22/12/2009

Por fim, o regresso


Ao fim de mais de 20 dias de suspensão deste meu blog, regresso mais uma vez, esperando que agora vos possa fazer companhia por mais uns tempos. Sei que alguns, com grande alegria, terão pensado que este espichou de vez. Ainda não foi desta e passo a explicar tão longa ausência.

Uma semana, quase, passei-a eu a apanhar laranjas nos grandes latifúndios algarvios de que sou proprietário. Tenho um pequeníssimo quintal, ao lado de uma casa herdada, que tem, para meu deleite, um limoeiro e uma laranjeira. Aquele dá limões todo o ano e esta produz todos os anos, por esta altura, para mais de 100 quilos de laranjas. Dá uma trabalheira imensa, mas compensa, são saborosíssimas.

Outros dois fins-de-semana, por razões familiares, passei-os em Sines. Mas o que mais me espanta quando vou àquela terra é a sua actividade cultural que usufruo sempre que a visito. Relato-vos aqui o que vi. Toda esta actividade tem lugar no Centro de Artes de Sines, um moderno edifício, localizado no centro da cidade, desenhado pelos irmãos Mateus, que vale só por si a visita.
A 28 de Novembro era exibido no auditório daquele Centro, pela Companhia da Associação Cultural do IFICT (Instituto de Formação, Investigação e Criação Teatral), a peça de Arrabal, Guernica, encenada por Adolfo Gutkin. Por ignorância minha, já não ouvia falar deste senhor desde que fui ver o Volpone, encenado por ele e representado pelo Grupo de Teatro da Faculdade de Direito de Lisboa, no longínquo ano de 1969. Depois soube que teve problemas com a PIDE. Desconhecia a sua carreira e a sua brilhante actividade em Portugal. Fui vê-la à Wikipédia.
Provavelmente pelo grupo, que era fraco e amador, não achei especialmente interessante a peça. Penso, por outro lado, que o assunto, como está tratado, já nos diz pouco. No entanto, não dei por mal empregue a noite.
No dia 11, regressei a Sines, para assistir à inauguração da exposição de pintura «25 Anos de Percurso», “TAM / Círculo de Artistas Plásticos, Uma exposição colectiva de pintura de 9 artistas lusófonos”. Os artistas representados consideram-se lusófonos e estão espalhados pelo mundo, apesar de muitos já viverem há muitos anos em Portugal. Por razões familiares tenho acompanhado as várias exposições que este grupo tem vindo a fazer nos mais diversos locais. De todas as que vi, não tenho dúvidas em afirmar que a mais gostei foi esta, já que as obras expostas encontraram nas amplas paredes brancas do Centro Cultural um lugar excepcional para serem expostas. Gosto de algumas, outras são me indiferentes, no entanto não quero fazer distinções. Vão ver, o espaço é magnífico. Está aberta até 17 de Janeiro.
Logo a seguir, no dia 12, fui assistir a um outro espectáculo no auditório do Centro, «Você Está Aqui», pelo Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra. Um espectáculo de dança e de canções populares portugueses feito por estudantes. Não sendo, aquilo a que se chamaria um grande evento cultural, era acessível ao grande público, sem cair na facilidade. Gostei, só tive pena, provavelmente, pela época do ano, que a sala estivesse tão vazia. Merecia a presença da população de Sines.

Por último estive uma semana recolhido em casa a elaborar os meus relatórios anuais. Um sobre um assunto de que já vos dei conhecimento no ano anterior: a situação actual em Espanha da invasão do mexilhão-zebra e as possíveis formas de o combater. O outro sobre métodos de cloragem para eliminar o mexilhão, este o do mar e que é comestível, que se fixa nas centrais termoeléctricas que utilizam água do mar com agente de refrigeração dos condensadores.
Já tinha feito um post sobre o mexilhão-zebra, e agora, sem vos querer maçar mais, referir-vos-ei, que o mexilhão continua impavidamente a invadir os rios espanhóis, já chegou ao Norte de Espanha, zona Cantábrica, à bacia do Guadalquivir e continua a espalhar-se pelo Ebro e por uns rios localizados mais a sul deste, que desaguam no Mediterrâneo. Por sorte nossa ainda não apareceu nas bacias internacionais, como as do Minho, Douro, Tejo e Guadiana. Não sei o que sucederá quando chegar a estas, pois em pouco tempo invadiria as nossas albufeiras e quantas mais Sócrates fizer, mais espaços cria para a sua propagação, pois esta espécie precisa de águas relativamente paradas para se desenvolver. Onde se fixa envolve todos os tubos, tornando impossível a utilização de muitas das turbinas hidroeléctricas que aí funcionam. Com a nossa proverbial ineficácia é muito provável que não cheguemos a tempo para evitar a sua evasão, nem sermos capazes de mobilizar as populações para impedir a sua disseminação, que é feita principalmente pelos pescadores que o utilizam como isco ou vai agarrada aos barcos que são transportados de albufeira para albufeira.

Desculpem mas por vezes dá-me uma de biólogo e regresso com prazer à minha actividade profissional. O que é certo, é que rapidamente me passa e daqui a uns dias lá estarei eu a discutir os graves problemas políticos nacionais.
Imagem do espectáculo "Você está aqui".

02/12/2009

Um “herói” esquecido: Melo Antunes (1933-1999)


Realizou-se na Gulbenkian, nos dias 27 e 28, um colóquio sobre o tema Liberdade e Coerência Cívica – O exemplo de Ernesto Melo Antunes na História Contemporânea Portuguesa” (ver programa aqui e aqui). Não estive presente e só sei o que dizem os jornais (ver aqui) e nem os li exaustivamente. Reparei que tinham estado presentes os três ex-presidentes da República e que o actual, por razões ditas de agenda, se furtou a aparecer. Li que António Lobo Antunes lhe fez uma homenagem comovida, de alguém que o conhecia bem: tinha estado como ele na guerra, e que Vasco Lourenço, um dos organizadores, lamentou que o conhecimento público de Melo Antunes seja muitas vezes esquecido.
Falou-se muito do seu esquecimento e Jaime Gama fez a blague, quanto a mim sem qualquer graça, "talvez ser demasiado político para uma carreira militar e demasiado militar para uma carreira política". Ramalho e Eanes falou que a memória popular está a ser injusta para Melo Antunes e Mário Soares, naquele tom disparatado que já revela adiantada senilidade, falou do papel de Melo Antunes no 25 de Novembro de 1975, considerando que aquele dia “foi uma revolução que impediu que Portugal se tornasse uma Cuba do Ocidente", manifestando discordância como os que o vêem “como uma contra-revolução” (Público).
Dito isto, devido à necessidade de enquadrar minimamente aquilo que escreverei à frente, passo à minha visão sobre o esquecimento propositado de Melo Antunes.

Este foi sem dúvida um dos militares mais bem preparados politicamente, tinha cultura e leitura, sabia ao que vinha. Muitos afirmaram na altura, que as suas posições seriam próximas de um terceiro mundismo de cariz socializante, quando estas coisas ainda tinham algum significado político. Hoje já nem existe terceiro-mundo e o cariz socializante há muito que foi abjurado pela social-democracia europeia. Dizia-se que Maria de Lurdes Pintassilgo lia pela mesma cartilha. Não sei se tudo isto é verdade. Reconheço que, em 1974, Melo Antunes estava muito mais à esquerda do que Mário Soares e do seu socialismo sem princípios, que fluía conforme o vento da Revolução soprava para um ou para outro lado.
Diz-se, não sei se é verdade, que a prisão do pai a seguir, parece-me, ao 28 de Setembro o magoou muito e o fez guinar um pouco à direita. O seu livro de memórias, que foram ditadas a Maria Manuela Cruzeiro (Melo Antunes - O Sonhador Pragmático, Editorial Notícias), que eu li, mas que não possuo neste momento comigo, dá dele uma visão um pouco mais social-democratizante e menos influenciado por quaisquer outras ideologias de esquerda. A sua entrada, mesmo que apagada, no PS, em 1982 é disso exemplo.
Para mim torna-se claro que Melo Antunes e o seu Grupo dos Nove, responsável por um dos manifestos que agitou o Verão Quente de 1975, provocou sem dúvida uma guinada para a direita em relação ao rumo que a Revolução estava a levar. Hoje, vistos os prós e contras, é complicado tomar posição sobre a justeza ou não do referido manifesto. É para mim claro que o PCP e o seu grupo militar não tinham a intenção de fazer a revolução socialista, gostariam que ela lhes caísse de madura na mão. Por outro lado, não tinha a força eleitoral que lhe permitisse tomar o poder por essa via, o que não é de somenos nas circunstâncias então vividas. Os esquerdistas, não tinham à época a mais pequena ideia do que queriam fazer, viu-se por aquilo em que muitos dos seus mentores se transformaram. Por isso esta guinada, que chamou à realidade aquilo que se estava a passar na época, não foi tão negativa, como na altura se admitiu. Simplesmente atrás do documento dos nove perfilou-se toda a direita, o PS inclusive. Esse foi sem dúvida a face negativa deste grupo e acima de tudo a causa da sua morte política.
Hoje o esquecimento de Melo Antunes é deliberado, apesar dos muitos ditirambos que depois de morto lhe possam fazer.
Para além do papel importante que desempenhou na preparação do 25 de Abril e no seu Programa Político e na descolonização exemplar em que participou activamente, foi igualmente uma peça chave no 25 de Novembro. Não porque tivesse qualquer intervenção militar, mas pelas palavras que foi dizer na noite de 26 de Novembro à televisão, que ainda há bem pouco tempo Victor Dias recordou, que não se limitaram, como alguém dizia, a afirmar que o PCP era “indispensável à defesa da democracia”, mas sim “para a construção do socialismo”. Mas, dada a cultura de Melo Antunes, soube nessa altura fazer uma referência à ideia de Bloco Histórico defendido por Gramsci, considerando que o PCP era fundamental na participação desse bloco que se propunha construir o socialismo.
Essa frase, dita na televisão em plena crise do 25 de Novembro, quando a direita se preparava para esmagar fisicamente os comunistas, valeu-lhe o ódio de toda a direita. Sá Carneiro, esse idolatrado ídolo da direita, nunca lhe perdoou e sempre que possível lembrava que foi devido a Melo Antunes que a direita não explorou o sucesso da sua vitória naquela data.
Ramalho Eanes e as forças armadas tradicionais que por detrás dele se perfilaram quiseram também aparecer como os virtuais vencedores da contra-revolução triunfante e nunca admitiram que, do ponto de vista ideológico e do combate político, foi devido ao grupo dos nove que conseguiram vencer. O PS sempre inchado com o contributo que tinha dado para deter a revolução, depois de ganha a contra-revolução, quis aparecer aos olhos da opinião pública como o seu principal herói. Não é por acaso que várias vezes e dita por diferentes intervenientes, Mário Soares é apresentado como o pai da democracia política em Portugal, esquecendo sempre que ela só foi possível devido ao papel que os militares, e este grupo em particular, tiveram na normalização democrática. Se recordarmos os enxovalhos, já no Portugal Constitucional, porque passaram o Grupo dos Nove, quer pela acção da direita, mas também do PS e das forças armadas tradicionais, e que, ao ex-presidente Costa Gomes, que hoje é recordado como tendo evitado, e bem, a guerra civil, lhe aconteceu o mesmo, temos o quadro completo da ingratidão histórica de que são vítimas estas personagens.
Por tudo isto Melo Antunes é hoje um homem esquecido. Morreu e por isso não pode aparecer como Vasco Lourenço todos os anos à frente da manifestação do 25 de Abril. Não pode ser como Salgueiro Maia, o herói liofilizado, de uma revolução sem sexo. Melo Antunes será sempre o “herói” culto que, no momento preciso, soube dizer as palavras necessárias para evitar um banho de sangue e a desforra da direita. Por isso, Melo Antunes será sempre recordado pelas pessoas de bem.

01/12/2009

Tretas e balelas


Vi ontem o programa de Fátima Campos Ferreira, Prós e Contras. Juro sempre que não volto a recair em tão manifesto mau gosto, mas regresso sempre ao local do crime.
Tenho para mim que aquela apresentadora é das mais tontinhas que povoam o nosso espectro televisivo. Tem sempre a frase pomposa para o momento certo. Resume ideias, por vezes com alguma complexidade, a meia dúzia de banalidades. Transforma a governação deste país em qualquer coisa de muito simples, que se resolvia desde que houvesse boa vontade dos portugueses em apertarem o cinto e se os malandros dos político se pusessem de acordo. No fundo transforma o discurso político, convencida que o torna acessível, numa reflexão simplificadora e apaziguadora. Mas é isto que certa incultura dominante aprecia e que os governos do chamado arco da governação (PS e PSD/CDS) querem.
O programa de ontem era sobre as Finanças do País. O leque de convidados soprava todo para o mesmo lado. Não havia ninguém de esquerda, nem mesmo do PS. Ou se alguém ainda fosse do PS, era como se não pertencesse.
Apreciem só. Jacinto Nunes, provavelmente respeitável professor de economia já reformado, com 83 anos, que passou pelo Governo de Mota Pinto, um bloco central encapotado, da iniciativa de Ramalho Eanes, para não lembrar passados mais tristes de colaboração com os Governos de Salazar. A determinada altura descaiu-se, ao contrário dos outros, raposas mais sabidonas, e defendeu um governo de bloco central. Propôs, tal como João Salgueiro, um novo método eleitoral que evite deixar a decisão da escolha dos deputados aos partidos. Acham que os mesmos devem ser responsáveis perante as populações que os elegem. Uma treta, que encheria o Parlamento de Isaltinos Morais e Valentins Loureiros, mais alguns, eleitos num círculo nacional, para cumprir a proporcionalidade. Este assunto, que é trazido sempre à baila quando se quer protestar contra os políticos que temos, é um tema pouco sério, que precisaria de uma discussão desapaixonada e de estudos de técnica eleitoral comparada para verificar qual era o sistema que melhor poderia traduzir no Parlamento a proporcionalidade das forças políticas em presença.
A seguir João Salgueiro, o representante de tudo que é interesse bancário, que já foi deste e do anterior regime, sempre ao de cimo, que achou que um Governo do PS com o Bloco de Esquerda seria uma esquerdalhada insuportável, que já não correspondia aos tempos actuais, nem às exigências de uma economia moderna. Como se a economia neo-liberal tivesse dado provas de grande seriedade e competência.
Tivemos igualmente Augusto Mateus, que mesmo assim foi o que me pareceu dizer coisas mais interessantes. Defendeu a democracia e os trabalhadores da função pública. Mas que eu me lembre saiu pela direita alta do primeiro Governo de António Guterres.
Depois esse beato de sacristia, João César das Neves, que está em tudo que é tema económico, sempre a debitar as suas posições de direita e as tretas do costume.
Por último, para apogeu deste grupo de pensadores, vieram os empresários: Carrapatoso, do Compromisso Portugal, o fórum da direita neo-liberal, que se esfumou com a crise económica, e que disse insistentemente no Programa que era preciso acabar em Portugal com os poderes instituídos. Não sei se estaria a propor alguma revolução que banisse para debaixo do tapete os da sua classe e categoria social? Não, não era sobre isso que ele protestava. Os poderes instituídos, são o Estado e o seu peso na economia – sem ele esta gente não podia ganhar os dinheiros de que usufruem –, as chamadas corporações: os juízes, os médicos, os professores, mas acima de tudo os funcionários públicos, que são o engulho desta gente, porque podem levar os seus trabalhadores a reivindicar trabalho garantido e seguro, enquanto que aquilo que eles querem dar é precariedade e insegurança, para os terem mais agarrados pelo cachaço. Já se sabe que se esquecem que estes gestores são também uma corporação e um poder instituído. Mas de balelas e conversa fiada está o mundo cheio.
Esteve também um outro, que só me recordo chamar-se Patrício Gouveia, que estava constantemente a torcer o pescoço, e que mais uma vez perorou sobre a necessidade de flexibilizar ainda mais o código de trabalho. Nunca estão contentes com o que lhe dão. Neste caso, com a demagogia mais absoluta, defendeu que o que actual, que já é péssimo, defende os incompetentes e desfavorece os melhores. Um horror.
A conclusão principal que se tira de todas estas intervenções é que Portugal andou a gastar à tripa forra, viveu acima das suas possibilidades e agora tem de apertar o cinto se quer sobreviver. O melhor é ir-se adaptando ao modelo social chinês ou indiano. Isto foi dito. Já se sabe se alguém gastou demais não foi o povo português e o pouco que melhorou em relação ao seu passado, as classes dirigentes querem-lhe tirar outra vez.
É este o painel que tivemos, como se viu extremamente plural e diversificado. Triste caminho, por onde vai a televisão pública.

24/11/2009

O pau-mandado


Ouvi esta noite mais uma vez o programa Prós e Contras. Juro, todas segundas-feiras, que desta vez é que não aturo a Fátima Campos Ferreira. Simplesmente, não resisti. Era sobre a justiça e os intervenientes travaram, ao contrário do costume, uma verdadeiro debate, quase roçando o insulto. Bastava lá ter ido o Bastonário da Ordem dos Advogados, o Marinho Pinto, para as coisas resvalarem logo para a má-criação.
Fui daqueles que achei que a esquerda tinha ganho as eleições na Ordem com a chegada daquele Bastonário. Recordo-me ainda dos antigos. Tivemos o Rogério Alves, advogado mediático, dirigente sportinguista – o que não sendo bom nem mau, permite uma grande promiscuidade entre a bola e a advocacia – e comentador de tudo e de nada. Anteriormente, o José Miguel Júdice, ex-fascista, como já há tempos demonstrei, e que hoje é um dos donos de um escritório de sucesso da capital e amigo pela direita do José Sócrates. Quando Marinho Pinto ganhou as eleições, disse o pior possível do novo bastonário, chegando mesmo a vaticinar que este seria candidato pela esquerda, à esquerda do PS, a Presidente da República. Estranhamente, pouco tempo depois o Bastonário foi convidado para ser um dos oradores de uma comemoração unitária, sem PCP, do 25 de Abril (ver aqui). Parecia mesmo que os organizadores tinham acreditado no que José Miguel Júdice tinha dito.

De repente, começo a ouvi-lo pronunciar-se no caso Freeport. Entrou a matar com a Manuela Moura Guedes, para grande gáudio da esquerda. E agora, mais uma vez, aí o temos a pronunciar-se sobre o caso das escutas ao Primeiro-Ministro, sempre naqueles termos tonitruantes que, parecendo que vão deitar muros abaixo ou defender os injustiçados, acabam sempre por servir o primeiro-ministro e lançar grande lamaçal para todos os casos de justiça em que este está envolvido. Esta noite, a propósito das escutas, não foi excepção.
Dir-se-ia que o homem não gosta dos magistrados, seja do ministério público seja dos juízes, e que, por isso, a guerra que desencadeia é contra eles. Poderá ser popular entre os da sua classe que diariamente se têm que defrontar com decisões dos magistrados provavelmente nem sempre simpáticas, nem justas, até em alguns casos arrogantes. Mas que esta campanha contra a magistratura serve às mil maravilhas os objectivos do Governo, principalmente quando há ministros que, de modo descabelado, a acusam de fazer espionagem política ou quando o Mário Soares, naquelas afirmações de idiota útil que lhe são características, vem acusar a Justiça de ser a verdadeira Face Oculta.
Por isso, sempre que vejo aquele homem falar, com ar desassombrado, pergunto-me sempre a que patrão está a servir e acabo sempre por concluir que é a favor de José Sócrates.

Ainda hoje no Prós e Contras depois de espadeirar contra os juízes que não tinham sido saneados no 25 de Abril – que grande desassombro! – e de dizer que houve uns que primeiro cavalgaram a Igreja, depois o Exército, e como estas duas instituições se demarcaram, cavalgam agora a magistratura. Quem seriam esses? Penso que era a direita, os fascistas, eu sei lá?
Já se sabe, que teve uma resposta à altura de um desembargador. Mas onde Marinho Pinto queria chegar era ao magistrado de Aveiro que tinha ousado de pensar e escrever que o Sr. Primeiro-Ministro tinha alegadamente atentado contra o Estado de Direito. Foi ao âmago da questão, ao pôr em causa o bom-nome daquele magistrado estava verdadeiramente a fazer o frete ao Primeiro-ministro e ao Governo. É o seu pau-mandado.

18/11/2009

Um aparte sobre um debate em curso


Assisti na 2º feira ao debate no Prós e Contras sobre sim ou não ao referendo sobre o casamentos entre homossexuais. Não é sobre ele que me quero pronunciar, apesar depois de tudo o que disse Miguel Vale de Almeida, não só neste, mas principalmente, noutro, também no Prós e Contras, achar que, do ponto de vista estritamente simbólico, como a última barreira que foi vencida à aceitação plena pela sociedade da homossexualidade, nada ter a opor.
É sobre uma afirmação de Ribeiro e Castro no debate. A determinada altura pretendia este deputado amachucar os seus opositores, já que ele é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, citando uma frase que ele considerava repugnante e tinha ouvido a uma deputada no Parlamento Europeu que defendia este tipo de casamentos. Dizia, segundo Ribeiro e Castro, essa tal deputada: “o casamento é uma forma legal de prostituição da mulher”.
Já se sabe o Sr. Ribeiro e Castro que deve ser um pouco ignorante da história, principalmente dos movimentos sociais do final do século XIX e início de XX, pensou que tinha dito um frase arrasadora para aqueles que defendem o casamento entre homossexuais. Não sei em que contexto aquela deputada a teria pronunciado no Parlamento Europeu, só noto que esta frase nada tem a ver como casamento entre pessoas do mesmo sexo, facto que no período histórico que referi, ninguém pensaria em defender, mas tinha tudo a ver com a situação social da mulher naquelas sociedades.
A prostituição era um flagelo social que atormentava as filhas das classes baixas, que não tinham possibilidades de ganhar a vida de outro modo. Isso levava a que muitos dos políticos com ideias progressistas – socialistas, republicanos, anarquistas e depois, mais tarde, comunistas – a considerarem que as mulheres da burguesia, que na altura não trabalhavam e eram mantidas pelos maridos, fossem, para eles, como prostitutas, mas com o estatuto legal. Ou seja, não havia uma separação tão vincada, como as “senhoras” da burguesia queriam fazer querer, entre as prostitutas e o seu estatuto de mulheres por conta dos maridos. Isto faz parte da literatura social dessa época.
É evidente, que hoje, já nada disto tem sentido, porque a mulher, seja de que classe for conquistou a possibilidade de poder trabalhar e desempenhar quase as mesmas profissões que os homens. Hoje, ninguém considerará que o casamento é uma forma legal de prostituição, mas de facto isto era o que se pensava há cem anos.
Que o Sr. Ribeiro e Castro não soubesse isto é de facto lamentável e que o tivesse dito com grande alarde ainda é mais grave. Só mostra ignorância.

14/11/2009

O reincidente


Sócrates está novamente nas bocas do mundo e, como sempre pelas piores razões. Hoje Pacheco Pereira escreve um artigo no Público (sem possibilidades de link) arrasador para a personagem. Diz que não o move qualquer ódio pessoal, no entanto, vai-lhe dizendo tudo e termina declarando claramente que não tem qualquer confiança no primeiro-ministro.
Eu também não tenho e o pior é que esta minha opinião já vem de longe e que só, por breves momentos, quando ele foi eleito pela primeira vez, tive, no clima eufórico que então se vivia com a maioria absoluta do PS, alguma expectativa mais favorável.

Como já tenho dito fui funcionário do Ministério do Ambiente durante muitos anos, não fui da fundação, mas entrei para lá a partir da altura em que aquele Ministério, à época Secretaria de Estado, adquiriu uma renovada intervenção com a acção de Carlos Pimenta, que hoje se dedica com mais proveito aos negócios do ambiente.
Por isso, era natural que me cruzasse com Sócrates. A primeira vez foi quando ele foi nomeado, no segundo Governo de Guterres, Ministro do Ambiente. No Governo anterior, se estão bem recordados, o Ministério foi dirigido pela Elisa Ferreira, que se incompatibilizou com Sócrates, então seu Secretário de Estado, tendo este acabado a sua passagem pelo Governo noutro Ministério, o que foi responsável pela aprovação da realização do Euro, em Portugal.
No segundo Governo de Guterres, Sócrates ganha a dignidade de ser Ministro do Ambiente, coisa com que ele tanto sonhava. Logo no início da sua nomeação Portugal iria assumir a presidência da União Europeia e, mais complicado ainda, iria apanhar, logo em Janeiro de 2000, com o dossier Protocolo de Cartagena sobre a Segurança Biológica, que decorria da Convenção sobre a Diversidade Biológica, a assinar no âmbito das Nações Unidas. Este Protocolo, não tinha conseguido ser aprovado no ano anterior em Cartagena das Índias, na Colômbia, e transitava para uma Conferência em Montreal, no Canadá, onde se esperava que obtivesse luz verde dos Governos aí representados. A União Europeia (EU) estava claramente interessada na sua aprovação e os Estados Unidos e mais alguns países produtores de OGM (organismos geneticamente modificados), eram contra. Tinha-se que se chegar a um acordo e Portugal, como assumia a presidência da EU, tinha que assegurar em Montreal a condução dos trabalhos, não só da União Europeia como igualmente das negociações multilaterais que se estabeleciam entre os diferentes grupos de Estados.
Como é costume, o Governo português nunca tinha ligado nada à discussão e preparação daquele Protocolo. Tinha sido eu, um pouco por minha iniciativa e por pressão dos serviços responsáveis no Ministério pelas ligações ao estrangeiro, que tinha acompanhado minimamente o que se estava a discutir. Já se sabe quando se aproxima a reunião de Montreal, o Ministério fica em transe, como é que se iria assumir uma condução de negociações quando nada estava preparado para que isso sucedesse. São nomeadas uma série de pessoas à pressa e indica-se uma chefe de delegação que nunca tinha ouvido falar em segurança biológica. E lá se vai para Montreal. As coisas correram bem, não porque tivéssemos pessoal à altura, mas porque a Comissão da EU, prevendo o que poderia vir a suceder tinha enviado os seus técnicos experientes para orientarem e dirigirem, o que formalmente deveria ser assumido por nós.
Nestas conferências das Nações Unidas costuma haver sempre aquilo a que se chama o segmento ministerial, em que estão presentes os Ministros e em que muitas vezes se tomam decisões, quando é caso disso, ou servem unicamente para abrilhantar o que previamente já foi decidido. No caso português Sócrates não se podia eximir a estar presente, já que, como afirmei, Portugal assegurava a Presidência da EU.
Foi acompanhado do seu fiel Secretário de Estado, Rui Gonçalves, e por mais alguns quadros superiores do Ministério, mas acima de tudo de jornalistas, uma delas da RTP I.
Como estávamos todos no mesmo hotel, seria natural que quando chegou cumprimentasse os membros da delegação portuguesa. Uma indiferença absoluta, nunca se reuniu connosco, nem em nenhuma altura nos pediu a opinião. Foi o seu Secretário de Estado que mal chegou se me dirigiu, porque já nos conhecíamos, e pediu avidamente notícias de como é que estava a decorrer a reunião. Durante, todo a conferência a sua postura foi de uma estrema arrogância. Constava que tratava mal o Secretário de Estado, e não suportava a Ministra francesa, que era dos Verdes. Nunca apareceu a misturara-se com os técnicos da nossa delegação nas conversações que se prolongavam noite adiante, como sucedia com muitos dos ministros presentes Como sabia falar mal o inglês evitava que os funcionários do ministério estivessem nas conferências de imprensa que a presidência da EU tinha que dar todas as manhãs. Dizia-se na altura que o seu mau feitio era provocado por ter deixado de fumar. Parece que já várias vezes deixou de fumar, porque a sua postura intratável tem sido muitas vezes sublinhada.
No dia em que se conseguiu a aprovação do Protocolo, às tantas da manhã, Rui Gonçalves ainda andou a cumprimentar a delegação portuguesa, dando-nos os parabéns, Sócrates nem vê-lo.
No dia seguinte, fomos todos convidados para um almoço num restaurante português em Montreal. Era tão português que até a água servida às mesas era do Luso. Mas isso não foi o mais importante. Mal chegou disse logo: “quero os jornalistas ao pé de mim”. Ficaram a ladeá-lo. O embaixador de Portugal no Canadá, que eu pensava que deveria ser quem devia ficar ao seu lado, ficou à frente. Depois durante o almoço comentaram-se as reuniões, quando chegou a vez de se falar da tal ministra francesa era “aquela gaja”, linguagem um pouco desbragada para ministro, mas penso que é um pouco este o hábito destes parvenus, que recentemente povoam o PS. Não estou a ver o Jorge Sampaio em frente de um embaixador e de funcionários do Ministério a falar nos mesmos termos.
Por último, quem é que os carros da embaixada levaram ao aeroporto? Os jornalistas, que por sinal viajaram em executiva como sua Excelência.
Podemos dizer, e nisso conversei com quase todos, que não houve ninguém daquela delegação que tivesse ficado com saudades de José Sócrates.

Posteriormente tive no Ministério uma reunião com Sócrates e os seus Secretários de Estado e outros técnicos para preparar qualquer evento internacional. Era já notório, como já escrevi, como não ligava nenhuma a Rui Gonçalves e se virava sempre para o Silva Pereira para pedir a sua opinião. Já tínhamos um Secretário de Estado em ascensão.

Por isso, depois do que vi, o que se diz hoje de Sócrates parece-me que tem algum fundamento.

13/11/2009

O mundo avança e eu a discutir o meu umbigo


Passei dois dias a escrevinhar sobre, primeiro, as minhas visitas ao Muro e, depois, a fazer a história das chamadas Democracias Populares.
Não li nada do que se foi escrevendo sobre o assunto e agora, passados estes dias, descubro que quase todos os blogs de referência se pronunciaram e, como vai sendo costume, o 5 Dias até discutiu entre si.
Porque estou convencido que ainda tenho coisas a dizer, aqui vão mais umas tantas reflexões sobre o tema

É interessante seguir a discussão na blogosfera, e vou só referir-me a alguns posts. O do Daniel de Oliveira, no Arrastão e os de Bruno Sena Martins, Ricardo Noronha, Carlos Vidal, Nuno Ramos de Almeida, Zé Neves, Tiago Mota Saraiva, todos no 5 Dias e, por último, um post de Miguel Serras Pereira, inserido no blog de Joana Lopes, Entre as Brumas da Memória. Só dois pequenos apontamentos. O primeiro, como, de certeza, Joana Lopes faz um apertado controlo dos comentários, consegue na respectiva caixa um nível de discussão bastante elevado. O segundo, é que não me abalançarei neste post a analisar pormenorizadamente cada um deles. Limitar-me-ei a algumas reflexões avulsas.

Fica-se com a ideia depois de ler tudo aquilo que se escreveu nos blogs que a discussão é mais moral do que política e, na maioria dos casos foge da História, com H maiúsculo, “como o diabo foge da cruz”, salvo seja. Alguns acrescentam-lhe alguma discussão teórica, mas de um modo geral evitaram confrontar-se com o real histórico. Não pretendo ser melhor, mas para mim a análise da queda do Muro de Berlim e o carácter simbólico que teve, com fim de um bloco militar e político, só pode ser analisada no seu devir histórico e não por padrões éticos ou que reflictam simplesmente uma opção ideológica.

I – Como se sabe o bolchevismo era o ramo de esquerda da social-democracia russa, que por sua vez estava integrada no movimento social-democrata europeu, agrupado na II Internacional. A falência desta, dada a participação dos partidos aderentes nos Governos de unidade nacional, que desencadearam a I Guerra Mundial levou à divisão da social-democracia em correntes de direita e de esquerda. Na Rússia esta separação era já anterior a esta situação, mas a defesa da continuação da Rússia na Guerra por parte dos mencheviques, a corrente de direita, e a sua recusa, por parte dos bolcheviques, foi uma das razões do desencadear da Revolução de Outubro. Durante a Guerra, a ala esquerda dos partidos sociais-democratas foi-se separando do partido mãe, dando mais tarde origem aos partidos comunistas da III Internacional. Foi a sua adesão a esta que obrigou todos eles a mudarem o nome de sociais-democratas para comunistas.
Quero eu com isto dizer que existe um tronco comum entre a social-democracia e o comunismo. Eu sei que isto se passou há cem anos, que hoje tem pouco sentido falar da história desta divisão, mas parece-me demasiado forçado separar tão rigidamente os partidos que se reclamam da social-democracia, do socialismo, se se quiser adoptar a terminologia do Sul da Europa, e os comunistas. Em dadas circunstâncias históricas, como foi a época das Frentes Populares ou durante e pouco tempo após a II Guerra Mundial, houve sérios movimentos de aproximação. Nesse sentido, tanto Daniel de Oliveira ou Miguel Serras Pereira não deveriam fazer separações tão rígidas. Não há nenhuma muralha da China a separar aquelas duas correntes. Por isso, em alguns casos, já nossos contemporâneos, as duas se aliaram

II – A Revolução de Outubro foi sem dúvida uma tentativa vitoriosa de transformar o real, de acelerar a história, de dar o poder às classes não privilegiadas. Teve uma repercussão mundial importante e permitiu de modo insofismável formar em quase todos os países então existentes partidos comunistas ligados à classe operária. Isto é um facto histórico indiscutível e perdurará na história da humanidade.
Os revolucionários de Outubro estavam convencidos que a sua Revolução iria triunfar na maioria dos países da Europa Ocidental, principalmente na Alemanha. E até muito tarde acreditaram nessa possibilidade e foi a sua derrota no ocidente que obrigou a virarem-se para a Rússia atrasada e camponesa, o que teve consequências trágicas. Daí ser importante, ler o que Gramsci disse (ver aqui) sobre as sociedades orientais e ocidentais e a situação do Estado em cada uma delas. Isto remeto-nos para as fantasias do real, de que fala Carlos Vital. A discussão não é entre os revolucionários que querem pôr em prática a sua revolução e os utopistas que sonham com coisas irrealizáveis. A discussão é como é possível no Ocidente conseguir as transformações práticas necessárias à alteração da sociedade e daí a proposta gramsciana da “guerra de posição”, da “conquista da hegemonia” e da formação de blocos históricos que possam “dirigir” a sociedade.

III – Por razões intrínsecas à própria sociedade russa, dá-se a vitória de uma das correntes dos bolcheviques sobre todas as outras. É a derrota da NEP, Nova Política Económica, e dos seus defensores como Bukharine, é a vitória de Estaline contra os desejos de Lenine, é a colectivização forçada, naquilo que Estaline considerou a “revolução por cima”, e a consequente industrialização com trabalho quase escravo. A vitória desta facção transformou a União Soviética não num país socialista, em que os trabalhadores se auto-governavam, mas numa ditadura negra, que começa por eliminar as outras correntes comunistas, para depois, numa sangria imparável, levar os próprios adeptos de Estaline. No entanto, é bom que se diga como o afirma Moshe Lewin, O que foi sistema soviético*, que um dos erros de apreciação da União Soviética “consiste em estalinizar todos o fenómeno soviético, como se ele tivesse sido um Gulag gigante desde o início até ao fim”. Khrushchov, quando em 1956 denuncia o estalinismo, inicia uma nova época na URSS. A situação altera-se e os campos de trabalho forçado (Gulag) são abertos. Podem os críticos actuais, sem qualquer perspectiva histórica, dizer que foi sempre assim, eu diria que não e nesta análise encontro muitos historiadores sérios, como Moshe Lewin (ver O Século Soviético, Campo da Comunicação, 2004, tradução do Miguel Serras Pereira). Isto não quer dizer que a sociedade soviética fosse socialista, era segundo Moshe Lewin, no artigo citado, um “absolutismo burocrático”, muito inspirado no seu passado czarista. Mas é com a perícia do entomologista, que classifica e analisa a realidade, que esta sociedade tem que ser observada. Não é como afirma Moshe Lewin, no já refrido artigo , “tomar o anticomunismo como linha condutora para o estudo da União Soviética”… “O anticomunismo (e as suas vertentes) não é um conhecimento histórico: é uma ideologia mascarada. Não apenas não corresponde à realidade do “animal político” em questão, mas empunha a bandeira da democracia paradoxalmente: explorando o autoritarismo do regime da União Soviética em prol de causas conservadoras ou piores”. Depois enumera dois exemplos: o do macarthismo nos Estados Unidos, ou da direita alemã que “visando limpar a imagem de Hitler ao colocar em primeiro plano as atrocidades cometidas por Estaline acarreta um uso abusivo da história”. E termina “em defesa dos direitos humanos o Ocidente provou alta indulgência para alguns regimes e bastante severidade para com outros (isso para não mencionar as violações que ele próprio comete desses direitos).
Neste sentido, parece-me errado toda a simplificação que Daniel de Oliveira faz deste tema

IV – A queda do Muro de Berlim e o desmoronar do “socialismo” a Leste tem que se compreender no contexto da apropriação daqueles países pela União Soviética ou no domínio que sobre eles foi exercido por aquele país. Sobre isso já escrevi o post anterior e penso não ser necessário repetir. É por isso compreensível, os festejos da Alemanha e até se quiserem as palavras de Angela Merkel, que mereceram apressada transcrição, mas que no fundo, não esquecendo o seu passado, festeja com orgulho a reunificação do país ou as opções anti-comunistas que são tomadas nas diferentes capitais de Leste. Situação já diferente é a da Rússia e das Repúblicas que dela se separaram em que um reencontro com o seu passado e a delineação do seu futuro no complexo mundo actual são objecto de renovada procura, passado que foi a sua loucura ocidentalizante encabeçada por Boris Yeltsin.
Como diferente foi a situação na ex-Jugoslávia, onde foi preciso a intervenção forçada, primeiro da diplomacia Alemã e depois dos bombardeamentos da NATO, para desmantelar e subverter o país existente.
Diferente é também Cuba, que devido às características autónomas da sua revolução, conseguiu manter a sua independência, mesmo nos anos mais sombrios do desaparecimento da União Soviética e da era Bush, e quer queiram quer não, é hoje respeitada e acolhida no seio dos nascentes estados progressistas da América Latina. Sem servir de modelo, penso que seria estultícia nossa, ou de muitos que escrevem para a net tentar dar lições sobre os caminhos que Cuba deve trilhar. Lula, que respeitamos, Chavez, que é motivo de escárnio das almas bem pensantes e outros mais, não se têm permitido dar conselhos ao “velho regime”.
A China é outro caso que, de momento e devido à exiguidade deste post, tratarei noutra altura.

V – Por tudo o que foi dito, ser-se comunista hoje é perceber a complexidade do que foi o fenómeno histórico do movimento comunismo e pensar que o mundo passado já não ressuscita. O marxismo-leninismo, como expressão ideológica do grupo dirigente da União Soviética, é hoje uma aberração histórica, que já nada interpreta e para que nada serve. Por isso, ser comunista hoje é pensar que há outros grupos e novas grupos sociais com quem nos podemos unir e formular para futuro a possibilidade de se alcançar uma sociedade outra, tendo sempre presente que o esforço de agregação e de junção de forças é complexo e exige trabalho, mas está ao nosso alcance. Nesse sentido, os novos partidos de esquerda que por essa Europa e em Portugal vão nascendo são hoje, nas circunstâncias actuais de centro do mudo capitalista ocidental, a alternativa ao conservadorismo, ao neo-liberalismo e à deriva direitista da social-democracia.
Hoje, o PCP é de facto um obstáculo à compreensão destas novas emergências, o que torna mais difícil o trabalho de reorganização do pensamento da esquerda em Portugal, mas a sua participação nesta nova esquerda é indispensável, quer queiram seus dirigentes quer não.

VI – Por último, a questão do modelo levantada por Miguel Serras Pereira. Por tudo aquilo que fui escrevendo nada me leva a pensar que o modelo dito “socialita” possa, depois de regulado, como agora se diz em relação ao capitalismo, vir a ser reposto. Primeiro, porque nas sociedades ocidentais ninguém de boa fé prevê qualquer revolução. Segundo, porque os passos que a esquerda não social-democrata tem que dar ainda estão tão no início, que muita água ainda há-de correr debaixo das pontes até que democraticamente ela esteja em condições de aceder ao poder e qual o programa irá aplicar? O futuro será sempre uma procura de novas saídas e de novos desafios, não está, como não esteve para os bolcheviques desenhado desde o início. Mas os erros da sua experiência histórica poderão servir para não se fazer igual.

* Margem Esquerda, ensaios marxistas, Boitempo editorial, 2007, 10: 39-53.
A fotografia é do Monumento à III Internacional (1919-1920), de Vladimir Tatlin.
Este post era para ser publicado logo a seguir aos post sobre o Muro, mas a premência de fazer referência ao Avante ainda no dia em que foi publicado levou-me a atrasar a publicação deste

12/11/2009

Anda o estranho caso da nota do PCP sobre a passagem do 20º aniversário da queda do Muro de Berlim


Como a justificar a minha perplexidade por não ter encontrado no Avante da semana passada, nem no site oficial do PCP, o texto de uma nota que a Lusa dizia que tinha sido enviada por aquele partido sobre o 20º aniversário da queda do Muro de Berlim, verifico que neste último Avante a situação ainda é mais caricata.
No número desta semana vem, com chamada à primeira página, o seguinte: Alemães de Leste preferem socialismo e depois transcreve o seguinte parágrafo: as ditas “comemorações” do 20º aniversário da queda do Muro de Berlim são pretexto para mais uma campanha anticomunista e depois remete para a página 19. Estava cheio de esperança de encontrara finalmente a tal nota e não é que na página 19 não há qualquer referência ao assunto. Por fim percebi, estranhamente esta era a notícia de primeira página que estava no Avante da semana passada e que correspondia à notícia sobre as tais sondagens que eu referi. Ou seja, havia uma gralha neste Avante que tinha uma notícia de primeira página que repetia a do Avante anterior.
Mas de tal nota é que não havia qualquer referência. Hoje estou quase à admitir que a Lusa não inventou, porque todas as referências a este assunto, incluindo o discurso de Bernardino Soares no Parlamento, passando por estes inarráveis textos na rubrica Actual, O Muro de Berlim e A propósito d’”O Muro” e terminando na Crónica Internacional, Histeria reaccionária, nada faz pensar que a Direcção do PCP tinha algum rebuço em se pronunciar sobre aquele acontecimento nos termos em que o fez.

Do primeiro texto do Actual destacaria a chamada “queda do muro de Berlim” foi difundida pelos media e conduzida por uma assinalável “santa aliança” entre a extrema-direita, direita, social-democracia, ex-comunistas e a chamada “nova esquerda”. Santa arrogância que sente que só o PCP é detentor da verdade, incapaz de analisar com o mínimo de rigor o que se passou. Quando estas coisas são ditas vai-me uma tristeza na alma, que me interrogo como pude eu ser camarada de gente desta, que tal como os fascistas manifesta um ódio a tudo que não alinha pela sua bitola de pensamento.

10/11/2009

A queda de um muro. Reflexões históricas


Como eu esperava ninguém me respondeu à pergunta sobre onde pára o tal comunicado do PCP sobre o 20º aniversário da queda do Muro de Berlim. Ou porque não me lêem ou porque não sabem.

Antes de mais um estado de espírito. Ouvi ontem num programa da SIC Notícias, que tem dedicado longas horas a este tema, alguém da ex-RDA ou que lá tinha regressado, que “uma derrota é uma derrota”. Ninguém, que ainda se considera comunista, pode comemorar com alegria o fim, mesmo que simbólico, daquilo em que acreditou. Mas o problema não está só aí, é que podemos hoje dizer, e houve muitos que ao longo do século XX o foram dizendo, não sendo anti-comunistas, que aquela experiência nada tinha a ver com o socialismo, nem com a construção do comunismo e, por isso, a sua derrota foi benfazeja porque acabou com uma ficção. O seu fim podia mesmo ter dado lugar à construção de uma outra sociedade, essa sim a caminho do socialismo. Mas, para nossa desgraça, a alteração veio atrasada no tempo. Talvez com Khrushchov isso ainda fosse possível, talvez com a Primavera de Praga alguma coisa ainda se pudesse alterar, ou nos anos 20, se Estaline, como Lenine desejava, não tivesse vencido. São demasiadas hipóteses que não se confirmaram. Mas dizia eu que o problema não estava só na derrota ou mesmo, para os mais optimistas, no acabar com uma ficção. O problema central, e que pode ser mascarado com o acesso daqueles povos à democracia, é que quem venceu foi um sistema iníquo, o capitalismo, e mesmo sendo democrático no seu centro, isso não lhe altera a substância e o seu carácter agressivo. Ou seja, ao contrário, do que alguns ingenuamente pensaram com o fim da guerra-fria, os blocos militares não desarmaram, nem a guerra foi banida, em alguns casos tornou-se mesmo infinda. Por isso gostaria de terminar esta parte com a afirmação de que a saída do “socialismo real” ou do que alguns classificam como o capitalismo de Estado, não foi para uma sociedade melhor, como aquela que foi perscrutada no final da Segunda Guerra Mundial, mais à esquerda, mas consistiu na vitória do conservadorismo e do neo-liberalismo e na derrota do comunismo, mas também da social-democracia. Por isso entendo que hoje, para além da justa crítica e da reflexão precisa do que foram as sociedades do “socialismo real”, temos que convir que não caminhamos para um mundo melhor.

Estas são reflexões gerais e de estado de espírito. Mas falemos da história.
Os países do Leste europeu, quando a Segunda Guerra Mundial começou eram, de um modo geral, países atrasados, governados por monarquias anacrónicas e apoiadas em ditadores ou mesmo governos de natureza fascista. Salvava-se desta situação a Checoslováquia, que tinha tradições democráticas, era mais desenvolvida que os países referidos e tinha um forte movimento comunista. Alguns daqueles países, como a Polónia, tinham graves contenciosos com a Rússia e serviram de tampão para a expansão do movimento comunista para a Europa Ocidental.
Como resultado da divisão da Europa em Yalta, entre a URSS e os Aliados Ocidentais, foi atribuída àquela, os países que integravam o que ficou conhecido pela Europa de Leste. E foi-lhe concedido porque esses países já estavam a ser libertados pelo Exército Vermelho. Tivessem os americanos desembarcado um ano antes na Europa ou tivessem, como queria Churchill, mas de muito difícil execução e de duvidosos proveitos, atacado a fortaleza Europa pelo Sul – viu-se o que aconteceu em Itália, onde subiram a passo de caracol – nunca a Europa Leste teria sido socialista. Provavelmente, ainda hoje alguns daqueles países seriam governados por alguma monarquia anacrónica ou algum tiranete de opereta.
Ou seja, o socialismo nos países de Leste foi imposto com a ajuda das baionetas do Exército Vermelho, o que não significa que não tivessem havido movimentações políticas importantes e verdadeira luta inter partidária. Os povos de Leste viram no Exército Vermelho os seus libertadores e os comunistas começaram sem dúvida a ganhar força, não só por terem resistido ao nazi-fascismo, mas por serem portadores de transformações sociais profundas em países onde se registavam grandes desigualdades sociais e atrasos estruturais evidentes. Mas, havia casos, como a Roménia onde eram praticamente inexistentes. É bom igualmente que se diga que esses partidos integravam Frentes Nacionais, com outras organizações políticas anti-fascistas e que o objectivo de Estaline era o do estabelecimento das chamadas Democracias Populares, que correspondiam grosso modo àquilo que o nosso PC propunha no seu programa como a Revolução Democrática e Nacional. No fundo era a tradução concreta do célebre “estado intermédio” ou “etapa intermédia”, entre o fascismo e a revolução socialista, já defendidos pela Internacional Comunista, no seu VII Congresso, em 1935.
Convém também acrescentar que a Checoslováquia e a Jugoslávia foram, por razões diferentes a excepção aos restantes casos. No primeiro país, os comunistas ganharam as eleições, com 38% dos votos, e portanto tiveram possibilidades de formar governo democraticamente. No segundo, os exércitos de Tito expulsaram os alemães antes da chegada dos russos e como o partido comunista saiu vitorioso na guerra de guerrilha, não estava interessado em fazer unidade com as restantes forças anti-fascistas, quase inexistentes, e em estabelecer um “estado intermédio”. Os jugoslavos defendiam e implantaram, ao contrário do que desejava Estaline, uma República Socialista.
A responsabilidade pelo início da guerra-fria é ainda hoje objecto de discussão histórica. Mas, não há dúvida que ela começa quando na Conferência de Potsdam, ocorrida já depois da guerra na Europa ter acabado, mas antes da vitória sobre o Japão, Truman avisa Estaline que já possuía uma “nova arma potente” e dias depois lança-a em Hiroshima e Nagasaki, ameaçando assim, mesmo que indirectamente, a URRS com a bomba atómica. Seja como for Estaline sempre limitou a sua área de influência aos países que lhe tinham sido atribuídos em Yalta, permitindo assim que os comunistas gregos, cujo país não estava na sua área de influência, fossem sacrificados num guerra civil cruenta conduzida primeiro por ingleses, depois por americanos.
O calendário é apertado e não me interessa agora enumerá-lo, mas ao Plano Marshall americano para apoiar o ocidente e permitir expulsar os comunistas dos Governos de Unidade Nacional estabelecidos a oeste correspondeu, por parte da União Soviética, à tomada do poder pelos Partidos Comunistas nos países de Leste, cujo exemplo mais significativo é o chamado Golpe de Praga (1948), em que os comunistas checos tomam sozinhos conta do poder expulsando todos os outros partidos da coligação governamental. A ficção das chamadas Democracias Populares, os tais “estados intermédios”, dá lugar à socialização forçada da economia e uma integração ainda mais forçada nos interesses económicos da União Soviética. Culminando tudo isto, no início dos anos 50, tal como nos processos de Moscovo de 1936-38, com o julgamento, na maioria das capitais dos países de Leste, de vários dirigentes comunistas (Processo Rajk, Budapeste, 1949; Processo Slansky, 1952, Praga). Tito, porque tinha maior poder e independência, resiste às directivas de Estaline e é expulso do movimento comunista e acusado dos piores desvios (1948). É mais uma vez o horror em nome do socialismo. Estes factos, hoje muito esquecidos, levaram à condenação à morte de muitos dirigentes dos PC nacionais, só porque em alguma vez na vida tinham defendido a independência dos seus partidos. Se tiver tempo ainda um dia hei-de relembrar aqui os heróis comunistas mortos pela sangria estalinista. É pois neste contexto desgraçado que a experiência socialista começa nas Democracias Populares. Depois são as ingerências, as mudanças de estilo. Ainda hoje foram mostradas nas televisões os protestos populares de 1953, na RDA. Ora elas correspondem à morte de Estaline e à luta pelo poder na ex-URRS. Parece que Beria, o terrível, as apoiou, contra a direcção que depois o matou. Em 1956, as alterações na Polónia e principalmente na Hungria, tiveram a ver com a destalinização iniciada por Khrushchov. Foi a alteração da equipa dirigente da URSS, com a subida ao poder de Gorbatchev, que deu também origem à queda do Muro de Berlim e depois ao desmoronar do “socialismo real” nos países de Leste.
Estes nunca foram verdadeiramente independentes desde o final da II Guerra Mundial, apesar da sua história, como a da URSS, não ser toda homogénea neste últimos 60 anos. Compreende-se pois bem que a queda do Muro fosse para estes países, não sei se para todo o seu povo, o aceder a uma liberdade que ainda não tinham conseguido alcançar.


Terminaria, para aqueles que acham que em termos globais nós devemos festejar a queda do Muro com a sentença de António Vitorino hoje na RTP I. A queda do Muro de Berlim só veio confirmar que não há alternativa à economia de mercado e que a única coisa que temos que fazer é regulá-lo. É por estas e por outras que a mim não me apetece comemorar a sua queda.
Cartaz de o filme A confissão (L’Aveu), 1970, de Costa Gravas, cujo argumento se baseia na obra, com o mesmo nome, de Artur London e é relativa ao Processo Slansky, que envolveu igualmente aquele autor.
PS. (11/11/09):
Como já vem sendo hábito, há pequenas alterações no post de carácter redaccional .

09/11/2009

A Queda de um muro. Histórias pessoais


Já agora começo por algumas histórias pessoais.

Visitei o Muro de Berlim pela primeira vez em Setembro de 1978. Lembro-me da data, porque estava em viagem pela RDA (República Democrática Alemã) e alguém disse que o Papa João Paulo I tinha morrido, como foi um pontificado breve, memorizei esse facto e depois foi só ver no Google.
Era daquelas viagens organizadas pela Associação Amizade Portugal-RDA, com a colaboração da Agência Abreu, que tinha funcionários comunistas especialmente preparados para isso. Fomos logo no início levados à porta de Brandenburgo e ao Muro que a rodeava e onde pude verificar que do lado de lá havia umas escadinhas onde os turistas podiam subir para espreitar por cima do muro para o lado de cá, o mundo comunista. Numa sala, que se situava perto, um oficial da ex-RDA demonstrou por a+b como tinha sido necessário a sua construção e descreveu as provocações diárias do “imperialismo”. Como a ilustrar o que ele tinha acabado de dizer lá vimos um helicóptero da NATO quase a ultrapassar o muro, sobrevoando perigosamente a zona onde nós estávamos. Fiquei convencido. Estava de repente e involuntariamente na fronteira onde se confrontavam o “mundo socialista” e o capitalista.
Depois, nas conversas com o guia e com algumas trabalhadoras com quem falei (a minha mulher sabia alemão) vim com uma ideia mais matizada do que era a RDA.
Lembro-me do guia ter dito que o verdadeiro milagre económico tinha acontecido na Alemanha de Leste, porque Estaline, depois da Guerra, tinha desmantelado toda a indústria, que já não era muita naquela zona da Alemanha e tinha-a transportado para a URSS, como compensação pelos estragos sofridos. Pelo contrário, a Alemanha Ocidental foi enormemente beneficiada com o Plano Marshall dos americanos. Este facto foi confirmado por mim em várias fontes escritas.
Uma das coisas que me tinha espantado era ver nos locais de trabalho a fotografia dos trabalhadores que se tinham destacado no último mês. Com alguma ousadia perguntei, por intermédio da minha mulher, às trabalhadoras que encontrámos numa espécie de bar onde fomos beber uns copos, como é que os mesmos eram seleccionados. Simples, era rotativo, umas vezes eram escolhidos uns outras vezes outros, chegava a todos.
Depois lembro-me de uma conversa sobre batatas. Se todos os dias também comíamos batatas. Pelos vistos isso acontecia com aquelas trabalhadoras. Achámos graça. Mas sinceramente já não me recordo do que se falou mais.
Lembro-me de ter perguntado ao guia se estavam publicadas na RDA as obras completas de Rosa Luxemburgo, a revolucionária social-democrata alemã, e heroína da Revolução Espartaquista de Berlim de 1918 e que tinha sido assassinada por militares, com a cumplicidade do Presidente e do Ministro do Interior, que pertenciam ao partido social-democrata alemão. Tive uma semi-resposta, este lembrou-me que aquela socialista defendia que a liberdade era também a liberdade de divergir.
Sei que quando cheguei a Lisboa e houve uma reunião na Associação Portugal-RDA para discutirmos colectivamente a viagem eu fiz críticas e levantei alguns problemas resultantes do que tinha ouvido e visto. Sei que uma das camaradas rapidamente se apressou a classificar as trabalhadoras que tínhamos encontrado naquela noite como “putinhas”. E porquê, imagino eu, porque além de estarem à noite a beber copos sem macho, acharam, não de mim, que já era um pouco entrado, mas de dois homens jovens que integravam a excursão, que eram lindíssimos e disseram-no claramente à minha mulher. Já se sabe que a camarada, provavelmente uma simpatiquíssima senhora, tinha já idade para ser mãe delas e portanto já em menopausa adiantada. Mas sei que as minhas opiniões foram criticadas por alguns camaradas que velavam pela ortodoxia da visita.

A segunda vez que fui à RDA, devo confessar, foi a expensas do Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), subsidiário do Conselho Mundial da Paz. Fui ao Festival de curta-metragem e de cinema de animação de Leipzig, que tinha como mote a Paz. Depois de uma consulta no Google verifiquei que o Festival continua, já vai na 52ª edição. Este ano teve lugar entre 26 de Outubro e 1 de Novembro. O festival chama-se DOK Leipzig e continua a exibir o mesmo tipo de filmes.
A minha deslocação devia ter tido lugar no início dos anos 80 e em data igual à da última edição, porque quando fui já não tinha quase nenhumas férias para gozar.
Por essa época, tinha retomado as minhas funções de cineclubista, que tinha desempenhado no nos anos da minha juventude, e pertencia à direcção do ABC Cine-Clube de Lisboa. No PCP, integrava a Direcção do Sector Intelectual de Lisboa, com a responsabilidade pelo que restava dos cine-clubistas da capital. Carlos Aboim Inglês, de que já falei vai para dois posts, achou por bem que quem fosse aquele Festival, devia ser quem tinha responsabilidades no Sector Intelectual por aquela área. Isto porque a ida a este tipo de eventos era muito disputada e havia uns enviados crónicos que asseguravam sempre a representação portuguesa nestes acontecimentos que se realizavam a Leste. Lembro-me que um dos camaradas que costumava ir andou freneticamente atrás de mim, porque não estava interessado em perder o barco em futuras idas, para que eu lhe desse toda a documentação que tinha recebido e lhe prestasse todas as informações. Deu-me pena. Mas fiquei a compreender melhor a natureza humana.
A delegação portuguesa que ia em nome do CPPC era composta por mim e pelo realizador Luís Filipe Rocha. Tinha sido eu que tinha sugerido o seu nome, pois tinha visto o seu filme Cerromaior (1981) e tinha gostado. O nome mereceu a concordância do CPPC e o realizador estava disponível para ir. Penso que nunca se deixou seduzir pelo viu, mas na altura era um homem de esquerda, que tinha feito a Fuga (1977), sobre a fuga de Dias Lourenço do forte de Peniche. Nunca percebi o que o levou a fazer Camarate (2000), mas os destinos do cinema em Portugal são insondáveis e hoje já sou incapaz de opinar sobre cinema português.
Directamente convidadas pelo Festival ou por outras organizações houve mais gente que fazia parte da delegação portuguesa. Foi e veio connosco no avião uma ex-locutora da televisão, na altura bastante nova e bonita, a Fátima Medina, que por ser casada, ou ter sido casada com um Medina, da família do Cunhal, mal chegou a Leipzig passou a ter um crachá com o nome de Medina Cunhal ou Cunhal Medina. Sei que o nome de Cunhal aparecia. Boa carta de apresentação para abrir todas as portas na RDA. Por sinal era muito simpática e demo-nos muito bem, mas suspeito que não viu nenhum dos filmes do Festival. Ou estava a comprar coisas ou a namoriscar, segundo diziam as más-línguas.
Quem já lá estava e penso que tinha projectos cinematográficos com a RDA, era o Manuel Costa e Silva, o director de fotografia de alguns filmes portugueses, já falecido. Fomos um dia visitar em Dresden o museu Gemäldegalerie Alte Meister (Galeria de Pintura dos Velhos Mestres), que eu já conhecia da primeira viagem, onde se podia ver grande parte da obra de Vermeer. Foi um reconhecimento e desde aí nunca mais me separei deste pintor, que encima a página principal deste blog. A obra A leiteira está no Rijksmuseum, de Amesterdão.
A situação mais ridícula porque passei nesta viagem foi alguém do cine-clube me ter pedido para levar à namorada, que estava a estudar em Leipzig, um embrulho, que eu religiosamente levei com algum custo, porque era grande, na bagagem de cabine. Entreguei à dona e ninguém teve o cuidado de me informar qual o seu conteúdo, coisa que se fosse hoje nunca faria, sem saber o que estava a transportar. Depois, maldosamente alguém insinuou que eu tinha transportado para a RDA pensos higiénicos, que era coisa que lá não havia.
Mas há mais episódios. Quando chegávamos era-nos dado, coisa que eu não sabia, uma pequena quantia de marcos da RDA para gastarmos na alimentação, pois só nos pagavam a viagem e o hotel. Eu levava marcos do ocidente. Os suficientes para cobrir as despesas que fosse necessário fazer. Nessa altura não havia ainda os cartões de crédito. Já se sabe que não resisti a trocar os meus marcos ocidentais no mercado negro, que não era negro, pois toda a gente o fazia às claras, por marcos da RDA. O câmbio oficial era de um marco ocidental para um oriental. Pois eu consegui por um ocidental obter quatro orientais. Pode-se dizer que foi a primeira vez na vida que me senti verdadeiramente rico. Não sabia onde gastar o dinheiro. Comprei livros de arte, comi bem, adquiri discos ainda de vinil, que como eu não percebia a língua não eram aquilo que eu queria, mas acho que no final lá consegui despachar todos os marcos, pois ninguém os aceitava no Ocidente. O Luís Filipe Rocha aproveitou para se vestir e comprar velhas máquinas de fotografia, que eram quase objectos de museu, que depois teve alguma dificuldade em fazer passar na fronteira.
Havia muitos estudantes portugueses e africanos a estudar em Leipzig, que aproveitaram a nossa estadia para falarem com os portugueses que frequentavam o Festival. Foram conversas longas. Falámos com grande abertura. Se a Stasi nos escutava, era em português. No fundo, todos éramos críticos disto e daquilo, mas todos aceitávamos o regime. Hoje se tentar espremer o que se disse não me recordo de nada que fosse relevante.
Também conviveu com a nossa delegação o Luandino Vieira, o escritor de Angola, que estava lá com o filho. Houve críticas veladas como era possível que um jovem, em idade militar e com o país em guerra, estar a usufruir das “delícias” do socialismo.
Houve algumas cenas também caricatas ou que, pelo menos, eu não estava habituado. O presidente do ABC Cineclube que desde sempre tinha ido àquele Festival - não foi quem me atormentou o juízo por ser eu a ir e não ele, foi outra personagem medíocre e “pequenina” - pediu para que eu comprasse no aeroporto uma garrafa de Vinho de Porto e a entregasse ao Director do Festival em seu nome e no meu e ao mesmo tempo deixasse no ar a ideia dos filmes do Festival poderem ser exibidos em Portugal, como já anteriormente tinha sucedido. Lá pedi uma entrevista ao senhor, com intérprete para português e depois de umas amabilidades, puxei da garrafa e dei-lhe. O homem ficou, pareceu-me, atrapalhado, porque não tinha nada para me retribuir. Foi buscar uma medalha em barro do Festival e deu-ma. Ainda hoje a conservo, não sei a onde.
Os filmes nunca chegaram a vir. O Costa Silva, que também se considerava dono daquele certame, manifestou na altura igualmente interesse e tantos galos para uma só poleiro era manifestamente demais para mim, ainda por cima não sendo eu da “arte”. Andava nisto porque gostava de cinema e era militante do PCP. Anos depois estava rapidamente a deixar o cineclubismo e a direcção do Sector Intelectual do PCP, onde só voltei pela mão da Helena Medina, a mulher do Edgar Correia.
Por último, aquilo que fui lá fazer que era ver os filmes do Festival. Houve coisas que gostei muito e que gostaria de rever. Lembro-me de alguns documentários que tinham imagens dos comícios de Hitler que me impressionaram extraordinariamente. Houve reposição de alguns documentários sociais de Joris Ivens, o cineasta holandês, mestre do documentarismo e comprometido com a esquerda – pelos vistos este ano houve mais uma vez uma retrospectiva de Joris Ivens. Quando cheguei, fiz um relato para a página cultural de O Diário, que deve andar por aí. Faz parte dos meus objectivos, se ainda tiver tempo, pôr os textos que fui escrevendo ao longo da vida na net.
O regresso foi acidentado, porque, por razões que hoje já não me recordo, só me deram bilhete de ida, dizendo depois que no local me davam o de regresso. Estive praticamente até ao fim, eu e o Luís Filipe Rocha, à espera desse bilhete. O realizador não estava muito preocupado, achava que não o deixavam lá ficar. Eu, como o principal responsável pela delegação do CPPC e sempre preocupado com situações menos claras, comecei-me a enervar. Ainda por cima vi a Fátima Medina, que regressava connosco, já com bilhete e eu sem nada. Por último, já nem me recordo como, à última da hora, lá apareceram os bilhetes salvadores.
É evidente que nada disto tem a ver com o Muro de Berlim. Mas está mais ou menos relacionado e conta a história de uma delegação portuguesa a um país que já desapareceu.

A terceira história passa-se já depois de 89, mas pouco depois. Deve ter sido no início 1990. Fui a Berlim Ocidental, ainda não se tinha dado a reunificação alemã e o muro ainda existia, mas já meio escaqueirado. Podia-se, se quisesse, ir ao lado de lá. Mas não fui.
Fui numa viagem em serviço. Quando as reuniões acabavam e durante o fim-de-semana visitei Berlim Ocidental, que não conhecia e fui várias vezes até ao Muro e ao Checkpoint Charlie. Passeei pelo jardim situado perto da Porta de Brandenburgo e do Muro, o Tiergarten. Fui uma vez acompanhado de um velho conhecido meu, investigador francês em áreas afins às minhas, que tinha militado no PCF e não sei se naquela altura ainda por lá andava. Visitámos o Muro ou o que dele restava como os derrotados do comunismo. Vendiam já na altura pedaços do mesmo, mas eu fui apanhar alguns do chão, muito pequenos, porque os maiores eram para venda. Também se vendiam medalhas e quinquilharia do Leste. Mas a imagem para mim mais imorredoura foi a que vi, ao passear no jardim, uma série de famílias com carrinhos de supermercado cheios de televisões e vídeos, todas a dirigirem-se para Leste. Foi igualmente nesse mesmo jardim que eu vi autocarros carregados, pelo menos na parte de trás dos bancos, com televisões e vídeos. Não vale a pena fazer comentários. Foi a realidade que eu observei com os meus próprios olhos. Um mundo tinha acabado.

Em próximos episódios tirarei as conclusões.
PS. (11/11/09): Mão amiga sugeriu-me que corrigisse no final o nome do Luís Filipe Rocha, que estava trocado com o de outra pessoa. Aproveitei também para rever o texto.

08/11/2009

O estranho caso da nota do PCP sobre a passagem do 20º aniversário da queda do Muro de Berlim


Comecei de forma enviesada a ler nos blogs referências às posições do PCP sobre a passagem do 20º aniversário da queda do Muro de Berlim. Encontrei mesmo referências ao Avante, achei por isso necessário ir ler aquele jornal, já que, por razões que não vêm aqui ao caso, o recebo semanalmente em minha casa. Estranhamente, não encontrei qualquer editorial, qualquer comunicado sobre aqueles acontecimentos, a não ser uma notícia redigida para a secção Europa, semelhante a muitas outras que lá se publicam, encimada pelo título 20 anos de retrocesso, os alemães de Leste preferem socialismo. A notícia tinha alguns dos ingredientes que têm vindo a ser noticiados, mas não todos e depois explanava-se numa sondagem promovida pelo Governo Federal Alemão “entre a população de Leste sobre as actuais condições de vida em comparação com a experiência da RDA socialista.”, garantindo que a «a maioria dos inquiridos considera que a antiga República Democrática Alemã (RDA) tinha “mais aspectos positivos que negativos”» e termina com a defesa de Erich Honecker em tribunal, quando foi julgado em 1992, na Alemanha. O estilo era o de A defesa acusa, tão utilizado pelos comunistas desde a célebre defesa de Dimitrov nos tribunais nazis.
Depois disto fui ler melhor os blogs que faziam referência ao comunicado do PCP e nenhum tinha qualquer link para esse comunicado, e por vezes remetiam para outros blogs que continuavam a citar o comunicado do PCP. Todos, no entanto, faziam referência que a notícia tinha sido dada pela Lusa, mas, para minha desgraça, também não tinham nenhum link para a notícia original. O mais próximo que consegui foi obter no blog Câmara Corporativa a transcrição, parece-me que na íntegra, da notícia da Lusa, sem a linkar. Dizia-se nela, entre outras coisas: "As “comemorações de regime” a que assistimos – com o seu carácter profundamente anti-comunista – são uma operação de reescrita da história e de branqueamento do capitalismo", critica o PCP numa nota enviada à Lusa a propósito dos 20 anos da queda do Muro de Berlim".
É natural que uma nota enviada à Lusa fosse transcrita para o Avante, era isso que se esperava do jornal do Partido. Era também natural que no site oficial essa nota tivesse sido transcrita, mas nada.
Não duvido que a Lusa tenha recebido ou pedido um comentário ao PCP sobre aqueles acontecimentos, mas seria lógico que para não haver deturpação do que se dizia que a dita nota ou comentário fosse transcrito na íntegra por qualquer órgão oficial do PCP. Isto digo eu, que não sou do PCP. Até porque na referida notícia da Lusa a parte referente explicitamente à ao ex-mundo socialista é só esta: “intensifica-se a opressão e a exploração dos povos – a começar por muitos dos ex-países socialistas, com a regressão de direitos laborais, a privatização de funções do Estado, com a ofensiva contra direitos e liberdades historicamente alcançados", com visíveis patetices no que se refere “à regressão dos direitos laborais” ou “à ofensiva contra direitos e liberdades historicamente alcançados”. Porque se lerem bem tudo mais é relativo ao nosso actual mundo e afirmar que ele está melhor do que há vinte anos é um pouco forçado.
Dito isto, gostaria ao menos que alguém me esclarecesse sobre esta nota e se de facto ela existiu e em que termos. Provavelmente ninguém me responderá. Quanto ao muro e a sua queda reservar-me-ei para depois.

07/11/2009

Os criadores de ilusões


Tenho-me vindo a insurgir no meu blog, em inúmeros posts que não vale a pena enumerar, contra todos aqueles que criaram a ilusão que era possível uma viragem à esquerda ou que Sócrates fosse capaz de alianças à sua esquerda, ou que, mesmo governando sozinho, podia presidir a um governo que fosse uma aliança de PS+PS de esquerda (Manuel Alegre), um pouco ao estilo da Câmara de Lisboa. A verdade é que tirando a presença de João Correia, o presidente do MIC, de Manuel Alegre, como Secretário de Estado, ou, concedo, a manutenção da Ministra da Saúde, que hoje é mais uma executante da política de Sócrates, em tom soft, e a nomeação de Alberto Martins, que já pertencia, como presidente do Grupo Parlamentar do PS, à equipa deste, as alianças à esquerda não se verificaram.
Mas mais, depois de lançarem o abaixo-assinado para um Compromisso de Esquerda, que teve morte imediata, mal se percebeu que não tinha qualquer futuro, nunca mais se viu os seus principais subscritores a intervirem na sociedade portuguesa. Por exemplo, André Freire, um dos seus maiores impulsionadores e tão activo no comentário político antes e durante as eleições, nunca mais publicou, que eu lesse, nenhum artigo na imprensa e digo-o com pena, porque bem gostava das suas opiniões.

A verdade é que a derrota do PS de Sócrates nas eleições europeias foi um bálsamo para este e para o seu núcleo dirigente. Foi a partir daí que depois de alguma desorientação e muitas asneiras, conseguiu a unidade do partido e arrastar muita gente de esquerda, que assustada pela possível vitória de Manuela Ferreira Leite, logo se foram abrigar debaixo da asa protectora do PS. Criou-se o mito de que finalmente seria possível realizar o sonho de Sá Carneiro, uma maioria e um Presidente, e que tudo poderia terminar com a vitória de Santana Lopes para a Câmara de Lisboa. A primeira consequência foi Helena Roseta ter feito um pacto coligatório com António Costa e pôr Manuel Alegre a afirmar que aquilo que se tinha conseguido para Lisboa também se poderia obter para o país. Apesar de prudentemente não ter integrado as listas de Sócrates e ter escrito alguns artigos um pouco mais agrestes – ser candidato da esquerda à Presidência a tanto obriga – . Mas esta é história passada e eu já escrevi muito sobre ela, até porque a vivi intensamente.
Hoje, decorrido todo este tempo, depois da vitória do PS, com maioria relativa, de António Costa ser eleito para a Câmara de Lisboa, nomeado Sócrates para formar Governo e este investido, podemos concluir que mais uma vez certa esquerda se enganou ou se deixou facilmente enganar.
Sócrates, depois da nomeação do Governo, da encenação que montou com as pretensas consultas aos partidos e apresentado o seu Programa na Assembleia da República continua igual a si próprio, sem esboçar os mínimos compromissos à esquerda, arrogante e pretendo, como sempre, levar o seu grupo dirigente à vitória, incapaz de ter para o país qualquer proposta de saída progressista. Mesmo que agora tenha perdido o seu ímpeto reformista, que no fundo era reformar a favor da direita, e falado do papel do Estado na regulação e no impulso à economia, como o tem vindo a fazer desde que a crise rebentou, continua a ter a mesma trajectória, de aldrabice e de chico-esperto, tão caro a PS tradicional. A fingida consulta aos partidos é um dos exemplos, mas a tentativa de manutenção da avaliação dos professores e de diálogo com os sindicatos é outra das manobras para fugir a um acordo na Assembleia da República.
Penso que ninguém à esquerda de boa fé poderá dar qualquer estado de graça a Sócrates e a este seu Governo. Mais uma vez se demonstra como depois das eleições europeias houve um conjunto de gente, uns mais bem intencionados que outros, a semearem ilusões sobre a necessidade de nos agregarmos todos sobre a aba protectora do PS.
E se a experiência com António Costa teve a virtualidade de derrotar Santana Lopes, ela não é minimamente transponível para o Governo e nada nos garante que à primeira dificuldade não se esboroe toda.
Por último, constatar um facto. A defesa do Governo na Assembleia da República, foi feita pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, que fez a intervenção mais ideológica e que balizou com maior clareza a as linhas políticas com que nos iremos coser nos próximos tempos. Advertiu que alianças com o Bloco e PCP eram impossíveis, por uma série de razões de fundo, entre elas a inserção em blocos estratégicos – temos aqui mais uma vez a NATO –. Reafirmou o PS, como um partido da esquerda democrática anti-totalitária, como se, por exemplo, o Bloco fosse totalitário e depois lá concedeu, pensando no casamento dos homossexuais ou em alguma medida social mais controversa que podiam ser votadas pela esquerda, à esquerda do PS. O resto foi um claro namoro à direita, realçando todos os pontos em que no futuro seria possível acordos com ela. Para princípio do Governo estamos conversados, quando é o mais belicoso ministro pró invasão do Iraque que dá o tom ideológico e político do Governo estamos entendidos sobre qual a sua orientação política futura.

06/11/2009

Anda uma grande agitação na blogosfera: o caso de "5 Dias" – II


Cada um tem a sua própria agenda. Há os que todos os dias ou várias vezes ao dia põem um post novo sobre o que está a acontecer no país e no mundo ou aqueles, como eu, que por vezes lhes dá, com grande desfasamento, para pensarem sobre o que se vai postando na blogosfera. Não sou melhor que os outros, simplesmente sou mais lento a escrever e por isso quando faço qualquer comentário sobre os acontecimentos do dia já a minha opinião se tornou inútil. Mais vale escrever sobre temas que me incomodam , do que comentar notícias ultrapassadas.

Dito isto, uma pequena referência ao nome do post. Poderia ser o caso de Rita Rato, mas como não queria dar importância ao mesmo, chamei-lhe o caso de 5 Dias, pois foi neste blog que houve uma troca de opiniões mais acesa sobre aquele fait-divers.

Como é evidente tudo começa com a defesa de Rita Rato sobre a sua não resposta ao que era o Gulag quando questionada sobre o assunto, mas depois a discussão vai tomando forma e passa rapidamente para o próprio regime soviético, a ditadura na China, a liberdade de imprensa em Cuba e o próprio Gulag.
Ricardo Noronha começa com A culpa é do manchinhas e Carlos Vidal responde-lhe: Ainda a polémica sobre Rita Rato e uma rejeição completa do “socialismo democrático.
Este texto de Carlos Vidal é espantoso. Não conheci Carlos Vidal quando andei pelo Sector Intelectual de Lisboa do PCP, mas se ele fosse fazer esta conversa para os camaradas daquele sector, era ouvido com um sorriso nos lábios, pois pensariam que estava a efabular sobre coisas de que não tinha a mínima ideia. Se encontrasse então o Carlos Aboim Inglês, que foi um dos seus responsáveis e que era “teso” para o debate ideológico, era de certeza arrasado. Mas, porque me é dado perceber, começa a ser prática de alguns novos-vindos ao PCP e que escrevem no 5 Dias, repetirem por novas palavras, mais modernaças e menos perceptíveis, o mesmo que os velhos marxistas-leninistas “daquela casa” dizem, com os ensinamentos que foram beber à “Escola do Partido”, que eu também frequentei em cursilhos de fim-de-semana, ou então nos cursos mais demorados na URSS. Valha-nos ainda no “sector” (penso que ainda pertencem ao mesmo) a sensatez e a inteligência de intelectuais como um Manuel Gusmão ou como um João Arsénio Nunes, porque prosa desta é de uma pedanteria insuportável. São os ares dos tempos.
A partir do conceito de “acontecimento” e de “sequência política” Carlos Vidal pretende explicar a novidade da Revolução de Outubro e a acção de Gorbatchov, o “manchinhas”, que, como ele diz, “veio interromper a sequência “existência do estado socialista soviético”.
Ora a novidade da Revolução de Outubro, utilizando a terminologia clássica marxista, foi a transformação de uma revolução democrático-burguesa atrasada (a Revolução de Fevereiro, de 1917), numa revolução socialista vitoriosa (a Revolução de Outubro de 1917), que uniu uma classe operária incipiente ao imenso campesinato russo, desejoso de terra e de paz para a poder trabalhar. Esta foi a obra dos bolcheviques e da sua capacidade de construírem um partido e de o dotarem de uma grande força ideológica, obra devida principalmente à acção de Lenine. Mas isto só foi possível devido à particular situação da Rússia czarista. Gramsci, o grande revolucionário italiano, que morreu nas cadeias fascistas, dizia que nas formações sociais do Oriente (a Rússia czarista pode-se incluir nesta definição) o “Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa (*)”, predominava aí o Estado-coerção. Era portanto fácil, em dado momento, desenvolver aquilo que o político italiano, recorrendo à terminologia da I Guerra Mundial, designou como guerra de movimento, a que “impõe à luta de classes uma estratégia de ataque frontal … voltada para a conquista e conservação do Estado” (**). Ao contrário do que se passava nas formações sociais do Ocidente onde, segundo Gramsci, “havia entre o Estado e a sociedade civil uma justa relação e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura de sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; em medida diversa de Estado para Estado, é claro, mas exactamente isto exigia um acurado reconhecimento de carácter nacional.” (**)
Com isto, Gramsci justificava a derrota da revolução no Ocidente e defendia aqui uma guerra de posição que, ao contrário da outra, defendesse que “as batalhas devem ser travadas inicialmente no âmbito da sociedade civil, visando a conquista de posições e de espaços, da direcção político-ideológica e do consenso dos sectores maioritários da população, como condição para o aceso ao poder de Estado e para a sua posterior conservação” **. Reside precisamente aqui a “luta pela conquista da hegemonia, da direcção política ou do consenso” **.
Parece-me pois que num breve post estes conceitos de Gramsci são muito mais produtivos que as noções de “acontecimento” e “sequência política”.
Parece-me por outro lado que utilizar a noção de sequência política para o que aconteceu no PREC é não perceber nada do que se passou e mais, é tomar dele a visão “esquerdista” da derrota da revolução pela traição do PCP ou, neste caso, pela traição de Mário Soares. Para não invocar os argumentos já por mim utilizados neste post, remeto os interessados para o mesmo.
Por último quando escreve que Gorbatchov, “e não se sabe bem por que carga de água”, veio interromper a sequência “existência do estado socialista soviético”, é não compreender o estado de degradação e a incapacidade de crescimento económico em que Brezhnev tinha deixado a URSS e todo o sistema soviético. A classe dirigente da época preferiu o capitalismo selvagem que lhe propunha o "ocidente", ao capitalismo de estado que lhe tolhia os movimentos e o crescimento. Mas esta é só uma explicação, não podemos é arrumar a questão com as patetices ditas por Carlos Vidal.
Voltarei se para tanto tiver “engenho e arte” , ou seja, paciência, a estes posts do 5 Dias.

A fotografia que ilustra este post é de António Gramsci (1891-1937). Para os que estiverem mais interessados as referência citadas no post são retiradas de:
* António Gramsci, Cadernos do Cárcere. Edição de Carlos Nelson Coutinho, Civilização Brasileira, 2007, Rio de Janeiro: vol 3, pag. 262. Magnífica edição e tradução dos Cadernos do Cárcere, de António Gramsci, em 6 volumes, editada por Carlos Nelson Coutinho, e outros, para a editora Civilização Brasileira.
** Carlos Nelson Coutinho, Gramsci, um estudo sobre o seu pensamento político. Civilização Basileira, Rio de Janeiro, 2003: Pags. 147-148. Introdução bastante acessível e bem feita ao pensamento político de António Gramsci.
PS. (11/11/09):
Ma última linkagem, por erro, remetia para o post que estava a criticar e não para o meu post que pretendia referir.

02/11/2009

Anda uma grande agitação na blogosfera: o caso de "5 Dias" – I


A entrevista de Rita Rato, a nova deputada do PCP na Assembleia da República, ao Correio da Manhã, causou alguma agitação na blogosfera. Foi motivo de grande gozo e chacota e de defesas apaixonadas. Eu, que não gosto de seguir a agenda mediática dominante, neste caso, dos blogs, a não ser que traga alguma achega nova à discussão, abstive-me de repetir os comentários insultuosos ou de ironia crítica que prevaleceram na blogosfera. No entanto, não resisti a comentar um dado histórico apresentado por Vítor Dias, em defesa de Rita Rato no seu blog, Tempo das Cerejas, e cujo post foi transcrito para o 5 Dias. Não interessa agora aqui relatar o que se passou, vão aos comentários ao post que o transcreve e sigam a contenda.
Vítor Dias fez a correcção devida, tanto no seu post como pediu ao 5 Dias que alterasse a sua transcrição, e o assunto morreu ali. Mas a minha crítica não se limitava à correcção histórica, tentava também fazer graça com o título que encimava o post da transcrição e que era assinado por Carlos Vidal, escrevinhador do 5 Dias, que não tem sido muito bem tratado por mim (ver aqui). Carlos Vidal, correctamente, justificou a sua escolha e também o assunto ficou arrumado. Mas não é que Nuno Ramos de Almeida, que não era chamado a esta história, tomou como suas as dores das minhas referências e resolve intempestivamente, na área dos comentários vir-me atacar, fazendo umas insinuações a meu respeito um pouco enviesadas e afirmando que eu tomo o PCP como o meu inimigo principal. Já se sabe que lhe respondi como soube e pude, lamentando que alguém que navega nas mesmas áreas políticas que eu, na corrente comunista do Bloco ou, pelo menos, daqueles que neste partido vieram do PCP, não perceba o que digo, nem as posições que tomei em relação aos seus companheiros de blog, Carlos Vidal e Tiago Mota Saraiva (ver o último post referido).
Mas isto é um simples fait-divers, ou má-língua bloguista, que nada acrescenta ao que vos quero relatar.
Na sequência desta acesa discussão do caso de Rita Rato, e que como todos devem saber envolvia a recusa da deputada do PCP a comentar o Gulag (campos de trabalho forçado), que existiu na ex-União Soviética, começou a travar-se no dito blog uma discussão deveras interessante sobre a natureza daquele regime, do estalinismo e de outros temas afins. É sobre isso que irei escrever, talvez como tem sido ultimamente meu costume, em vários posts.
É evidente que, como o pessoal do 5 Dias é muito produtivo, os posts a que me refiro já foram todos completamente ultrapassados e neste momento já se discutem muitos outros e interessantes assuntos
Quem quiser seguir a polémica toda pode fazê-lo seguindo este roteiro. Primeiro o post já referido de Carlos Vidal e a seguir todos os outros (citarei sequencialmente, pela ordem que apareceram, fazendo referência ao nome do seu autor a partir do qual, por link, poderão chegar ao artigo): Ricardo Noronha, Tiago Mota Saraiva, José Neves, Nuno Ramos de Almeida, Carlos Vidal, José Neves, José Neves, Tiago Mota Saraiva, Tiago Mota Saraiva, Carlos Vidal, Tiago Mota Saraiva, Ricardo Noronha, Ricardo Noronha

Como já se percebeu não quero acrescentar nada ao caso de Rita Rato, no entanto, aproveito a recomendação de José Neves sobre qual o livro que gostaria de oferecer neste Natal a Rita Rato, que era um, que não sendo um conjunto de originais, fosse uma antologia de autores que, se reclamando do comunismo, fizessem a crítica da sua experiência concreta.
Este desejo de José Neves só pode ser novidade no caso excepcional português. Em todo o mundo é vasta a literatura de autores que se reclamando do comunismo ou de uma visão progressista da sociedade se referem ao estalinismo, ao Gulag, à experiência do socialismo real de forma auto-crítica e descomplexada, ao contrário de que se passa no nosso país. Sem precisar de ir mais longe, do que aquilo que se escreve ou traduz em língua portuguesa, é ver a forma como múltiplos sites e revistas brasileiras ou mesmo o PCdeB, tão próximo do PCP, fazem referência àqueles fenómenos de forma muito mais límpida do que em Portugal, em que toda e qualquer referência é objecto de paixão e de perca de lucidez. Os blogs próximos do PCP e os seus anónimos comentadores, para não falar já do Avante, tomam-se de tal fúria que é impossível qualquer discussão séria. O pior é que há muita gente que se diz à esquerda, mas que toma como sua a agenda do anti-comunismo militante, tornando também impossível qualquer troca de ideias. Basta referir que há bloggers sérios que defendem o corte radical com o PCP e tudo que ele representa, condenando assim a esquerda ao eterno desentendimento e separando irremediavelmente as diversas correntes da esquerda.
Em segundo post voltarei ao assunto da polémica.
Pretendi ilustrar este post com uma fotografia da Anna Larina Bukharina, a mulher de Bukharine, uma das vítimas dos Processos de Moscovo montados por Estaline, e que, por ser a sua mulher, sofreu longos anos no Gulag. Escreveu um livro notável, Bukharine, minha paixão (Terramar), onde dá notícias daquele bolchevique e da vida dela de sofrimento nos campos de trabalho forçado (Gulag). A tradução do livro é de um comunista, que toda a vida o foi, Ludgero Pinto Basto. Não consegui, com o mínimo de qualidade, publicar uma fotografia de Anna Larina, por isso a do seu marido Nicolai Bukharine. Como se vê, de fontes sérias, não falta informação a quem a queira.