28/01/2009

Andam a atirar-nos areia para os olhos. O caso Freeport (III)


Tenho o Doutro Freitas do Amaral como homem sério. Um bocadinho poseur, mas com atitudes e comportamentos com que eu, por vezes, estou de acordo. Há uma preocupação humanista expressa, por exemplo, nas críticas severas a Bush e à invasão do Iraque, quando ainda era difícil tomar essa opção, e ainda de ontem, na entrevista que deu à SIC Notícias, à acção do Estado de Israel.
No entanto, na referida entrevista, disse algumas coisas e tocou alguns violinos que, francamente, caiem mal.
Vejamos, o caso Freeport.
Porque não conhecia o processo deixou-se arrastar por uma afirmação de Ana Lourenço, a entrevistadora, que dizia que o processo era dos anos 90 e ele, tomando isso como verdadeiro, começou logo a afirmar que o pedido de licenciamento já se arrastava há dez anos. Quando é manifestamente mentira, o primeiro pedido só deu entrada em 1999. Baseado neste pressuposto começou a fazer considerações sobre o arrastar destes pedidos em Portugal, sobre a necessidade que temos de investimento estrangeiro, e que um processo destes em Inglaterra só demoraria 10 meses. Nada daquilo era verdade. Depois garantia que os promotores tinham corrigido todos os entraves à aprovação pelo Ministério do Ambiente, e foi por isso que houve um DIA favorável. Não sei se é verdade, mas, para quem conhecia tão mal o processo, garantir, com todas as letras, que isto se tinha passado, parece-me um bocado exagerado.
Mas o problema mais grave, e que ele expôs com todos os pormenores, foi de que tendo sido o Decreto-Lei assinado pelo Presidente da República e depois já referendado por Durão Barroso, coisa que ele enfatizou, chegar-se-ia à conclusão que se houve luvas teria que haver para o Presidente, Jorge Sampaio, e Durão Barroso.
Ora, parece desconhecer que pouco tempo depois o mesmo Durão Barroso assina um Decreto-lei, n.º 190/2002, de 5 de Setembro, que repõe os limites anteriores da ZPE, ou seja, anula aquele que tinha sido aprovado a três dias das eleições. Lamento, mas Freitas do Amaral, com ar de Grande Professor que tinha bem estudado as limitações da acção dos Governos de Gestão, não fosse ele um administrativista, conhecia este caso pela rama e com grande pompa e circunstância foi à televisão defender o seu amigo Sócrates.

Por tabela, lembrou outras campanhas de imprensa, misturando assuntos que nada têm a ver uns com os outros, quase que nos levando a pensar que existe uma cabala oculta dos meios de informação para destruírem os políticos.
A única conclusão que podemos tirar é que, de um modo geral, e é interessante que isto não se aplica aos casos de pedofilia – veja-se Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso –, as campanhas dos media não conseguem diminuir a popularidade dos principais visados.

Na linha das considerações anteriores, Freitas do Amaral passou depois ao panegírico de José Sócrates e aí, ao enfatizar as suas grandes obras, transpareceu um claro tom de propaganda política e de pagamento de favores. Esperava-se um pouco mais deste homem.

Parece que na noite anterior também na SIC Notícias, que em certos casos está transformada em órgão de propaganda do Governo, foi entrevistado Silva Pereira, que na altura era o Secretário de Estado com responsabilidades na elaboração do tal Decreto que alterava os limites da ZPE. Não vi a entrevista na altura e não tive possibilidades, como a do Freitas do Amaral, que fui ver hoje, de a ver. Por isso só sei o que diz o Público. Este garante que o Secretário de Estado à altura, Silva Pereira, teria dito que “o projecto obteve a DIA dois meses antes das mudanças da ZPE”. “Isto porque a DIA data de 14 de Março de 2002 e o Decreto-lei que altera os limites da ZPE é de 20 de Maio do mesmo ano. É uma falsa relação garantiu”.
Dito deste modo parece que nada havia em comum, quando é claro que, no mesmo dia em que há o despacho do Secretário de Estado a autorizar o empreendimento do Freeport, foi levado a Conselho de Ministros a proposta de Decreto-Lei para ser aprovada. É evidente, como toda a gente sabe, em Portugal, já o mesmo não se passa com as Directivas comunitárias, a data de um Decreto-lei é aquela em que este é publicado no Diário da República. Mas isso não invalida a preocupação do Governo em aprová-lo ao mesmo tempo que o processo de licenciamento do Freeport.
Eu penso que não foi a publicação do Decreto-lei que permitiu a aprovação do empreendimento do Freeport, mas que a alteração introduzida justificava a posteriori aquela aprovação. Como se sabe, e eu já repeti isso várias vezes, há uma área no empreendimento, a A, com maior carga humana e habitacional que foi retirada do limite da ZPE. Ou seja, de acordo com o que penso, como se previa aprovar o empreendimento foi-se logo introduzindo alterações no limite da ZPE, que justificassem a aprovação e de facto correspondessem à realidade existente. Não tinha sentido, que uma área completamente urbanizada estivesse incluída numa ZPE.
A Comissão Europeia não gostou desta alteração e foi já o Governo de Durão Barroso que anulou este Decreto-lei e repôs os limites anteriormente definidos. Mas o Freeport já estava a ser construído, nada havia a fazer.
Em próximo post, se entretanto não houver novidades, darei a minha interpretação de todo este caso. Só porque teve repercussões mediáticas, é que foi tão escalpelizado, pois isto é o dia a dia da administração pública: processos que não têm padrinho, arrastam-se indefinidamente porque, muitas vezes, ninguém quer assumir o ónus da autorização.

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