27/10/2009

As eleições de 1969


Pediram-me para escrever duas ou três linhas sobre as eleições de 1969 para o site Caminhos da Memória referente ao tema Onde é que estavas no dia 26 de Outubro de 1969?, data das primeiras eleições para a Assembleia Nacional fascista, depois de Marcelo ter subido ao poder.
Escrevi primeiro meia dúzia de linhas e depois tomei-lhe o gosto e acrescentei mais qualquer coisinha.
Aproveitando essa minhas pequenas recordações, resolvi fazer este post que junta, para a posteridade, de um dia, as minhas fracas memórias do que fazia por essa altura e o pequeno activismo que tive nessa campanha eleitoral, em que a Oposição Democrática foi pela primeira vez às urnas em eleições para a Assembleia Nacional. Já o tinha feito, mas numas outras para Presidente da República, aquando da candidatura do Humberto Delgado, em 1958.

Por essa época acabava eu o longo curso de biologia na Faculdade de Ciências de Lisboa. Longo não pela sua duração, mas pelos anos que andei por lá a cabular. Por isso, nesse Outubro tinha que fazer impreterivelmente a última cadeira que me faltava para finalmente dar o curso por acabado. Era Física Geral. Mais simples para os biólogos do que para os físicos, mas um pincel de todo tamanho. Por isso, não recordando a data do exame, admito que a preparação para o mesmo me tivesse impedido de participar activamente na propaganda e agitação eleitoral. Pelo menos era uma boa desculpa.
Por outro lado, o meu pai, já farto de me ver a não fazer nada de “útil”, achou por bem arranjar-me nesse ano um pequeno biscate, das 6 da tarde às 9 da noite, no, penso que na altura se chamava assim, Gabinete de Estudos e Planeamento dos Transportes Terrestres, posteriormente viria a ser a Direcção-Geral dos Transportes Terrestres e hoje acho que é Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres. Sei que por essa época muitos jovens “associativos” (das Associações de Estudantes), acabados de formar, tinham por lá um biscate ou trabalhavam a tempo inteiro.
Eu fui contratado a tempo parcial para a tarefa, hoje ridícula, de, com mais cinco pessoas, somarmos, em máquinas eléctricas, mercadorias e passageiros que a CP (Caminhos-de-ferro de Portugal) transportava pelas diversas linhas que explorava. Reuníamo-nos ao fim da tarde e, em grupos de dois, com um a ditar e outro somar, escrevíamos o resultado numa folha de papel cheia de coluninhas. Do grupo então formado faziam parte dois ferroviários, que ao fim de algum tempo, depois de perceberem o que se pretendia, afirmavam que era possível obter na CP aqueles dados que pareciam tão úteis para o planeamento ferroviário do país.
No entanto, todos mantivemos um prudente silêncio, pois se se descobrisse que os dados já existiam, seríamos dispensados. Desse grupo fazia parte um jovem, penso que ainda estudante da Academia Militar, que vim a descobrir que é actualmente o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Valença Pinto. Pode-se dizer que era o único que levava aquilo a sério. Discutia com os dois ferroviários aquele intrincado problema de números de mercadorias e passageiros que eram transportados pelos caminhos-de-ferro e foi devido a ele, e às suas perguntas, que os homens da CP chegaram à conclusão que os dados já existiam.
Cada um estava lá devido a um “empenho”, como então se dizia, e o nosso futuro general, era sobrinho de um dos homens, Almeida Fernandes, ex-Ministro do Exército, que se tinha metido na Abrilada, com o Botelho Moniz – o golpe de estado contra Salazar que nunca chegou a concretizar-se e em que participou também Costa Gomes (ver uma versão aqui) -, e que, para completar o seu vencimento do exército, tinha também um biscate, ao fim da tarde, naquele Gabinete, visto ser oriundo da Engenheiro militar.
Como aquele era o meu primeiro emprego com horário fixo – já tinha feito umas traduções – e dado o meu espírito cumpridor, passei esse Verão, com a interrupção de uma semana de férias, a que tinha direito, a somar mercadorias e passageiros. Um dos presentes, estudante do técnico, sem muita necessidade de dinheiro e mais afoito faltou o mês completo de férias: não se trabalhava, não se recebia
Quando chegou a campanha eleitoral lá estava eu a fazer somazinhas.

Isto era esta pois o que fazia na época e, dito isto, passemos às minhas memórias da campanha eleitoral.
No site referido, escrevi eu mais ou menos isto: lembro-me de estar organizado num pequeno grupo de bairro, provavelmente por morarmos todos na freguesia de Santa Engrácia, em que entrava o José Manuel Carvalho, antigo colega do Gil Vicente e que vim encontrar no pós 25 de Abril na organização da função pública do PCP, a sua companheira e um “amigo” já maduro, trabalhador dos telefones, da electricidade ou da água, já não me lembro, que posteriormente encontrei também no PCP. Três jovens “intelectuais” e um trabalhador. Reunimo-nos algumas vezes para distribuir propaganda e recolher fundos. Onde nos reunimos e se estas reuniões foram antes e depois das eleições – porque se pretendia que a estrutura da CDE continuasse – já não me recordo.
No local onde fazia uns biscates, o tal onde somava mercadorias e passageiros da CP, andei a fazer o mesmo. Um dos ferroviários disse-me que me dava uma pequena contribuição por ser eu a pedir, não por ser a CDE, outros, acho que me que deram sem pestanejar. Já se sabe que não fui pedir nada ao futuro general, nem esses assuntos se abordavam à sua frente.
Lembro-me que os dois ferroviários me descreveram a paralisação que houve na Estação do Rossio, em que um candidato pela CDE, funcionário da CP – hoje já sei que se chamava Firmino dos Santos e a Helena Pato deu dele um belo retrato no site –, pôs a cabeça no rail para impedir que os comboios circulassem. Essa descrição comoveu-nos, foi arriscada e perigosa.
Escrevi uma segunda memória, motivada por um post do Victor Dias, em que recordei uma idas a uma sedezinha da CDE, na Travessa do Calado. Lembro-me de lá ter chegado um dia e ver entrar o Rogério Paulo a protestar, porque achava que tinham alugado uma sede no fim do mundo e ainda por cima num sítio impossível de se chegar. Nessa altura Lisboa era um pouco mais pequena.
Noutra altura recordo o Joaquim Benite a virar-se para mim, quase sem me conhecer, e a dizer-me: “precisávamos de um jovem como tu para ser candidato a deputado”. Fiquei tão atrapalhado, que nem sei o que lhe respondi. Já se sabe que não fui candidato a nada.
Acho que à segunda sede, no Campo Pequeno, nunca fui. Devia ser naquela altura em que andava a estudar para o exame. Recordo, no entanto, ter ido a um comício no Teatro Estúdio de Lisboa, que ficava em Entrecampos, junto à Feira Popular. Lembro-me do Lindley Cintra a falar e acho que apresentou o já referido Firmino dos Santos.
É evidente que depois disto tudo votei pela primeira vez e na CDE. Os meus pais também oposicionistas, mas que não se tinham atrevido a votar para Humberto Delgado, pois tinham medo de represálias, visto serem funcionários públicos e os votos serem facilmente identificados, lá se encheram de coragem, os tempos também eram outros, e foram os dois votar CDE.

Para uma visão política do que aconteceu a entrevista de José Tengarrinha à Seara Nova e transcrita no referido site dá bem o panorama e o significado político daquelas eleições. Pouco mais teria a acrescentar.

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