17/12/2010

A propósito da WikiLeaks


Penso que a esquerda, através do meio que tem à sua disposição, que é principalmente a blogosfera, já disse quase tudo sobre a WikiLeaks e a direita já escreveu nos jornais de referência tudo aquilo que a indigna, ou seja, que se tem que preservar a diplomacia dos seus amigos americanos ou, muito mais bem dito, dos países ditos democráticos. Quanto aos que estão no meio, tudo que descredibiliza o seu “cavaleiro andante” José Sócrates e o seu aio Luís Amado provoca-lhe mau estar. Para estes dois últimos grupos a WikiLeaks é uma alvo a abater.

Veio-me à memória sobre este assunto um episódio histórico e um filme que eu acho que se aplicam muito bem a este caso. O primeiro refere-se à divulgação pelo Governo Bolchevique, depois da conquista o poder, em 1917, em plena I Guerra Mundial, de todos os tratados secretos que existiam entre a Entente (França e Inglaterra) e o defunto Governo czarista e que punham a nu os objectivos imperialistas daquelas potências, que em nome de elevados princípios lançavam para a morte milhões dos seus cidadãos. Hoje quando o Império arrasa e destrói dois países – o Iraque e o Afeganistão – é bom que alguém nos desvende os segredos desta diplomacia de morte.

O segundo é um filme muito antigo, que só os da minha idade se recordaram de ter visto, de Alexander Mackendrick, que em inglês se chamava Sweet Smell of Success, mas que passou nos nossos ecrãs com o nome de Mentira Maldita. O filme é de 1957, estreado em Portugal em 1959, e tinha como actores principais Burt Lancaster e Tony Curtis, recentemente falecido. Acusava-se aí um determinado músico de Jazz, não querido da personagem importante desempenhada por Burt Lencaster, de ser “vermelho” e estar na posse de droga, que previamente lhe tinha sido metida na algibeira do sobretudo. A primeira acusação arruína-lhe a carreira e a segunda leva-o à prisão, pela mão do FBI. Quando hoje vimos Assange, o homem do WikiLeaks, ser acusado de ter sexo não consentido com duas mulheres adultas e deste não ser seguro, e por isso ser vítima de um mandato de captura internacional, vem-me à memória aquele filme e como hoje, principalmente na Suécia, as acusações de ser comunista já não arruínam carreiras, nem ninguém vai para a prisão por fumar a sua dose individual de droga. Mas praticar sexo não seguro ou fazê-lo sem este ser previamente autorizado, pode acarretar prisão. Depois vêm os moralistas afirmar que dois juízes, o sueco e o inglês, não prescindiam da sua independência para acusarem Jules Assange. Quem sou eu para duvidar disso, bastava que, tal como no filme, as duas mulheres fossem pagas pela CIA para atestarem toda a veracidade da história, coisa que aos olhos de qualquer cidadão normal não é impossível de acontecer.

Restam duas questões e uma dúvida sobre os dois pesos e as duas medidas do Sr. Pacheco Pereira. A primeira questão dirige-se aos que acham bem que se divulguem as falcatruas dos governos, mas que se deve preservar o segredo diplomático, porque sem isso não havia vida diplomática. Eu diria que todo o segredo é por natureza para ser revelado e que não há telegramas de embaixadas bons e outros maus. Quem é que decide? Para mim é extremamente útil saber que o Sr. Cavaco Silva é um despeitado, que faz política conforme é recebido ou não na sala Oval da Casa Branca, o que só vem confirmar a mediocridade da personagem. Com certeza que o homem do Millennium BCP não gostaria que dissessem que ele se ofereceu como espião aos americanos. Contudo, é extremamente importante saber como actuam os nossos banqueiros. Por isso a fronteira entre diplomacia séria e desonesta é muito ténue. Ao menos que eu possa escolher aquilo que me interessa. Por outro lado, estas revelações aconteceram agora, o Governo americano tomará de certeza as precauções devidas para evitar no futuro situações semelhantes. Não se apoquentem que o mundo não viverá no permanente sobressalto sobre as revelações constantes do segredo diplomático.

A segunda é a crítica de que a WikiLeaks não divulga nada sobre as ditaduras. Já se sabe que certos senhores gostariam de ter informação sobre as ditaduras que não gostam, porque relativamente às amigas dispensavam essa informação. Mas não há todos os dias, para aqueles países que são objecto da raiva do “ocidente”, informação abundante? Quem é que não sabe o que se passa em Cuba, na Venezuela, na Birmânia, na China, na Coreia do Norte ou no Irão? A informação que desconhecemos é sobre o que é que os Estados Unidos ou a UE andam a fazer nas nossas costas, pois sobre aqueles países tudo nos é dito e algumas coisas são mesmo inventadas. Nós sabemos é pouco sobre o que se passa na Arábia Saudita e noutros principados amigos do “ocidente”.

Por último os dois pesos e as duas medidas do Sr. Pacheco Pereira. Não foi ele que mais se entusiasmou com a revelação das escutas telefónicas a José Sócrates? Não achava ele, ao contrário dos socialistas, que sendo elas do domínio público podiam ser discutidas e comentadas? Porque é que agora se amofina tanto, escrevendo um artigo descabido sobre o acesso das massas ao conhecimento generalizado dos segredos diplomáticos? É porque a sua idolatrada América está em causa? É por isso eu falo da duplicidade daquele Sr.
PS. (28/12/10). Mão amiga informou-me, com toda a razão, que não era Entende, mas sim Entente (Entente Cordiale). Já está corrigido. Desculpem qualquer coisinha.

14/12/2010

Uma biografia pouco íntima


Saiu recentemente o livro Álvaro Cunhal, retrato pessoal e íntimo. Biografia, do jornalista Adelino Cunha, da Esfera dos Livros. O seu lançamento revestiu-se de alguma pompa e circunstância: foi apresentado por António Vitorino e na net encontram-se várias referências a esse lançamento, com o discurso do seu apresentador (ver aqui e aqui), e ao acolhimento que o livro teve na imprensa. Chega-se mesmo a mostrar vídeos de alguns dos testemunhos orais que foram recolhidos pelo autor (ver aqui e aqui). No entanto, que eu reparasse, numa consulta provavelmente apressada, ainda não li nenhuma recensão crítica ao mesmo. Sem pretender ser único, aqui vai a minha opinião sobre o mesmo.

Quanto a mim o livro é bastante desigual, notando-se que o autor conseguiu obter informação sobre alguns factos concretos da vida de Cunhal e que sobre outros teve que passar por cima, recorrendo a descrições vagas sobre o movimento comunista internacional, sobre a URSS ou mesmo sobre o PCP. Podemos mesmo dizer que quando falta tema ao autor este se desloca vários anos para a frente ou para trás na vida do Álvaro, pondo-nos um pouco à nora sobre o seu encadeado.
Os primeiros passos de Cunhal na Juventude Comunista e depois no PCP e os primeiros contactos internacionais são fracos e pouco documentados. O mesmo se verifica com a sua estadia em Paris, nos últimos anos que antecederam o 25 de Abril. A parte mais conseguida é a sua terceira prisão que se verificou em 1949, quando residia clandestino no Luso, a fuga de Peniche, em 1960, a vida em Moscovo, com a companheira e a filha, quando o seu partido e ele próprio resolveram que devia sair definitivamente do país, e depois os tempos pós 25 de Abril, mais fáceis de documentar. Mesmo assim, estes muito falhos de informação sobre as últimas conspirações em que se envolve para recuperar o partido e correr com os renovadores, que ameaçavam a sua visão do mesmo.

Os objectivos do livro são traçar o retrato pessoal e íntimo do biografado, mais do que perspectivar a sua vida política, o que não é inteiramente verdade como se verá mais adiante. Para concretizar aquele desiderato socorre-se dos depoimentos da irmã, Eugénia Cunhal, da mãe da sua filha, Isaura Moreira, da própria filha, Ana Cunhal, e de Cândida Ventura, mas isto é um caso à parte, que será examinado posteriormente. No entanto, já na biografia de Pacheco Pereira, com que esta inevitavelmente terá que se confrontar, essa parte íntima também é relatada através do retrato psicológico do Álvaro feitos por aquele autor, simplesmente este pára na fuga de Peniche, não tendo ainda publicado a parte referente ao nascimento da filha e à vida em Moscovo e em Paris e ao pós-25 de Abril. Por outro lado, aquilo que é apontado como novidade neste livro, já Pacheco Pereira o tinha feito, que é a interpretação dos seus romances, assinados com o nome de Manuel Tiago, como sendo, em parte, autobiográficos.

Pode-se dizer que há uma grande empatia entre o autor e Álvaro Cunhal, apesar de estabelecer uma diferença entre o Cunhal da clandestinidade e o dirigente que vive no exílio, na alta-roda do movimento comunista. Já se sabe que, para Adelino Cunha, o primeiro é muito mais genuíno que o segundo. No entanto, verdade seja dita, Cunhal nunca é apresentado como sedento de poder, que teve que destronar Pavel (Francisco Paula de Oliveira), nos anos 30, ou Júlio Fogaça nos anos 50, para poder ser secretário-geral, como é frequentemente referido. E mais, os anos mais negros do partido, com acusação de assassínios de “traidores”, são aqueles em que Álvaro está ausente, por estar preso.

Há em todo o livro uma clara oposição entre o que foram os propósitos do movimento comunista internacional e da própria URSS e os do Cunhal, enquanto os primeiros são sempre criticados utilizando um certo anti-comunismo de pacotilha, o segundo prossegue com objectivos que, mesmo que sendo errados, são suficientemente nobres para poderem ser seguidos pelo biografado. É esta a parte que de certo modo mais confunde no livro e o torna desse ponto de vista desinteressante e, quer queira ou não o autor, ocupam grande parte da sua espessa biografia, de mais de 600 páginas.
Convém realçar, porque é verdade, que na parte final relativa à ascensão de Gorbachev e depois de Ieltsin o autor não se perde em rodriguinhos elogiosos e dá uma visão bastante desencantada deste último período da URSS e depois já da Rússia.

Destaco também os depoimentos de Cândida Ventura e de Santiago Carrillo. A primeira é um caso espantoso, que antes do o ser já o era. Segundo as palavras da própria e do autor, parece que desde sempre (anos 50) já era dissidente, e só se manteve no Partido para ver como é que era, tendo saído unicamente em 1976. Chega mesmo a ser apresentada como agente dupla, não se sabe de quê. Em post anterior já tinha feito referências pouco abonatórias em relação a esta antiga militante do PCP, que na altura da invasão da Checoslováquia pelo Pacto de Varsóvia, em Agosto de 1968, era designada por Flausino Torres, no seu livro póstumo chamado Diário da Batalha de Praga, como a “responsável”. Há uma história pouco clara em relação ao papel desempenhado nessa altura por Álvaro Cunhal. Segundo Cândida Ventura este tê-la-ia avisado de que queriam matar o renovador checo Alexandre Dubcek. Flausino Torres é muito mais peremptório no papel negativo e perfeitamente ditatorial do Álvaro. Acredito muito mais na versão de Flausino Torres.
Quanto a Santiago Carrillo, aparece aqui e acolá, a propósito e a despropósito, fazendo declarações sobre Álvaro Cunhal e o PCP. O autor por possuir essas declarações achou por bem que as tinha que incluir e daí polvilhar o livro com elas.

Restam duas críticas que me parecem importantes. A primeira é a recusa do autor em incluir em notas de rodapé ou no final de cada capítulo a referência de onde foram retiradas as abundantes citações transcritas no livro. Apresenta uma bibliografia final que quanto a mim não é suficiente.
A segunda é a forma descuidada, a carecer de revisão, de algumas referências a datas e a pessoas. O 28 de Maio não foi a 26. O levantamento da Marinha Grande não foi em 1944, mas sim em 34. Do Pacto Germano-Soviético não resultou a anexação da Bielo-Rússia e da Ucrânia. Vasco Gonçalves não foi substituir Otelo no Comando da Região Militar de Lisboa, mas sim Vasco Lourenço. Fala-se da terceira prisão do Álvaro a seguir refere-se a segunda. Buenos Aires em dois parágrafos quase seguidos aparece referida como uma cidade cosmopolita, etc., etc.

Para terminar e para que não digo que só faço crítica negativa, podemos dizer que é um livro agradável de se ler e que facilmente se percorrem as 600 páginas sem especial cansaço ou maçada.

04/12/2010

A minha alma está parva! A Propósito de um comentário do PCG sobre o PCC


Ainda não há muito tempo, a propósito da atribuição do prémio Nobel da Paz a um chinês que estava na prisão por motivos políticos, fiz aqui referência a um artigo de Albano Nunes, publicado no jornal Avante! Esse artigo continha algumas pérolas, das quais destaco: “E a verdade é que a atribuição deste Prémio Nobel é realmente «inseparável das pressões económicas e políticas» sobre a República Popular da China, e a opinião do PCP é a de que essa escolha não tem nada de inocente, antes se insere numa escalada de pressões contra este país que, pense-se o que se pensar sobre a sua política interna e externa, está a resolver colossais problemas de desenvolvimento económico, social e cultural e desempenha um papel crescente positivo na cena internacional.” E continuava: “E é óbvio que não vão no sentido da Paz pressões como as que têm sido exercidas sobre a China para que escancare às multinacionais o seu mercado interno, valorize a sua moeda, aceite normas ambientais que considere incompatíveis com o seu desenvolvimento, limite as suas relações internacionais.
E não é que através de um post de alguém que eu penso que está ligado ao PCP, não vou ter a um comentário do Partido Comunista Grego (KKE) sobre as opiniões de um homem importante do Departamento Internacional do Comité Central do Partido Comunista Chinês (PCC) sobre a Internacional Socialista e o PASOK, o partido socialista que neste momento governa a Grécia e que, tal como cá, é responsável pelas terríveis medidas de austeridade que se abateram sobre aquele país. Esse comentário estava incluído no site Resistir.info, fortemente ligado ao PCP
Este comentário começava logo assim: “É bem sabido que o KKE chegou à conclusão de que estão a desenvolver-se relações capitalistas na China de hoje, com a peculiaridade de que isto está a acontecer sob a liderança política do partido governante o qual usa o título "comunista". E depois continuava “As consequências deste desenvolvimento são bem conhecidas: a elevação da China ao topo dos países com as taxas mais aceleradas de desenvolvimento capitalista e o maior número de multimilionários, a abolição de importantes conquistas dos trabalhadores, tais como cuidados de saúde e educação gratuitas, os quais os trabalhadores têm agora de pagar, e a existência de milhões de desempregados e trabalhadores com baixa remuneração.” E a meio do comentário tinha esta afirmação “As opções anti-povo do governo PASOK são saudadas e apoiadas por responsáveis chineses, na medida em que são combinadas com a abertura da estrada para os monopólios chineses.” E terminava deste modo “Depois de tudo isto, alguém poderia perguntar-se se o PC da China está a ficar pronto para abandonar a sua última "folha de parreira" – o seu título.
Meios bem informados costumam garantir que o nosso PCP está muito próximo do PCG. Pelos vistos não alinham pela mesma cartilha em relação ao PCC e neste caso até me parece que o PCG, ao contrário de muitas outras coisas que afirma, tem toda a razão. Albano Nunes tem que fazer alguma reciclagem, pois pelos vistos as pressões para que a China “escancare às multinacionais o seu mercado interno”, não seriam sobre este país, mas sim deste sobre a Grécia, para que abra a as suas estradas aos “monopólios chineses”.
E para que não se diga que entre os comunistas não há alguma diversidade de pensamento, recomendo-vos o site ODiario.info, onde foi publicado este texto do comunista italiano Domenico Losurdo, que faz grandes encómios à China.
Pelos vistos ODiari.info e o Resistir.info não alinham pela mesma cartilha e o pior é que as opiniões do PCG também não coincidem com a voz avisada de um dirigente destacado do PCP. Que grande bagunça já vai por aquela casa!

02/12/2010

Como o PS, o PCP e a CGTP servem de válvula de escape para a tensão social – Conclusão


As trocas e baldrocas dos partidos do “arco governamental” são conhecidas. No entanto, o CDS ao propor ao PS que este faça parte da possível maioria governamental que se venha a formar, para além de interesses próprios, visa não só forçar este partido a assumir os custos das medidas draconianas que estão para vir, como evita que ele fique à rédea solta na oposição. O PS seria assim um factor de controlo do descontentamento popular, permitindo o isolamento dos chamados partidos do protesto. Mas situações destas têm-se vindo a suceder, com pequenas alterações, desde o 25 de Abril

O que é novo nas declarações referidas no post anterior é o papel que alguns comentadores de direita atribuem agora ao PCP e à CGTP. Os parabéns dados àquele partido são, quanto a mim, bastante embaraçosos. Mas apreciemos a manifestação anti-NATO e a Greve Geral separadamente. Comecemos pela primeira.

De um artigo (parcialmente transcrito aqui) bastante interessante de São José Almeida, publicado no mesmo jornal e no mesmo dia em que Pacheco Pereira escreve o seu, destacamos, porque está relacionado com aquilo que temos vindo a afirmar, esta parte: “É cristalino que está em curso a adopção de um discurso de propaganda que pretende criar um clima de temor às forças de segurança e de isolamento do que pode ser o protesto. Esta estratégia de intimidação é transparente e consiste em passar a mensagem – que é de forma estranhamente acrítica reproduzida pelos jornalistas – de que há manifestantes perigosos e, por isso, é preciso fechar num quadrado sob escolta de polícia de intervenção uma manifestação que é feita pela Marcha Mundial das Mulheres, a ATTAC, as Panteras Rosa, um grupo de rastafári (para quem não saiba é um movimento religioso pacifista) e um grupo de anarquistas, mais um deputado do BE, José Soeiro (um dos mais preparados deputados em exercício) e um militar de Abril (Mário Tomé).” E termina, fazendo eu uma ligação da manifestação anti-NATO à Greve Geral: “A greve geral foi um sinal político do descontentamento que existe já e de como a revolta pode estar latente. É esse medo da rua que leva à deriva securitária que se assiste em Portugal. E que, por mais ridícula que seja, é grave e põe em risco as regras da democracia tal como a conhecemos até hoje.
Ora bem, este artigo, que tem a ver unicamente com a acção securitária da polícia, permite no entanto que se infira que ao se isolar e entregar aos cuidados da polícia a repressão ou a marginalização de “manifestantes perigosos”, está-se a consentir que no futuro seja fácil atacar trabalhadores em greve ou que muito legitimamente façam a sua propaganda ou que organizem piquetes para a mesma. Por isso, faz sentido que José Neves, no Vias de Facto retome, adaptando, o poema sempre atribuído a Brecht, mas que parece não ser dele:

Primeiro levaram os anarquistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.

Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.


Ora no Avante, de 26/11/10, lê-se isto: “Ao contrário do que muitos anunciaram e outros tantos desejaram, a manifestação decorreu sem incidentes. Não houve sangue, nem distúrbios, nem violência. Não se partiu vidros nem houve carros incendiados, apesar de uns ânimos mais exaltados terem concentrado as atenções de quem, consciente ou inconscientemente, tem por missão transformar o episódio no acontecimento, mostrar a árvore para que não se veja a floresta.
Não é de surpreender que assim tivesse sido. A centena de organizações que promoveu a jornada estava bem identificada, desde a maré rubra das bandeiras comunistas às organizações sindicais, do movimento das mulheres às organizações de reformados, de imigrantes, agricultores, colectividades..., a mostrar que ali estava gente que luta, sim, mas para construir um mundo de paz.
” Como se pode concluir, este texto permite não só que os comentadores de direita agradeçam ao PCP não ter havido distúrbios, nem violência, como favorece o isolamento daqueles que "consciente ou inconscientemente" têm por missão provocá-los. Pode o PCP sentir-se muito incomodado com afirmações daqueles comentadores, não pode é fugir à triste realidade de ser considerado como uma válvula de escapa para a tensão social, colaborando assim "consciente ou inconscientemente" com a direita.

Quanto à Greve Geral podemos dizer que a situação já é diferente. Não tenho dúvidas que os sindicalistas da CGTP se esforçaram ao máximo para que ela tivesse êxito, simplesmente, a manutenção da tradição de no fim de uma greve geral não se fazer qualquer acção de protesto ou de massas, parece-me ser um grave erro, a corrigir em futuras paralisações gerais. Recordo-me que no final dos anos 70 ou início de 80, uma greve da função pública, que acompanhei de perto como sindicalista, terminaria com uma manifestação em S. Bento, que foi desconvocada há última da hora por não se ter comunicado a tempo ao Governo Civil a sua realização. Este facto provocou uma enorme desilusão entre os trabalhadores.
Penso que os agradecimentos à CGTP pelo desenrolar ordeiro da greve se deve bastante à maturidade dos trabalhadores e também ao desejo do Governo de não se intrometer demasiado. Recordo-me também duma greve em que o Ângelo Correia interveio como Ministro da Administração Interna, que ficou conhecida como a revolução dos pregos, já que ele se socorreu de meia dúzia de pregos, inventados ou reais, espalhados numa estrada para acusar os grevistas de intuitos revolucionários. Nesta, a tensão esteve ao rubro e aí a CGTP não foi apontada como o cordeiro manso como agora se verificou, também a força sindical era outra e talvez os dirigentes do PCP tivessem outra têmpera.

Tal como já afirmei em outros posts o que se passou na manifestação anti-NATO e nas acções desencadeadas pela polícia nas fronteiras não auguram nada de bom quer para a esquerda, quer para as liberdades democráticas.

01/12/2010

Como o PS, o PCP e a CGTP servem de válvula de escape para a tensão social – II


Analisadas as declarações sobre o PS, inseridas no post anterior, passemos às que se referem ao PCP e, por tabela, as relativas à CGTP, de interpretação um pouco mais complicada.

Tudo começa quando Pacheco Pereira (PP), na Quadratura do Círculo, de quinta-feira da semana passada (ainda sem link), afirma que foi devido ao PCP que a manifestação anti-NATO e a Greve Geral correram de forma tão pacífica. Não me recordo das palavras exactas, mas este tema foi retomado na crónica que escreve para o jornal Público ao Sábado.
Que afirma PP?
O tónus da luta política não pode contrariar a emergência em que vivemos. Um bom exemplo dessa atitude tem sido tomado pelo PCP, mesmo que não o admita ou enuncie. Na verdade, quer o que se passou na cimeira da NATO, quer o modo como foi conduzida a greve geral mostra que o PCP não pretende radicalizar a conflitualidade, e, bem pelo contrário, actua de forma decisiva, se preciso for, para a conter. Na cimeira da NATO só o comportamento da manifestação do PCP-CGTP e do seu serviço de ordem, em colaboração com a polícia, permitiu o isolamento dos sectores mais radicais que pretendiam aproveitar a presença de um grande número de manifestantes para proceder a violências e destruições. Isolados e cercados pela polícia, que actuou também com grande profissionalismo, os manifestantes violentos não conseguiram provocar qualquer distúrbio significativo, mesmo quando forçaram uma manifestação ilegal. Este facto é excepcional e não se verificava já há vários anos, numa cimeira com esta dimensão e projecção”.
Depois o artigo espraia-se sobre a Greve Geral, e também sobre o papel desempenhado pelo PCP para lhe retirar a conflitualidade social.
Lançado este mote por PP, foi ver de seguida uma série de comentadores a retomarem o mesmo tema. Com alguma malícia Clara Ferreira Alves diz o mesmo, no Eixo do Mal (ver minuto 27,49), “gostaríamos todos que no futuro o descontentamento social seja canalizado desta forma civilizada e organizada e absolutamente decente em que os trabalhadores se limitam, como é seu direito, … a organizarem uma forma de protesto e portanto estamos todos muito descansados enquanto isto for assim, … porque daqui para o futuro as coisas vão ser diferentes”.
Marcelo Rebelo de Sousa, no seu comentário semanal, na TVI, diz claramente que tem que se dar uma palavra de agradecimento ao PCP e à CGTP. “O PCP tem uma coisa boa é um partido disciplinado, certinho. Com o PCP não há arruaças, nem com a CGTP”. Depois, compara o que se verificou em Portugal com o que se passou na Grécia e em França, em que houve desacatos. Por último lembra que a participação da UGT na Greve Geral é indicativo daquilo que espera um governo de centro direita que aí venha, uma união entre o PS, a esquerda moderada, com a esquerda PCP e Bloco de Esquerda, traduzida na acção conjunta da UGT e CGTP.

Este é o tom geral com que a direita, e não estou a incluir aí Clara Ferreira Alves, aprecia a acção “civilizada” do PCP. Em próximos episódios retirarei algumas conclusões que destas declarações e que, segundo constato, não foram ainda comentadas por ninguém.

Como o PS, o PCP e a CGTP servem de válvula de escape para a tensão social – I


Alguns dos links aqui incluídos já estão um pouco envelhecidos, no entanto, achei oportuno mostrá-los para vos dar conta de um conjunto de afirmações feitas ultimamente por comentadores da direita, que a esquerda não pode ignorar.

A 6 de Novembro fazia referência, num post, a três opiniões que, durante aquela semana, mereceram os meus comentários. Fiz dois sobre elas e nunca tive vagar para fazer o terceiro. – Não há nada como ser reformado para se ter falta de tempo. – O último referir-se-ia a declarações de António Lobo Xavier (ALX) e de António Costa, na Quadratura do Círculo (ver minuto 36,45), sobre a indispensável participação do PS na execução de um orçamento tão terrível para o povo português como aquele que na altura tinha sido aprovado na generalidade. Disse António Costa: “o PS tem melhores condições político e sociais para conduzir este processo de consolidação do que o PSD”, e ALX acrescenta: “contra o PS é que é difícil”. Já antes (ver a partir do minuto 31,15) ALX justificava a necessidade de ser o PS a cumprir este orçamento: “é que é muito melhor, inclusivamente do ponto de vista político, fazer tudo o que é possível em articulação com o PS, para que pelos menos este orçamento seja executado”.
Dias depois, no Vias de Facto, João Tunes (JT) chamava a atenção para este artigo de Diogo Feio, do CDS, no Jornal de Notícias. A JT só interessava a sugestão daquele deputado centrista de ser “com recato” que se deviam processar as negociações entre os três partidos do “arco governamental” (PS, PSD e CDS), a mim interessava-me mais esta parte do artigo: “Terão de ser eles a assumir, de forma duradoura e em conjunto, o caderno de encargos. Para isso é necessário que com recato se entendam sobre um conjunto de linhas gerais.
Ninguém pode pensar que uma expectável futura derrota eleitoral do PS leve à exclusão deste partido do arco da responsabilidade. Essa será sempre uma decisão sua, mas também dos restantes partidos do arco de Governo. Esses têm de reflectir hoje sobre a melhor forma de permitir essa inclusão futura, porque nas ruas deverão apenas ficar os partidos de protesto
."

Em todas estas declarações é notório, por um lado, o CDS a puxar pelo PS para ser ele a aguentar as previsíveis dificuldades da governação e, por outro, o PS a oferecer os seus préstimos para essa função.
Aqui temos uma clara união de esforços, uns impõem restrições e outros oferecem-se para as pôr em prática.
Neste cenário o PSD, esquecendo os conselhos avisados do CDS e do patronato, no desejo de abocanhar todo o poder, é provável que dispense o PS desta colaboração.
Tem um próximo capítulo.