21/02/2011

Duas formas de cepticismos a propósito da revolta árabe – I

Pacheco Pereira (PP) há muito que queria discutir na Quadratura do Círculo a questão do Egipto. Não o conseguiu. Vem agora num artigo no Público, de Sábado, e na sua rubrica semanal na SIC Notícias, Ponto Contraponto, dar a sua opinião sobre o que se passou naquele país.

O artigo do Público denomina-se mesmo Uma Narrativa Bizarra (sem link). Percebe-se logo que PP não está de acordo com a história que nos andam a contar sobre o que se passou no Egipto e, por tabela, na Tunísia. Uma revolução de cariz democrático-liberal encabeçada pelas massas educadas e utilizadores dos novos instrumentos comunicacionais, como os telemóveis, o Facebook, a net, etc.
Mas quem, segundo PP, nos anda a contar ou a vender esta história, são os media dominantes, esta última palavra é minha, que transformam as massas do Cairo e de Tunis nos bons e os ditadores nos maus. Para PP não se trata de uma revolução mas sim de uma revolta, a revolta árabe. Neste ponto até somos capazes de estar de acordo. Quanto ao resto acho graça: quem vive permanentemente através dos media – começa à quinta-feira na Quadratura do Círculo, penso que nesse mesmo dia tem uma coluna na revista Sábado, passa pelo Público ao fim-de-semana, e termina no Ponto Contraponto, da SIC Notícias, ao Domingo – não se pode queixar muito de que não seja um dos principais condicionadores dos media dominantes. Podemos afirmar que eles manifestam uma opinião à revelia daquilo que PP queria que eles dissessem.

Mas quais são os argumentos de PP para desconfiar que afinal os bons não são tão bons como se anda por aí a dizer. Primeiro, o ataque, com cariz sexual, a jornalistas que faziam reportagens na Praça Tahrir e ainda por cima chamando-lhes judias. Ora que eu saiba só vi uma jornalista queixar-se de ter sido molestada sexualmente, não vi várias, como diz o PP. Mas já uma é o suficiente. No entanto, ouvi dizer que os apaniguados de regime atacaram diversos jornalistas, mas isso não relata PP. Por outro lado, chamar judia no mundo árabe a alguém, e nesta altura, é o mesmo que, logo a seguir ao 25 de Abril, acusar-se um cidadão de ser da PIDE. As barbaridades cometidas por Israel em Gaza, são de tal ordem que nos permitem fazer a comparação, ficando aquela polícia muito mais bem colocada. Por isso, não me espanta nada que aquela acusação, apesar de não ser verdadeira, tivesse as consequências que teve. Mas, como em todos os casos deste tipo, é tomar a Nuvem por Juno. Se alguém tivesse dado no Rossio uns tabefes a um inocente cidadão, acusado injustamente de ser da PIDE, não se ia dizer que o povo que saiu à rua a festejar a libertação de Portugal da ditadura, não manifestava um enorme desejo de liberdade e democracia.

Mas a segunda razão invocada por PP é de uma reportagem em que se vê a multidão que estava concentrada na Praça a ajoelhar-se na sua totalidade e a rezar a Alá. Neste caso o PP poderá ter alguma razão, fazendo a comparação com os padrões ocidentais dos tempos modernos, posteriores à Revolução Francesa. Mas ainda não há muito tempo se viam as tropas e as massas apoiantes de Franco a rezar em público, contra os “malfeitores” comunistas e republicanos. É evidente que não estavam a fazer uma revolução, até porque no Ocidente todas elas se fizeram contra a vontade da Igreja. Mas já agora, eu não vi, mas não teria havido na Polónia umas missazinhas colectivas em glória do Solidariedade ou antes dos grevistas partirem para a luta? Tenho algumas dúvidas. Mas, nas informações prestadas nos media falou-se que os cristãos coptas do Egipto tiveram também direito à sua oração, com grande compreensão dos seus irmãos muçulmanos. No entanto, PP argumenta que se fossem agnósticos ou ateus, ou seja, se não se ajoelhassem, teriam tido problemas. Concordo, mas quem combateu no mundo árabe os lideres que defendiam a laicidade do estado? PP afirma que eram todos ditadores ou ligados a invasões estrangeiras, dos soviéticos, quer ele dizer. Mas o que fizeram os seus amigos do Ocidente? Puseram outros ditadores e organizaram outras invasões que em nada resolveram este problema.

Mas que pretende PP com todo este cepticismo? Instalar a dúvida entre todos os apoiantes da revolta árabe. Não serão eles afinal os mesmos fundamentalistas que dominam o Irão? Não quererão eles atacar o Ocidente ou destruir o Estado de Israel? Esta é pois a posição de PP. Por isso, eu concluiria que ele pensa que mais vale uma mão de ferro a controlar aquelas massas desordeiras e perigosas do que acreditar que o que elas querem é estabelecer uma democracia igual à do Ocidente. PP é um neo-conservador, que não vai cá em modernices, nem na fúria libertadora das massas. Ordem e disciplina, porque nunca se sabe o que elas desejam. Pacheco Pereira comporta-se aqui como o velho Salazar, que desconfiava sempre da vontade do povoléu.

Este é pois uma das formas de cepticismo. Num segundo post farei referência àquele que me assalta em contraposição a algumas das afirmações cheias de optimismo de muita da esquerda da nossa praça.

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