07/11/2009

Os criadores de ilusões


Tenho-me vindo a insurgir no meu blog, em inúmeros posts que não vale a pena enumerar, contra todos aqueles que criaram a ilusão que era possível uma viragem à esquerda ou que Sócrates fosse capaz de alianças à sua esquerda, ou que, mesmo governando sozinho, podia presidir a um governo que fosse uma aliança de PS+PS de esquerda (Manuel Alegre), um pouco ao estilo da Câmara de Lisboa. A verdade é que tirando a presença de João Correia, o presidente do MIC, de Manuel Alegre, como Secretário de Estado, ou, concedo, a manutenção da Ministra da Saúde, que hoje é mais uma executante da política de Sócrates, em tom soft, e a nomeação de Alberto Martins, que já pertencia, como presidente do Grupo Parlamentar do PS, à equipa deste, as alianças à esquerda não se verificaram.
Mas mais, depois de lançarem o abaixo-assinado para um Compromisso de Esquerda, que teve morte imediata, mal se percebeu que não tinha qualquer futuro, nunca mais se viu os seus principais subscritores a intervirem na sociedade portuguesa. Por exemplo, André Freire, um dos seus maiores impulsionadores e tão activo no comentário político antes e durante as eleições, nunca mais publicou, que eu lesse, nenhum artigo na imprensa e digo-o com pena, porque bem gostava das suas opiniões.

A verdade é que a derrota do PS de Sócrates nas eleições europeias foi um bálsamo para este e para o seu núcleo dirigente. Foi a partir daí que depois de alguma desorientação e muitas asneiras, conseguiu a unidade do partido e arrastar muita gente de esquerda, que assustada pela possível vitória de Manuela Ferreira Leite, logo se foram abrigar debaixo da asa protectora do PS. Criou-se o mito de que finalmente seria possível realizar o sonho de Sá Carneiro, uma maioria e um Presidente, e que tudo poderia terminar com a vitória de Santana Lopes para a Câmara de Lisboa. A primeira consequência foi Helena Roseta ter feito um pacto coligatório com António Costa e pôr Manuel Alegre a afirmar que aquilo que se tinha conseguido para Lisboa também se poderia obter para o país. Apesar de prudentemente não ter integrado as listas de Sócrates e ter escrito alguns artigos um pouco mais agrestes – ser candidato da esquerda à Presidência a tanto obriga – . Mas esta é história passada e eu já escrevi muito sobre ela, até porque a vivi intensamente.
Hoje, decorrido todo este tempo, depois da vitória do PS, com maioria relativa, de António Costa ser eleito para a Câmara de Lisboa, nomeado Sócrates para formar Governo e este investido, podemos concluir que mais uma vez certa esquerda se enganou ou se deixou facilmente enganar.
Sócrates, depois da nomeação do Governo, da encenação que montou com as pretensas consultas aos partidos e apresentado o seu Programa na Assembleia da República continua igual a si próprio, sem esboçar os mínimos compromissos à esquerda, arrogante e pretendo, como sempre, levar o seu grupo dirigente à vitória, incapaz de ter para o país qualquer proposta de saída progressista. Mesmo que agora tenha perdido o seu ímpeto reformista, que no fundo era reformar a favor da direita, e falado do papel do Estado na regulação e no impulso à economia, como o tem vindo a fazer desde que a crise rebentou, continua a ter a mesma trajectória, de aldrabice e de chico-esperto, tão caro a PS tradicional. A fingida consulta aos partidos é um dos exemplos, mas a tentativa de manutenção da avaliação dos professores e de diálogo com os sindicatos é outra das manobras para fugir a um acordo na Assembleia da República.
Penso que ninguém à esquerda de boa fé poderá dar qualquer estado de graça a Sócrates e a este seu Governo. Mais uma vez se demonstra como depois das eleições europeias houve um conjunto de gente, uns mais bem intencionados que outros, a semearem ilusões sobre a necessidade de nos agregarmos todos sobre a aba protectora do PS.
E se a experiência com António Costa teve a virtualidade de derrotar Santana Lopes, ela não é minimamente transponível para o Governo e nada nos garante que à primeira dificuldade não se esboroe toda.
Por último, constatar um facto. A defesa do Governo na Assembleia da República, foi feita pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, que fez a intervenção mais ideológica e que balizou com maior clareza a as linhas políticas com que nos iremos coser nos próximos tempos. Advertiu que alianças com o Bloco e PCP eram impossíveis, por uma série de razões de fundo, entre elas a inserção em blocos estratégicos – temos aqui mais uma vez a NATO –. Reafirmou o PS, como um partido da esquerda democrática anti-totalitária, como se, por exemplo, o Bloco fosse totalitário e depois lá concedeu, pensando no casamento dos homossexuais ou em alguma medida social mais controversa que podiam ser votadas pela esquerda, à esquerda do PS. O resto foi um claro namoro à direita, realçando todos os pontos em que no futuro seria possível acordos com ela. Para princípio do Governo estamos conversados, quando é o mais belicoso ministro pró invasão do Iraque que dá o tom ideológico e político do Governo estamos entendidos sobre qual a sua orientação política futura.

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