02/12/2009

Um “herói” esquecido: Melo Antunes (1933-1999)


Realizou-se na Gulbenkian, nos dias 27 e 28, um colóquio sobre o tema Liberdade e Coerência Cívica – O exemplo de Ernesto Melo Antunes na História Contemporânea Portuguesa” (ver programa aqui e aqui). Não estive presente e só sei o que dizem os jornais (ver aqui) e nem os li exaustivamente. Reparei que tinham estado presentes os três ex-presidentes da República e que o actual, por razões ditas de agenda, se furtou a aparecer. Li que António Lobo Antunes lhe fez uma homenagem comovida, de alguém que o conhecia bem: tinha estado como ele na guerra, e que Vasco Lourenço, um dos organizadores, lamentou que o conhecimento público de Melo Antunes seja muitas vezes esquecido.
Falou-se muito do seu esquecimento e Jaime Gama fez a blague, quanto a mim sem qualquer graça, "talvez ser demasiado político para uma carreira militar e demasiado militar para uma carreira política". Ramalho e Eanes falou que a memória popular está a ser injusta para Melo Antunes e Mário Soares, naquele tom disparatado que já revela adiantada senilidade, falou do papel de Melo Antunes no 25 de Novembro de 1975, considerando que aquele dia “foi uma revolução que impediu que Portugal se tornasse uma Cuba do Ocidente", manifestando discordância como os que o vêem “como uma contra-revolução” (Público).
Dito isto, devido à necessidade de enquadrar minimamente aquilo que escreverei à frente, passo à minha visão sobre o esquecimento propositado de Melo Antunes.

Este foi sem dúvida um dos militares mais bem preparados politicamente, tinha cultura e leitura, sabia ao que vinha. Muitos afirmaram na altura, que as suas posições seriam próximas de um terceiro mundismo de cariz socializante, quando estas coisas ainda tinham algum significado político. Hoje já nem existe terceiro-mundo e o cariz socializante há muito que foi abjurado pela social-democracia europeia. Dizia-se que Maria de Lurdes Pintassilgo lia pela mesma cartilha. Não sei se tudo isto é verdade. Reconheço que, em 1974, Melo Antunes estava muito mais à esquerda do que Mário Soares e do seu socialismo sem princípios, que fluía conforme o vento da Revolução soprava para um ou para outro lado.
Diz-se, não sei se é verdade, que a prisão do pai a seguir, parece-me, ao 28 de Setembro o magoou muito e o fez guinar um pouco à direita. O seu livro de memórias, que foram ditadas a Maria Manuela Cruzeiro (Melo Antunes - O Sonhador Pragmático, Editorial Notícias), que eu li, mas que não possuo neste momento comigo, dá dele uma visão um pouco mais social-democratizante e menos influenciado por quaisquer outras ideologias de esquerda. A sua entrada, mesmo que apagada, no PS, em 1982 é disso exemplo.
Para mim torna-se claro que Melo Antunes e o seu Grupo dos Nove, responsável por um dos manifestos que agitou o Verão Quente de 1975, provocou sem dúvida uma guinada para a direita em relação ao rumo que a Revolução estava a levar. Hoje, vistos os prós e contras, é complicado tomar posição sobre a justeza ou não do referido manifesto. É para mim claro que o PCP e o seu grupo militar não tinham a intenção de fazer a revolução socialista, gostariam que ela lhes caísse de madura na mão. Por outro lado, não tinha a força eleitoral que lhe permitisse tomar o poder por essa via, o que não é de somenos nas circunstâncias então vividas. Os esquerdistas, não tinham à época a mais pequena ideia do que queriam fazer, viu-se por aquilo em que muitos dos seus mentores se transformaram. Por isso esta guinada, que chamou à realidade aquilo que se estava a passar na época, não foi tão negativa, como na altura se admitiu. Simplesmente atrás do documento dos nove perfilou-se toda a direita, o PS inclusive. Esse foi sem dúvida a face negativa deste grupo e acima de tudo a causa da sua morte política.
Hoje o esquecimento de Melo Antunes é deliberado, apesar dos muitos ditirambos que depois de morto lhe possam fazer.
Para além do papel importante que desempenhou na preparação do 25 de Abril e no seu Programa Político e na descolonização exemplar em que participou activamente, foi igualmente uma peça chave no 25 de Novembro. Não porque tivesse qualquer intervenção militar, mas pelas palavras que foi dizer na noite de 26 de Novembro à televisão, que ainda há bem pouco tempo Victor Dias recordou, que não se limitaram, como alguém dizia, a afirmar que o PCP era “indispensável à defesa da democracia”, mas sim “para a construção do socialismo”. Mas, dada a cultura de Melo Antunes, soube nessa altura fazer uma referência à ideia de Bloco Histórico defendido por Gramsci, considerando que o PCP era fundamental na participação desse bloco que se propunha construir o socialismo.
Essa frase, dita na televisão em plena crise do 25 de Novembro, quando a direita se preparava para esmagar fisicamente os comunistas, valeu-lhe o ódio de toda a direita. Sá Carneiro, esse idolatrado ídolo da direita, nunca lhe perdoou e sempre que possível lembrava que foi devido a Melo Antunes que a direita não explorou o sucesso da sua vitória naquela data.
Ramalho Eanes e as forças armadas tradicionais que por detrás dele se perfilaram quiseram também aparecer como os virtuais vencedores da contra-revolução triunfante e nunca admitiram que, do ponto de vista ideológico e do combate político, foi devido ao grupo dos nove que conseguiram vencer. O PS sempre inchado com o contributo que tinha dado para deter a revolução, depois de ganha a contra-revolução, quis aparecer aos olhos da opinião pública como o seu principal herói. Não é por acaso que várias vezes e dita por diferentes intervenientes, Mário Soares é apresentado como o pai da democracia política em Portugal, esquecendo sempre que ela só foi possível devido ao papel que os militares, e este grupo em particular, tiveram na normalização democrática. Se recordarmos os enxovalhos, já no Portugal Constitucional, porque passaram o Grupo dos Nove, quer pela acção da direita, mas também do PS e das forças armadas tradicionais, e que, ao ex-presidente Costa Gomes, que hoje é recordado como tendo evitado, e bem, a guerra civil, lhe aconteceu o mesmo, temos o quadro completo da ingratidão histórica de que são vítimas estas personagens.
Por tudo isto Melo Antunes é hoje um homem esquecido. Morreu e por isso não pode aparecer como Vasco Lourenço todos os anos à frente da manifestação do 25 de Abril. Não pode ser como Salgueiro Maia, o herói liofilizado, de uma revolução sem sexo. Melo Antunes será sempre o “herói” culto que, no momento preciso, soube dizer as palavras necessárias para evitar um banho de sangue e a desforra da direita. Por isso, Melo Antunes será sempre recordado pelas pessoas de bem.

1 comentário:

Operário tinha 15 anos nessa madrugada... disse...

-Está por provar se as palavras do Sr. Coronel Melo Antunes, ("salvaram") o PCP - Ou se, as mesmas serviram para salvar a ala menos reaccionária dos golpistas do 25 de Novembro de 75.

-É provável; que o Sr. Coronel Melo Antunes e seus pares, arquitectos do golpe militar reaccionário de 25 de Novembro, sejam recordados por pessoas de bens móveis e imóveis...Já que foi para isso que levaram a efeito o golpe contra a revolução democrática em curso.
-também concordo que seja recordado por pessoas de poucos bens ou mesmo nenhuns - mas como um dos militares que ajudaram a entregar o país aos senhores do 24 de Abril.

-Traindo o Sonho da Madrugada que Abril Abriu.