06/11/2009

Anda uma grande agitação na blogosfera: o caso de "5 Dias" – II


Cada um tem a sua própria agenda. Há os que todos os dias ou várias vezes ao dia põem um post novo sobre o que está a acontecer no país e no mundo ou aqueles, como eu, que por vezes lhes dá, com grande desfasamento, para pensarem sobre o que se vai postando na blogosfera. Não sou melhor que os outros, simplesmente sou mais lento a escrever e por isso quando faço qualquer comentário sobre os acontecimentos do dia já a minha opinião se tornou inútil. Mais vale escrever sobre temas que me incomodam , do que comentar notícias ultrapassadas.

Dito isto, uma pequena referência ao nome do post. Poderia ser o caso de Rita Rato, mas como não queria dar importância ao mesmo, chamei-lhe o caso de 5 Dias, pois foi neste blog que houve uma troca de opiniões mais acesa sobre aquele fait-divers.

Como é evidente tudo começa com a defesa de Rita Rato sobre a sua não resposta ao que era o Gulag quando questionada sobre o assunto, mas depois a discussão vai tomando forma e passa rapidamente para o próprio regime soviético, a ditadura na China, a liberdade de imprensa em Cuba e o próprio Gulag.
Ricardo Noronha começa com A culpa é do manchinhas e Carlos Vidal responde-lhe: Ainda a polémica sobre Rita Rato e uma rejeição completa do “socialismo democrático.
Este texto de Carlos Vidal é espantoso. Não conheci Carlos Vidal quando andei pelo Sector Intelectual de Lisboa do PCP, mas se ele fosse fazer esta conversa para os camaradas daquele sector, era ouvido com um sorriso nos lábios, pois pensariam que estava a efabular sobre coisas de que não tinha a mínima ideia. Se encontrasse então o Carlos Aboim Inglês, que foi um dos seus responsáveis e que era “teso” para o debate ideológico, era de certeza arrasado. Mas, porque me é dado perceber, começa a ser prática de alguns novos-vindos ao PCP e que escrevem no 5 Dias, repetirem por novas palavras, mais modernaças e menos perceptíveis, o mesmo que os velhos marxistas-leninistas “daquela casa” dizem, com os ensinamentos que foram beber à “Escola do Partido”, que eu também frequentei em cursilhos de fim-de-semana, ou então nos cursos mais demorados na URSS. Valha-nos ainda no “sector” (penso que ainda pertencem ao mesmo) a sensatez e a inteligência de intelectuais como um Manuel Gusmão ou como um João Arsénio Nunes, porque prosa desta é de uma pedanteria insuportável. São os ares dos tempos.
A partir do conceito de “acontecimento” e de “sequência política” Carlos Vidal pretende explicar a novidade da Revolução de Outubro e a acção de Gorbatchov, o “manchinhas”, que, como ele diz, “veio interromper a sequência “existência do estado socialista soviético”.
Ora a novidade da Revolução de Outubro, utilizando a terminologia clássica marxista, foi a transformação de uma revolução democrático-burguesa atrasada (a Revolução de Fevereiro, de 1917), numa revolução socialista vitoriosa (a Revolução de Outubro de 1917), que uniu uma classe operária incipiente ao imenso campesinato russo, desejoso de terra e de paz para a poder trabalhar. Esta foi a obra dos bolcheviques e da sua capacidade de construírem um partido e de o dotarem de uma grande força ideológica, obra devida principalmente à acção de Lenine. Mas isto só foi possível devido à particular situação da Rússia czarista. Gramsci, o grande revolucionário italiano, que morreu nas cadeias fascistas, dizia que nas formações sociais do Oriente (a Rússia czarista pode-se incluir nesta definição) o “Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa (*)”, predominava aí o Estado-coerção. Era portanto fácil, em dado momento, desenvolver aquilo que o político italiano, recorrendo à terminologia da I Guerra Mundial, designou como guerra de movimento, a que “impõe à luta de classes uma estratégia de ataque frontal … voltada para a conquista e conservação do Estado” (**). Ao contrário do que se passava nas formações sociais do Ocidente onde, segundo Gramsci, “havia entre o Estado e a sociedade civil uma justa relação e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura de sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; em medida diversa de Estado para Estado, é claro, mas exactamente isto exigia um acurado reconhecimento de carácter nacional.” (**)
Com isto, Gramsci justificava a derrota da revolução no Ocidente e defendia aqui uma guerra de posição que, ao contrário da outra, defendesse que “as batalhas devem ser travadas inicialmente no âmbito da sociedade civil, visando a conquista de posições e de espaços, da direcção político-ideológica e do consenso dos sectores maioritários da população, como condição para o aceso ao poder de Estado e para a sua posterior conservação” **. Reside precisamente aqui a “luta pela conquista da hegemonia, da direcção política ou do consenso” **.
Parece-me pois que num breve post estes conceitos de Gramsci são muito mais produtivos que as noções de “acontecimento” e “sequência política”.
Parece-me por outro lado que utilizar a noção de sequência política para o que aconteceu no PREC é não perceber nada do que se passou e mais, é tomar dele a visão “esquerdista” da derrota da revolução pela traição do PCP ou, neste caso, pela traição de Mário Soares. Para não invocar os argumentos já por mim utilizados neste post, remeto os interessados para o mesmo.
Por último quando escreve que Gorbatchov, “e não se sabe bem por que carga de água”, veio interromper a sequência “existência do estado socialista soviético”, é não compreender o estado de degradação e a incapacidade de crescimento económico em que Brezhnev tinha deixado a URSS e todo o sistema soviético. A classe dirigente da época preferiu o capitalismo selvagem que lhe propunha o "ocidente", ao capitalismo de estado que lhe tolhia os movimentos e o crescimento. Mas esta é só uma explicação, não podemos é arrumar a questão com as patetices ditas por Carlos Vidal.
Voltarei se para tanto tiver “engenho e arte” , ou seja, paciência, a estes posts do 5 Dias.

A fotografia que ilustra este post é de António Gramsci (1891-1937). Para os que estiverem mais interessados as referência citadas no post são retiradas de:
* António Gramsci, Cadernos do Cárcere. Edição de Carlos Nelson Coutinho, Civilização Brasileira, 2007, Rio de Janeiro: vol 3, pag. 262. Magnífica edição e tradução dos Cadernos do Cárcere, de António Gramsci, em 6 volumes, editada por Carlos Nelson Coutinho, e outros, para a editora Civilização Brasileira.
** Carlos Nelson Coutinho, Gramsci, um estudo sobre o seu pensamento político. Civilização Basileira, Rio de Janeiro, 2003: Pags. 147-148. Introdução bastante acessível e bem feita ao pensamento político de António Gramsci.
PS. (11/11/09):
Ma última linkagem, por erro, remetia para o post que estava a criticar e não para o meu post que pretendia referir.

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