16/01/2012

Alguns apontamentos sobre a maçonaria

Um amigo meu encorajou-me a escrever sobre a maçonaria e sobre as notícias que ultimamente têm vindo a lume. Não o pensava fazer, mas, conjuntamente com este pedido, recebi um pequeno texto de um outro amigo sobre o mesmo tema. Nele era abordado um discurso de António Gramsci, feito no Parlamento italiano, a 16-05-1925, antes de ser preso um ano meio depois pelos fascistas, sobre um projecto de lei do governo de Mussolini que interditava as sociedades secretas. Referia-se igualmente a um artigo demolidor de Fernando Pessoa, saído no Diário de Lisboa, a 4-02-1935, a condenar medida idêntica proposta por um deputado da Assembleia Nacional salazarista.

Sobre estes dois textos escreverei a seguir, quero no entanto dar a minha impressão subjectiva sobre o que penso da maçonaria.

Depois de ver na TV o António Reis de avental a encaminhar-nos na Loja maçónica do Grande Oriente Lusitano, ali ao Bairro Alto, fico com a ideia que estou perante um conjunto de adolescentes a brincarem às sociedades secretas. É evidente que todo este ritual e a simbologia que resulta do décor e dos instrumentos utilizados estão também presentes nas diversas religiões, pelo menos naquela que conheço melhor, que é a católica. As missas, o altar, as hóstias, o cálice com o vinho, a própria igreja e os seus santos, todos eles têm uma simbologia adequada, no entanto, ninguém estranha, nem ninguém deixa de ser católico pelo ridículo do ritual, ou, talvez, eu esteja enganado. Há muita gente que se diz seguidora dos ensinamentos de Cristo e da Bíblia e não participar nas suas manifestações simbólicas. Seja como for, a minha opinião sobre os rituais da maçonaria mantém-se.

Há tempos fui proferir uma conferência a um grupo de “rotários” que se reunia regularmente em jantares. A conferência era sobre o meu trabalho como biólogo, mais concretamente sobre organismos geneticamente modificados (OGM). Quando dei por mim vi-me envolvido numa série de práticas não tão absurdas como as da maçonaria, mas igualmente ridículas, que me causaram algum mal-estar, mas, como não queria ser indelicado para quem me tinha convidado, aceitei participar nelas. Não sei se na maçonaria também se verifica o mesmo, quando, nos seus encontros, convida algum “profano” a dar uma conferência? Como nunca fui a nenhuma, desconheço.

O texto de Gramsci que o meu amigo referia era a intervenção daquele no Parlamento Italiano, nessa altura já dominado pelos fascistas. O texto está publicado em português (Escritos Políticos, vol. IV, Seara Nova, 1978).

Gramsci afirma que a maçonaria, “dada a fraqueza inicial da burguesia capitalista italiana”, “foi o único partido real e eficiente que a classe burguesa teve por muito tempo” (pag. 30). Hoje, sabendo-se que os principais próceres do liberalismo português, do século XIX, eram mações, não andaremos muito longe da realidade se afirmarmos que o mesmo aconteceu em Portugal. Quem eram, em Itália, os principais inimigos desta política seguida pela burguesia maçónica? Era o Vaticano e os jesuítas que defendiam as “velhas classes semi-feudais, tendencialmente burbónicas no Sul ou tendencialmente austriazantes no Lombardo-Veneto” (pag. 31). Para os cinéfilos podemos recorrer a dois exemplos marcantes destes dois casos que nos são dados pelos belos filmes de Visconti, O Leopardo, sobre os agrários do Sul, que provisoriamente fizeram uma aliança com a burguesia em ascensão, e o Sentimento que nos mostra a resistência dos patriotas burgueses contra as classes aristocráticas amigas dos austríacos. E continua Gramsci “a lei contra a maçonaria não é prevalentemente contra a maçonaria, o fascismo chegará facilmente a um compromisso comos mações” (pag. 36), “a lei é feita especialmente contra as organizações operárias” (pag. 37).

O meu amigo só tinha feito referência ao discurso de Gramsci no Parlamento italiano, mas eu lembrava-me de já ter lido qualquer coisa daquele revolucionário sobre o Rotary Club e a Maçonaria. Assim, nos Cadernos do Cárcere, na parte dedicada ao Americanismo e Fordismo (vol. IV, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2007) Gramsci afirma que o “Rotary é uma maçonaria sem os pequeno burgueses e a mentalidade pequeno-burguesa” (pag. 248), e mais adiante afirma “o Rotary não pode ser confundido com a maçonaria tradicional, sobretudo com a dos países latinos. Trata-se de uma superação orgânica da maçonaria e representa interesses mais concretos e precisos. Característica fundamental da maçonaria é a democracia pequeno-burguesa, o laicismo, o anticlericalismo, etc. O Rotary é a organização das classes altas e só se dirige ao povo indirectamente. É um tipo de organização essencialmente moderna.” (pag. 298) E depois continua desenvolvendo este tema, que só por limitações de espaço não transcrevo.

Depois da leitura deste pequeno trecho de Gramsci percebe-se porque é que os nossos republicanos eram na sua maioria mações e como essa tendência prevaleceu no PS, estendendo-se hoje, já muito desligada da realidade inicial, à pequeno-burguesia arrivista do PSD.

Depois de lido esta posição de Gramsci e o delicioso ataque de Fernando Pessoa ao deputado da Assembleia Nacional que propôs a proibição das associações secretas (texto para o qual forneço link), só me resta acrescentar que a posição da Ministra da Justiça e a facilidade com que alguns partidos da esquerda deram cobertura a tais posições, ou seja, o dos mações candidatos a cargos públicos terem de declarar se pertencem ou não a tal associação, são hoje intoleráveis, porque na prática visam menorizar a liberdade de associação e, em último lugar, as associações políticas e partidos não favoráveis ao Governo. Depois do Expresso relatar uma reunião dos deputados do PSD em que estes chegaram a pedir a criminalização dos jornalistas e alterações à Lei de Imprensa, porque não gostaram da forma como esta tratou a nomeação de boys para os cargos públicos, tudo já é possível.

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