulgar, e lembro-me bem disso, que uma greve da função pública fosse noticiada lá para o fim do Telejornal e fosse despachada, muitas vezes em termos provocatórios, em meia dúzia de segundos. Com o advento dos canais privados de televisão e devido às necessidades da concorrência, os telejornais, de um modo geral, passaram a noticiar as manifestações da CGTP ou as greves da função pública com mais objectividade e pormenor, apesar daqueles não deixarem de ser controlados pelo poder político.

Vem isto a propósito do modo como no Telejornal de hoje se noticiou a manifestação da CGTP, por mim anunciada no post anterior.

José Rodrigues do Santos (JRS), logo no início do Telejornal, depois das notícias dos primeiros ataques à Líbia, começa por dizer que funcionários do Sector Público concentraram-se em Lisboa num protesto nacional organizado pela CGTP. Grande mentira. Depois temos a reportagem do local para onde o sector público tinha sido convocado, dizendo que os 600 mil (onde sei onde foram arranjar este número) funcionários se fizeram representar por uns milhares. Pouca gente, porque ainda estávamos no início da concentração, digo eu, com a repórter a tentar apanhar o anedótico e a fazer comparação com a manifestação do dia 12, da geração à rasca e, terminando, dizendo que estas pessoas queriam protestar contra o Estado por este ser um mau patrão. No fundo, ainda descobríamos que aqueles manifestantes eram adeptos do Passos Coelho e queriam emagrecer o Estado. A finalizar, a repórter lá diz que estes trabalhadores se juntaram aos restantes manifestantes.

Corta e regressamos ao JRS, que seguir fala da manifestação do sector privado que teve início no Saldanha. O mesmo tipo de reportagem, mas termina com a repórter a afirmar que milhares de pessoas do sector público e privado se juntaram da Avenida da Liberdade. Finalmente lá temos só uma manifestação.

Quase no final do Telejornal, passado que foram cerca de quarenta minutos sobre as imagens iniciais, diz-se que Carvalho da Silva atacou o Plano de Austeridade, o Governo e também o PSD “na manifestação”. Aqui já nos perdemos e não sabemos a que manifestação se está a referir o JRS. Finalmente, é apresentado um pequeno excerto do discurso do dirigente da Intersindical, dizendo que ele tinha sido pronunciado na manifestação da CGTP. Esta reportagem é mais abrangente, pois são entrevistados os lideres do PCP e do Bloco e é mostrada a intervenção musical dos Homens da Luta. Imagens, não muitas, da Avenida cheia de gente.

Deste pequeno relato, ressaltam duas coisas ou um desejo deliberado de enganar os telespectadores, baralhando-o com duas manifestações que não existiam e depois, no final, quando as pessoas já estavam noutra, dar-se a verdadeira reportagem, ou então uma amostra da grande incompetência que vai por aquela casa. O jornalista que alinhou o noticiário não foi capaz de perceber que as duas primeiras reportagens se referiam ao início da concentração que, como sempre sucede, é em locais diferentes, consoante as áreas laborais, associativas ou partidárias dos manifestantes. O alinhamento no final do Telejornal da intervenção de Carvalho da Silva pode-se também justificar com a chegada tardia da reportagem para ser editada. Mas em qualquer dos casos revelando um desinteresse, que roça mesmo a provocação, que já só se justifica pelo fim de festa homens do PS na Televisão Pública.

17/03/2011

Contra o Desemprego, a Vida Cara e as Injustiças - Mudança de Políticas


Covém lembrar que dia 19, Sábado, há uma manifestação convocada pela CGTP.

16/03/2011

Será que ouvi bem?

Quando hoje, no meio da confusão política que de repente invadiu os noticiários das nossas TVs, ouvi alguém perguntar a Cavaco Silva o que pensava da crise política. Este, limitou-se a fazer a parte costumeira, respondendo que não estava ali para tratar deste assunto, mas a prestar uma homenagem aos mortos da guerra de África.

Depois ouvi parte do discurso e não queria acreditar. Não é que Cavaco instou os jovens a empenharem-se em “missões e causas essenciais ao futuro do país com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar”?

Cavaco dá assim como exemplo aos jovens de hoje aqueles que a contra gosto e obrigados foram combater os povos da colónias portuguesas, às ordens de um Governo ditatorial, que impôs uma política de submissão àqueles povos, que contra isso foram obrigados a lutar.

Já chegámos aqui? Cavaco Silva não pesará minimamente as palavras que diz? Ou então, o que vem confirmar as suas declarações à PIDE, ele foi para a guerra colonial com desprendimento e determinação para combater os “terroristas”. É este o triste presidente que temos.



PS. Permita-me o Victor Dias discordar de seu post sobre este mesmo assunto. É que a seguir à citação da frase de Cavaco, e afirmando que a critica, linka para um artigo que em tempos escreveu de resposta a outro do Pacheco Pereira sobre a deserção ou não da guerra colonial. A posição aí defendida, que eu também assumi, e que me parece bastante justa, nada tem a ver com esta citação de Cavaco, que propõe como modelo à actual juventude os jovens que foram obrigados a marchar para a guerra colonial.

08/03/2011

O Impasse Líbio

Há muitos anos, quando a escola era risonha e franca, considerava-se que o conjunto das forças  progressistas, que se opunham ao imperialismo, era constituído pelos países socialistas, pelos movimentos de libertação nacional e países que se tinham libertado do colonialismo e ainda pelos partidos comunistas e dos trabalhadores dos países capitalistas. Hoje toda esta realidade se modificou, já não existe o campo socialista, os movimentos de libertação venceram de um modo geral, mas deixaram-nos algumas abencerragens, como a Argélia ou Angola, e os países anti-imperialistas transformaram-se, como no caso da Líbia e de Angola, em amigos do imperialismo. Apoiámos em nome do anti-imperialismo ditadores inqualificáveis, de que Muamar Kadafi é uma exemplo. Posteriormente, a troco do petróleo ou de outra riqueza qualquer, passaram a ser tratados como amigos e o pior é que eles acreditaram que eram bem vistos no Ocidente.

Chegou a hora do ajuste das contas e o Ocidente capitalista prefere os seus, a convertidos de última hora. Por isso, tal como referia Fidel de Castro, que tanto escandalizou alguns comentadores mais angelicais, aqui temos Barak Obama e a NATO a prepararem-se para invadir a Líbia, com o apoio sempre reverente da União Europeia. Podem morrer milhares de habitantes na Costa do Marfim, onde um ditador se mantém depois de ter perdido as eleições e esmagar os protestos populares, simplesmente ali não há petróleo e já é trivial vermos pretos a morrerem.

Como se percebe não há da minha parte qualquer simpatia por Kadhafi e pelo seu sistema de governação. Simplesmente ninguém sabe quem são os seus reais opositores, que se manifestam com bandeiras do antigo reino da Líbia, que Kadafi transformou em República. Muita da linguagem dos insurrectos, que nos chega via televisão, assemelha-se aquela que noutras partes do mundo tem antecedido as intervenções americanas. Esta revolta deve muito a desinteligências tribais. Não sei se sabem, mas a parte que está em poder dos anti-Kadafi, corresponde à antiga Cirenaica e a que ficou com Kadahafi à chamada Tripolitânia, zonas que ao longo da história percorreram caminhos diferentes.

Vou vos fornecer um conjunto de sites onde podem ler versões de esquerda, mas manifestando opiniões diversas. Alguns referem-se à revolta no mundo árabe e outros em particular a Kadafi: Las raíces de las revueltas árabes y lo prematuro de las celebraciones (6/03/11); Do mundo árabe à América Latina  (27/02/11); Libia en el gran juego  (25/02/11); Las tribus contra el búnker (28/02/11); Libia: Medios occidentales estarían mintiendo para legitimar una intervención extranjera (1/02/11); Esquizofrenia líbia  (2/03/11); EUA têm plano secreto para armar os rebeldes líbios  (7/03/11).

Para terminar, só referir-me, com grande gozo, que  Pacheco Pereira garantia que a narrativa dos media não reproduzia correctamente o que se estava a passar a propósito da revolta árabe na Tunísia e no Egipto (já referi isso aqui). E eu pergunto-lhe, se presentemente, depois de ouvir todos os media, e numa situação tão fluida como aquela que se vive na Líbia, acha correcto a posição catastrofista dos meios de informação dominantes? Para mim toda esta situação faz-me lembrar o que se dizia da revolta na Roménia, antes da queda e fuzilamento de Nicolae Ceausescu, em que se falava de milhares de mortos que depois se verificou não existirem.

Lamentavelmente acho que o caso da Líbia não vai acabar bem, terminará provavelmente com uma intervenção ocidental ou, como dizia o ministro italiano das relações exteriores, logo no início da contenda, com a criação na Cirenaica “do nascimento de um emirado islâmico da Líbia oriental”, que quanto a mim se poderá estender a toda a Líbia.

07/03/2011

Festival da Canção 2011 - Homens da Luta - reacção inesperada



Hoje vi este vídeo no Facebook, introduzido pelo Miguel Cardina. Não resisti.

06/03/2011

"Luta é Alegria" dos Homens da Luta



Pelo menos é diferente!

Um economista transvertido de historiador

Conhecia o Sr. Campos e Cunha como um economista que tinha sido convidado por Sócrates para ser ministro da economia. Tantas asneiras disse que foi corrido por incompetência. Despeitado, passou a dizer mal dos Governos de Sócrates. Mas mesmo assim a sua critica incidia na área que lhe era específica.

Não é que este senhor, por ter lido este Natal dois livros de história, resolveu tornar-se historiador e escrever um artigo para o Público (sem link), denominado Salazar, que abarca quase três quartos da história do Século XX português?

O primeiro livro que leu refere-se à Primeira República e é de António José Telo. Não li o livro, mas a ser verdade o que diz Campos e Cunha dele - “chamar  à  I República  democracia e o  reino da liberdade é uma visão falsa. E Telo não teve medo de o mostrar” -, estamos perante a continuação da teoria reaccionária de Rui Ramos, o “camelot du roi à portuguesa”, como eu lhe chamei, e que, pelos vistos, tem feito escola. Já se sabe que a I República não foi feita por meninos do couro, reprimiu, e por vezes selvaticamente, a classe operária. Simplesmente para estes senhores, e não sei se é o caso de António José Telo, a I República foi menos democrática e liberal do que a monarquia constitucional e muitas vezes reprimiu e restringiu as liberdades mais do que o fascismo, que seria portanto um santinho, comparado com as maldades da República (ver os meus textos sobre este assunto aqui  e aqui).

Quanto ao segundo livro é a biografia de Salazar, de Filipe Ribeiro de Menezes, que pelos vistos foi lida em estado de candura, tanto à direita como à esquerda. Clara Ferreira Alves, no Eixo do Mal, acha que é uma sólida biografia ao estilo anglo-saxónico. Foi preciso Manuel Loff (Le Monde Diplomatique, Edição Portuguesa, nº 52, Fevereiro de 2011) vir referir algumas das barbaridades que lá se escreveram, para se compreender o verdadeiro significado da obra.

O que é mais espantoso é que Campos e Cunha, que não é nenhum jovenzito, nascido depois do 25 de Abril, precise de ter lido este livro para compreender alguma coisa sobre a história do salazarismo. A principal é que conclui que Salazar era um homem acossado. Acossados eram os seus opositores, principalmente os comunistas, que viviam na mais negra não existência, a clandestinidade, para poderem sobreviver e lutar contra o regime. Mas isso é coisa que não preocupa muito este senhor.

Mas investiguemos porque é que Campos e Cunha afirma que Salazar é um homem acossado?

É que Salazar não participou no golpe do 28 de Maio e teve que chegar a pulso onde chegou: a Presidente do Conselho e ao poder que deteve. Aqui é esquecer toda a história dessa época. Não tomar em consideração que Salazar foi o congregador de toda a direita reaccionária, católica e monarquista, que quando tomou posse como ministro das finanças, disse claramente que sabia o que queria e para onde ia. Que essa mesma direita, depois dos fracassos dos primeiros-ministros militares, encontrou nele o chefe de que necessitava. Não foi por ser acossado pela direita que ele se tornou ditador, foi posto lá por ela porque representava o seu denominador comum, o seu chefe carismático. Isto está estudado, e bem estudado, aparecer agora a escrever-se o contrário parece-me não passar de revisionismo histórico.

Mas o mais espantoso é a frase seguinte “acossado pelas influências revolucionárias da República Espanhola” e logo a seguir acossado com receio da anexação de Portugal pela Espanha de Franco.

Aqui então dá-se a inversão completa da história. Não foi Salazar que foi acossado mas sim a nascente República, pois foi Salazar que conspirou contra ela. Foi de Portugal que partiu o General Sanjurjo que iria comandar a sublevação e que depois morreu num desastre aéreo, quando se dirigia para Espanha. Foi com o apoio explícito de Portugal e do Governo português que aviões alemães e italianos conseguiram trazer Franco do Norte de África para Espanha e foi também com a nossa colaboração que as tropas sediciosas puderam passar da Andaluzia, através da Estremadura, para chegarem a Madrid e depois ao longo da guerra o apoio explícito em homens e material ao Governo insurrecto de Burgos.

Deixemos a história da Segunda Mundial, a possível invasão de Espanha, mas também o papel desempenhado por Salazar ao serviço de Sua Majestade para conseguir a neutralidade espanhola.

Mas depois toda a história pós-II Guerra Mundial é também a de um homem acossado. Acossado pela campanha de Norton de Matos e de Humberto Delgado e depois pela guerra de África e afirma Campos e Cunha: “Acossado até ao fim, em 1968”. Espantosa interpretação desta nossa história contemporânea que Campos e Cunha de certeza também viveu. Salazar é que estava acossado, mas Humberto Delgado é que foi assassinado às suas ordens em Espanha. Se não fosse ridículo, diria que era triste.

Por fim vem a velha discussão se Salazar era fascista e se o regime o seria? Já se sabe que para Campos e Cunha isso não se verifica. A discussão é antiga e não vou mais uma vez voltar a ela. Remeteria, se o Victor Dias não se importasse, para um post que ele fez e para os textos aí citados.

Para terminar, a mesma questão já por mim levantada no início, que é a comparação entre a repressão na Primeira República e no fascismo, que segundo Campos e Cunha, “Salazar não se compara mal”. Estamos mais uma vez no reino da historiografia de inspiração em Rui Ramos, que mais não passa do revisionismo em história, semelhante ao esforço que certos historiadores alemães têm feito para negar o Holocausto. Campos e Cunha, com a sua enorme ignorância, junta-se ao grupo.

PS. fotografia roubada ao já citado post de Vitor Dias.