22/12/2009

Por fim, o regresso


Ao fim de mais de 20 dias de suspensão deste meu blog, regresso mais uma vez, esperando que agora vos possa fazer companhia por mais uns tempos. Sei que alguns, com grande alegria, terão pensado que este espichou de vez. Ainda não foi desta e passo a explicar tão longa ausência.

Uma semana, quase, passei-a eu a apanhar laranjas nos grandes latifúndios algarvios de que sou proprietário. Tenho um pequeníssimo quintal, ao lado de uma casa herdada, que tem, para meu deleite, um limoeiro e uma laranjeira. Aquele dá limões todo o ano e esta produz todos os anos, por esta altura, para mais de 100 quilos de laranjas. Dá uma trabalheira imensa, mas compensa, são saborosíssimas.

Outros dois fins-de-semana, por razões familiares, passei-os em Sines. Mas o que mais me espanta quando vou àquela terra é a sua actividade cultural que usufruo sempre que a visito. Relato-vos aqui o que vi. Toda esta actividade tem lugar no Centro de Artes de Sines, um moderno edifício, localizado no centro da cidade, desenhado pelos irmãos Mateus, que vale só por si a visita.
A 28 de Novembro era exibido no auditório daquele Centro, pela Companhia da Associação Cultural do IFICT (Instituto de Formação, Investigação e Criação Teatral), a peça de Arrabal, Guernica, encenada por Adolfo Gutkin. Por ignorância minha, já não ouvia falar deste senhor desde que fui ver o Volpone, encenado por ele e representado pelo Grupo de Teatro da Faculdade de Direito de Lisboa, no longínquo ano de 1969. Depois soube que teve problemas com a PIDE. Desconhecia a sua carreira e a sua brilhante actividade em Portugal. Fui vê-la à Wikipédia.
Provavelmente pelo grupo, que era fraco e amador, não achei especialmente interessante a peça. Penso, por outro lado, que o assunto, como está tratado, já nos diz pouco. No entanto, não dei por mal empregue a noite.
No dia 11, regressei a Sines, para assistir à inauguração da exposição de pintura «25 Anos de Percurso», “TAM / Círculo de Artistas Plásticos, Uma exposição colectiva de pintura de 9 artistas lusófonos”. Os artistas representados consideram-se lusófonos e estão espalhados pelo mundo, apesar de muitos já viverem há muitos anos em Portugal. Por razões familiares tenho acompanhado as várias exposições que este grupo tem vindo a fazer nos mais diversos locais. De todas as que vi, não tenho dúvidas em afirmar que a mais gostei foi esta, já que as obras expostas encontraram nas amplas paredes brancas do Centro Cultural um lugar excepcional para serem expostas. Gosto de algumas, outras são me indiferentes, no entanto não quero fazer distinções. Vão ver, o espaço é magnífico. Está aberta até 17 de Janeiro.
Logo a seguir, no dia 12, fui assistir a um outro espectáculo no auditório do Centro, «Você Está Aqui», pelo Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra. Um espectáculo de dança e de canções populares portugueses feito por estudantes. Não sendo, aquilo a que se chamaria um grande evento cultural, era acessível ao grande público, sem cair na facilidade. Gostei, só tive pena, provavelmente, pela época do ano, que a sala estivesse tão vazia. Merecia a presença da população de Sines.

Por último estive uma semana recolhido em casa a elaborar os meus relatórios anuais. Um sobre um assunto de que já vos dei conhecimento no ano anterior: a situação actual em Espanha da invasão do mexilhão-zebra e as possíveis formas de o combater. O outro sobre métodos de cloragem para eliminar o mexilhão, este o do mar e que é comestível, que se fixa nas centrais termoeléctricas que utilizam água do mar com agente de refrigeração dos condensadores.
Já tinha feito um post sobre o mexilhão-zebra, e agora, sem vos querer maçar mais, referir-vos-ei, que o mexilhão continua impavidamente a invadir os rios espanhóis, já chegou ao Norte de Espanha, zona Cantábrica, à bacia do Guadalquivir e continua a espalhar-se pelo Ebro e por uns rios localizados mais a sul deste, que desaguam no Mediterrâneo. Por sorte nossa ainda não apareceu nas bacias internacionais, como as do Minho, Douro, Tejo e Guadiana. Não sei o que sucederá quando chegar a estas, pois em pouco tempo invadiria as nossas albufeiras e quantas mais Sócrates fizer, mais espaços cria para a sua propagação, pois esta espécie precisa de águas relativamente paradas para se desenvolver. Onde se fixa envolve todos os tubos, tornando impossível a utilização de muitas das turbinas hidroeléctricas que aí funcionam. Com a nossa proverbial ineficácia é muito provável que não cheguemos a tempo para evitar a sua evasão, nem sermos capazes de mobilizar as populações para impedir a sua disseminação, que é feita principalmente pelos pescadores que o utilizam como isco ou vai agarrada aos barcos que são transportados de albufeira para albufeira.

Desculpem mas por vezes dá-me uma de biólogo e regresso com prazer à minha actividade profissional. O que é certo, é que rapidamente me passa e daqui a uns dias lá estarei eu a discutir os graves problemas políticos nacionais.
Imagem do espectáculo "Você está aqui".

02/12/2009

Um “herói” esquecido: Melo Antunes (1933-1999)


Realizou-se na Gulbenkian, nos dias 27 e 28, um colóquio sobre o tema Liberdade e Coerência Cívica – O exemplo de Ernesto Melo Antunes na História Contemporânea Portuguesa” (ver programa aqui e aqui). Não estive presente e só sei o que dizem os jornais (ver aqui) e nem os li exaustivamente. Reparei que tinham estado presentes os três ex-presidentes da República e que o actual, por razões ditas de agenda, se furtou a aparecer. Li que António Lobo Antunes lhe fez uma homenagem comovida, de alguém que o conhecia bem: tinha estado como ele na guerra, e que Vasco Lourenço, um dos organizadores, lamentou que o conhecimento público de Melo Antunes seja muitas vezes esquecido.
Falou-se muito do seu esquecimento e Jaime Gama fez a blague, quanto a mim sem qualquer graça, "talvez ser demasiado político para uma carreira militar e demasiado militar para uma carreira política". Ramalho e Eanes falou que a memória popular está a ser injusta para Melo Antunes e Mário Soares, naquele tom disparatado que já revela adiantada senilidade, falou do papel de Melo Antunes no 25 de Novembro de 1975, considerando que aquele dia “foi uma revolução que impediu que Portugal se tornasse uma Cuba do Ocidente", manifestando discordância como os que o vêem “como uma contra-revolução” (Público).
Dito isto, devido à necessidade de enquadrar minimamente aquilo que escreverei à frente, passo à minha visão sobre o esquecimento propositado de Melo Antunes.

Este foi sem dúvida um dos militares mais bem preparados politicamente, tinha cultura e leitura, sabia ao que vinha. Muitos afirmaram na altura, que as suas posições seriam próximas de um terceiro mundismo de cariz socializante, quando estas coisas ainda tinham algum significado político. Hoje já nem existe terceiro-mundo e o cariz socializante há muito que foi abjurado pela social-democracia europeia. Dizia-se que Maria de Lurdes Pintassilgo lia pela mesma cartilha. Não sei se tudo isto é verdade. Reconheço que, em 1974, Melo Antunes estava muito mais à esquerda do que Mário Soares e do seu socialismo sem princípios, que fluía conforme o vento da Revolução soprava para um ou para outro lado.
Diz-se, não sei se é verdade, que a prisão do pai a seguir, parece-me, ao 28 de Setembro o magoou muito e o fez guinar um pouco à direita. O seu livro de memórias, que foram ditadas a Maria Manuela Cruzeiro (Melo Antunes - O Sonhador Pragmático, Editorial Notícias), que eu li, mas que não possuo neste momento comigo, dá dele uma visão um pouco mais social-democratizante e menos influenciado por quaisquer outras ideologias de esquerda. A sua entrada, mesmo que apagada, no PS, em 1982 é disso exemplo.
Para mim torna-se claro que Melo Antunes e o seu Grupo dos Nove, responsável por um dos manifestos que agitou o Verão Quente de 1975, provocou sem dúvida uma guinada para a direita em relação ao rumo que a Revolução estava a levar. Hoje, vistos os prós e contras, é complicado tomar posição sobre a justeza ou não do referido manifesto. É para mim claro que o PCP e o seu grupo militar não tinham a intenção de fazer a revolução socialista, gostariam que ela lhes caísse de madura na mão. Por outro lado, não tinha a força eleitoral que lhe permitisse tomar o poder por essa via, o que não é de somenos nas circunstâncias então vividas. Os esquerdistas, não tinham à época a mais pequena ideia do que queriam fazer, viu-se por aquilo em que muitos dos seus mentores se transformaram. Por isso esta guinada, que chamou à realidade aquilo que se estava a passar na época, não foi tão negativa, como na altura se admitiu. Simplesmente atrás do documento dos nove perfilou-se toda a direita, o PS inclusive. Esse foi sem dúvida a face negativa deste grupo e acima de tudo a causa da sua morte política.
Hoje o esquecimento de Melo Antunes é deliberado, apesar dos muitos ditirambos que depois de morto lhe possam fazer.
Para além do papel importante que desempenhou na preparação do 25 de Abril e no seu Programa Político e na descolonização exemplar em que participou activamente, foi igualmente uma peça chave no 25 de Novembro. Não porque tivesse qualquer intervenção militar, mas pelas palavras que foi dizer na noite de 26 de Novembro à televisão, que ainda há bem pouco tempo Victor Dias recordou, que não se limitaram, como alguém dizia, a afirmar que o PCP era “indispensável à defesa da democracia”, mas sim “para a construção do socialismo”. Mas, dada a cultura de Melo Antunes, soube nessa altura fazer uma referência à ideia de Bloco Histórico defendido por Gramsci, considerando que o PCP era fundamental na participação desse bloco que se propunha construir o socialismo.
Essa frase, dita na televisão em plena crise do 25 de Novembro, quando a direita se preparava para esmagar fisicamente os comunistas, valeu-lhe o ódio de toda a direita. Sá Carneiro, esse idolatrado ídolo da direita, nunca lhe perdoou e sempre que possível lembrava que foi devido a Melo Antunes que a direita não explorou o sucesso da sua vitória naquela data.
Ramalho Eanes e as forças armadas tradicionais que por detrás dele se perfilaram quiseram também aparecer como os virtuais vencedores da contra-revolução triunfante e nunca admitiram que, do ponto de vista ideológico e do combate político, foi devido ao grupo dos nove que conseguiram vencer. O PS sempre inchado com o contributo que tinha dado para deter a revolução, depois de ganha a contra-revolução, quis aparecer aos olhos da opinião pública como o seu principal herói. Não é por acaso que várias vezes e dita por diferentes intervenientes, Mário Soares é apresentado como o pai da democracia política em Portugal, esquecendo sempre que ela só foi possível devido ao papel que os militares, e este grupo em particular, tiveram na normalização democrática. Se recordarmos os enxovalhos, já no Portugal Constitucional, porque passaram o Grupo dos Nove, quer pela acção da direita, mas também do PS e das forças armadas tradicionais, e que, ao ex-presidente Costa Gomes, que hoje é recordado como tendo evitado, e bem, a guerra civil, lhe aconteceu o mesmo, temos o quadro completo da ingratidão histórica de que são vítimas estas personagens.
Por tudo isto Melo Antunes é hoje um homem esquecido. Morreu e por isso não pode aparecer como Vasco Lourenço todos os anos à frente da manifestação do 25 de Abril. Não pode ser como Salgueiro Maia, o herói liofilizado, de uma revolução sem sexo. Melo Antunes será sempre o “herói” culto que, no momento preciso, soube dizer as palavras necessárias para evitar um banho de sangue e a desforra da direita. Por isso, Melo Antunes será sempre recordado pelas pessoas de bem.

01/12/2009

Tretas e balelas


Vi ontem o programa de Fátima Campos Ferreira, Prós e Contras. Juro sempre que não volto a recair em tão manifesto mau gosto, mas regresso sempre ao local do crime.
Tenho para mim que aquela apresentadora é das mais tontinhas que povoam o nosso espectro televisivo. Tem sempre a frase pomposa para o momento certo. Resume ideias, por vezes com alguma complexidade, a meia dúzia de banalidades. Transforma a governação deste país em qualquer coisa de muito simples, que se resolvia desde que houvesse boa vontade dos portugueses em apertarem o cinto e se os malandros dos político se pusessem de acordo. No fundo transforma o discurso político, convencida que o torna acessível, numa reflexão simplificadora e apaziguadora. Mas é isto que certa incultura dominante aprecia e que os governos do chamado arco da governação (PS e PSD/CDS) querem.
O programa de ontem era sobre as Finanças do País. O leque de convidados soprava todo para o mesmo lado. Não havia ninguém de esquerda, nem mesmo do PS. Ou se alguém ainda fosse do PS, era como se não pertencesse.
Apreciem só. Jacinto Nunes, provavelmente respeitável professor de economia já reformado, com 83 anos, que passou pelo Governo de Mota Pinto, um bloco central encapotado, da iniciativa de Ramalho Eanes, para não lembrar passados mais tristes de colaboração com os Governos de Salazar. A determinada altura descaiu-se, ao contrário dos outros, raposas mais sabidonas, e defendeu um governo de bloco central. Propôs, tal como João Salgueiro, um novo método eleitoral que evite deixar a decisão da escolha dos deputados aos partidos. Acham que os mesmos devem ser responsáveis perante as populações que os elegem. Uma treta, que encheria o Parlamento de Isaltinos Morais e Valentins Loureiros, mais alguns, eleitos num círculo nacional, para cumprir a proporcionalidade. Este assunto, que é trazido sempre à baila quando se quer protestar contra os políticos que temos, é um tema pouco sério, que precisaria de uma discussão desapaixonada e de estudos de técnica eleitoral comparada para verificar qual era o sistema que melhor poderia traduzir no Parlamento a proporcionalidade das forças políticas em presença.
A seguir João Salgueiro, o representante de tudo que é interesse bancário, que já foi deste e do anterior regime, sempre ao de cimo, que achou que um Governo do PS com o Bloco de Esquerda seria uma esquerdalhada insuportável, que já não correspondia aos tempos actuais, nem às exigências de uma economia moderna. Como se a economia neo-liberal tivesse dado provas de grande seriedade e competência.
Tivemos igualmente Augusto Mateus, que mesmo assim foi o que me pareceu dizer coisas mais interessantes. Defendeu a democracia e os trabalhadores da função pública. Mas que eu me lembre saiu pela direita alta do primeiro Governo de António Guterres.
Depois esse beato de sacristia, João César das Neves, que está em tudo que é tema económico, sempre a debitar as suas posições de direita e as tretas do costume.
Por último, para apogeu deste grupo de pensadores, vieram os empresários: Carrapatoso, do Compromisso Portugal, o fórum da direita neo-liberal, que se esfumou com a crise económica, e que disse insistentemente no Programa que era preciso acabar em Portugal com os poderes instituídos. Não sei se estaria a propor alguma revolução que banisse para debaixo do tapete os da sua classe e categoria social? Não, não era sobre isso que ele protestava. Os poderes instituídos, são o Estado e o seu peso na economia – sem ele esta gente não podia ganhar os dinheiros de que usufruem –, as chamadas corporações: os juízes, os médicos, os professores, mas acima de tudo os funcionários públicos, que são o engulho desta gente, porque podem levar os seus trabalhadores a reivindicar trabalho garantido e seguro, enquanto que aquilo que eles querem dar é precariedade e insegurança, para os terem mais agarrados pelo cachaço. Já se sabe que se esquecem que estes gestores são também uma corporação e um poder instituído. Mas de balelas e conversa fiada está o mundo cheio.
Esteve também um outro, que só me recordo chamar-se Patrício Gouveia, que estava constantemente a torcer o pescoço, e que mais uma vez perorou sobre a necessidade de flexibilizar ainda mais o código de trabalho. Nunca estão contentes com o que lhe dão. Neste caso, com a demagogia mais absoluta, defendeu que o que actual, que já é péssimo, defende os incompetentes e desfavorece os melhores. Um horror.
A conclusão principal que se tira de todas estas intervenções é que Portugal andou a gastar à tripa forra, viveu acima das suas possibilidades e agora tem de apertar o cinto se quer sobreviver. O melhor é ir-se adaptando ao modelo social chinês ou indiano. Isto foi dito. Já se sabe se alguém gastou demais não foi o povo português e o pouco que melhorou em relação ao seu passado, as classes dirigentes querem-lhe tirar outra vez.
É este o painel que tivemos, como se viu extremamente plural e diversificado. Triste caminho, por onde vai a televisão pública.