30/01/2009

Ah! Valente Coelho


Eu já tinha estranhado uma nota breve que tinha saído no Avante, de 8/1/09, com o título PCP apoia População, onde se afirmava que “a Comissão Concelhia de Sines do PCP, reunida em finais de Dezembro, expressou o seu desacordo relativamente à recente assinatura do contrato de execução entre o Ministério da Educação e a Câmara Municipal de Sines”. Então, a Câmara Municipal não era dirigida pelo PCP? Como era possível a Comissão Concelhia criticar a Câmara, dirigida por alguém que era do mesmo Partido? Comecei a aperceber-me que o caldo estaria entornado.
De acordo com o comunicado: “para o PCP, o objectivo do Governo com este contrato – que se insere na sua política de privatizar o ensino e pôr em causa o sistema de ensino público universal e gratuito, é transferir para a Câmara Municipal competências que são do poder central.”
O que é que se tinha passado. A Câmara assinou um contrato com o Ministério de Educação, em que este passa para aquela, ao nível do 1º e 2º ciclo, a responsabilidade por actividades de enriquecimento curricular, gestão do pessoal não docente e pequenas obras em escolas.
Ou seja, segundo um blog da zona: “ganhou Sines, pois o Estado passa a transferir verbas para competências que em grande parte a autarquia já assumia, sem daí resultarem proventos financeiros.”
Que diz a concelhia do PCP, que o objectivo do Governo com este contrato é transferir para a Câmara Municipal competências que são do poder central. Ou seja, queria que a Câmara se organizasse em Comissão Política do “partido do protesto” e passasse a reivindicar do Ministério tudo aquilo que agora conseguiu assinando este contrato com o mesmo.
Mas como dizer simplesmente isto era grave, acrescentou-se-lhe que este contrato punha em causa o ensino público universal e gratuito. Não se percebe como, mas a finalidade maior era provocar entre os militantes a reacção pavloviana de que “se é para privatizar”, o que não é verdade, estamos contra.
Não contente com isto, quando a Assembleia Municipal de Sines discutiu este assunto o PCP votou contra a decisão da Câmara e a sua maioria CDU. Mas a Assembleia dividiu-se e a favor da posição do executivo camarário votaram alguns deputados da CDU, todos os do PS e um deputado do PSD, tendo ganho a posição da Câmara. Ou seja, a concelhia do PCP preferiu perder a votação, pondo em cheque a posição do Presidente da Autarquia, e dando provas de grande inflexibilidade política ao não votar ao lado da vereação da Câmara uma decisão que esta já tinha tomado.
Estes são os factos, que estão na origem da notícia do Avante. Depois deste ataque, tudo o que Manuel Coelho disse à imprensa e na SIC Notícias só veio confirmar esta triste história.

Já agora, na mesma linha, foi a espantosa posição do PCP na Assembleia Municipal de Lisboa, com direito a justificação de voto do Modesto Navarro, de não apoiar, abstendo-se, a proposta do Bloco de Esquerda para a criação de um Gabinete de Crise para atender aos casos mais gritantes de pobreza que se pudessem verificar na cidade. Já se sabe que o PS também se absteve, assim não teria que fazer nada, ou quando fizesse queria que a iniciativa fosse só dele. O argumento do Modesto Navarro era o mesmo de Sines, o poder central que fizesse. Não interessa resolver o problema das populações temos é que reivindicar junto de quem de direito.
Já se sabe que haverá “rapaziada” logo pronta a gritar, aqui temos o reformismo, nós sim, somos os revolucionários. Deixem-se de tretas. O que aqui propomos é que a esquerda seja capaz de mostrar às populações que também é capaz de resolver os seus problemas concretos.

Para terminar. Esta história com o Manuel Coelho acabou mal para o PCP. Aquele não suportou mais a arrogância e pesporrência da sua direcção e saiu do Partido, mantendo-se na Câmara como independente.
Já se sabe que no Avante de ontem aparece a típica insinuação rasteira, própria de gente sem carácter, Manuel Coelho sai do PCP por se dar uma “injustificada aproximação a objectivos e propósitos da política do Governo PS para a região e para o País.” A aproximação à política do PS foi o tal contrato assinado com o Ministério da Educação, que também tinha sido efectuado pela Câmara de Niza, da CDU, e os convites a algumas autoridades do poder, o que é normal, para estarem presentes em inaugurações.
O caminho sectário e autista do PCP continua a manifestar-se. Por isso, compreendo as razões de Manuel Coelho e quero-lhe daqui aqui enviar um abraço de solidariedade.

PS.: Com este mesmo título tinha publicado um post que abordava o mesmo assunto, simplesmente por confusão minha tinha relacionado este contrato com o Ministério da Educação com o aparecimento de uma Escola de Artes em Sines. Erro meu. Por isso, quando me chamaram a atenção para isso rapidamente retirei o primeiro post e redigi este que corresponde àquilo que de facto se passou. A quem leu o primeiro, as minhas desculpas.


(A fotografia refere-se à estação da CP de Sines recuperada)

29/01/2009

Uma pequena pista. O caso Freeport (IV)


Alguns pensarão que eu ensandeci. Já vou no quarto post sobre o caso Freeport. É interessante que naqueles blogs que sigo regularmente este assunto é abordado por mim e pelo 5 dias, que tem um trabalho bastante desenvolvido, que até me cita abundantemente, mas quanto a mim pecando por demasiado longo, parecendo até aqueles estudos de impacto ambiental em que eu fazia uma listagem exaustiva da avifauna que seria possível lá encontrar, se todas as aves achassem por bem ir passear para a zona em estudo. O Arrastão é outro que dedicou alguns posts (aqui, aqui e aqui , são os últimos) a este assunto. Os outros blogs de referência ignoram-no olimpicamente. Estão no seu direito.

Mas este post é curto. Li num comentário no Arrastão que a Câmara era gerida maioritariamente pelo PCP (CDU) aquando dos dois primeiros chumbos do licenciamento do empreendimento Freeport. A partir de 16/12/2001, que foi a data das eleições autárquicas que o PS perdeu e que acarretaram o pedido de demissão de António Guterres, passou a ser gerida maioritariamente pelo PS. Ora o terceiro pedido de licenciamento foi já efectuado na gerência da nova Câmara. Como sabem aquele pedido entrou a 18/01/2002.
Sem querer insinuar nada, a verdade é que houve uma mudança importante na gestão da Câmara. Esta passou das mãos da CDU para as mãos do PS. Não estaria agora o Ministério do Ambiente muito mais aberto a autorizar este empreendimento?
Pensem nisto, é uma pista.

De facto, eu no primeiro post que fiz sobre este assunto falei que era possível que Sócrates quisesse agradar ao seu correligionário da Câmara de Alcochete. Não sabia é que tinha havido uma inversão de representação partidária naquele Conselho. Isto pode explicar muita da pressa para a autorização. Mas nada disto é ilegal. Sucede é que é politicamente discutível.

28/01/2009

Andam a atirar-nos areia para os olhos. O caso Freeport (III)


Tenho o Doutro Freitas do Amaral como homem sério. Um bocadinho poseur, mas com atitudes e comportamentos com que eu, por vezes, estou de acordo. Há uma preocupação humanista expressa, por exemplo, nas críticas severas a Bush e à invasão do Iraque, quando ainda era difícil tomar essa opção, e ainda de ontem, na entrevista que deu à SIC Notícias, à acção do Estado de Israel.
No entanto, na referida entrevista, disse algumas coisas e tocou alguns violinos que, francamente, caiem mal.
Vejamos, o caso Freeport.
Porque não conhecia o processo deixou-se arrastar por uma afirmação de Ana Lourenço, a entrevistadora, que dizia que o processo era dos anos 90 e ele, tomando isso como verdadeiro, começou logo a afirmar que o pedido de licenciamento já se arrastava há dez anos. Quando é manifestamente mentira, o primeiro pedido só deu entrada em 1999. Baseado neste pressuposto começou a fazer considerações sobre o arrastar destes pedidos em Portugal, sobre a necessidade que temos de investimento estrangeiro, e que um processo destes em Inglaterra só demoraria 10 meses. Nada daquilo era verdade. Depois garantia que os promotores tinham corrigido todos os entraves à aprovação pelo Ministério do Ambiente, e foi por isso que houve um DIA favorável. Não sei se é verdade, mas, para quem conhecia tão mal o processo, garantir, com todas as letras, que isto se tinha passado, parece-me um bocado exagerado.
Mas o problema mais grave, e que ele expôs com todos os pormenores, foi de que tendo sido o Decreto-Lei assinado pelo Presidente da República e depois já referendado por Durão Barroso, coisa que ele enfatizou, chegar-se-ia à conclusão que se houve luvas teria que haver para o Presidente, Jorge Sampaio, e Durão Barroso.
Ora, parece desconhecer que pouco tempo depois o mesmo Durão Barroso assina um Decreto-lei, n.º 190/2002, de 5 de Setembro, que repõe os limites anteriores da ZPE, ou seja, anula aquele que tinha sido aprovado a três dias das eleições. Lamento, mas Freitas do Amaral, com ar de Grande Professor que tinha bem estudado as limitações da acção dos Governos de Gestão, não fosse ele um administrativista, conhecia este caso pela rama e com grande pompa e circunstância foi à televisão defender o seu amigo Sócrates.

Por tabela, lembrou outras campanhas de imprensa, misturando assuntos que nada têm a ver uns com os outros, quase que nos levando a pensar que existe uma cabala oculta dos meios de informação para destruírem os políticos.
A única conclusão que podemos tirar é que, de um modo geral, e é interessante que isto não se aplica aos casos de pedofilia – veja-se Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso –, as campanhas dos media não conseguem diminuir a popularidade dos principais visados.

Na linha das considerações anteriores, Freitas do Amaral passou depois ao panegírico de José Sócrates e aí, ao enfatizar as suas grandes obras, transpareceu um claro tom de propaganda política e de pagamento de favores. Esperava-se um pouco mais deste homem.

Parece que na noite anterior também na SIC Notícias, que em certos casos está transformada em órgão de propaganda do Governo, foi entrevistado Silva Pereira, que na altura era o Secretário de Estado com responsabilidades na elaboração do tal Decreto que alterava os limites da ZPE. Não vi a entrevista na altura e não tive possibilidades, como a do Freitas do Amaral, que fui ver hoje, de a ver. Por isso só sei o que diz o Público. Este garante que o Secretário de Estado à altura, Silva Pereira, teria dito que “o projecto obteve a DIA dois meses antes das mudanças da ZPE”. “Isto porque a DIA data de 14 de Março de 2002 e o Decreto-lei que altera os limites da ZPE é de 20 de Maio do mesmo ano. É uma falsa relação garantiu”.
Dito deste modo parece que nada havia em comum, quando é claro que, no mesmo dia em que há o despacho do Secretário de Estado a autorizar o empreendimento do Freeport, foi levado a Conselho de Ministros a proposta de Decreto-Lei para ser aprovada. É evidente, como toda a gente sabe, em Portugal, já o mesmo não se passa com as Directivas comunitárias, a data de um Decreto-lei é aquela em que este é publicado no Diário da República. Mas isso não invalida a preocupação do Governo em aprová-lo ao mesmo tempo que o processo de licenciamento do Freeport.
Eu penso que não foi a publicação do Decreto-lei que permitiu a aprovação do empreendimento do Freeport, mas que a alteração introduzida justificava a posteriori aquela aprovação. Como se sabe, e eu já repeti isso várias vezes, há uma área no empreendimento, a A, com maior carga humana e habitacional que foi retirada do limite da ZPE. Ou seja, de acordo com o que penso, como se previa aprovar o empreendimento foi-se logo introduzindo alterações no limite da ZPE, que justificassem a aprovação e de facto correspondessem à realidade existente. Não tinha sentido, que uma área completamente urbanizada estivesse incluída numa ZPE.
A Comissão Europeia não gostou desta alteração e foi já o Governo de Durão Barroso que anulou este Decreto-lei e repôs os limites anteriormente definidos. Mas o Freeport já estava a ser construído, nada havia a fazer.
Em próximo post, se entretanto não houver novidades, darei a minha interpretação de todo este caso. Só porque teve repercussões mediáticas, é que foi tão escalpelizado, pois isto é o dia a dia da administração pública: processos que não têm padrinho, arrastam-se indefinidamente porque, muitas vezes, ninguém quer assumir o ónus da autorização.

Algumas correcções oportunas. O caso Freeport (II)


Como sempre, quando me dedico a um caso concreto da actualidade comezinha, eis que surgem logo os comentários. O post que mais sucesso teve foi um sobre o Manta Beach Club, um empreendimento estival na praia da Manta Rota, patrocinado pela Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, e que tinha o condão de incomodar toda a gente, devido ao ruído produzido.

Presentemente falo do Freeport e eis que surgem logo comentários, alguns tentando denegrir na minha antiga vida profissional e outros de um blogger defensor do José Sócrates. No entanto, apareceu um que me vai permitir corrigir algumas asneiras sobre o Processo de AIA que tinha descrito no post anterior sobre o mesmo assunto.

Assim, começaria pela correcção, transcrevendo o comentário referido:
A Comissão de Avaliação não propõe uma Declaração de Impacte Ambiental. A Comissão de Avaliação emite um Parecer Técnico (é o nome e a função). Baseado no Parecer Técnico da Comissão de Avaliação, o Director da Autoridade de AIA (neste caso a CCDR-LVT), este sim propõe uma DIA à Tutela. A Tutela emite a DIA, que pode ser no sentido do teor do parecer técnico (e da proposta de DIA) ou não, visto que o parecer técnico da Comissão de AIA não vincula a Tutela.”
Se ele o diz, deve ser assim. O que tem lógica. Depois acrescenta a seguir uma opinião pessoal, que eu subscrevo.
A(s) Tutela(s) não gosta(m) de decidir contra o teor dos pareceres técnicos...
... preferem que esses pareceres já venham com o teor «certo». O que se compreende, dá muito menos trabalho, claro.”
E continua: “Agora vamos ao caso concreto, depois de feito este enquadramento.
Estamos em pleno processo de AIA, em processo burocrático de avaliação meramente técnica, por uma comissão de técnicos de serviços da administração designados para o efeito, cujo objectivo é elaborar um PARECER TÉCNICO (sobre o ambiente, paisagem, águas, ar, ordenamento, conservação, património, ruído, etc., etc.), que acompanhará então a proposta de DIA a enviar à Tutela, que decidirá a bondade do projecto e dos seus impactos ponderando questões superiores à mera avaliação técnica pois é uma decisão política, então a questão: o que é que a Tutela está a fazer a promover uma reunião com os intervenientes durante o processo administrativo de avaliação técnica?! Seja o Ministro, seja o Secretário de Estado, pouco importa (na verdade, na prática, não é bem assim, os pesos são diferentes). O objectivo qual será? Vamos ser cândidos: isto não poderá condicionar a comissão técnica levando-a a sentir ser esta uma mensagem de qual o sentido pretendido pela Tutela? Continuando na candura, tratar-se-á de distracção, de modéstia, de inconsciência do seu próprio poder e do seu potencial condicionador?”

E o nosso comentador termina, propondo uma solução que eu também subscreveria:
Facto é que, para além da espuma do caso concreto e seus dividendos políticos, não se retiram ilações, neste como noutros casos. Ilações no sentido de tornar a decisão técnica mais independente. De verificar, avaliar, em que medida é que os processos e procedimentos garantem a melhor decisão.É, também, uma questão de avaliação…
...e de independência e transparência.”


Transcrevi este comentário quase na sua totalidade porque me pareceu de alguém sabedor do que se estava a tratar e, no fundo, realçando a tal reunião com o Ministro, a que eu dei o devido relevo, e propondo soluções perfeitamente exequíveis.
Bem hajam comentadores assim.
(Para compreender melhor o Processo AIA deve-se ler este post depois de ler o anterior sobre o Freeport. As siglas estão explicadas).

27/01/2009

Revolta na Grécia. De onde vem? Para onde vai?


Vai realizar-se no dia 28, quarta-feira, pelas 22h00, na Associação O Bacalhoeiro (R. dos Bacalhoeiros, 125, junto à Casa dos Bicos, em Lisboa), um debate promovido pelo Le Monde Diplomatique sobre o tema Revolta na Grécia. De onde vem? Para onde vai? O debate contará com a participação de Paulo Fidalgo (médico) e Ricardo Noronha (historiador).

26/01/2009

Alguns esclarecimentos necessários. O caso Freeport


A esquerda, ou certa esquerda, não costuma recorrer a estes casos para atacar o poder. Gosta de um combate mais limpo, que envolva as ideias e a luta política. Já no tempo de Salazar, quando apareciam aqueles grandes documentos batidos à máquina e que, devido ao elevado número de cópias, mal se conseguiam ler, que desancavam na corrupção, amantes e desvios sexuais dos homens do regime, era vulgar devolvê-los, com grande desprezo, considerando-os uma sujeira. Não era esse o nosso estilo. Com Sócrates a mesma coisa, apesar de já poucos se lembrarem daquilo que falo em relação ao passado.

No entanto, porque este assunto do Freeport se passa em áreas e instituições em que eu trabalhei e de que fiz parte, sinto a necessidade de dar alguns esclarecimentos e fazer certas aclarações.

Portugal, ao entrar para a CEE, foi obrigado a transpor as Directivas que regulavam a área do ambiente no espaço comunitário. Uma delas era a lista dos projectos que exigiam uma Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). Por esse motivo, o Governo português, a partir de certa altura, para licenciar certos empreendimentos passou a pedir aos promotores das obras, em linguagem técnica o dono da obra, um Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Estes estudos, elaborados por empresas contratadas ou às vezes subsidiárias do empreendedor, eram enviados para a entidade que licencia o projecto, para aprovação do mesmo. Esta, por sua vez, remete-o para a Entidade que faz a Avaliação do Impacto Ambiental (AIA), que em certos casos, especificados em lei, era o Instituto do Ambiente, hoje Agência Portuguesa do Ambiente, que o veio a substituir. No caso em apreço, por ter menor importância, a Entidade AIA, que coordenou o processo de avaliação foi a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDRLVT), daí ser dito nos noticiários que a Directora, à época, destes serviços, pediu urgência para entrega dos pareceres em falta e enviou o processo com grande celeridade ao Secretário de Estado do Ambiente.
Estas Entidades AIA nomeiam uma Comissão de AIA, cujo Presidente pertence à entidade nomeante, e que tem a finalidade de avaliar o Estudo efectuado e propor alterações ao mesmo e pedir novos dados ou o seu aprofundamento. Fazem parte destas Comissões diversas entidades, especificadas em lei, a que podem agregar técnicos de reconhecido mérito para a avaliação em causa.
Por último, depois da respectiva consulta pública do EIA, a Comissão de AIA elabora uma Declaração de Impacto Ambiental (DIA), que remete à Entidade AIA, que o envia, por sua vez, ao Ministro, que naquele Governo tinha delegado essas funções no Secretário de Estado. Tudo isto obedece a prazos especificados em lei.
Esta descrição abreviada e aborrecida de todo este processo baseia-se na lei na altura em vigor que, para o caso que nos interessa, é o Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio.

O caso Freeport obedeceu a estas regras. Houve um primeiro chumbo, a que não darei importância, por não possuir todas as informações, e houve depois um segundo. Estas são as datas mais significativas do segundo: a 22-05-2001 dá-se início ao AIA, a 09-08-2001 inicia-se a consulta pública do Resumo Não Técnico do EIA , que termina a 18-09-2001. A 06-12-2001 é emitido um parecer desfavorável. Ou seja, todo este processo demorou seis meses e meio.
A empresa promotora do Freeport entrega um novo EIA a 18-01-2002, cujo Resumo Não Técnico vai para consulta pública a 18-01-2002, que termina a 05-03-2002 e o parecer favorável, com condicionantes, é dado 14-03-2002, três dias antes das eleições.
Vimos portanto que para se chumbar um projecto se demora pelo menos seis meses, para aprovar unicamente três, sendo um deles obrigatoriamente para consulta pública.
Mas, consideremos que tudo isto é natural, que a Comissão de AIA, que teve que ser novamente nomeada, já que entrou um novo EIA, e que não se sabe se teria a mesma composição, já conhecia o projecto, e portanto o despachou rapidamente. No entanto, aparece aqui um novo dado. Porque é que o Ministro, neste caso José Sócrates, que tinha delegado as competências para aprovar as DIA no Secretário de Estado, nesta altura Rui Gonçalves, faz uma reunião a pedido da Câmara de Alcochete, com os promotores do projecto, e na qual participa? Nesta reunião estiveram presentes a Câmara e os promotores do projecto e provavelmente quem tinha responsabilidades na Entidade AIA, a CCDRLVT, e na Comissão nomeada para o efeito. Nestas coisas não é normal o Ministro aparecer, mesmo que a pedido da Câmara, quando o responsável é o seu Secretário de Estado. Isto só sucede se o Ministro está particularmente interessado em que o assunto se resolva rapidamente, ou seja, que deixem de haver entraves que impeçam a aprovação do projecto. Mesmo que o Ministro não tivesse dito nada, era compreensível para toda a hierarquia, desde o Secretário de Estado, à Presidente da CCDRLVT e ao presidente da Comissão por ela nomeado – desconheço quem seja – que o Ministro estava interessado em resolver o assunto. Tirando alguns casos limite, todos de certeza, venerandos e obrigados, respeitaram o sinal que o seu Ministro dava. Foi este raciocínio, com pequenas “nuances”, que Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) fez hoje nos seus comentários semanais.
É importante igualmente saber a data desta reunião. MRS disse que tinha sido em Janeiro, o que é compreensível já que o novo EIA foi apresentado em meados desse mês.

Diz-me a minha experiência na participação em EIA que na maioria dos casos os problemas levantados se resolviam com uma reunião entre quem elaborou o estudo e a Comissão de AIA. Às vezes não bastava uma só reunião, o processo alongava-se. As Comissões achavam que os dados eram sempre insuficientes. No entanto, era raro haver um chumbo dos projectos. Neste projecto, devia haver coisa grave para que o mesmo não avançasse. Depois tudo se desbloqueou. Seria interessante para quem quer estudar este caso consultar os dois Resumos não Técnicos de que eu dei os links, pois podem ser indicativos do que estava mal num e já bem noutro. Numa consulta rápida não obtive links para os DIA que chumbaram e aprovaram o EIA do projecto.

Resta neste caso outro tema, que não irei desenvolver, porque prosa já vai longa, que é as novas delimitações da Zona de Protecção Especial (ZPE), que o Secretário de Estado, da altura, garante que nada tinha a ver com a aprovação do projecto Freeport. Parece que o Decreto-lei que modificava a delimitação da ZPE tinha como objectivo a correcção do anterior limite, que estaria mal feito. No entanto, é vulgar na administração pública aproveitar-se a correcção de um diploma anterior, que tinhas gralhas ou asneiras grossas, para se introduzir novas alterações, que se revelam oportunas. Este caso é semelhante. Aproveitou-se para retirar do limite da ZPE a área A, que correspondia propriamente ao recinto do empreendimento e que portanto iria ficar com uma carga humana muito mais elevada. Mesmo que, como diz o Secretário de Estado uma lei não deva ter efeitos retroactivos, a verdade é que no futuro aquela alteração salvaguardava quaisquer críticas à aprovação do Freeport. E aqui como disse MRS, no seu comentário semanal, o Ministro do Ambiente também interveio ao apresentar o projecto de Decreto-Lei em Conselho de Ministros.

No fundo, podemos concluir, quer tivesse havido corrupção ou não, fosse um simples favor à família, como esta diz, ou ao seu correligionário, Presidente da Câmara de Alcochete, a verdade é que José Sócrates e Rui Gonçalves não saem bem na fotografia.
E é triste ver Rui Gonçalves assumir toda a responsabilidade neste caso, quando eu vi, mas isto fica para outra altura, ser tratado por José Sócrates abaixo de cão, facto que era extensível a todos os seus subordinados que não considerava.

Sobre as relações entre José Sócrates e Rui Gonçalves ver aqui – apesar de não estar de acordo com tudo. Ver igualmente no mesmo blog a descrição, com mais pormenores, do processo AIA do Freeport. É, no entanto, omisso sobre a importância que eu dou à referida reunião com os promotores e a Câmara de Alcochete

25/01/2009

Quando os “idiotas úteis” conseguem irritar a Embaixada de Israel


Rui Bebiano, de A terceira Noite, publicou há tempos, "na sua cruzada contra os infiéis", um texto chamado Ainda e de Novo em que classifica alguns dos que criticam severamente Israel e as forças belicistas e agressivas deste país, aliado e apoiado pelos Estados Unidos, e defendem o direito a um Estado palestiniano independente, sem interferências de Israel, nem dos Americanos, que possa em liberdade escolher os seus Governantes, como “idiotas úteis”. A expressão insere-se nesta frase, para não dizerem que eu deturpo: “Ser pela paz não é ser contra Israel, como o Hamas confirma e os idiotas úteis se esforçam por provar.”
Mas, não é para criticar este texto, porque já o fiz uma vez a outro, sobre o mesmo tema, deste blogger, de quem não obtive qualquer resposta, que venho mais uma vez abordar um assunto, que já reparei caiu no esquecimento rapidamente depois da posse do Obama. Dá vontade de perguntar, era para combater os rockets do Hamas que foi necessária esta mortandade de palestinianos ou para tomar uma posição antes da tomada de posse de Obama? A guerra acabou, como por milagre, um dia antes. Uma vergonha para quem a defendeu.
Já tinha aqui postado a minha intervenção na Assembleia Municipal de Lisboa para apoiar uma moção proposta pelo Bloco de Esquerda, que entre outras coisas defendia a geminação de Lisboa com a cidade de Gaza.
No dia a seguir, quarta-feira, tive a grata surpresa de ver uma notícia no Telejornal, da RTP 1, em que esta dava conta de que a Embaixada de Israel tinha escrito uma carta à Assembleia Municipal, manifestando a sua “indignação”, “surpresa” e “espanto”. Fiquei satisfeito, o “idiota útil” tinha contribuído para a irritação do representante das forças agressivas e belicistas de Israel e para que uma moção proposta por um pequeno partido, defensor de valores humanistas e não destrutivos, tivesse a repercussão que teve. Por vezes conseguimos ser como David contra Golias, parafraseando uma cena bíblica.

Nos noticiários da RTP 1, sempre que se faz uma referência ao Hamas diz-se a seguir que ele prevê o “extermínio” de Israel e a “matança” de todos os judeus. Na notícia que a RTP 1 dava sobre esta moção aprovada na Assembleia Municipal, ainda se podia justificar, dado que se dizia que era o Hamas que governava Gaza. Mas é sistemático que qualquer referência aquele movimento seja sempre antecedida daquelas referências. É a “objectividade” da RTP. Gostaria que sempre que se falasse da Arábia Saudita, se acrescentasse a seguir "o regime fundamentalista de Riad" (o menos que se pode dizer), ou de Israel, "os agressores israelitas". Faz-me lembrar que quando se nomeava Salvador Allende, se acrescentava sempre o governante marxista. Ou seja, há técnicas de propaganda, que os nossos jornalistas “objectivos” e “imparciais” estão sempre prontos a aceitar como regra. Se qualquer movimento ou personagem não têm o aval, o “imprimatur”, das “centrais de propaganda ocidentais” os media dominantes gostam sempre de lhes acrescentar um epíteto que os diminua.

22/01/2009

Trabant da antiga RDA (República Democrática da Alemanha).


Building East German Cars

Para não dizerem que sou sectário, aqui vai um filme muito divertido sobre a construção de Trabants na defunta República Democrática Alemã. Mesmo que não tenha sido assim vale a pena ver.
(Parece, que por mistérios que só a informática conhece, este vídeo de vez enquanto desaparece. Se isto suceder, volte mais tarde que já o encontra).

21/01/2009

A Segunda Morte do Judaísmo


Não é meu costume transcrever para o meu blog textos de outros autores. Normalmente faço um link para aqueles que servem para justificar as minhas afirmações. No entanto, porque gostei tanto deste texto, onde é expressa uma clara homenagem a todos os judeus que no século passado contribuíram para o avanço da humanidade, se identificaram com o espírito progressista e foram barbaramente exterminados nos campos de concentração nazis, que o transcrevo com a devida vénia do Spectrum, onde tenho, apesar de algumas discordâncias, bons amigos.


Com a cortesia e devido conhecimento do autor: tradução (francês para português (2)) e publicação no Spectrum.


"Os milhões de judeus que foram exterminados pelos nazis nas planícies da Polónia tinham traços comuns que permitiam falar de um judaísmo europeu. Não se tratava nem de um sentimento de pertença a um povo mítico, nem de uma religião uma vez que muitos deles se tinham afastado de tais definições: o que estava em jogo eram elementos de uma cultura comum. Esta cultura não se reduzia a uma simples receita de cozinha, nem às histórias veiculadas pelo famoso humor judeu, nem a uma língua na medida que muitos deles nem falavam o Yiddish. Era uma coisa mais profunda, comum e partilhada sob diversas formas tanto pelos operários das fábricas têxteis de Lodz, como pelos polidores de diamantes de Antuérpia, como pelos talmudistas de Vilna, como pelos comerciantes de legumes de Odessa e ainda por certas famílias de banqueiros como a de Aby Warburg. Entre estas pessoas não haviam umas melhores do que as outras, no entanto elas nunca tinham exercido uma soberania estatal e as suas condições de existência não lhes oferecia exclusivamente como única saída o dinheiro e os estudos. Em todo o caso, eles desprezavam a força brutal, cuja sensação eles tinham tido inúmeras vezes a ocasião de saborear os efeitos.
Muitos deles engrossaram as barricadas dos oprimidos, participando nos movimentos de resistência e de emancipação da primeira metade do último século: é esta cultura que proporcionou a terra fértil ao movimento operário judeu. Desde o Bund polaco, engrenagem das revoluções de 1905 e 1917 no Império Czarista, até aos sindicatos parisienses de estofadores e chapeleiros, onde as bandeiras expunham divisas em Yiddish, oferecendo à MOI (3) tantos combatentes contra a ocupação. É neste terreno que cresceram as figuras emblemáticas do judaísmo europeu, Rosa Luxembourg, Franz Kafka, Hannah Arend, Albert Einstein. Depois da guerra, alguns dos sobreviventes e seus descendentes apoiaram as lutas de emancipação no mundo, os Negros americanos, a ANC (4) na África do Sul, os argelinos na guerra de libertação.
Todas estas pessoas estão mortas e ninguém as ressuscitará. Mas o que se passa neste momento em Gaza mata-as uma segunda vez. Muitos diriam que não vale a pena se enervar, uma vez que existem tantos precedentes: de Deir Yassin a Sabra e Chatilla. Penso ao invés que a entrada do exército israelita no gueto de Gaza marca uma clivagem fatal. Primeiro pelo grau de brutalidade, vejamos o número de crianças mortas queimadas ou esmagadas sob os escombros das suas casas: um cap foi ultrapassado, este acto deve levar, e levará um dia o Primeiro-ministro israelita, o ministro da Defesa e o chefe do Estado-maior ao banco dos acusados do Tribunal de justiça internacional.
Mas a clivagem não é apenas a do horror e a do massacre em massa dos palestinianos. Há dois pontos que fazem dos acontecimentos actuais o que adveio de mais grave no seio da população judaica desde Auschwitz. O primeiro, é o cinismo, a maneira aberta de tratar os palestinianos como homens inferiores. Os panfletos lançados dos aviões anunciando que os bombardeamentos vão ser ainda mais mortíferos, sabendo que a população de Gaza não pode fugir, que todas as saídas estão bloqueadas, que não existe mais nada a esperar que a morte no escuro. Este género de jogo faz lembrar de maneira gélida o tratamento reservado aos judeus na Europa de leste durante a guerra, e sobre este ponto espero sem medo os gritos ruidosos das belas almas ultrajadas. A outra novidade, é o silêncio da maioria dos judeus. Em Israel, para além da coragem de um punhado de irredutíveis, as manifestações de massa são levadas a cabo pelos palestinianos. Em França, nas manifestações do 3 e do 10 de Janeiro, enquanto o proletariado dos bairros populares estava presente, os gritos de revolta dos intelectuais judeus, dos sindicalistas, dos políticos judeus não chegaram quase aos meus ouvidos. Em vez de se sentirem satisfeitos com as burrices do governo e do CRIF (5 )(“não se deixar levar pelo conflito”), é tempo dos judeus virem em massa manifestar-se com os “árabes-muçulmanos” contra o inaceitável. Não sendo assim, os seus descendentes perguntar-lhes-ão um dia “o que é que eles fizeram durante esse tempo”, eu não gostaria de estar no lugar deles na hora onde uma resposta se vai impor."

15 de Janeiro 2009

Eric Hazan (1)

(1) Eric Hazan é escritor e editor (éditions La Fabrique). Ele foi igualmente o tradutor das obras de Edward Said.

(2) Responsabilizo-me por todas as imprecisões de tradução, e qualidade linguística!!! (alguns pequenos erros, facilmente detectados pelo corrector ortográfico, foram corrigidos - Trix-Nitrix).

(3) MOI - Main-d’oeuvre immigrée.

(4) ANCAfrican National Congress.

(5) CRIFConseil représentatif des institutions juives de France.

20/01/2009

Pelo fim dos crimes de guerra na faixa de Gaza e pela celebração de um acordo de geminação


Para não dizerem que me calo, que não falo nos locais próprios, aqui vai a intervenção que fiz na Assembleia Municipal de Lisboa em defesa de uma Moção apresentada pelo Bloco de Esquerda com o título deste post. A Moção teve o voto favorável do Bloco, do PCP e do PEV e a abstenção do PS, PSD e CDS, tendo sido portanto aprovada. Houve mais duas moções, uma do PS e outra do PCP, que foram igualmente aprovadas. Afinal, contra as boas almas que na blogosfera, justificam a carnificina com palavras ambíguas, os representantes dos partidos políticos portugueses ainda não perderam completamente a sensibilidade. Bem hajam.


“A faixa de Gaza tem 362 Km2 e é habitada por cerca de 1 milhão e 500 mil pessoas. Um comentarista da SIC Notícias afirmou há tempos que, proporcionalmente, Israel teria a dimensão do nosso Alentejo e a Faixa de Gaza corresponderia, grosso modo, à Península de Tróia.
Feita esta descrição imaginemos agora um território todo cercado por terra, ar e mar por um país hostil – Israel – e que o único contacto possível que tem com o exterior é por um posto fronteiriço, completamente fechado: esse território é a Faixa de Gaza. A única saída possível é a construção de túneis que, segundo nos transmitem as agências internacionais, servem tanto para traficar armas como para transportar medicamentos e alimentos ou comerciar os poucos produtos artesanais que aí são fabricados e que permitem algum sustento a um povo que vive, quando Israel o permite, da ajuda internacional.
A este contexto, que lembra o Gueto de Varsóvia ou outros horrores da II Guerra Mundial, acrescentemos-lhe dias seguidos de bombardeamentos por terra, mar e ar.
É o inferno que antevemos.
Por isso, o Bloco de Esquerda, portador de valores humanistas, pede a condenação da ocupação militar e dos ataques perpetrados por Israel na Faixa de Gaza.
Considera completamente desproporcionada a resposta daquele país aos ataques de flagelação desencadeados pelo Hamas, cujas razões de intervenção, sendo discutíveis, não podem merecer as represálias e as destruições maciças de que foi vítima a população indefesa de Gaza.
Por isso apoiamos todos os esforços diplomáticos que visam a retirada do exército israelita daquela Faixa, bem como a manutenção de um cessar-fogo integral.
Defendemos o levantamento do cerco imposto a esta população, que a impede de circular para além do seu gueto e que, sendo anterior à guerra, esteve na origem das flagelações desencadeadas pelo Hamas.
Recomendar que a Câmara Municipal de Lisboa promova os contactos necessários com as autoridades de Gaza com vista à celebração de um acordo de geminação entre as cidades de Lisboa e Gaza.
Não gostaria de terminar este apelo do Bloco de Esquerda sem fazer uma referência às declarações infelizes do Senhor Cardial Patriarca de Lisboa, que num contexto de guerra e de clara violação dos mais elementares direitos das populações palestinianas indefesas, achou por bem lançar achas para a fogueira, permitindo, com as suas palavras pouco reflectidas, criar uma situação de melindre com a comunidade muçulmana, grande parte dela radicada em Lisboa, e de um modo geral criar sentimentos de xenofobia em relação a todos aqueles que não nos são iguais.”

19/01/2009

Visita a Gaza

Para aqueles que não gostam de tomar posição, vejam este vídeo de Miguel Portas que esteve recentemente em Gaza

17/01/2009

Cautela com os amores, nem Alá sabe onde é que acabam?


Não me irei debruçar sobre estas declarações extremamente infelizes do Cardeal Patriarca de Lisboa. Há quem admita que o senhor estaria com uns copitos a mais e que, por esse motivo, a tradicional vigilância opinativa que a Igreja impõe aos seus ministros foi abandonada por momentos. No entanto, elas podem ser entendidas como uma crítica ao multiculturalismo defendido no “Ocidente” por certa esquerda ou por aqueles que advogam o politicamente correcto. Hoje a direita e alguma esquerda são contra a permissividade em relação a outras civilizações, culturas e comportamentos que afrontam claramente os valores ditos ocidentais. É evidente que, na maioria dos casos, aquilo que se critica refere-se normalmente aos praticantes da religião muçulmana.
É sobre isto que gostava de fazer alguns comentários.
Primeiro, manifestei-me na altura própria em artigo na net, que hoje já não sei a onde é que anda para poder linkar, contra as posições de alguma esquerda que achava que se deviam censurar as gravuras sobre Maomé publicadas num jornal dinamarquês de extrema-direita. Pensava eu, que não se devia proibir a publicação daquelas gravuras, ao contrário da posição na altura igualmente assumida pela Igreja Católica, pois estaríamos a abrir a porta para que qualquer crítica à religião pudesse ser censurada em nome da ofensa aos seus praticantes. Nesse artigo enumerava os atentados à liberdade desencadeados em Portugal, já depois do 25 de Abril, em nome dos valores ditos religiosos. Recordava um episódio antigo (1979) de uma bomba que rebentou junto ao cinema que estava a exibir As Horas de Maria, do António de Macedo.
Segundo, penso que se deve criticar todos os atentados aos direitos das mulheres praticados em países muçulmanos, bem como a permissão em alguns daqueles países da justiça ser regida pela lei corânica. Mas esta crítica não deve ser desenquadrada das implicações políticas e sociais que estes comportamentos acarretam às populações que são vítimas destas tradições. Sabemos que muitas vezes atrás destes princípios religiosos vem a defesa do conservadorismo social e político, a manutenção das classes dominantes no poder e a preservação de estruturas sociais arcaicas. Por isso, quando hoje se assiste à crítica das acções de grupos ditos extremistas, muitas vezes recorrendo a estes estereótipos, deixa-se ficar no esquecimento países ditos “amigos do Ocidente”, cujo exemplo mais flagrante é Arábia Saudita, cuja classe dominante pratica até ao horror aquele tipo de comportamentos sobre as suas populações.
Terceiro, manifesto-me igualmente contra a crítica a certos movimentos islamitas baseada em valores civilizacionais, que permitem absolver Israel, garantido que os seus comportamentos seriam iguais aos nossos – esquecendo-se que Israel é um Estado confessional – e condenar, por exemplo, os palestinianos, hoje influenciados pelo Hamas. A defesa desta posição não visa mais, em última instância, do que permitir o domínio destes povos por hierarquias corruptas ao serviço dos interesses do imperialismo “ocidental”.
Quarto, foi o “Ocidente” que contribuiu para eliminar certas direcções políticas que defendiam a modernidade nestas sociedades, ao combater por todos os meios os movimentos laicistas, que de um modo geral representavam uma ideologia progressista e anti-imperialista, apoiando, na maioria dos casos, os movimentos islamitas que defendiam um regresso aos valores corânicos tradicionais.
Enumerarei, um pouco ao correr da pena, todos os casos de que me lembro.
O golpe apoiado pela CIA, em Agosto de 1953, contra Mohammed Mosadeq, no Irão, que tinha nacionalizado a Anglo-American Oil Company e que seguia um programa nacionalista e anti-imperialista naquele país.
A inclusão da Síria como um dos inimigos do Ocidente, mas que é governada desde 1963, com mão de ferro, por um partido laico e que se clama como socialista, o partido Baas, cujo nome oficial é Partido Baas Árabe Socialista. Este partido também dominava o Iraque, de Saddam Hussein, outro dos poucos países laicos da região, é certo que regido por uma ditadura sangrenta, mas que foi apoiada pelo Ocidente quando atacou a República Islâmica do Irão.
A luta contra o regime de Nasser, no Egipto, que nacionalizou o Canal de Suez (Julho de 1956), quer explicitamente, atacando-o directamente, como fizeram ingleses e franceses em Outubro de 1956, na sequência da nacionalização do Canal, ou apoiando os Irmãos Muçulmanos, grupo de inspiração religiosa, que foi um instrumento da monarquia saudita para combater Nasser e os nacionalistas árabes. Hoje o Egipto é governado por uma oligarquia corrupta apoiada por Israel e pelos Estados Unidos.
O caso mais conhecido é a luta empreendida pelos mujahidin contra o Afeganistão socialista, dominado pelas tropas do Exército Soviético, apoiados às claras pelos americanos. É interessante ter ouvido há tempos um depoimento do jornalista da RTP, Barata-Feyo, que andou por aquelas paragens, e afirmou que a única altura em que as mulheres afegãs se puderam libertar da burka, frequentar a escola pública e exercer a sua profissão foi quando os comunistas estavam instalados em Kabul. Barata-Feyo não se pode considerar com apoiante de qualquer movimento ou país comunista.
Por último, o caso mais recente do Hamas, na Palestina, que foi apoiado por Israel para combater a Fatah, um movimento laico, que no entanto, dadas suas recentes cumplicidades com aquele país e a grande corrupção dos seus dirigentes se deixou ultrapassar no apoio popular por aquele movimento religioso.

No fundo, resumindo e concluindo, o "Ocidente", ou melhor o imperialismo, primeiro franco e anglo-saxónico e depois americano, e o seu testa de ferro que é Israel, têm vindo a contribuir para a vitória das forças islamitas, derrotando ou corrompendo qualquer saída laica e progressista, que neste contexto teria que ser nacionalista e anti-imperialista.
È pois nesta conjectura que a luta de uns contra o multiculturalismo e a oposição bacoca de outros, que consiste na justificação de algumas das mais aberrantes práticas religiosas muçulmanas, devem ser criticadas, defendendo uma saída laica, progressista e anti-imperialista para os povos e países que seguem aquela religião.

Vem a propósito, citar um belo documentário de Diana Andringa e Flora Gomes sobre a guerra colonial na Guiné, As duas faces da Guerra, onde no episódio final exibido pela RTP, se destaca, com provas concretas no terreno, esta frase sempre repetida de Amílcar Cabral, “não fazemos a guerra contra o povo português, mas sim contra o colonialismo”. Hoje quando a reacção e os sionistas tentam confundir a esquerda, que ao atacar o imperialismo americano e o expansionismo sionista, nos tentam opor o rótulo de anti-americanos e anti-semitas, temos que lhes devolver as belas palavras de Amílcar Cabral afirmando que a nossa luta não é contra o povo americano nem contra os judeus. Mas temos igualmente que fugir, mesmo que achemos justificada alguma diarreia anti-semita, da defesa das práticas e dos actos que vão nessa direcção.

16/01/2009

A esquerda e o poder: um desfio impossível?


Inseriu a edição portuguesa do Le Monde Diplomatique no último número (Janeiro de 2009) quatro colaborações sobre a Esquerda e o Poder, recorrendo para isso a articulistas nacionais, com obra amplamente publicada na nossa imprensa ou, no caso de António Abreu, com experiência autárquica em Lisboa, ou seja, da prática desse mesmo poder.
Antes de mais convém referir o magnífico trabalho desenvolvido pelo Le Monde Diplomatique, quanto a mim a única revista de esquerda plural, com amplo trabalho de divulgação e de discussão tanto de temas nacionais, onde como é previsível está mais fraca, e de temas internacionais. Mas mais do que isso, é também os artigos que regularmente publica no seu site e envia por e-mail para a sua lista de contactos, os debates que organiza e os patrocínios graciosos, porque dinheiro não há, que dá a outras iniciativas. Espero que desta vez, porque isso já sucedeu, não se deixe morrer uma iniciativa tão importante para a esquerda portuguesa.

Mas regressemos aos quatro artigos referidos. Quanto a mim o mais interessante é o do Daniel de Oliveira e será sobre ele que me irei debruçar.
O tema central do artigo é a relação da esquerda como Poder, e por isso a dada altura pergunta, a participação da esquerda no Poder de Estado pode “ter influência real na vida concreta das pessoas?” A resposta que dá é “depende”. Os dois exemplos que cita pretendem ilustrar isso. O primeiro, o de Lula da Silva, que apesar das desilusões que acarretou, trouxe de facto um “impacto real na vida de milhões de pessoas” é positivo, o segundo, a participação da Refundação Comunista no breve Governo de Prodi, em Itália, “que não teve qualquer tradução prática na vida dos italianos”, e que provocou uma desilusão tão profunda que afastou, espero por pouco tempo, quaisquer comunistas do Parlamento italiano, é negativo.
Tendo em conta esta dicotomia, Daniel de Oliveira afirma: a esquerda aproxima-se da “cumplicidade”, eu diria do oportunismo, quando o poder não pode ser exercido de “forma diferente”, mas quando ela se fecha unicamente num espaço de protesto dispensa-se de procurar alternativas. “Porque as alternativas só nascem da necessidade, da expectativa do exercício do poder”.
E Daniel de Oliveira continua “sem o horizonte próximo da conquista do poder ou da influência directa no poder, as forças de esquerda transformam-se ou em partidos-fortaleza, ou em partidos-megafone ou em caos sem direcção política."
Está-se mesmo a ver a que partidos ou forças políticas Daniel de Oliveira se refere – excepto a última que é ainda um movimento informe que percorre o espaço político da esquerda –, por isso este artigo sendo dirigido à esquerda, da esquerda do PS, dirige-se fundamentalmente ao seu partido, o Bloco de Esquerda. E compreendendo eu que estes são recados dirigidos para o interior do Bloco, não posso, no entanto, deixar passar esta oportunidade de me pronunciar.
Hoje um dos principais desafios que se põe à esquerda, da esquerda do PS, é poder contribuir para ter “um impacto real na vida das pessoas”. Mas para isso é preciso ter um instrumento político para que esse “impacto” se verifique. Ora os partidos existentes, e Daniel Oliveira diz isso, não parecem muito virados nesse sentido.
Como é visível, o PCP, o partido-fortaleza, dada a sua deriva esquerdista e sectária, digo eu, mas que para outros não passa da manutenção da sua identidade, não será neste momento a força agregadora que poderia realmente influenciar o poder e provocar alguma alteração “na vida das pessoas”. O Bloco de Esquerda, o partido-megafone, não estaria neste momento muito bem posicionado para desempenhar esse papel. Daí os lamentos de Daniel de Oliveira, visto que os mais recentes episódios, com o Sá Fernandes, na Câmara de Lisboa, e o artigo muito ambíguo de Luís Fazenda, no Esqerda.net , em nada facilitam esta postura.
Restou-nos a esperança acalentada no Trindade e na Aula Magna. Aí, para além do diálogo à esquerda (Manuel Alegre e esquerda do PS, Bloco de Esquerda e Renovação Comunista), que é indispensável, mas não é suficiente, poderia estar a nascer um novo ente político. Ou seja, um A Esquerda (Die Linke, em alemão) à portuguesa, em que uns ex-quaisquer coisa se juntavam à esquerda do PS para fazer um novo partido. Parece que essa expectativa está hoje furada. Bem pergunta Joana Lopes no seu blog, Entre as brumas da memória, em Alô, PS!, onde está essa esquerda do PS? E afirma: “todos se renderão à elegância do chefe e lhe estenderão a passadeira vermelha, sem pestanejar. Com fortes vivas ao socialismo – evidentemente.”
Ou seja, bem pode Daniel de Oliveira escrever coisas certas e interessantes, simplesmente sentimos que os instrumentos políticos indispensáveis à sua concretização falharam. Uns porque mantêm essa “cumplicidade” com a direcção do PS, outros porque se fecham unicamente num espaço de protesto. Iremos provavelmente assistir a alguns acenos de José Sócrates à sua esquerda, ao Bloco a tentar capitalizar o descontentamento de algumas franjas do PS e ao PCP, mais o seu apêndice, os Verdes, a afirmar que ninguém resiste melhor do que ele. Mas no fundo não iremos ter qualquer alternativa de Poder que permita inflectir a direcção seguida pelo PS e modificar realmente a vida dos portugueses. Ou talvez, se volte a rebobinar o filme e tudo esteja ainda em aberto.

13/01/2009

Forum pela Paz e pelos Direitos Humanos


A dramática situação vivida pelo indefeso povo palestiniano em Gaza devido ao pelo ataque naval, aéreo e terrestre levado a cabo pelo exército israelita, causou já cerca de 900 mortos - entre os quais 200 são crianças! - milhares de feridos e também a destruição de inúmeras infraestruturas como escolas, hospitais, creches... Por todo o mundo, incluindo Portugal, se exige o fim do cerco e da opressão militar.

A opinião pública tem um papel importante a desempenhar na defesa de uma paz justa em toda a região, com o reconhecimento da independência da Palestina e no respeito pelas resoluções da ONU.

Neste sentido o Forum pela Paz e pelos Direitos Humanos irá promover uma Sessão Pública no dia 15 de Janeiro, às 21H, no Fórum Lisboa (antigo Cinema Roma) com a intervenção de:

Luis Moita
Francisco Assis
Manuel Carvalho da Silva
Miguel Portas e
Domingos Lopes

A Direcção do
Forum pela Paz e pelos Direitos Humanos

Os anarquismos - no bicentenário do nascimento de Proudhon


Os anarquismos - no bicentenário do nascimento de Proudhon
Com a participação de

J. M. Carvalho Ferreira(revista Utopia)

José Neves(historiador)

Júlio Henriques(tradutor)

Rui Tavares(historiador)

15 de Janeiro quinta-feira 21h30Instituto Franco-PortuguêsAv. Luís Bivar, 91, Lisboa (junto ao Saldanha) entrada livre

10/01/2009

Cuba, mais um aniversário


Sei que venho atrasado, o 50º aniversário da Revolução Cubana já passou. Mas ainda estou dentro do período normal para comemorar esta data redonda.
Na blosgosfera a habitual divisão. As boas almas lá vieram reafirmar a mesma desilusão de sempre, os outros a passagem de mais um glorioso aniversário. Não indico links para não ofender ninguém.
No entanto, não deixo de referir a prosa de Vital Moreira, A revolução exangue, publicada no Público, a 6 de Janeiro, que para além das críticas tradicionais daquele articulista a um regime “comunista”, tem afirmações mentirosas sobre a pobreza de Cuba, – “economicamente, Cuba é hoje um dos países mais pobres da América Latina” – que não se baseiam em qualquer fonte e que resultam do palpite daquele articulista. Sobre este assunto ver o belo artigo que Guilherme da Fonseca-Statter publicou no Comunistas.info, A propósito de mais um Aniversário da Revolução Cubana, em que desmonta com números aquela afirmação aldrabona de Vital Moreira.
Mas deixemos estas pequenas picardias em que eu me costume envolver na blogosfera ou com os media dominantes e apresentemos três pequenas reflexões que me interessa fazer sobre Cuba.

1 - Só haverá um caminho para chegar ao socialismo?

Quando a revolução cubana aconteceu tinha eu quinze anos a caminho dos dezasseis. Vivi com grande alegria aqueles acontecimentos através de uma imprensa censurada. Era a derrota de uma ditadura e a vitória da liberdade e da transformação social. Ditadura e liberdade eu sabia o que eram, transformação social era um conceito mais elaborado, que na altura provavelmente não perceberia a sua amplitude. Contudo, quando se deu o desembarque da Baía dos Porcos, em Abril de 1961, e a crise dos mísseis, em Outubro de 1962, já era um homenzinho e, na última data, já tinha mesmo formação marxista.
Para aqueles que, como eu, pouco tempo depois aderiram ao PCP, a revolução cubana tinha seguido a via-sacra do leninismo, ou melhor, os ensinamentos do marxismo-leninismo e da construção do socialismo. Tinha começado por ser uma revolução anti-imperialista, contra a burguesia sua aliada, que devido à resistência do imperialismo se transforma em revolução socialista, cuja direcção é assegurada primeiro, a partir de Março de 1962, pelo Partido Unido da Revolução Socialista Cubana (PURSC), que junta os fidelistas do Movimento 26 de Julho, o Directório Revolucionário, formado por estudantes revolucionários, e o anterior partido comunista (Partido Popular Socialista) e depois, a partir de Outubro de 1965, pelo seu partido de vanguarda, o Partido Comunista Cubano, que irá comandar até hoje os destinos da Revolução.
Cuba era a ilustração clara de que só havia um caminho para construir o socialismo. Segundo uma declaração antiga de Fidel, que encontrei em textos que recolhi na altura, “o processo revolucionário cubano obedecia a um conjunto de leis, comuns a todos os processos revolucionários. Primeiro a tomado de poder pelas massas, em seguida a destruição do aparelho militar da classe dominante” (Dezembro de 1961). A minha geração comunista acreditou nisto e Cuba confirmava a veracidade deste princípio.
Hoje, passado este tempo, verifico que a opção seguida em Cuba não foi o resultado inevitável de um princípio, que nós acreditávamos que era científico, mas o resultado da própria experiência soviética, que era a única verdadeiramente conhecida, e da pressão dos conselheiros daquele país. Era essa a única via que lhes tinham ensinado nas escolas do Partido.
É evidente que estes passos não foram dados sem dor, nem sem convulsões. Che tinha algumas opiniões diferentes. Fala dos estímulos morais para as tarefas da construção do socialismo, enquanto os soviéticos dos estímulos materiais. Propõe-se a teoria do foco como um conceito revolucionário aplicável a países sob dominação imperialista e com condições no terreno favoráveis à guerra de guerrilhas e defende-se a criação de “um, dois ou três Vietnames”, enquanto que em Moscovo se acredita numa via pacífica para o socialismo. Mas no fundo o caminho seguido por Cuba era indiscutivelmente a confirmação prática de que a construção do socialismo só poderia seguir aquela via.
Posteriormente, a derrota de Allende, no Chile, tornou ainda mais real a nossa convicção teórica.
Simplesmente, os revolucionários sul-americanos aprenderam a lição, depois de anos de ditadura e de derrotas da Revolução, conseguiram com dúvidas, divisões, avanços e recuos, empreender a transformação social criando movimentos de massas que pela via democrática vão tomando o poder e tentando construir novas perspectivas para as suas populações miseráveis. O caso mais conhecido é o Chavez, mas temos Morales na Bolívia, Rafael Corrêa no Equador, Daniel Ortega, parece com algumas contradições, na Nicarágua e mais recentemente Fernando Lugo, no Paraguai. Temos Governos com algum cariz progressista no Brasil, com Lula, na Argentina, no Uruguai e, vá lá, no Chile.
Cuba isolada, escorraçada da Organização dos Estados Americanos, em 1962, está hoje no centro de todas as atenções e é um estado acarinhado e respeitado em toda a América Latina.
Por isso, aquilo que nós pensávamos naqueles anos revelou-se errado, diverso são os caminhos para se chegar ao socialismo e os principais, com todos as contradições e complexidades, passam necessariamente pela participação eleitoral e democrática de grandes massas de cidadãos.

2- Os problemas do desenvolvimento

Numa entrevista à SIC Notícias a propósito deste aniversário, José Fernandes Fafe, que foi nosso embaixador em Havana e escreveu recentemente um belo livro sobre Fidel (Temas e Debates e Círculo dos Leitores, 2008), afirmou que, durante a existência da União Soviética, Cuba vivia menos mal para os padrões da América Latina. Segundo ele a URSS despejava não sei quantos milhões de dólares por dia naquele país. Quando aquela acabou, Cuba, para sobreviver, teve que introduzir as desigualdades, dado que autorizou os portadores de dólares a trocá-los pela moeda local, permitindo assim que aqueles que tivessem parentes nos Estados Unidos ou que vivessem do turismo ou nas suas proximidades pudessem beneficiar dessa troca.
Este problema, aqui ligeiramente aflorado, põe o dilema, que se pôs igualmente à China, com outra dimensão, de que só recorrendo a uma certa desigualdade no caso de Cuba, no caso da China, recorrendo mesmo ao capitalismo mais selvagem se consegue desenvolver um país atrasado.
A experiência soviética não é muito encorajadora. Lenine, para sair da paralisação económica em que se encontrava a URSS, após a guerra civil, recorreu provisoriamente à NEP (Nova Política Económica), que permitiu a venda livre dos produtos da terra e o enriquecimento individual dos camponeses com maiores propriedades (kulaks). Estaline cortando com isto, resolveu fazer a colectivização forçada dos campos e iniciou com os camponeses que fugiram para as cidades, e alguma mão-de-obra prisioneira a industrialização acelerada daquele país. Os resultados foram positivos durante um período razoável, mas foram obtidos à custa de um enorme sofrimento das populações. Podemos afirmar que a experiência soviética nada tinha de socialismo, como Marx o entendia e como nós hoje o propomos.
Por isso, até ao presente, o socialismo não teve possibilidades de demonstrar ser capaz de desenvolver sociedades humanas atrasadas. Apesar de no caso da URSS a ter transformado num país moderno e na China ter permitido retirar milhões de camponeses do nível de subsistência mais miserável, simplesmente nada disto tem a ver com o socialismo. As experiências da América Latina não são ainda conclusivas, nem garantem que sejam capazes de retirar massas humanas do nível de subsistência, mas têm permitido aumentar o nível de vida de algumas populações mais desfavorecidas.

3 – Os problemas da transição

Todos os críticos dos regimes de socialismo real asseiam para que estes passem a ser democracias “tout court” e que garantam o respeito pelos direitos humanos. Nestes anseios há muita hipocrisia. Esquecem deliberadamente que até ao presente os regimes que substituíram o socialismo-real enveredaram pelo capitalismo mais desigual, criando sociedades que só por brincadeira se pode dizer que garantem os direitos humanos. Quando milhares de cidadãos daqueles países são obrigados a emigrar para o Ocidente porque perderam de imediato o seu nível mínimo de subsistência, mal vão os direitos humanos. Mais, quando de repente aparecem, em meia dúzia de anos, como foi o caso da Rússia, multimilionários com as fortunas como as que hoje são atribuídas a alguns dos donos de clubes de futebol, temos que reconhecer que alguma coisa vai mal. E vai de facto, a experiência de transição, excepto em países que já tinham uma vida democrática anterior, caso da Checoslováquia, tem sido má, tem permitido criar profundas desigualdades e transformado países que dantes eram dependentes de uma grande potência, a URSS, a dependerem de outra, os EUA. A história é triste e não pode servir para os seus defensores fazerem grandes encómios.
O problema em Cuba tem contornos semelhantes. Como se portariam os cubanos de Miami desejosos de vingança contra os que ficaram em Cuba? Que aconteceria a todos os grandes proprietários que anseiam regressar às suas terras? E aos americanos que deveriam querer ressarcir-se dos seus investimentos passados? Estes aspectos da transição, que as boas almas acreditam que se resolvem facilmente fazendo eleições livres, dando liberdade de imprensa e permitindo a organização de partidos, acabam normalmente muito mal, com violações por vezes muito mais gritantes dos direitos humanos.
Não comparem com a transição em Portugal. Nos casos referidos anteriormente há de facto uma mudança de regime económico importante, coisa que as nossas boas almas ignoram, que modifica profundamente a estrutura social. Em Portugal, apesar de ter havido algumas alterações sociais, os donos da bola, as classes dominantes de sempre, passados os primeiros apertos e da emigração para o Brasil ou para Espanha, regressam para tomar posse do que perderam e, em alguns casos, em situações até mais favoráveis.
Na China o poder conseguiu controlar a situação de transição. Recorreu mesmo uma situação extremamente repressiva, Tiananmen, no entanto, se isso não tivesse sucedido talvez a China perdesse o comboio do crescimento económico que tem vindo a conhecer.
Cuba com as alterações que o próprio regime for introduzindo, com o reforço da componente progressista em toda a América Latina, com a possível, mas não certa, alteração da liderança em Washington, irá provavelmente corrigindo alguns das piores defeitos do passado e permitir um fluir democrático das suas instituições.

Estas três reflexões sobre Cuba foram escritas um pouco ao correr da pena, com a ajuda aqui e acolá da Wikipédia, e de textos que fui desenterrar à minha gaveta de memórias, não pretende ser uma análise histórica e económica da realidade. São simples apontamentos pessoais que respondem a algumas ideias feitas e que os de sempre considerarão revisionistas e as boas almas como justificadoras da ditadura de partido único e da violação dos direitos humanos. A todos respondo que metam a mão na consciência e aos últimos que não se pode ser tolerante para com Israel e tão crítico para com este regime.

09/01/2009

Quando os “representantes” do povo se portam mal


O movimento Renovação Comunista acordou com o Bloco de Esquerda nas eleições autárquicas para a Câmara de Lisboa, de 2005, que alguns dos seus membros integrassem as listas que aquele Partido iria apresentar à autarquia alfacinha. Assim, o meu nome foi indicado para a Assembleia Municipal, num lugar do fim da lista.
Realizaram-se as eleições e o BE elegeu cinco deputados municipais. É evidente que o meu nome não estava incluído no grupo dos eleitos. Por isso descansei e nunca mais pensei no assunto. Não é que um dia destes, me telefonam a dizer que tinha chegado a minha vez de ocupar um lugar naquela Assembleia. Fiquei estupefacto, só a constante renovação dos eleitos pelo Bloco permite que mesmo candidatos do fim da lista possam assumir os lugares a que se tinham candidatado.
Tudo isto vem a propósito de como de repente alguém que sempre se interessou por política, mas que nunca tinha sido eleito para qualquer cargo de representação popular, se vê, de um momento para o outro, a participar numa Assembleia Municipal.
A minha primeira reacção foi de espanto e a seguir de aprendizagem. Fui-me integrando no grupo e até já intervim sobre três assuntos diferentes, por enquanto ainda preparados em casa, mas há-de chegar o dia, se não me substituírem antes, em que poderei ter que falar de improviso. Gosto do papel que me foi atribuído.
Dito isto, passemos à descrição do que se passa na Assembleia. Em primeiro lugar, em cada Assembleia, que tem lugar em algumas terças-feiras do mês, o público pode intervir. Ou seja, é permitido a três ou quatro cidadãos, antes da Ordem do Dia, falar na Assembleia, contando as suas desgraças. Quase sempre é para pedirem casa à Câmara ou para descreverem a situação em que se encontra a sua, sem obras da autarquia, ou que tiveram desavenças com familiares e estes lhes ficaram com a casa que lhes tinha sido atribuída. Têm um período limitado de tempo, estão sempre muito nervosos, quase não se percebe o que dizem, mas como reparei é coisa que não interessa a ninguém. Os deputados entretêm-se alegremente a conversar ou a sair da sala. Quando o burburinho é mais do que muito a Presidente, a Paula Teixeira da Cruz, ou o seu substituto, pedem silêncio. A Presidente, com alguma humanidade, lá lhes pede que no final entreguem toda a documentação que possam trazer para justificar o seu pedido. Mas a sala está completamente desinteressada, provavelmente eu, por ser novato, senti obrigação de ouvir os lamentos daquelas pessoas. Não sei que destino darão a todos aqueles pedidos e reclamações. Mas, tenho dúvidas que tenham qualquer eficácia.
Depois comecei a conhecer os líderes das bancadas, os sub-líderes, aqueles que falam sempre e que são capazes de o fazer. No fundo, meia dúzia de deputados. No Bloco há pelo menos a tentativa de pôr toda a gente a falar. O que nem sempre é possível, pois há deputados com mais experiência e mais conhecedores dos dossiers.
Comecei também a reparar que, de repente, sem se perceber porquê, havia sarrafusca na Assembleia. PS e PSD envolviam-se em dichotes, apartes, acusações graves. Seguia-se o pedido de defesa da honra e aí temos meia hora de dizes tu, direi eu. É evidente que cada partido tem um tempo limitado para intervir, mas o PSD, como tem a maioria absoluta na Assembleia, tem um tempo inesgotável, o PS, com menos deputados, tem no entanto tempo suficiente para se consumir nestas andanças.
Mas o motivo que me levou a escrever esta crónica foi a última Assembleia Municipal, a que aprovou o Plano e o Orçamento da Câmara para 2009. Como o PS não tem na Assembleia Municipal a maioria, nem a faz com qualquer pequeno partido, depende sempre do PSD para aprovar as suas propostas.
Logo de manhã o chefe da distrital do PSD tinha dito na rádio que ia viabilizar o orçamento, com a sua abstenção. Portanto, à partida sabia-se o que a casa gastava.
Não havia qualquer suspense, no entanto correu que alguns deputados do PSD queriam votar contra. Havia pois, mesmo assim, alguma expectativa. Mas isto não impediu de durante toda a tarde os dois partidos, como cão e gato, fazendo uma tristíssima figura, que se fosse vista pelos seus eleitores nunca mais votariam neles, se acusassem mutuamente das piores aldrabices e malfeitorias. Estamos já em plena campanha eleitoral: Santana versus Costa. O PSD teve o desplante de chamar formiguinha ao Santana e acusou a actual vereação de cigarra. A corda foi esticada até ao fim. Eu se fosse PSD e quisesse fazer sangue, depois do que ouvi votava contra o orçamento. O PS durante toda a tarde não revelou qualquer meiguice para com o PSD ou vice-versa. Mas o pior ainda estava para vir. Antes da votação final o PSD pede uma interrupção de 15 minutos. Estava criado o suspense. Depois regressam à sala e apresentam uma Recomendação, para que o Orçamento fosse acompanhado mensalmente pela Assembleia e incluísse algumas alterações. O Presidente em exercício, e bem, disse que primeiro votava-se o Orçamento e depois a Recomendação. O Orçamento lá passou. Com os votos favoráveis do PS, a abstenção do PSD e os votos contra do CDS, PCP, Verdes e BE. A partir do momento em que o PS vê o seu Orçamento aprovado, o António Costa mais a sua equipa saem intempestivamente da sala, já que eles são obrigados a estarem presentes durante o desenrolar dos trabalhos. O PSD que se preparava para fazer aprovar a sua Recomendação começa aos gritos, a dizer que era uma pouca-vergonha o Presidente da Câmara ter abandonado a Assembleia. Barafunda geral, o Presidente em exercício resolve interromper a sessão e, porque a hora já ia adiantada, adiar para data oportuna a possível votação daquela Recomendação.
Assisti, por isso, aquilo a que se chama a chicana parlamentar, ou seja, ao pior comportamento dos representantes do povo. Mas o mais significativo é que toda esta gente que se enxofra em plena Assembleia, nos corredores se cumprimenta com todas as mesuras, como se nada do que lá se passou a tivesse afectado. Ou seja, provavelmente todos almoçam juntos, não levando muito a sério os insultos que antes trocaram. Não havia necessidade disso. Penso que ser representante do povo exige outra seriedade e outra compostura, que aqueles dois partidos realmente não manifestam.
PS.: a fotografia é do antigo cinema Roma onde hoje tem lugar a Assembleia Municipal

04/01/2009

A SIC Notícias sempre, sempre, ao lado de Israel


Muito me tem apetecido desancar em todos aqueles que neste momento fazem por omissão, pela chamada imparcialidade ou pelo claro apoio a Israel o jogo dos agressores, ou seja, dos violadores dos mais elementares direitos das populações palestinianas. Mas nem sempre posso responder a todos.
Por exemplo, Pacheco Pereira (PP) publicou ontem no Público (A falsa equidistância e a irrelevância da política europeia no Médio Oriente) mais um dos seus artigos belicistas, a apelar à violência e a desancar num inocente texto que pretendia estabelecer a equidade entre as partes. Ainda um dia hei-de fazer uma análise desta prosa de PP, que começou com o ataque, que parecia muito de esquerda (era semelhante à crítica do PCP), contra o Tribunal Penal Internacional (TPI) e depois se consolidou na defesa e apoio da invasão do Iraque, por Bush, e que hoje se reflecte nesta apologia da violência praticada por Israel. Ao PP nunca passou pela cabeça que a sua prosa poderia, neste apelo à guerra e na crítica à impotência das democracias, principalmente as da União Europeia, roçar a ideologia fascista. Mas ainda não chegou a hora, nem sei se terei acesso às prosas antigas do PP.
Mas o que me ocupa hoje é parcialidade de uma estação de televisão, a SIC Notícias, que recorreu, pelo menos no noticiário das 2, a comentadores defensores unicamente de um dos lados do conflito. Não é que a televisão pública, a RTP 1, não tenha feito o mesmo noutras ocasiões e que, presentemente, a RTPN, que eu não vejo, não possa recorrer à mesma prática. Por exemplo, a Márcia Rodrigues, a enviada daquela estação para cobrir a invasão de Israel, está a fazer os seus relatos, porque é impossível chegar a Gaza – a liberdade de informação foi suprimida por Israel ao não permitir a entrada de jornalistas naquele território –, na fronteira com aquela faixa, o que necessariamente a há-de levar a reproduzir os pontos de vista dos porta-vozes daquele país, porque é mais fácil recolher as sua opiniões e porque provavelmente a vontade de procurar não será muita.
Mas a SIC Notícias, tem-se distinguido, pelo menos no noticiário das duas, por recorrer unicamente a comentadores pró-Israel. Ontem foi a vez de Carlos Gaspar, do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, hoje foi a Ester Mucznik, vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa. Qualquer dos dois defensores “à outrance” da guerra desencadeada por Israel. A SIC Notícias, sem contraditório, dá voz a defensores declarados de uma das posições. Estranha maneira de dar informação.
O que diz cada um deles. O primeiro foi muito claro naquilo que disse sem pestanejar, esta guerra visava decapitar e isolar o Hamas e dar o poder a Al Fatah, que colabora com Israel, os tais moderados, que antes eram terroristas. Bem pode o povo palestiniano votar no Hamas, mas como este não serve, há que obrigá-lo a aceitar o que não quer. Estranha forma de defender a democracia.
A segunda foi mais directa ao coração. Estava ali para vender a bondade da intervenção e quase de lágrimas nos olhos apelava para que compreendêssemos os israelitas e a necessidade que tinham de se defender dos malandro terroristas do Hamas, que obrigavam a população palestiniana a aceitá-los e que se refugiavam por detrás dela. Esqueceu-se que as eleições que deram a vitória aquele partido, principalmente na faixa de Gaza, foram acompanhadas pela comunidade internacional que as considerou justas e democráticas.
Já agora lembremos que o correspondente da SIC no Médio Oriente, Henrique Cimerman, também não será um modelo de imparcialidade política já que a sua vida é toda feita em Israel e é a partir de lá que faz os seus relatos, quase sempre num tom favorável àquele país.

Por último, uma anedota, o porta-voz da Presidência da União Europeia, que é neste momento assegurada pela República Checa, tinha afirmado que a intervenção de Israel era mais defensiva do que ofensiva. Hoje o Ministro dos Negócios Estrangeiros teve que vir desmentir esta declaração, afirmando que Israel não tinha o direito de empreender acções militares que "afectem fortemente civis". Ou seja, o porta-voz ainda não tinha compreendido que não era porta-voz dos interesses americanos, e por tabela dos israelitas, mas sim de uma comunidade de Estados que pensa um bocadinho diferente. Triste sina, a destes países satélites, que deixam de ser mandaretes de uns e passam a ser mandaretes de outros.


PS.: foi à procura no blog do Pacheco Pereira, Abrupto, do seu mais recente texto no sobre a invasão da faixa de Gaza, acima referido, para ver se o linkava para este post e encontrei algumas farpas contra frases de locutores da televisão que não afinam pelo diapasão politicamente correcto de Pacheco Pereira. Mas o que dirá S. Ex.ª deste caso relatado aqui e que revela, porque muito mais manipulador da opinião pública, dado que destila uma clara orientação sem qualquer contraditório, uma enorme parcialidade.
Actualização (10/01/09).
Tenho que reconhecer que nem sempre a SIC Notícias é parcial. Ontem sexta-feira, apresentou no noticiário das duas uma reportagem sobre as crianças de Gaza, bastante interessante e demonstrativa da falta de respeito de Israel por aquelas populações. Às 23h, no Expresso da Meia-Noite, convidou para o painel de comentadores um grupo bastante favorável à causa palestiniana, constituído por gente bem informada, tais como a Clara Ferreira Alves e o Miguel Portas, uma outra senhora de que não me recordo o nome, mas que completou as informações prestadas pelos primeiros, e o estudioso do Islão, o Professor Dias Farinha, que deve ser dos poucos portugueses que sabe árabe e que está sempre disponível para defender, moderadamente é certo, a causa árabe. Esta composição parecia compensar os dias seguidos em que só se vinculou o ponto de vista de Israel.

01/01/2009

“Choque e Pavor”: a impotência da crítica “imparcial”


O blog a Terceira Noite, de Rui Bebiano, é no panorama da blogosfera um dos mais bem feitos. Artigos bem redigidos, com o tamanho conveniente, de modo a perceber-se o que o seu autor quer dizer. Por vezes, demasiado longos para dizer uma coisa simples, como o de classificar Santos Silva como aparátchik, coisa que todos percebem sem grandes dificuldades. Mas enfim, revela a erudição do seu redactor.
No entanto, Rui Bebiano é uma daquelas boas almas sempre pronto a traçar armas contra o estalinismo do PCP, o atropelo aos direitos humanos seja na China ou em Cuba, no fundo propondo-nos uma esquerda cheia de boas intenções, mas que deveria cortar de vez com qualquer compromisso com os herdeiros da Revolução de Outubro, sejam eles quais forem.
Dito isto, vamos ao que me motiva a escrever este post.
Rui Bebiano resolve acusar um artigo de Alain Gresh, traduzido para a edição portuguesa on-line do Le Monde Diplomatique, de ser parcial em relação aos recentes bombardeamentos de Gaza por Israel. Classifica-o mesmo de “pouco honesto”.
Fui ler o artigo, pereceu-me uma denúncia de um massacre que todas as boas consciências deviam desaprovar, mas que formulava o problema com alguma moderação, com muitos dados informativos, facto que é omisso no post de Rui Bebiano, inclusive citando opiniões de membros do governo francês e da maioria que o apoia. Mas comecemos pelos factos. Diz Rui Bebiano: “Começa por ignorar completamente a provocação do Hamas que antecedeu o ataque de Israel, traduzida no lançamento, a 20 de Dezembro, de dezenas de rockets sobre as cidades judaicas de Ashdad e Ashkelon (fala apenas da sua ténue reposta após o início dos bombardeamentos israelitas).
Ora para Rui Bebiano os rockets do Hamas são à partida uma provocação, ou seja, não havia razão nenhuma para os lançar e só serviram para provocar e estarem na origem da “reacção excessiva” – os termos não são meus, mas de uma senadora francesa de um partido do Centro – dos israelitas.
Que nos diz Alain Gresh: “É interessante notar que os comentadores israelitas, como a maior parte dos comentadores da imprensa ocidental, não assinalam a razão mais importante do falhanço do cessar-fogo de seis meses, que durou de 19 de Junho até 19 de Dezembro. O acordo compreendia, para além do cessar-fogo, o levantamento do bloqueio de Gaza e um compromisso do Egipto em abrir a passagem de Rafah. Ora, não só Israel violou o acordo de cessar-fogo lançando um ataque que matou várias pessoas no dia 4 de Novembro, como os pontos de passagem não foram reabertos senão parcialmente, e o bloqueio foi mesmo reforçado nas últimas semanas.
Que nos diz o insuspeito Público, pela pena de Margarida Santos Lopes: “a 4 de Novembro deste ano, Israel assassinou seis membros do Hamas, violando uma tahdiyeh ou trégua, que estabeleceu (mas nunca reconheceu publicamente) com o movimento islâmico, sob mediação egípcia, a 17 de Junho. O Hamas intensificou o lançamento de mísseis e morteiros sobre cidades israelitas - em sete anos, estes disparos mataram pelo menos 20 civis. Israel retaliou sujeitando a Faixa de Gaza a um duro bloqueio económico – com restrição de entrada de alimentos e medicamentos e cortes de combustível –, agravando uma situação humanitária que o Banco Mundial e ONG descreveram como "catastrófica". Khaled Meshaal, o chefe do Hamas exilado em Damasco, justificou a decisão de revogar a tahdiyeh, a partir do dia 18 de Dezembro, invocando as execuções dos seus operacionais e o cerco a que Gaza está sujeita.” (Sobre a situação relativa ao bloqueio imposto por Israel a Gaza ver este artigo ).
Duas fontes, uma que é parcial para Rui Bebiano e outra insuspeita relatam com pequenas diferenças a mesma coisa. Mas o autor do post citado considera que a primeira ignora as “provocações” do Hamas, o que não é verdade, porque até as justifica, mas Rui Bebiano ignora o que se tem dito sobre o assunto (ver Robert Fisk, The Independent, Tariq Ali, The Guardian e Michael Warschawski, Centro de Informação Alternativa).
Depois afirma que Alain Gresh, no artigo citado, “continua tentando provar a «legitimidade democrática» do governo islamita do Hamas quando este tomou o poder de uma forma discricionária após uma guerra de extermínio contra os militantes da Fatah que levou até à fuga de Gaza de dezenas de milhar de refugiados palestinianos”.
O que nos diz Alain Gresh: “a recusa da comunidade internacional em reconhecer o resultado das eleições legislativas de Janeiro de 2006, que deram a vitória aos candidatos do Hamas, contribuiu para a escalada israelita; assim como a recusa de admitir realmente o acordo de Meca entre a Fatah e o Hamas” Não sei onde Rui Bebiano foi buscar as dezenas de milhar de refugiados, mas para mim é claro que o Hamas ganhou as eleições para o Conselho Legislativo Palestiniano (Janeiro de 2006) e que essa vitória foi torpedeada pela comunidade internacional e por Israel, que conseguiu através do Presidente da Autoridade Palestiniana manter no poder da Fatah, quando a Constituição exigia que quem ganhasse as eleições formasse Governo (ver aqui ). O que se passou foi que em Gaza o Hamas assumiu pela força o poder (Junho de 2007) que de facto lhe pertencia. Por outro lado, Rui Bebiano ignora o acordo de Meca referido por Alain Gresh e os passos já dados por aquele movimento para o reconhecimento do Estado de Israel.
Depois fala que 250 dos mais 300 mortos pertencem às milícias do Hamas (diz que aquele movimento reconheceu, mas não indica a onde). Estaríamos pois perante os bombardeamentos cirúrgicos, tão gabados no Iraque. Em seguida, acrescenta-lhe este mimo de ódio, Alain Gresh “ignora a repelente estratégia dos islamitas no sentido de disseminarem quartéis e rampas para o lançamento de rockets no centro de áreas habitacionais que lhes servem de escudo humano.” Para além do ridículo da afirmação. Como é possível é numa área de 362 Km2, habitada por 1,5 milhões de pessoas, conseguir separar quartéis e rampas de lançamento de agregados populacionais. Utiliza a estratégia informativa a que recorre a imprensa ocidental quando quer atacar movimentos de libertação ou guerrilheiros. Já Salazar dizia que os “terroristas” se refugiavam ignobilmente atrás das populações. Esperava-se melhor raciocínio de uma “boa-alma”, que neste caso mostra os dentes bem afiados, que tem por detrás das boas intenções. Termina a análise do artigo de Alain Gresh com a afirmação de que este “faz tábua rasa dos direitos históricos dos israelitas sobre a presença na região”. Esta é mais grave, vindo de um historiador. Todos conhecemos a história de Israel. A luta de Theodor Herzl que consegue, em 1897, aprovar no I Congresso Mundial Judaico a criação de um Estado Judaico, a declaração de Balfour durante a I Guerra Mundial (2/11/1917), “favorável ao estabelecimento na Palestina de um Lar nacional para o povo judeu”, a emigração de milhares de judeus para a Palestina entre as duas Guerras e principalmente no final da Segunda, etc. Tudo isto é uma história conhecida. Se vamos por aí, a reivindicar direitos, saímos de certeza chamuscados. Pois, os povos que lá viviam tinham inegavelmente mais direitos do que os que vieram depois.
No final, cheio de boas intenções propõe a reconciliação das duas comunidades. Maus, de facto, são os chineses e os cubanos violadores dos direitos humanos, o que em alguns casos sendo verdade, não leva o nosso blogger a fazer tantos exercícios de justificação com aqui se propõe em relação a um Estado agressor e violador dos mesmos direitos, não da sua população, mas daqueles que tiveram a infelicidade de viver nos territórios ambicionados por aquela população.
Já este artigo estava redigido quando vejo que Rui Bebiano recorrendo agora a intelectual prestigiado, Amos Oz, justifica as suas posições com esta afirmação verdadeiramente assassina daquele intelectual: «Vai haver muita pressão sobre Israel pedindo-lhe contenção. Mas não vai haver nenhuma pressão semelhante sobre o Hamas, porque não existe ninguém para os pressionar e porque já não há praticamente nada que possa ser usado para os pressionar. Israel é um país; o Hamas é um gang.» Daí portanto a necessidade de os aniquilar à bomba e por tabela a sua população. Há sempre intelectuais prontos a defender o Holocausto seja de judeus, seja de palestinianos.
Já se sabe Rui Bebiano selecciona o seus intelectuais, dá voz a Amos Oz e não a outro interveniente, Uri Avnery, igualmente israelita que condena o ataque a Gaza (Ver Carta aberta de Uri Avnery a Barack Obama).
Em toda esta história Rui Bebiano ignora que há seis meses que Israel preparava esta intervenção, que ela tem muito a ver com as eleições que se vão realizar em Israel dentro de pouco tempo, e que provavelmente esta intervenção quer alterar a correlação de forças no Médio Oriente antes da tomada de pose de Barack Obama (ver os artigos de Tariq Ali e Michael Warschawski já citados).
Tentei trazer aqui os factos e as provas. Rui Bebiano que escreve da sua alta cátedra, sem nuca ter dúvidas, que as rebata. O inferno está cheio de “boas almas”sempre a ver as maldades alheias e nunca as suas.