24/10/2009

Polémicas velhas e reacções novas


Depois de ver o pretenso debate da SIC/SIC Notícias entre José Saramago e o padre Carreira das Neves, algumas conclusões se podem começar a retirar sobre este irrisório disparate referente às apreciações de José Saramago sobre a Bíblia e Deus e as reacções intempestivas das Igrejas e dos seus críticos à esquerda e à direita.
Em primeiro lugar a SIC fez uma operação de marketing sobre um tema que estava na moda, mas como é costume fugiu dele o mais possível. Primeiro, não era um debate mas sim entrevistas paralelas, como Mário Crespo costuma fazer na rubrica Frente a Frente, da SIC Notícias. Segundo, para não perder audiências dedica-lhe só um quarto de hora na SIC generalista e o “debate” segue na SIC Notícias. Sobre o método seguido por Mário Crespo pareceu-me correcto, dado que Saramago não se disporia a um combate de box com o padre Carreira das Neves. Quanto a dividir o programa pelos dois canais pareceu-me a falcatrua do costume: prometer muito e cumprir pouco, para não aborrecer os espectadores.
Mas isto não é o principal. Todo o episódio é que é profundamente ridículo.
Saramago, como eu já escrevi, no lançamento do seu livro Caím faz determinadas declarações, que retomam polémicas antigas e afirmações velhas e revelhas. Posteriormente, noutras declarações avulsas e hoje no “debate” retoma a discussões também antigas sobre as contradições da Bíblia, que há muito tempo, principalmente no século XIX, tinham animado polémicas importantes e escandalizado a Igreja e os poderes dominantes dessa época. Estou-me a lembrar da Vida de Cristo, de Renan. Mas se me pusesse a esmiuçar sobre este tema encontraria muitos mais.
É interessante, que a seguir ao “debate”, Saldanha Sanches num dos tais frente a frente da SIC Notícias, tenha referido que A Relíquia, de Eça de Queirós, despertou grande escândalo quando foi publicada, mas que hoje estas coisas já são banais.
Ora é aqui é que está o busílis da questão. É que, se José Saramago, nas declarações que fez, retoma temas antigos e há críticos que vêm lembrar isso, a verdade é que a reacção que despertou também é recorrente. Ninguém aprendeu nada e muito menos a Igreja.
Desvalorize-se muito as posições assumidas por Saramago, por serem velhas, mas que foram feitas no contexto de um lançamento de um livro seu que tratava de um tema bíblico. Mas subestima-se as reacções das Igrejas que são tão revelhas como as posições de Saramago. Mas pior ainda, para além das posições militantemente reaccionárias de alguns políticos de direita, muita esquerda sentiu necessidade de vir a terreno garantir que “não havia necessidade disso” ou que Saramago não se devia meter com a Igreja.
Por isso, apesar de queremos dar a sensação que o problema religioso já está resolvido em Portugal e que somos todos muito modernos para discutirmos um tema tão fastidioso como os textos bíblicos ou a natureza de Deus, continuamos a reagir intempestivamente em relação a este tema. E a Igreja fá-lo como sempre fez, com as armas que tem à mão. Proibindo como no tempo de Salazar ou gritando que a estão a atacar como no tempo da democracia. Às vezes mesmo reagindo um pouco mais violentamente, como descrevo no artigo que escrevi a propósito das caricaturas sobre Maomé.
Este é que é o problema. Mas eu também diria que o desencadear da reacção das Igrejas foi causado pelas televisões terem estado lá e pela importância do emissor. Fossem as mesmas palavras pronunciadas por um obscuro professor, em qualquer conferência dos amigos do ateísmo, e nada disto se verificava. Ao sangue que as televisões gostam de fazer jorrar, responde a Igreja com mais sangue e, pelos vistos, a blogosfera também.

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