27/10/2009

As eleições de 1969


Pediram-me para escrever duas ou três linhas sobre as eleições de 1969 para o site Caminhos da Memória referente ao tema Onde é que estavas no dia 26 de Outubro de 1969?, data das primeiras eleições para a Assembleia Nacional fascista, depois de Marcelo ter subido ao poder.
Escrevi primeiro meia dúzia de linhas e depois tomei-lhe o gosto e acrescentei mais qualquer coisinha.
Aproveitando essa minhas pequenas recordações, resolvi fazer este post que junta, para a posteridade, de um dia, as minhas fracas memórias do que fazia por essa altura e o pequeno activismo que tive nessa campanha eleitoral, em que a Oposição Democrática foi pela primeira vez às urnas em eleições para a Assembleia Nacional. Já o tinha feito, mas numas outras para Presidente da República, aquando da candidatura do Humberto Delgado, em 1958.

Por essa época acabava eu o longo curso de biologia na Faculdade de Ciências de Lisboa. Longo não pela sua duração, mas pelos anos que andei por lá a cabular. Por isso, nesse Outubro tinha que fazer impreterivelmente a última cadeira que me faltava para finalmente dar o curso por acabado. Era Física Geral. Mais simples para os biólogos do que para os físicos, mas um pincel de todo tamanho. Por isso, não recordando a data do exame, admito que a preparação para o mesmo me tivesse impedido de participar activamente na propaganda e agitação eleitoral. Pelo menos era uma boa desculpa.
Por outro lado, o meu pai, já farto de me ver a não fazer nada de “útil”, achou por bem arranjar-me nesse ano um pequeno biscate, das 6 da tarde às 9 da noite, no, penso que na altura se chamava assim, Gabinete de Estudos e Planeamento dos Transportes Terrestres, posteriormente viria a ser a Direcção-Geral dos Transportes Terrestres e hoje acho que é Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres. Sei que por essa época muitos jovens “associativos” (das Associações de Estudantes), acabados de formar, tinham por lá um biscate ou trabalhavam a tempo inteiro.
Eu fui contratado a tempo parcial para a tarefa, hoje ridícula, de, com mais cinco pessoas, somarmos, em máquinas eléctricas, mercadorias e passageiros que a CP (Caminhos-de-ferro de Portugal) transportava pelas diversas linhas que explorava. Reuníamo-nos ao fim da tarde e, em grupos de dois, com um a ditar e outro somar, escrevíamos o resultado numa folha de papel cheia de coluninhas. Do grupo então formado faziam parte dois ferroviários, que ao fim de algum tempo, depois de perceberem o que se pretendia, afirmavam que era possível obter na CP aqueles dados que pareciam tão úteis para o planeamento ferroviário do país.
No entanto, todos mantivemos um prudente silêncio, pois se se descobrisse que os dados já existiam, seríamos dispensados. Desse grupo fazia parte um jovem, penso que ainda estudante da Academia Militar, que vim a descobrir que é actualmente o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Valença Pinto. Pode-se dizer que era o único que levava aquilo a sério. Discutia com os dois ferroviários aquele intrincado problema de números de mercadorias e passageiros que eram transportados pelos caminhos-de-ferro e foi devido a ele, e às suas perguntas, que os homens da CP chegaram à conclusão que os dados já existiam.
Cada um estava lá devido a um “empenho”, como então se dizia, e o nosso futuro general, era sobrinho de um dos homens, Almeida Fernandes, ex-Ministro do Exército, que se tinha metido na Abrilada, com o Botelho Moniz – o golpe de estado contra Salazar que nunca chegou a concretizar-se e em que participou também Costa Gomes (ver uma versão aqui) -, e que, para completar o seu vencimento do exército, tinha também um biscate, ao fim da tarde, naquele Gabinete, visto ser oriundo da Engenheiro militar.
Como aquele era o meu primeiro emprego com horário fixo – já tinha feito umas traduções – e dado o meu espírito cumpridor, passei esse Verão, com a interrupção de uma semana de férias, a que tinha direito, a somar mercadorias e passageiros. Um dos presentes, estudante do técnico, sem muita necessidade de dinheiro e mais afoito faltou o mês completo de férias: não se trabalhava, não se recebia
Quando chegou a campanha eleitoral lá estava eu a fazer somazinhas.

Isto era esta pois o que fazia na época e, dito isto, passemos às minhas memórias da campanha eleitoral.
No site referido, escrevi eu mais ou menos isto: lembro-me de estar organizado num pequeno grupo de bairro, provavelmente por morarmos todos na freguesia de Santa Engrácia, em que entrava o José Manuel Carvalho, antigo colega do Gil Vicente e que vim encontrar no pós 25 de Abril na organização da função pública do PCP, a sua companheira e um “amigo” já maduro, trabalhador dos telefones, da electricidade ou da água, já não me lembro, que posteriormente encontrei também no PCP. Três jovens “intelectuais” e um trabalhador. Reunimo-nos algumas vezes para distribuir propaganda e recolher fundos. Onde nos reunimos e se estas reuniões foram antes e depois das eleições – porque se pretendia que a estrutura da CDE continuasse – já não me recordo.
No local onde fazia uns biscates, o tal onde somava mercadorias e passageiros da CP, andei a fazer o mesmo. Um dos ferroviários disse-me que me dava uma pequena contribuição por ser eu a pedir, não por ser a CDE, outros, acho que me que deram sem pestanejar. Já se sabe que não fui pedir nada ao futuro general, nem esses assuntos se abordavam à sua frente.
Lembro-me que os dois ferroviários me descreveram a paralisação que houve na Estação do Rossio, em que um candidato pela CDE, funcionário da CP – hoje já sei que se chamava Firmino dos Santos e a Helena Pato deu dele um belo retrato no site –, pôs a cabeça no rail para impedir que os comboios circulassem. Essa descrição comoveu-nos, foi arriscada e perigosa.
Escrevi uma segunda memória, motivada por um post do Victor Dias, em que recordei uma idas a uma sedezinha da CDE, na Travessa do Calado. Lembro-me de lá ter chegado um dia e ver entrar o Rogério Paulo a protestar, porque achava que tinham alugado uma sede no fim do mundo e ainda por cima num sítio impossível de se chegar. Nessa altura Lisboa era um pouco mais pequena.
Noutra altura recordo o Joaquim Benite a virar-se para mim, quase sem me conhecer, e a dizer-me: “precisávamos de um jovem como tu para ser candidato a deputado”. Fiquei tão atrapalhado, que nem sei o que lhe respondi. Já se sabe que não fui candidato a nada.
Acho que à segunda sede, no Campo Pequeno, nunca fui. Devia ser naquela altura em que andava a estudar para o exame. Recordo, no entanto, ter ido a um comício no Teatro Estúdio de Lisboa, que ficava em Entrecampos, junto à Feira Popular. Lembro-me do Lindley Cintra a falar e acho que apresentou o já referido Firmino dos Santos.
É evidente que depois disto tudo votei pela primeira vez e na CDE. Os meus pais também oposicionistas, mas que não se tinham atrevido a votar para Humberto Delgado, pois tinham medo de represálias, visto serem funcionários públicos e os votos serem facilmente identificados, lá se encheram de coragem, os tempos também eram outros, e foram os dois votar CDE.

Para uma visão política do que aconteceu a entrevista de José Tengarrinha à Seara Nova e transcrita no referido site dá bem o panorama e o significado político daquelas eleições. Pouco mais teria a acrescentar.

24/10/2009

Polémicas velhas e reacções novas


Depois de ver o pretenso debate da SIC/SIC Notícias entre José Saramago e o padre Carreira das Neves, algumas conclusões se podem começar a retirar sobre este irrisório disparate referente às apreciações de José Saramago sobre a Bíblia e Deus e as reacções intempestivas das Igrejas e dos seus críticos à esquerda e à direita.
Em primeiro lugar a SIC fez uma operação de marketing sobre um tema que estava na moda, mas como é costume fugiu dele o mais possível. Primeiro, não era um debate mas sim entrevistas paralelas, como Mário Crespo costuma fazer na rubrica Frente a Frente, da SIC Notícias. Segundo, para não perder audiências dedica-lhe só um quarto de hora na SIC generalista e o “debate” segue na SIC Notícias. Sobre o método seguido por Mário Crespo pareceu-me correcto, dado que Saramago não se disporia a um combate de box com o padre Carreira das Neves. Quanto a dividir o programa pelos dois canais pareceu-me a falcatrua do costume: prometer muito e cumprir pouco, para não aborrecer os espectadores.
Mas isto não é o principal. Todo o episódio é que é profundamente ridículo.
Saramago, como eu já escrevi, no lançamento do seu livro Caím faz determinadas declarações, que retomam polémicas antigas e afirmações velhas e revelhas. Posteriormente, noutras declarações avulsas e hoje no “debate” retoma a discussões também antigas sobre as contradições da Bíblia, que há muito tempo, principalmente no século XIX, tinham animado polémicas importantes e escandalizado a Igreja e os poderes dominantes dessa época. Estou-me a lembrar da Vida de Cristo, de Renan. Mas se me pusesse a esmiuçar sobre este tema encontraria muitos mais.
É interessante, que a seguir ao “debate”, Saldanha Sanches num dos tais frente a frente da SIC Notícias, tenha referido que A Relíquia, de Eça de Queirós, despertou grande escândalo quando foi publicada, mas que hoje estas coisas já são banais.
Ora é aqui é que está o busílis da questão. É que, se José Saramago, nas declarações que fez, retoma temas antigos e há críticos que vêm lembrar isso, a verdade é que a reacção que despertou também é recorrente. Ninguém aprendeu nada e muito menos a Igreja.
Desvalorize-se muito as posições assumidas por Saramago, por serem velhas, mas que foram feitas no contexto de um lançamento de um livro seu que tratava de um tema bíblico. Mas subestima-se as reacções das Igrejas que são tão revelhas como as posições de Saramago. Mas pior ainda, para além das posições militantemente reaccionárias de alguns políticos de direita, muita esquerda sentiu necessidade de vir a terreno garantir que “não havia necessidade disso” ou que Saramago não se devia meter com a Igreja.
Por isso, apesar de queremos dar a sensação que o problema religioso já está resolvido em Portugal e que somos todos muito modernos para discutirmos um tema tão fastidioso como os textos bíblicos ou a natureza de Deus, continuamos a reagir intempestivamente em relação a este tema. E a Igreja fá-lo como sempre fez, com as armas que tem à mão. Proibindo como no tempo de Salazar ou gritando que a estão a atacar como no tempo da democracia. Às vezes mesmo reagindo um pouco mais violentamente, como descrevo no artigo que escrevi a propósito das caricaturas sobre Maomé.
Este é que é o problema. Mas eu também diria que o desencadear da reacção das Igrejas foi causado pelas televisões terem estado lá e pela importância do emissor. Fossem as mesmas palavras pronunciadas por um obscuro professor, em qualquer conferência dos amigos do ateísmo, e nada disto se verificava. Ao sangue que as televisões gostam de fazer jorrar, responde a Igreja com mais sangue e, pelos vistos, a blogosfera também.

23/10/2009

Finalmente um ministro da Defesa que gosta de malhar


Já quase tudo foi dito sobre o novo Governo. É visível mais a continuidade do que a mudança, acima de tudo porque se mantém o núcleo duro do Governo anterior.

Só gostaria de fazer alguns breves comentários a certas escolhas. Um deles é sobre a Ministra do Trabalho e da Segurança Social. É vulgar a social-democracia ir buscar para pastas do trabalho sindicalistas, mas isso verifica-se em países onde existe uma central única, controlada pelos próprios partidos trabalhistas ou sociais-democratas. Num país como o nosso, em que a criação da UGT foi artificial e enquadrada pelos partidos do centrão e em que a principal central, a CGTP, se recusou a assinar o novo Código do Trabalho, parece-me de mau gosto ir escolher para Ministra uma sindicalista da outra central, que concordou com aquele Código. Manuel Alegre já veio falar numa viragem à esquerda por força daquela nomeação, não me quero antecipar, mas parece-me precipitado tirar conclusões desse género.
Quanto ao Ministro da Defesa só por ironia se foi escolher alguém que gosta de malhar. Aqui estou com Pacheco Pereira, na Quadratura do Círculo, quando critica a nomeação de tal personagem, dizendo que ela tem pouco a ver com os militares e o seu mundo.
Também me parece que a indicação de Alberto Martins, o amigo de Alegre, para a pasta da Justiça não trará nada de bom, visto o senhor ter pouco traquejo na área. Ou tem alguém por detrás que lhe bichana as deixas ou só uma visão política e de diálogo não basta. Tem que ter alguma bagagem técnica.
O resto do Governo é o que já se sabe. Alguns são novos e ainda não mostraram nada, outros são antigos e já provaram tudo. O que fizeram não foi à esquerda, como alguns desejavam.

Resta-me falar da Ministra do Ambiente, que conheço muito bem. Considero-me seu amigo e tenho-lhe estima. Entrámos, eu, ela, o marido e mais alguns técnicos para a extinta Direcção de Serviços do Controlo da Poluição, da Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos (DGRAH), nos longínquos anos de 1976/77. Quando no primeiro Governo de Cavaco, em 1985, Carlos Pimenta, como Secretário de Estado do Ambiente, exigiu que as águas interiores deste país controladas pela DGRAH, do Ministério das Obras Públicas, passassem a ser geridas pelo ambiente, aquela Direcção de Serviços passou na sua maior parte para a então recém criada Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente. A maioria dos seus técnicos também e Dulce Pássaro assume na nova Direcção-Geral a chefia de uma divisão. Começa aí a sua carreira de chefia, tendo passado por todos os escalões intermédios, até chegar hoje a Ministra.
Verdade se diga, no entanto, que ela vem da área do PSD, que com o tempo e com a chegada de Sócrates ao Ministério se foi adaptando e ganhando fidelidades ao novo Ministro. Silva Pereira, sem ter feito a mesma tarimba de Lurdes Pássaro, é outro exemplo. Indicado por gente do PSD, do Ministério do Ambiente, para o Gabinete de Sócrates, ganha tal ascendência, que é hoje o indispensável número dois deste, deixando para trás Rui Gonçalves, o companheiro de Sócrates no PS e também, há época, seu Secretário de Estado.
Daqui dirijo à nova Ministra as maiores felicidades, pensando, no entanto, que ser ministra e política não é a mesma coisa que ser uma boa directora-geral técnica.

21/10/2009

Em defesa de Saramago


Tomei posição pública sobre as caricaturas de Maomé num texto que intitulei As Caricaturas Dinamarquesas e o Embaraço da Esquerda. Aí defendi a liberdade de expressão contra todos aqueles que na esquerda a atacavam e defendi-a nestes moldes: “A publicação das caricaturas constituiu, provavelmente, uma provocação deliberada da direita. Há ideólogos dessa área política que estavam mortinhos que isto acontecesse, para justificar as agressões passadas e futuras aos países islâmicos, mas que a denúncia deste facto não nos leve, em nome do respeito ou do "respeitinho" aos valores religiosos dos "outros", a permitir que a censura se instale entre nós e nos impeça de exercer a nossa liberdade de crítica e de "blasfémia" aos "nossos" símbolos religiosos.No fundo, o que devemos denunciar são as posições de direita e extrema-direita sobre o mundo muçulmano, quer elas se traduzam por caricaturas de Maomé ou em artigos de imprensa, e não limitar a liberdade de podermos "blasfemar" contra símbolos religiosos, sejam eles quais forem.”
Por isso estou bem à vontade para, em nome dos mesmos valores, achar que José Saramago tem toda a liberdade para blasfemar contra uma religião que acha iníqua.

O que José Saramago disse foi aquilo que já há muito se tem escrito a propósito do Velho Testamento, não nas mesmas palavras, mas descrevendo os horrores que para glória de Deus os seus apaniguados praticaram. É de facto um “manual de maus costumes” e “um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana” e mais, o Deus do Velho Testamento é um Deus “cruel, invejoso” e sempre sedento de provas de devoção. Tudo isto faz parte da literatura do Ocidente e da sua liberdade em se pronunciar sobre os temas da sua Religião. Foi esta a nossa conquista, desde os Enciclopedistas até ao Estado laico que instalámos.

Por isso se percebe mal todo este alvoroço em torno das declarações de José Saramago, principalmente da esquerda, que em muitos casos lhe tem alguma raiva. Uns por ser comunista, outros por não o ser suficiente, – o episódio de apoio a António Costa ainda está na memória de alguns –, outros ainda por serem bem-pensantes ou os Pachecos da esquerda. Não quero citar exemplos para não magoar ninguém. Só agora, quando o velho reaccionarismo veio ao de cima pela voz de Mário David, o tal eurodeputado desconhecido do PSD, que propunha que desnacionalizássemos José Saramago, relembrando um secretário de estado de Cavaco, que não enviou a sua obra O evangelho segundo Jesus Cristo para um concurso literário europeu, por pura censura, é que alguma esquerda manifesta indignação.
Hoje, para espanto de muitos, Sousa Lara, o tal secretário de estado, reaparece na RTP a justificar a sua anterior atitude, dizendo que "Jesus Cristo é Deus, não é para brincar". Esquece-se da separação do Estado da Igreja e recupera os tribunais do Santo Ofício que mandavam queimar, neste caso impedindo que José Saramago de receber um prémio, em nome da interdição de se poder brincar com Jesus Cristo. O mais espantoso é como termina a notícia neste Telejornal: “da sua veia literária continua a jorrar-lhe uma espécie de sangue de Anti-Cristo”. O disparate é livre, mas quem redigiu a notícia devia ser mais comedido nas palavras. A RTP ainda é pública.

Ouvi também na televisão as reacções das Igrejas. Joshua Ruah, da Comunidade Judaica, dizia com grande elegância, que vozes de burro não chegam ao céu. O porta-voz da Conferência Episcopal, Manuel Marujão, faz declarações dizendo que a ignorância de Saramago só mostra o seu atrevimento e a sua falta de humildade, com um discurso anti-Nobel e de acento jacobino (aqui a funcionar como insulto). Estes dois comentários levam a locutora da RTP, sem que ninguém o dissesse expressamente, a afirmar que para judeus e católicos José Saramago é pouco digno de um Nobel.

A fogueira inquisitorial está lançada. A Igreja não pode ouvir crítica aos seus textos sagrados. Tem os ouvidos demasiado sensíveis e o problema é que não lê o livro agora lançado e fala em golpe publicitário (Conferência Episcopal Portuguesa). É sempre o mesmo, quando se quer destruir alguém diz-se que ele actua por dinheiro, neste caso para vender mais livros. É velha táctica do assassínio por carácter. Não se discutem ideias discute-se as intenções malévolas do adversário.
Ao mesmo tempo reaparece o coro da reaccionarice que, apesar do disfarce, se manifesta nos políticos de direita.
A nossa Igreja Católica ainda não entrou na Idade Moderna.
PS.: não resisto a citar um post de esquerda, que pela sua pedanteria, representa aquilo que eu mais abomino que é alguém a dar-se ares. No fundo, bastava dizer que Saramago apoiou António Costa para a Câmara de Lisboa. O pedante em questão é Carlos Vidal, um intratável escrivinhador do 5 Dias. O que vale que não é só ele que lá escreve.

Coligações e acordos e as suas ilusões - III. Um artigo de Cipriano Justo


Começarei ainda por escrever sobre o post anterior.
Quando me abalancei a contestar uma das afirmações do Apelo à estabilidade governativa fi-lo de memória e comecei posteriormente a descobrir alguma dificuldade em fundamentar os meus dados históricos com o rigor que acho indispensável para retirar conclusões políticas. Nesse sentido, há, pós-queda do Muro de Berlim, alguma diferença em relação ao passado. De facto nos países pertencentes à NATO era manifestamente impossível os comunistas participarem no Governo. Mais uma vez, que eu me recorde, isso só sucedeu em França com a experiência descrita no post anterior e em Portugal, no Governo Provisório, saído do 25 de Abril. Posteriormente, os próprios partidos comunistas começam a diminuir a sua influência eleitoral, a mudar de nome e de objectivos ou então deram origem, com militantes de outras proveniências, a novos partidos que chamarei, para simplificar, da “esquerda socialista”. Nesse sentido, é que muitos dos novos partidos ou alguns dos antigos têm episodicamente participado em acordos de incidência parlamentar ou ocasionalmente em coligações governamentais. Mas qualquer deles é um partido marginal ao sistema político dominante já que, de um modo geral, não ultrapassam a casa dos 10 %. Ora a soma em Portugal da esquerda, à esquerda do PS, alcançou nestas últimas eleições legislativas cerca de 18 %.
Neste sentido, o caso português tem uma força e uma dimensão não é comparável a outras realidades.

Voltemos agora a Cipriano Justo. Este assina um artigo – Lisboa é uma lição –, no Público, em que interpreta os resultados obtidos para a Câmara de Lisboa e retira daí conclusões para o resto do país.
Resumindo o seu artigo, dir-se-á que o eleitor foi soberano neste conjunto de três eleições e que distribuiu o seu voto como bem quis, recorrendo mesmo ao voto útil, quando isso foi preciso. É uma observação acertada, mas, quanto a mim, pouco produtiva, pois não retira as conclusões necessárias, ou seja, as que obtém servem unicamente para a sua interpretação da realidade que, quanto a mim, é mais complexa e tem mais nuances do que aquelas que Cipriano Justo assinala.
Assim, valoriza a manutenção do país bipolar, entre centro-direita e centro-esquerda, sendo verdade esta constatação, há de facto uma alteração profunda em relação a eleições anteriores, onde essa bipolaridade era maior. Aquilo que todos os observadores assinalaram nestas eleições foi a diminuição acentuada da bipolariazação. Cipriano Justo, pelo contrário, valoriza a sua manutenção. Já se sabe, pretende assim manter o statuo quo e mostrar que quem manda são os partidos maiores e não os mais pequenos, mesmo que tenham crescido muito. São interpretações.
Depois, numa linguagem um pouco hermética, escreve: “Significa isto que a acção política carece de extravasar a visão unilateral do partido para se aproximar da transversalidade das expectativas dos blocos sociais que confiam em cada uma das formações.” A conclusão, tiro eu, é que há blocos sociais que esperam que os partidos de centro-esquerda e esquerda se unam e extravasem a “visão unilateral” do partido. Isto é admitir que quem vota naquele conjunto de partidos tem os mesmo interesses e expectativas, quando se sabe que quem votou Bloco o fez porque se zangou como PS de Sócrates ou quem votou PCP o fez porque sempre considerou o PS como aliado da direita ou executando a sua política.
Não podemos imaginar um eleitorado homogéneo, esperando sempre que os seus partidos se entendam, porque é isso que se deseja. Primeiro, têm que se dar passos significativos na mobilização para essa aliança e só depois é que se pode pensar que ela corresponda a uma necessidade de um bloco social situado à esquerda.
Por último, as conclusões mais graves, as diferenças entre as votações para o executivo camarário e a Assembleia Municipal seriam “uma afirmação da soberania individual, considerando o esforço de convergência, o programa de governo da cidade e a equipa que o iria aplicar e que acabou por sair vencedora. Politicamente este exemplo significa que existe um bloco social que não se revê na fragmentação da esquerda e, quando lhe é apresentada uma solução de quase-convergência, não tem dúvidas em se associar a ela. Aconteceu com a candidatura de Manuel Alegre, em 22 de Janeiro de 2006, repetiu-se em Lisboa, a 11 de Outubro de 2009.” Ora, interpreta-se a agregação em volta de Costa, que no fundo é uma coligação entre PS e PS, mais independentes, mas que é de facto expressiva, como um apoio a um programa e a uma equipa, quando o que foi claro, e não restam dúvidas sobre isso, a equipa formou-se pelo medo do regresso de Santana à Câmara e os eleitores, conscientes disso, votaram para o executivo para evitar esse regresso, enquanto na Assembleia mantiveram, de certo modo, as suas fidelidades partidárias. Para as Juntas de Freguesia isso ainda é mais notório.
Por último, parece-me uma conclusão extremamente precipitada considerar-se do mesmo tipo e com as mesmas características a votação em Manuel Alegre para a Presidência da República, em que houve muitos votos do PS contra a fidelidade partidária representada por Mário Soares e uma ruptura clara com o Socratismo oficial e a votação em Costa onde estavam todos presentes, Sócrates e Manuel Alegre. Ora, é contraditório apoiar um e ao mesmo tempo apoiar o outro. Por isso, eu escrevi, num dos últimos posts sobre os resultados das autárquicas, o seguinte:: “apesar de esta alternativa ter evitado que a Câmara caísse nas mãos de Santana, é uma alternativa que não leva a parte nenhuma, e mais, se o que pretendem aqueles que se posicionam atrás de Costa é dirigirem as movimentações políticas à esquerda, estão bem enganados. Esta esquerda, que não clarifica e que não une, que não tem um projecto de verdadeira transformação social e que num permanente tacticismo se refugia atrás de um “artista” como Costa, está condenada a ser mais uma vez engolida pela direita do PS.

20/10/2009

Coligações e acordos e as suas ilusões – II. Ainda os ecos de um Apelo


Antes de abordar o artigo de Cipriano Justo, As lições de Lisboa, e porque este é um dos principais subscritores do já referido Compromisso à Esquerda, gostaria de transpor um dos parágrafos desse Apelo à estabilidade governativa, já que ele se enquadra perfeitamente naquilo que escrevi no meu último post.

A dado passo está escrito no Apelo : “Os entendimentos entre as diversas forças de esquerda para uma solução de governo (coligação ou acordo de incidência parlamentar) são muito comuns na Europa Ocidental (por exemplo, no Chipre, em Espanha, em França, na Itália, na Suécia, na Dinamarca, na Noruega, na Finlândia, etc...).
Ora este facto contraste com o que por mim foi descrito no post anterior. Os acordos de incidência parlamentar e muito menos as coligações, envolvendo os partidos comunistas ou partidos à esquerda da social-democracia, foram raros na Europa e ainda hoje, que eu saiba, nenhum se verifica no espaço da União Europeia, exceptuando o caso de Chipre e da Noruega, que não é UE.
Como se sabe, depois da II Guerra Mundial, uma das exigências do Plano Marshall era correr com os partidos comunistas dos governos onde participavam e que se formaram na sequência da Libertação desses países do fascismo. Assim, foram primeiro afastados na Bélgica e depois na França e na Itália. Como se viu no post anterior o PCI (Partido Comunista Italiano) foi sempre impedido, numa estratégia que teve o beneplácito dos serviços secretos ocidentais, de entrar para o Governo italiano.
Assim, dos casos citados o mais conhecido, e que teve implicações significativas em França e até internacionais e no próprio partido participante, é a entrada do PCF (Partido Comunista Francês) para o Governo de Pierre Mauroy (1981-84) sob a Presidência de François Mitterrand e a execução de um programa de nacionalizações. O próprio Sarsfield Cabral nos recorda esse evento escrevendo: “mas cedo o descalabro económico e financeiro se tornou patente” e depois enumera as pequenas percentagens obtidas na actualidade pelo PCF. Estão todos lembrados que se falou então do “abraço de urso” que François Mitterrand deu ao PCF, esvaziando a sua grande força eleitoral. As razões poderão ser outras e não as irei discutir aqui. Mas, por incrível que pareça, o exemplo citado até seria favorável ao articulista, já que a participação do PCF no Governo francês diminui significativamente a força eleitoral deste. Mas, o medo é tanto que a experiência se repita, que Sarsfield Cabral nem se atreve a propô-la. Se estão bem recordados, quando Jorge Sampaio propôs ao PCP a coligação para Lisboa, muitos vieram recordar este exemplo e achar que aqui estava uma boa oportunidade para se esvaziar eleitoralmente aquele partido. De facto, foi isto que sucedeu. Como se sabe, antes da aliança PS-PCP para a Câmara, este último tinha uma votação superior ao PS. Hoje, como se viu, é bastante inferior. É evidente, que as razões são outras, mas estes exemplos levam-nos a pensar que coligações à esquerda, não são coisas simples e faceis de fazer. Exigem grande clareza de intenções e muita mobilização popular e talvez uma leitura mais atenta das questões de hegemonia cultural que tão subestimadas têm sido. Ou seja, não se pode fazer alianças que, primeiro, não tenham ganho as cabeças das populações que as apoiam.
Outros exemplos citados têm pequeno significado. Quatro deles passam-se em países nórdicos, onde a social-democracia tem uma tradição completamente diferente da nossa, e, que eu me recorde, foram só acordos de incidência parlamentar e que se verificaram em dois países que não eram membros da NATO, Finlândia e Suécia. Em Espanha e na Itália foram feitos igualmente acordos de incidência parlamentar. No último exemplo verificou-se uma experiência desastrosa. O apoio dado pela Refundação Comunista ao Governo de Prodi, levou ao desaparecimento de qualquer deputado comunista no Parlamento italiano. Este facto nunca se tinha verificado desde o pós-guerra
O caso de Chipre é totalmente diferente, dado que é um país que sempre se bateu pelo não-alinhamento, que teve um forte movimento de luta pela independência contra os ingleses, onde, por isso, a preponderância de um forte partido comunista é possível. O seu actual presidente pertence ao AKEL, o partido comunista da parte grega da ilha e o único com essa filiação partidária na UE.

Reafirmo por isso aquilo que escrevi, coligações ou acordos de incidência parlamentar não são experiências fáceis. Exigem clareza, maturidade e grande mobilização popular.
No próximo post, juro que irei abordar o artigo de Cipriano Justo.
Fotografia de François Mitterrand e Georges Marchais, em 1973. O primeiro foi Primeiro Secretário do Partido Socialista de 1971 a 1981 e depois Presidente da República Francesa de 1981 a 1995, o segundo secretário-geral do PCF de 1972 a 1994. Assinaram em 1972 um Programa Comum, que, por exigências do PCF, terminou em 1977.
PS.: Depois de já ter escrito este artigo, que, como alguns perceberão, já sofreu algumas alterações em relação à sua versão original, dado que fui encontrando dados na net que me permitiram a sua correcção, deparei com um artigo de André Freire, um dos subscritores do Apelo referido e provavelmente o redactor do parágrafo por mim escolhido, que num artigo do Público, de Setembro de 2007, e transcrito, um ano depois, na revista electrónica Vírus, faz referência aos temas que tenho aqui discutido. Além das experiências nórdicas e holandesa, que deve ter ficado escondida no etc. do parágrafo citado, refere-se a pequenas experiências, que eu penso que foram só de incidência parlamentar, em França, com a “esquerda plural”, em Itália num Governo anterior ao segundo de Berlusconi, e em Espanha, com um Governo minoritário do PSOE. Qualquer das experiências penso que não correu muito bem aos seus participantes de esquerda, quer comunistas, quer “socialistas de esquerda”. No entanto, quanto a mim, e fazendo uma apreciação englobando um tempo histórico mais vasto, parece-me que aquilo que digo tem razão de ser e em Portugal, como reconhece André Freire, é de facto verdade.

Coligações e acordos e as suas ilusões. Um artigo Sarsfield Cabral


Foram publicados ontem no Público dois artigos interessantes pelo contraditório que estabelecem entre si a propósito de coligações governamentais ou acordos de incidência parlamentar que poderiam resultar da eleição de uma maioria de esquerda para o Parlamento.
Assim, Sarsfield Cabral escreve um artigo, a que chama A retórica da esquerda unida, afirmando liminarmente que o PS está muito mais próximo politicamente do PSD e do CDS do que da sua esquerda, Bloco e PCP.
Cipriano Justo, assinando o artigo como dirigente da Renovação Comunista, retira lições das recentes eleições autárquicas para Lisboa – Lisboa é uma lição – e afirma que existe um bloco social que não se revê na fragmentação da esquerda.
Sou daqueles que mais tenho falado do problema da maioria de esquerda, da sua unidade e alianças. Não vou enumerar todos os posts em que já fiz referência a este tema, mas porque ele está na ordem do dia, vou, como se compreende, voltar a ele.

Sendo rápido e incisivo, direi que não é por acaso que à direita, entre PSD e CDS é tão fácil estabelecer acordos e que à esquerda, entre PS e PCP, isso tem sido impossível. É mais fácil, como já se verificou no passado, entre o PS e os outros dois partidos da direita, do que com os da sua esquerda. Este facto assenta na história recente da democracia portuguesa, mas igualmente na inserção de Portugal, no confronto da Guerra-Fria, num dos Blocos militares. Hoje estes já desapareceram, mas a sua memória e a nossa integração na NATO é ainda motivo para oposição a alianças entre o PS e a sua esquerda.
Como sabem, no tempo do PREC, a ruptura política deu-se entre os “moderados” do MFA, tendo por detrás o PS e toda a direita, e a esquerda militar gonçalvista e a extrema-esquerda otelista. A primeira era apoiada pelo PCP e a segunda por uma míriade de pequenos partidos da extrema-esquerda. Como eleitoralmente o PCP era o único que tinha votos, a acção dos partidos da extrema-esquerda esteve extremamente limitada, só tendo expressão eleitoral nas eleições presidenciais, como foi a primeira candidatura de Otelo, em 1976, à presidência da República e a de Maria de Lurdes Pintassilgo, anos depois.
Nesse sentido, sempre que houve na Assembleia da República maioria de esquerda, o PS tudo fez para que o PCP não entrasse para o Governo. Temos assim, o primeiro Governo PS sozinho ,em 1976, seguido depois do PS-CDS, com fingidas negociações com o PCP, e já posteriormente, nos anos 80, um Governo do Bloco Central, PS-PSD.
Guterres governa também em minoria, tentando no seu último Governo, quando já só lhe restava o queijo limiano, fazer acordos com o PCP, mas aí, verdade se diga, a situação, já era um bocado diferente dentro deste partido.
Mas não foi só a própria história da Revolução de Abril a influenciar estas opções do PS, foi como afirmei as pressões internacionais dos “nossos amigos” da NATO e das forças económicas dominantes em Portugal a impedirem que tal sucedesse.
Sem vos querer maçar com história da última metade do século XX, remeto-vos para um filme que está presentemente em exibição, chamado Il Divo, de Paolo Sorrentino, que é a biografia, dos últimos anos, de um dos políticos mais importantes da Democracia Cristã Italiana, um dos mais corruptos e dos mais comprometidos com a Máfia, e onde por meias palavras se fala na estratégia seguida em Itália, por uma facção da democracia-cristã, da extrema-direita, dos serviços secretos e da loja maçónica P 2, para numa estratégia de tensão, que implicava atentados bombistas e assassinatos, de que o de Aldo Moro é um possível exemplo, impedir o acesso do euro-comunista Partido Comunista Italiano ao poder.
Por isso, todos aqueles que, com alguma facilidade, falam das coligações ou alianças do PS com os partidos à sua esquerda não podem esquecer o peso histórico dessa interdição e, a meu ver, José Sócrates não tem o mínimo perfil político para ser capaz de na sociedade portuguesa romper com esta chantagem que a direita sempre impôs ao PS.
O artigo de Sarsfield Cabral é mais uma acha para as pressões de direita e do capital, já também expressas pelo patrão dos patrões, de impedir qualquer aliança do PS com a sua esquerda.
Gostaria, no entanto de chamar a atenção para que o texto daquele articulista é uma resposta a um abaixo-assinado, que por aí circula e de que Cipriano Justo é um dos principais subscritores, para um Compromisso de Esquerda. Apelo à estabilidade governativa. Assim, diz Sarsfield Cabral: “O tema da unidade da esquerda é propício a tiradas retóricas. Um mínimo de honestidade intelectual, sobretudo por parte de políticos com currículo e responsabilidades, deveria desfazer o nevoeiro ideológico e sentimental, evitando o palavreado oco para analisar o que, de facto, une e separa os partidos que se dizem de esquerda.” Sarsfield Cabral da sua superioridade de direita e de amigo do capital resolve falar da desonestidade intelectual dos outros. Sobre o conteúdo do próprio artigo e do seu desmascaramento já se pronunciaram, e bem, Ricardo Noronha, no 5 Dias, e Vítor Dias, em O Tempo das Cerejas.
Mas este exemplo só vem ilustrar, como em muitos outros que eu já descrevi, de que as alianças do PS com a sua esquerda não é um assunto fácil, de que se entra e sai, como nos acordos entre Paulo Portas e Santana.

Resta o artigo de Cipriano Justo, que analisarei numa segunda parte.

14/10/2009

Alianças, compromissos e voto útil. III parte


III – Uma interpretação rápida dos resultados

Na primeira descrição que fiz dos resultados das autárquicas, já dei algumas pistas.
São eleições muito polarizadas, o que, dada a influência do PS e do PSD no Poder Local, faz destes dois partidos os seus principais beneficiários.

A CDU tem um a implantação localizada, que, como eu também referi, é cada vez menos coincidente com as votações para as legislativas, o que acarreta que, quando por força da lei for preciso renovar os presidentes há mais tempo no poder, a manutenção do poder autárquico por parte da CDU se torna cada vez mais difícil. Veja-se que, depois de perder câmaras com algum significado, tem sido impossível recuperá-las. Só em algumas autarquias no Alentejo, onde, para além das votações autárquicas, ainda permanece a influência do PCP, é que é possível voltar a dirigi-las. Loures, Amadora, Vila Franca de Xira, todas as do Algarve, Évora, etc., são miragens difíceis de reaver, e onde cada vez mais a votação autárquica se assemelha à das legislativas, que é fraca.

Quanto ao Bloco é notória a sua falta de influência autárquica e isso é grave, no sentido em que desliga este partido dos problemas locais. O Bloco não se pode reduzir a grandes dirigentes nacionais, que têm a sua visibilidade no Parlamento, mas depois estar ausente como força significativa nas lutas sociais e autárquicas. Já se sabe que isto nada tem a ver com os compromissos com o poder, facto que leva muitos, sem razão, a criticam o Bloco por não os fazer, mas tem a ver com a sua organização, com a influência e inserção dos seus militantes na vida quotidiana das pessoas.

O CDS na vida autárquica é uma não existência, só conseguindo ganhar alguma visibilidade pelas alianças que estabelece com o PSD.


IV – Lisboa, sempre Lisboa

O PS depois da banhada que apanhou com Carrilho, em 2005, e dos compromissos que os seus vereadores foram fazendo com a gestão de Carmona, tentou nas eleições intercalares de 2007 inverter a onda. Costa, parece que ao arrepio de Sócrates, tenta refazer, mais que não seja da boca para fora, a aliança com a sua esquerda e escolher uns autarcas menos comprometidos com o pântano da governação da Câmara e das Empresas Municipais. Como uma maioria muito relativíssima, vai tentar fazer acordos à sua esquerda. Primeiro com o Bloco, atraindo Sá Fernandes, depois, lá mais para diante, atribuindo trabalho a Helena Roseta.
Sá Fernandes, pouco preparado politicamente e tentado pela execução do trabalho autárquico, mesmo que não se perceba para que serve, foi facilmente engolido por António Costa, deixando o Bloco em maus lençóis. Este pensou que esta situação tinha sido compreendida pelos eleitores de Lisboa. Provavelmente não foi.
No Congresso do PS, quando este partido ainda pensava que tinha o mundo na mão, António Costa lança num ataque descabelado ao Bloco de Esquerda, dando início a uma das vertentes que seria retomada pela media dominantes de ataque ao BE e às suas propostas, tentando encontrar contradições entre elas e esforçando-se por esvaziar a sua força eleitoral. O seu papel de engraçado e de alternativo ao PCP, que foi inicialmente lisonjeado, deu lugar ao do inimigo principal, a abater.
Simultaneamente, Santana Lopes é indicado como candidato do PSD a Lisboa. A intelectualidade progressista fica em pânico. Facilmente se arranja um abaixo-assinado, que eu subscrevi, a defender uma convergência de esquerda para Lisboa. O PS apesar de o apoiar, não lhe dá grande importância. Na altura ainda pensava que Lisboa seria um passeio.
Eis que o PS perde as eleições europeias, a esquerda do PS, em que se depositou algumas esperanças, volta ao aprisco e entre em parafuso com o perigo da direita ganhar. Desta vez teria um Presidente da República, um Governo e Santana na Câmara.
Rapidamente, Helena Roseta, que não queria anteriormente quaisquer convergências com Costa – não assinou o apelo de convergência – passa a desenvolver, com o apoio de Sampaio e de outros, todas as iniciativas para uma coligação de esquerda em Lisboa. Parece que se reúne com Louçã e Jerónimo. O apelo da convergência dá por encerrado a sua tarefa e um conjunto dos seus subscritores passa a formar a CLAC (Cidadãos por Lisboa Apoiam Costa). Este agradeceu-lhes na noite das eleições.
Sá Fernandes forma uma pequena Associação para se coligar com Costa. Helena Roseta assina um acordo coligatório. Estava lançada a operação que junta Saramago, Carlos do Carmo e por último Carvalho da Silva.
Já alguém falou que isto era o “bloco histórico” (termo utilizado por Gramsci) da esquerda que “circula por aí”. De facto, conseguiu-se isolar o Bloco e a CDU e agregar em Costa a direita e a esquerda do PS, mais aqueles independentes órfãos da esquerda, que “buscam sempre um pastor” (Fernando Sobral, Jornal de Negócios, 13/10/09).
Esta é a história. Provavelmente não teria outra saída. No entanto, parece-me esta situação bem perigosa. Primeiro porque não faz uma ruptura entre a esquerda e a direita do PS. Segundo porque agrega numa figura do PS, pertencendo à actual Direcção, um conjunto de gente de esquerda, que de facto circula por aí, chegando ao ponto de obter o apoio de Carvalho da Silva da CGTP. Terceiro, isola o Bloco e a CDU, indispensáveis para qualquer alternativa à esquerda. Dirão, como afirmou Costa na noite das eleições, “quem não uniu, perdeu”.
Por isso, apesar de esta alternativa ter evitado que a Câmara caísse nas mãos de Santana, é uma alternativa que não leva a parte nenhuma, e mais, se o que pretendem aqueles que se posicionam atrás de Costa é dirigirem as movimentações políticas à esquerda, estão bem enganados. Esta esquerda, que não clarifica e que não une, que não tem um projecto de verdadeira transformação social e que num permanente tacticismo se refugia atrás de um “artista” como Costa, está condenada a ser mais uma vez engolida pela direita do PS.


V – Breves propostas para o futuro

Sempre pensei que o problema principal de um partido como o Bloco, e de certo modo o PCP, não é para já o de assumir o compromisso com o poder e da assunção de responsabilidades governativas, mas sim a definição de uma estratégia política e das alianças necessárias para a poder executar.
Tem sido muito comum na esquerda, e nestes últimos eventos eleitorais este facto tornou-se dominante, pedir ao Bloco, e por extensão ao PCP, que proponham um programa mínimo para entrarem para o Governo ou para fazerem parte de um coligação governativa. Entendo que o problema não se põe assim e que o que se tem que definir politicamente é qual o programa que se quer para o país, com objectivos concretos, e que alianças e que camadas sociais se convocam para a sua execução. A esquerda, à esquerda do PS, não deve servir para apoiar os objectivos do poder dominante, mesmo que ele seja representado pela social-democracia – linha ideológica de que o PS de Sócrates se tem afastado claramente – mas ser portadora de uma alternativa política, que possa vir a exercer a hegemonia cultural e ideológica e pressuponha um amplo agregar de camadas e movimentos políticos. Por isso, este movimento não pode viver unicamente em frenesim permanente, apoiando-se exclusivamente na sua representação eleitoral. Não pode ser arrogante e convencido, o que acarretaria o afastamento de camadas sociais e grupos políticos. A esquerda, à esquerda do PS, tem que encontrar pontos comuns, estabelecer pontes com a ala esquerda daquele partido, desenvolver e actuar na área sindical, cultural e popular, forçar uma nova esperança, conquistar e reforçar o poder das populações, abandonar todo o sectarismo e esquerdismo que podem enfraquecer um processo desta grandeza. Só assim se pode propor a ser Governo e abalançar-se a propor alianças ao PS actual. Ou seja, o Bloco tem que crescer, não acreditar que pelos seus lindos olhos chegará ao poder, evitar o sectarismo do PCP e o oportunismo que, a troco de nada, lhe propõe para chegar à felicidade da governação. É preciso trabalhar, trabalhar mais, organizar e propor, discutir com a esquerda, sair da concha e ganhar direito à existência. Mas não querendo ser o partido guia, nem a vanguarda esclarecida, mas sim o organizador colectivo, o intelectual orgânico de camadas sociais e políticas desejosas de alterar o rumo das coisas.
Nada se conseguirá se não perceber em que bloco se insere e como pode conquistar a hegemonia cultural para ele.
Tudo isto é simples de dizer, pior é pôr em prática e traduzir estas palavras em acções concretas.

Alianças, compromissos e voto útil. Resultados em Lisboa


II – Os resultados em Lisboa

Fazendo o mesmo tipo de comparações que efectuei para o conjunto do país, verifica-se que para a cidade de Lisboa votaram praticamente o mesmo número de eleitores que há quatro anos: menos 2 mil desta vez. Este facto está correlacionado com a diminuição do número de eleitores nesta cidade, ao inverso do que sucede no resto do país. Mesmo assim, houve uma diminuição da abstenção, menos 0,78 % do que em 2005.
Como se sabe o PS oficial, aliado às correntes de esquerda do PS e com o apoio de alguns independentes, conseguiu uma vitória expressiva para o executivo municipal. Assim, teve cerca 48 mil votos a mais do que nas autárquicas de 2005 – a comparação com 2007, em termos de votos, que é o meu critério principal, é enganosa, dado a maior abstenção verificada naquelas eleições intercalares –. Comparando com as legislativas de há quinze dias atrás, o PS subiu cerca de 11 mil votos. Serão estes os tais 11 mil votos de que falava Santana Lopes na noite das eleições?
Quanto à coligação de direita vamos a números. O PSD e CDS em 2005 tiveram em conjunto, já que concorreram separados, cerca de 135 mil votos. Agora, em coligação, mais uns partidinhos para alegrar, tiveram cerca de 108 mil. Perderam portanto entre umas e outras 27 mil votos. Como sempre não comparo com as intercalares de 2007. Em relação às legislativas de há quinze dias perderam cerca de 21 mil votos, pois tiveram cerca de 129 mil nas legislativas. Ou seja, Santana e companhia não fez o pleno da direita em Lisboa, a culpa não foi só do voto de esquerda em Costa, foi também o medo que alguma direita tem de Santana Lopes.
É bom que se diga que o grau de participação nas legislativas é maior do que nas autárquicas. Há mais abstenção nestas últimas.
Quanto à CDU, perdeu cerca de 10 mil votos das autárquicas de 2005 para estas últimas eleições e perdeu cerca de 5 mil em relação às legislativas de há quinze dias. Houve 5 mil votos que fugiram à CDU. Terá sido para o voto útil em Costa?
No Bloco a situação ainda é mais complicada, perdeu cerca de 10 mil votos das autárquicas de 2005 para as de agora e perdeu cerca de 19 mil em quinze dias.
Conclui-se pois que, a nível do executivo municipal, só o PS é ganhador em Lisboa, o que se torna claro olhando para a maioria absoluta obtida para a vereação.

Falemos agora do desvio tão falado entre os resultados para o executivo e para a assembleia municipal. O PS perdeu cerca de 13 mil votos. A coligação de direita ficou quase na mesma e a CDU ganhou cerca de 6 mil votos e o Bloco cerca de 6 mil. Ou seja, a CDU e o Bloco contribuíram em partes iguais para a maioria absoluta de Costa, já que este só ganhou a Assembleia Municipal por cerca de 2 mil votos de diferença em relação à coligação de direita.
Como se compreende Costa não tem a maioria absoluta na Assembleia Municipal, precisará dos votos dos deputados da CDU para a eleição da própria mesa da assembleia ou para a aprovação de quaisquer outros diplomas, a não ser que conte com a boa-vontade da coligação de direita ou da sua abstenção. O PS e a coligação de direita ficaram com o mesmo número de deputados municipais: 23. Restam os presidentes de junta de freguesia, que por lei integram a Assembleia Municipal

Falemos agora dos votos para as assembleias de freguesia no seu conjunto. Aqui quem ganha é a coligação de direita, com cerca de mais de 9 mil votos do que o PS. A CDU sobe em relação à Assembleia Municipal, cerca de 9 mil votos, o mesmo que o PS perde em comparação idêntica. A votação do Bloco não se altera.
Foi provavelmente este aumento das listas de direita no conjunto das freguesias que fez Santana afirmar na noite eleitoral que o PS tinha ganho o executivo camarário com os votos da CDU. É mentira. Como se viu para a Assembleia Municipal Costa ganhava as eleições por pouco. Obteve foi a sua maioria absoluta com o contributo em igual proporção da sua esquerda.
Mas também não é verdade aquilo que Costa disse na noite eleitoral que tinha ganho em 36 freguesias. Ora ele ganhou foi na votação para o executivo municipal, pois a coligação de direita ficou com 26 juntas de freguesia, o PS com 22 e a CDU com 5. Devido a este facto, a coligação de direita junta aos seus deputados municipais mais 26 presidentes de freguesia, o que lhe permite ter mais 4 deputados do que o PS.

Por aquilo que se conhece da vida autárquica foi o trabalho do PSD e da CDU na vida das freguesias que lhes valeu terem maior votação nestas. O que reflecte verdadeiramente o voto útil é a diferença entre os votos para o executivo e para as assembleias municipais. Por esse motivo, é que, de um modo geral, a CDU apresenta quase sempre os seus resultados autárquicos com as votações para as assembleias e não para os executivos.
Por isso, foi estultícia de Santana Lopes dizer que foi devido a um acordo secreto entre Costa e a CDU que aquele ganhou Lisboa. O que sucedeu é que a esquerda, à esquerda do PS, tomada de medo e devido ao isolamento em que estes partidos se colocaram, foi, em partes iguais, votar Costa.
Mas esta interpretação fica para outro post.

Os resultados eleitorais podem ser consultados aqui

12/10/2009

Alianças, compromissos e voto útil


Com este título, um pouco estapafúrdio, pretendo analisar as eleições autárquicas e os resultados da cidade de Lisboa, onde, ao contrário do que esperava, não fui eleito para a sua Assembleia Municipal. Sempre fui um carapau esperançoso.

I – Resultados nacionais
Antes de mais, uma pequena visão dos resultados a nível nacional. Há mais votantes nestas eleições, cerca de 142 mil, do que nas de 2005, apesar da abstenção agora ser maior. Os cadernos eleitorais estão inflacionados.
O PS sobe cerca de 150 mil votos entre 2005 e 2009. E sobe em 15 dias seis mil votos. Teve a 27 de Setembro, nas legislativas, cerca de 2 077 mil votos, e, a 11 de Outubro, cerca de 2083 mil. Ou seja, um resultado muito parecido, o que, apesar da diversidade de eleições, permite pensar que o PS não cresceu de umas para as outras eleições, nem nada no essencial se modificou em 15 dias.
O PSD, aliado ou não ao CDS, teve cerca de 2 139 mil votos nas presentes eleições. Em 2005 teve cerca de 2148 mil, mais 9 mil votos. Não sabemos, porque não me dei a esse trabalho, se as alianças com o CDS são coincidentes nas duas eleições. Mas de um modo impressivo diria que os resultados são muito semelhantes. Não encontro também justificação para o PS dizer que teve mais votos que o PSD, pois é manifestamente impossível saber o que é voto do PSD e do CDS.
Quanto à comparação em relação ao PSD, aliado ou não ao CDS, entre as legislativas e as autárquicas podemos fazer o seguinte exercício. Se somássemos os votos do PSD com os do CDS, nas legislativas, teríamos cerca de 2 246 mil votos, se retirássemos os cerca de 170 mil que o CDS sozinho teve nas autárquicas, teríamos cerca de 2076 mil votos, que é um valor inferior em cerca de 60 mil votos ao que PSD, aliado ou não ao CDS, teve nas presentes autárquicas, isto admitindo que o CDS manteve a mesma votação das legislativas para as autárquicas. Mas ficará sempre por saber se este crescimento se deve ao CDS ou ao PSD, eu por mim inclino-me para este último, dada a sua força autárquica.
Se formos a “esmiuçar” bem, há um crescimento do PS, pequeno em relação há 15 dias, bem maior em relação às anteriores autárquicas. O PSD, aliado ou não ao CDS, tem um crescimento em relação às legislativas, mas desceu muito ligeiramente em relação às autárquicas de 2005.
Que se passa com os outros partidos. O PCP-PEV desce cerca de 41 mil votos entre autárquicas, mas sobe 93 mil votos das legislativas para as autárquicas. Este é um dos grandes dramas do PCP que tem sempre uma votação muito mais expressiva nas autárquicas do que nas legislativas, o que levava o saudoso Luís Sá a falar da dificuldade que era em cada eleição manter um valor alto nas autárquicas, quando nas legislativas se baixava tanto.
O Bloco sobe entre eleições autárquicas 6 mil votos, o que é manifestamente pouco, e desce em relação às legislativas 391 mil votos, o que é uma barbaridade, só explicável pela falta de enraizamento do Bloco na vida local.
O CDS sozinho sobe, entre autárquicas, cerca de 11 mil votos.
Os grupos de cidadãos, maneira eufemística de englobar no mesmo saco delinquentes reconhecidos e acusados, com desavindos por boas ou má razões com os partidos que antes representavam, ou num ou noutro caso de genuína eleição de autarcas independentes, tiveram mais de cerca de 60 mil votos.
Se considerarmos os brancos e nulos, que diminuem significativamente (cerca de 67 mil votos), e algum crescimento de pequenos partidos, já temos o deve o haver destas eleições razoavelmente equilibrado.
Assim, poder-se ia afirmar comparando estas autárquicas com as de 2005 que o partido que mais cresce é o PS, o que se constata pelo aumento do número de Câmaras que detém, que quem perde mais em votos é a CDU e que apesar do PSD, coligado ou não com o CDS, perder câmaras, no cômputo geral não diminui muito em votos.
O Bloco mascara a derrota que teve, reconhecida pelo próprio Louçã, com o aumento de um número total de votos.
Concluindo, nem a vitória do PS é muito expressiva, nem a derrota dos outros é muito significativa. O poder local está, por assim dizer, muito equilibrado e pior de que tudo muito bipolarizado. Isso mesmo se verifica naquelas Câmaras em que ganha a CDU, porque aí a polarização é entre a CDU e o PS, porque o PSD quase que desaparece.

Em próximo post falarei da cidade de Lisboa e tentarei justificar este título.

Os resultados eleitorais podem ser consultados aqui.

08/10/2009

Entre a espada e a parede eu escolho outra opção


Num post do blog Spectrum, um dos seus colaboradores, que eu conheço, e que assina Saboteur, termina o seu texto dizendo que dedica o seu post a todos aqueles que dizem que é indiferente votar Santana ou Costa, isto depois de se referir uma série de jovens que foram despedidos da Câmara de Lisboa quando Santana tomou conta desta.
O problema que levanta já é antigo e tem a ver com duas noções políticas correntes: uma é a afirmação de quanto pior melhor e outra é a questão do voto útil.
A primeira é há muito combatida pela esquerda, que sempre considerou que o aumento do sofrimento do povo era mau para ele e mau para as condições da luta política. Por isso, no tempo do fascismo, sempre combateu o agravamento da repressão e da situação económica dos trabalhadores. Esta ideia é típica de algum anarquismo de pacotilha e do pensamento fascista, que sempre achou que quanto maior fosse a desordem, mais facilmente o povo reclamaria a ordem. Sobre este assunto estamos conversados.
Quanto ao voto útil, já foi dito muita coisa. Mas a verdade é que o voto não é opção entre dois males, é uma escolha consciente entre os programas e as formações políticas que melhor defendem os nossos interesses. Se fosse de outro modo, teríamos o sonho daquilo que foi o rotativismo em Portugal, em que umas vezes governavam uns, noutras outros. A escolha seria sempre limitada a dois. Este foi também o sonho de José Sócrates que afirmava que era ele ou Manuela Ferreira Leite. É esta também a opção de António Costa e de toda a equipa à esquerda que o rodeia. Odeiam tanto Santana, que entre este e Costa não há outra opção. Lamento, mas espero poder ter a minha. Já se sabe que não serei indiferente se for Santana ou Costa a ganhar, têm programas e opções políticas diferentes. Não podem é obrigar-me, em nome desta dicotomia, a ter que escolher entre a espada e a parede. Quero ter a liberdade de poder votar em quem mais me interessa, que para a Assembleia Municipal será em mim próprio, ou seja, no Bloco de Esquerda.

07/10/2009

Lisboa, um novo dado


Esta manhã, como por acaso, Carvalho da Silva encontra-se com António Costa junto da Brasileira do Chiado e diz-lhe “Já que nos encontramos, quero desejar-lhe uma boa ponta final de campanha e dizer-lhe que os lisboetas e Lisboa precisam da sua vitória e, também, que o Senhor tenha capacidade para ouvir e convergir à esquerda, porque é preciso que Lisboa seja governada à esquerda”´(ver aqui). A transcrição das declarações de Carvalho da Silva foi feita a partir de uma nota enviada pelo próprio às redacções dos jornais, em que dava conta da mensagem que tinha remetido à CDU, dando todo o apoio a esta coligação. Depreende-se que seria para o resto do país.
Patuscamente li num blog, de alguém que me pareceu favorável à CDU, que considerava a notícia do Público, que dizia que Carvalho da Silva apoiava António Costa, como uma manipulação jornalística. Os militantes do PCP, ensinados a não acreditarem no que diz a imprensa “burguesa”, não percebem que por vezes ela fala verdade e que a realidade é mais pesada do que aquela que eles imaginam.

Carvalho da Silva tem manifestado há algum tempo uma certa independência, diria mesmo uma agenda própria, em relação ao PCP. A conversa da sua substituição à frente da Central não era invenção dos jornalistas. Simplesmente, como era difícil substitui-lo e por momentos aquele pareceu acatar as directrizes do PCP, continuou como Secretário-Geral. No entanto, muitos acalentavam a esperança de ter Carvalho da Silva como um líder para poder apresentar, na altura própria, como candidato a Presidente da República ou para a criação de uma nova formação política. Para Carvalho da Silva os tempos não estavam ainda maduros e tudo isso ficou em águas de bacalhau.
Hoje, depois deste encontro casual, parece-me que alguma coisa irá mudar. O PCP não é de se ficar e Carvalho da Silva ainda não tem o estatuto de José Saramago, que pode fazer tudo o queira que o Partido lhe perdoará sempre. Provavelmente, como na altura se falava, Carvalho da Silva será substituído a meio do mandato e deste modo já vai preparando a cama para outras ambições.
Dirão que estou a especular, a inventar, chamar-me-ão comentador de pacotilha, mas nunca vi um militante do PCP, com as responsabilidades de Carvalho da Silva, apoiar outro candidato que não seja o do Partido. Gostava que aqueles que andam sempre a falar da especulação da “imprensa burguesa” que ao menos tivessem a hombridade de vir justificar ou analisar o significado destas declarações de Carvalho da Silva.
Direi que são uma facada nas costas de Ruben de Carvalho e que só dão razão àqueles que andavam a apelar a uma convergência de esquerda para a Câmara de Lisboa e que agora, com algumas diferenças, lá continuam com o mesmo tipo de apelos para um Compromisso à esquerda.
Ulisses Garrido, na fotografia do Sol, lá espreitava por detrás de Carvalho da Silva quando este se encontra com António Costa. Ele é, por notícias da imprensa, um dos principais impulsionadores do último apelo a um Compromisso.

Tal como se pede ao Presidente da República contenção e bom senso, coisa que parece que se lhe varreu por completo, acho que o Secretário-Geral da CGTP também deve ter alguma contenção nos apoios que dá, atendendo que a Central é de todos e não de uma facção.

06/10/2009

Como se manipula a opinião pública


António Vitorino (AV) o comentador da RTP, que o PS arranjou para contrapor ao Professor Marcelo, fala de tudo e de nada, e a sua opinião é sempre aquela que traduz a posição oficial do PS, mas que aquele partido quer fazer passar como independente e verdadeira.
Assim, neste Dia da República, António Vitorino lá nos vendeu a sua opinião sobre as eleições para a Câmara de Lisboa. Temos assim que aquelas eleições são as mais polarizadas, em contraponto às do Porto, porque há uma coligação à direita que concorre contra o PS, que por sua vez se juntou com o Movimento dos Cidadãos, e porque as duas personalidades concorrentes são muito fortes. Ora tirando as personalidades muito fortes, mas que no Porto não serão menos, a situação em Lisboa é quase igual à do Porto. Uma coligação à direita entre PSD e CDS nas duas cidades, que em Lisboa juntou algum folclore local - o Partido da Terra e os monárquicos - contra o PS, que nesta cidade se coligou ao PS desavindo das últimas eleições intercalares, e depois igualmente as candidaturas do Bloco e da CDU.
Porque é que em Lisboa há tanta polarização? Porque a seguir o AV fala da exigência do voto útil no PS para derrotar a coligação de direita. E onde vai buscar AV esse voto, ao Bloco e à CDU.
Mas o mais espantoso é o que é dito a seguir. Como têm reagido aqueles dois partidos ao apelo ao voto útil? AV responde que a CDU reage com algum low profile e o Bloco erigindo o PS como o seu inimigo principal, pensando que pode perder algum terreno na cidade de Lisboa. E finaliza sobre as eleições em Lisboa antevendo o que sucederá se António Costa ganhar. A CDU será uma força cooperante e o Bloco de Esquerda será uma força de oposição até porque afastou o seu candidato. Esqueceu-se de dizer que o seu candidato até integra as listas de António Costa.
Dito isto, que poderá ser visto aqui, analisemos este discurso. Como já vimos as forças em presença são as mesmas que no Porto. Porque é que no Porto não há o apelo ao voto útil das forças à esquerda do PS? Porque este já dá como perdida a Câmara do Porto. Enquanto que em Lisboa isso não sucede e António Costa quer ganhar com maioria absoluta. Por isso, o apelo ao voto útil e esta subtil distinção entre a CDU, rapazes bem comportados, e o Bloco que transforma o PS em seu inimigo principal e se tornará numa força de oposição à possível maioria do PS.
Já se sabe onde leva este raciocínio. O Bloco mais uma vez transformado em inimigo principal, porque é aquele que pode roubar mais votos ao PS, por isso há que subtilmente virar as baterias contra ele.
Assim vai o comentário político em Portugal.

02/10/2009

Dormindo com o inimigo. O apelo


Em post anterior já tinha escrito sobre a possibilidade de, depois das eleições, aparecer um documento a apelar mais uma vez à união das esquerdas, que neste caso assumiu o nome de Compromisso à Esquerda, com o subtítulo bastante curioso de Apelo à estabilidade governativa.
Joana Lopes, num post que escreveu para o seu Entre as Brumas da Memória, já fez a respectiva crítica, com a qual eu concordo plenamente, acho no entanto que devo acrescentar alguns comentários de natureza políticos e uma pequena adenda.

Entendo que social e politicamente o Bloco e a CDU, representando provavelmente camadas sociais diferentes e talvez complementares, correspondem sem dúvida a eleitorado que foi afectado seriamente pela crise económica, pelo desemprego e que politicamente não se revê nas medidas tomadas pelo Governo, quer genericamente em relação ao Código do Trabalho e à reforma da Segurança Social, quer àquelas que foram tomadas sectorialmente: a avaliação dos professores, as transformações no estatuto da Função Pública, a perda de pequenas medidas de protecção social em relação a diversas categorias profissionais, etc.
Neste sentido, estas camadas que genericamente se consideram de esquerda, com valores de justiça social, e que são herdeiras de um passado político que remonta ao 25 de Abril e às transformações económicas e sociais então verificadas, e que neste momento já valem eleitoralmente um milhão de votos, não gostariam de ver os responsáveis pela sua degradação económica aparecerem de braço dado com os dirigentes do Bloco ou da CDU. Por isso, um apelo a um compromisso à esquerda, exclusivamente para assegurar a estabilidade governativa, iria defraudar as suas expectativas políticas.
Uma coisa bem diferente é o que aqueles dois partidos farão para corresponder aos desejos das camadas sociais que eles representam e como conseguirão traduzir no futuro Parlamento as suas esperanças.
Neste momento a não concretização da unidade da acção entre o Bloco e a CDU é um dos problemas que afecta a esquerda, e que talvez merecesse algum apelo à sua convergência para o tratamento de assuntos concretos. Mas sobre isso, fico-me por aqui.
Defendo ainda, como escrevi no final do post anterior, que o Bloco tem que estabelecer uma clara política de contactos e alianças com possíveis forças emergentes à esquerda, que possam representar um aumento da sua influência política e eleitoral. A “esquerda grande” tem que ter conteúdo. O bloco social das camadas e estratos da esquerda tem que encontrar a sua representação política. Nesse aspecto, são indispensáveis os contactos com a esquerda do PS e com o conjunto de pessoas sem partido, que estão disponíveis para actuar conjuntamente com o Bloco. Este são as tarefas deste movimento, o PCP estabelecerá as suas.

Gostaria de focar aqui um outro aspecto. Uma parte das primeiras assinaturas é de ex-militantes comunistas, alguns deles membros da Renovação Comunista. Tenho para mim que este apelo corresponde para muitos a um desejo de unidade que sempre foi uma das características históricas do PCP.
Se nos reportarmos ao programa da Revolução Democrática e Nacional daquele partido e que foi o seu programa antes do 25 de Abril e, com pequenas adaptações, o subsequente àquela Revolução, veremos que nele sempre se defendeu a unidade das todas as camadas anti-monopolistas – formulação que ainda hoje é retomada por Jerónimo de Sousa aqui e ali –, primeiro, contra o fascismo e depois pela aplicação prática daquele programa com vista à construção da sociedade socialista. Sem me querer mais adiantar nas razões históricas do aparecimento deste tema no PCP, diria que a execução deste programa sempre foi um dos objectivos dos comunistas e que só o desvio esquerdista e sectário da actual Direcção tem permitido que, na prática, aquele Partido se afaste dele. Nesse sentido, para muitos comunistas a convergência com o PS é possível e desejável, tal como já se verificou no passado ou foi regularmente defendida. Esquecem que o problema já não se põe nos mesmos termos em que ele foi anteriormente abordado. Hoje o PS é comandado por um grupo que há muito deixou de ser, a nível nacional, o representante da social-democracia, com tudo aquilo que significa hoje aquela corrente política, mas que tem vindo a resvalar para um partido centrão, que, mantendo ainda no seu ceio uma corrente verdadeiramente social-democrata, representa hoje os grandes interesse económicos e patronais. Por isso, qualquer aliança com este grupo, consiste na prática, como eu digo no título do post, em dormir com o inimigo

Por último só uma pequena adenda de carácter pessoal. Envolvi-me, há tempos, em polémica com uma das subscritoras do abaixo-assinado do Compromisso de Esquerda, por sinal uma das mais destacadas pela imprensa. O Vítor Dias já escreveu o que havia a dizer sobre essa apoiante do Compromisso. Eu recordo, no entanto, apesar daquela polémica já não ter muito sentido, os termos em que a senhora se me dirigiu, com uma pequena ferroada anti-comunista, que não auguram nada de bom para aquele Compromisso.
Mais uma imagem da Frente Popular, em Fraça, em 1936. Desta vez destacam-se na fotografia Léon Blum e Maurice Thorez, que foi secretário-geral do PCF.