30/11/2008

As trafulhices do Público


A história que vou contar passou-se no Público, mas nada impedia que se tivesse passado noutro jornal qualquer
O Público, do dia 27, relata, pela pena de São José Almeida, que as Esquerdas organizam-se em debates como alternativa à criação de um novo partido político.
Logo de início afirma: “aparentemente sem que haja vontade suficiente e consequente para que apareça um novo partido político à esquerda, várias personalidades com filiação partidária no PS, no PCP e no BE envolvem-se em debates e iniciativas públicas para buscar respostas para a crise social e económica.” Já se sabe que depois, no resto do artigo, nada permite que se retire a conclusão porque é que não há vontade politica para criar um novo partido político. Mas isso pouco interessa para quem tem como objectivo especular sobre a esquerda e permitir assim aos leitores do jornal terem a sensação de estarem bem informados.
Mas isto é o menos importante, apesar de ter servido de título ao artigo, o principal é ter juntado no mesmo corpo da notícia três debates que nada têm de comum, a não ser serem protagonizados por gente da esquerda.
Um dos citados, e o mais disparatado no âmbito da notícia, foi a apresentação do livro de Celso Cruzeiro, A Nova Esquerda, como mais um debate relacionado com os outros dois. Se um autor junta, para lançamento do seu livro, e eu penso até que foi mais por pressão da editora, três personalidades de vários quadrantes da esquerda portuguesa. Neste caso Francisco Louçã, Paulo Fidalgo, que não é nomeado – não dá prestígio à notícia – e Paulo Pedroso, que foi defendido pelo advogado, autor do livro, aí temos a esquerda em debate, como alternativa à criação de um novo partido. Joana Lopes, no seu blog, já tinha denunciado as notícias completamente disparatadas que tinham a aparecido sobre este lançamento.
Depois temos o fórum, na Aula Magna, em Lisboa, no dia 14, sobre Democracia e serviços públicos, organizado pelos mesmos que participaram na festa-sessão do Trindade. Esta realização merece, de facto, destaque especial, dado que junta, como já tinha sucedido anteriormente, a esquerda do PS (Manuel Alegre), o Bloco de Esquerda, Renovadores Comunistas e independentes, contando com a participação de Carvalho da Silva, esta sim a novidade, a dirigir a mesa sobre o Trabalho.
Por último, temos uma iniciativa de um grupo que se designa por Ideias de Esquerda e que resolveu há já bastante tempo, e antes de ser conhecida a iniciativa da Aula Magna, promover um debate plural sobre o tema Crise, oportunidade de viragem. Para onde queremos ir?, que junta, ou juntava, Jorge Sampaio, António José Seguro, Carlos Carvalhas, e o economista do blog Ladrões de Bicicletas, Ricardo Pais Mamede. Esta iniciativa tem lugar a 15, no Hotel Zurique, também em Lisboa.
Só por mera coincidência é que todas estas iniciativas acontecem num curto espaço de tempo. Mas a sua origem é bastante diferente. Era isto que uma jornalista séria e não desejosa de especular deveria ter dito. Poderia até entrevistar os responsáveis pela organização do Hotel Zurique e saber quem são e o que pretendem com aquela iniciativa. Já se sabe isso daria muito trabalho e não permitiria tanto fogo de vista.
Perante esta notícia, Carlos Carvalhas recusa participar, não fosse alguém pensar que ao debater com personalidades tão insuspeitas como Jorge Sampaio ou António Seguro, estivesse na Aula Magna a discursar juntamente com Manuel Alegre ou Manuel Carvalho da Silva. Mas as acções ficam com quem as pratica.
Para agravar este disparate pegado, o Público, de 29, pela pena, com certeza de uma estagiária(o), que assina LA, escreve este mimo, “Carlos Carvalhas, ? secretário-geral da CGTP ?, já não vai ao debate, de 14 de Dezembro, em que estaria lado a lado com Manuel Alegre (PS) e Ana Drago (BE). A informação foi ontem prestada em comunicado pelo Gabinete de Imprensa do PCP. Justificação: "não participará nesse debate, para o qual foi convidado, em circunstâncias e num quadro bem diferente daquele a que agora se procura associá-lo."Nota do PCP cita a notícia do PÚBLICO da passada quinta-feira em que é afirmado que "esquerdas organizam-se em debate como alternativa à criação de um novo partido". A notícia, diz o PCP "dá conta do chamado Fórum da Nova Esquerda, no âmbito da qual se associava a participação de Carlos Carvalhas num debate sobre a crise mundial", daí que o PCP tenha achado que o seu militante não deve participar. O debate em causa vem na sequência do encontro de Junho, no Teatro da Trindade, que juntou Alegre, dirigentes do BE e outras pessoas de esquerda. O PCP não se associou a este encontro.”
É a trafulhice completa, que revela a incompetência e a ignorância de um(a) estagiária(o) e de quem, ao menos, devia ler o que ela(e) escreveu. Podemos dizer que nunca em tão pouco espaço se disseram tantas mentiras. Estou curioso para ver se a notícia é desmentida na rubrica “O Público errou”.
Assim vai a nossa imprensa dita de referência.

PS.: Já este post estava redigido quando vi o do Vítor Dias, em O Tempo das Cerejas. O assunto é o mesmo, a denúncia de um jornalismo trapalhão, simplesmente os objectivos são diferentes. Enquanto que eu critico as notícias do Público, Vítor Dias, sem esquecer isso e até atribui um nome ao responsável, tenta defender o seu camarada Carlos Carvalhas, que alegando intenções ocultas, desmarca um compromisso já assumido. Vítor Dias no seu post junta tudo, jornalismo trapalhão e políticos oportunistas, que, feitos uns com os outros, pretendem confundir a opinião pública. Gente séria e honesta só Vítor Dias e os seus amigos do PCP.
E a propósito de gente séria, veja-se mais uma das tradicionais bicadas do Vítor Dias, que no seu blog, O Tempo das Cerejas, fala que o Esquerda.net indica como promotores do Fórum Manuel Alegre e Carvalho da Silva, e que não estariam na lista aí publicada. Esqueceu-se foi de dizer que o Esquerda.net fala em “promotores e participantes” o que é bem diferente da piadinha que faz.

Depois de ouvir o discurso de Jerónimo de Sousa sobre Manuel Alegre e o Bloco de Esquerda, que Vítor Dias subscreve de certeza, fico com a ideia clara de que com este PCP, sectário e autista, não se pode ir a parte nenhuma.

29/11/2008

Que "alegria" ver confirmadas as nossas opiniões


Foi hoje publicado no Jornal de Notícias um artigo de Ana Paula Correia e Paulo Martins sobre a A velha e a nova guarda do PCP, em que, para além das opiniões expendidas, que me abstenho de comentar, se pede ao historiador do “movimento comunista” João Madeira para se pronunciar sobre as Teses apresentadas ao XVIII Congresso do PCP. Diz aquele historiador, pela pena dos autores do artigo citado, o seguinte: “no plano estratégico, regridem no tempo. Embora inspiradas na tradição de Cunhal, vão mais atrás: a ideia de Frente Popular, da procura de aliados numa perspectiva unitária, para criar uma maioria de Esquerda, é substituída pelo reforço do partido, força de vanguarda. Constata-se "um esforço muito forte de hegemonia, num quadro de recomposição da Esquerda", sublinha o historiador.
Trata-se de uma posição de "classe contra classe", que deve ser lida no contexto de maioria absoluta do PS. É a primeira vez que o PCP se reúne em congresso tendo este cenário em pano de fundo. Mas, como acentua João Madeira, aquele posicionamento fora já ensaiado em 2004
.”
Destas declarações retenho a regressão em relação à ideia de Frente Popular, defendida, segundo aquele autor, por Cunhal, e o reafirmar da posição de “classe contra classe”, que foi defendida pela Internacional Comunista no início dos anos 30, antes de ser aprovada no VII Congresso daquela organização, em 1935, as propostas de Frente Popular.
Lido isto, que parece simples, constatei que as ideias expostas eram semelhantes a àquelas que eu tenho vindo a defender relativamente ao PCP actual. Assim, em artigo de Julho de 2007, intitulado O Desvio Esquerdista e Sectário da Internacional Comunista (1929-1934), comparava posição da Internacional daqueles anos em que era defendida, entre outras, a posição de “classe contra classe” com as atitudes sectárias do actual PCP. E noutro artigo, mais recente, de Junho de 2008, com o título O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril , chamava a atenção para que as propostas defendidas pelo PCP e por Álvaro Cunhal para “a revolução democrática e nacional” eram inspiradas nas teses do VII Congresso da Internacional Comunista, sobre a Frente Popular, e que contrastavam muito com as posições leninistas, de ruptura revolucionária, ultimamente defendidas por aquele partido.
É pois com "grande alegria" que vejo um reputado historiador do movimento comunista fazer uma crítica às posições do actual PCP que se assemelham às que eu, modesto aprendiz destas andanças, tenho formulado.

“Substituir uma fezada por outra” ou a conversão de António Gramsci


Nesta ânsia de estarmos permanentemente a actualizar os nossos blogs somos muitas vezes levados pela análise superficial, pela piada dita engraçada, pelo comentário sem substância. Eu próprio sou arrastado pela necessidade de todos os dias assinar o ponto e por isso de me perder na espuma dos dias.
Vem tudo isto a propósito de um post que Joana Lopes inseriu no seu blog sobre uma pretensa conversão de António Gramsci no leito de morte à Santa Teresinha do Menino Jesus. A novidade foi dada por um arcebispo italiano, a imprensa daquele país rapidamente pegou nela e vem reproduzida no Público.es de Espanha.
Rui Bebiano enquadra-a perfeitamente e considera-a que se trata “de uma provocação anticomunista, digna dos melhores tempos da Guerra Fria.” Eu não diria melhor, mas não deve andar muito longe das provocações católicas, que sempre utilizaram Fátima com essa mesma finalidade, inclusive a da conversão da Santa Rússia.
Mas o que nos diz Joana Lopes “A ser verdade, não foi o primeiro – e não terá sido o último – a substituir uma fezada por outra. (Amanhã, vou ler o Avante! com uma atenção redobrada.)”
Sem considerar que há personagens intocáveis, encontramos pelos menos alguns pensadores e políticos que pelo seu sacrifico pessoal, pela sua postura, e pela sua inteligência – o juiz fascista que o condenou à prisão dizia que era necessário impedir este homem de pensar – que merecem um pouco mais de rigor na apreciação das suas vidas. Não se pode impunemente, a propósito de António Gramsci, dizer que substituiu uma fezada por outra.
Gramsci foi sem dúvida nenhuma, entre os intelectuais que foram responsáveis por aquilo que se costuma designar por “marxismo ocidental”, um dos pensadores mais originais e que mais se distanciaram da visão estalinista do mesmo. Os conceitos que desenvolveu de “hegemonia”, de “bloco histórico” ou o de “guerra de posição”, aquela que corresponderia à luta possível da classe operária ocidental, são hoje extremamente importantes na luta política.
Nos comentários ao post de Joana Lopes há logo alguém, um erudito em relação ao que se publica em inglês, que vem afirmar que está ser editado naquela língua uma edição crítica dos “Cadernos do Cárcere”, tendo já sido editado o terceiro volume. Pois eu informo que no Brasil, em português, já existe uma edição daqueles Cadernos em seis volumes, dirigidos pelo gramsciano Carlos Nelson Coutinho (edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001), que escreveu igualmente, para quem estiver interessado, um estudo sobre o pensamento político Gramsci (Gramsci – um estudo sobre o seu pensamento político, Civilização Brasileira, 1999)
Para terminar lembraria à Joana Lopes que só por grande ironia é que o Avante! dedicaria algumas linhas a Gramsci, pois o apego do PCP ao marxismo-leninismo há muito que impediu de pensar e encarar outras correntes do marxismo.
PS.: é evidente que esta crítica ao post da Joana Lopes não invalida a qualidade do seu blog, nem o belo trabalho que tem desenvolvido em Caminhos da Memória.

25/11/2008

Ainda o Congresso sobre Marx e os engulhos da direita


Nunca uma iniciativa cultural da esquerda, principalmente daquela que está próxima do Bloco de Esquerda, mas poder-se-ia referir as intermináveis conferências do PCP sobre as realidades económicas, sociais, culturais, etc., tinha merecido uma resposta tão pronta e acirrada da direita. Não a direita dos blogs, mas aquela que os jornais ditos “sérios” abrigam nas suas páginas
Comecei um post anterior com a citação de um artigo de Vasco Pulido Valente (VPV), que este publicou no Público, ainda o Congresso sobre Marx estava a decorrer. O tom estava dado. A direita sentia-se como que arrepiada por alguém vir revisitar Karl Marx e alinhavou então uma série de chavões e velhos preconceitos contra aqueles que nos nossos dias em ainda se consideram marxistas ou inspirados em Marx.
Uma semana depois Bruno Peixe e José Neves, membros da Comissão Organizadora do Congresso, respondem-lhe no Público e de forma lapidar consideram que o seu artigo “é simplesmente sinal da sua actual incompetência e desqualificação intelectual”. Eu não diria melhor. E mais, considero que ao desqualificar o artigo de VPV contribuem para desmascarar um dos fenómenos mais aberrantes que se tem imposto na imprensa de referência, que é o de aceitar-se como boas as opiniões de gente que produz, para gáudio de alguns, as maiores boçalidades sobre a realidade presente.
Mas não se ficou por aqui a ofensiva da direita. Henrique Raposo, no Expresso, passa também ao ataque com um artigo com um título sugestivo, "Striptease" marxista. A prosa é pior do que a de VPV, aqui já passa ao ataque pessoal, “ao professor doutor a agir como uma beata de aldeia”, que dá “um espectáculo que apela à piedade”. Para este douto comentador “a beata reza aos seus santinhos” e “o beato vermelho faz colóquios sobre a actualidade de Marx”. E depois não resiste à denúncia “o muro não caiu nas universidades portuguesas. Os marxistas portugueses que defendiam a URSS e outros regimes similares permanecem nos departamentos de humanidades, e continuam a fabricar mentiras”.
Para alguém como eu que já viveu muitos anos e conheceu esta senha pidesca de denunciar aqueles que nas universidades espalhavam a subversão contra o regime fascista – veja-se a prosa do Diário da Manhã, de A Voz ou do Novidades – isto não é novo, é a boçalidade daqueles miseráveis tempos a vir novamente ao de cima. Se hoje algum dos presentes no Congresso sobre Karl Marx propusesse o saneamento por reaccionarismo militante do Sr. Rui Ramos, um dos pais espirituais desta gente, vinha o mundo a baixo que estavam novamente a ressuscitar os saneamentos selvagens. Mas quando estes comentadores, sem qualquer pudor, denunciam os professores doutores, que ainda ensinam na universidade, e que no seu comportamento cívico têm opiniões que se podem considerar marxistas, e organizam um Congresso com a finalidade de as discutir, são logo apontados ao opróbrio público como incapazes e mentirosos para ensinar os nossos adolescentes.
Mas mais, eu que normalmente não frequento os blogs de direita, fui encontrar deste mesmo senhor esta bonita prosa, no Atlântico, num post denominado A vergonha marxista nas escolas, onde se dizia “Os manuais de História do nosso ensino são uma vergonha. Não são manuais escolares: são cartilhas ideológicas feitas por “professores” que devem acumular funções no ministério da educação e no PCP/BE.” Prosa esta que vem na linha do que outra sirigaita, que também anda metida com este blog, chamada Helena Matos, costuma escrever no Público.
O que mais me indigna é que estas coisas sejam ditas por gente que é aceite normalmente como tendo opiniões discordantes das nossas, quando no fundo o seu comportamento visa, no mínimo, inibir a expressão daqueles que se reclamam do marxismo ou da esquerda, ou então para sua glória expulsá-los das Universidades, das escolas, dos manuais, de todos os locais onde ainda possam influenciar a juventude.
Por último não podia faltar o senhor Pacheco Pereira, mais comedido. Depois de um longo artigo, em que repete aquilo que ele já fez muito bem, quando foi da crise da Ponte 25 de Abril, a propósito de alguém que se tinha que levantar cedo para atravessar a Ponte e vir trabalhar em Lisboa, lá vem a ferroada sobre o Congresso de Marx. Diz então o Sr. Pacheco Pereira na sua última crónica no Público: “Os tempos estão difíceis, mas os que nos vêm outra vez com o Marx deles, e com o Estado e com o "diálogo", estão-nos a vender produtos tão tóxicos como o subprime. Parece uma Alemanha de Weimar cansada e ainda mais triste.” Aqui insinua-se que quem vende Marx neste momento está a vender um produto tóxico e contribui provavelmente para que Portugal atravesse tempos semelhantes aos da República de Weimar, que favoreceu a ascensão do nazismo. Esquece o Sr. Pacheco Pereira que o nazismo foi uma forma do capitalismo sair da crise que se vivia desde 29, e que hoje não é com receitas iguais, que essas conduzirão inevitavelmente a uma saída direita, que se poderá ultrapassar esta crise que os seus amigos do outro lado do Atlântico lançaram o Mundo.
O fantasma de Marx continua ainda a percorrer a Europa.

20/11/2008

Um marxista perdido num Congresso sobre Marx


A direita, pela voz Vasco Pulido Valente, não reservava grande futuro a um Congresso que neste momento discutisse Marx: “seria sempre uma reunião um pouco saudosista e patética” (ver aqui). Já se sabe que este era o desejo de uma dos seus mais enfatuados representantes, mas não foi isto o que de facto aconteceu.
Foi um Congresso vivo, bastante participado, com uma variedade de temas e de comunicações que abrangiam quase todas as áreas do saber. Esta foi sem dúvida uma das suas principais características e aquela que mais se deve realçar.

1 - A organização
As organizações responsáveis pela realização do Congresso foram a Cultra – Cooperativa de Cultura Trabalho e Socialismo, a Transform! - European Network for Alternative Thinking and Political Dialongue e o IHC – Instituto de História Contemporânea.
O Congresso era composto por painéis, com quatro ou cinco a funcionarem à mesma hora, com três comunicações cada um, e quatro sessões plenárias com intervenções de convidados. Havia tradução simultânea do inglês, do francês e, penso que, do espanhol para português. A participação de estrangeiros, principalmente de brasileiros e de espanhóis foi extraordinária.
Pretendeu-se seguir um modelo abrangente para este Congresso, o que tendo sido uma opção correcta, obrigou, a quem quisesse seguir com alguma atenção o que se passava em cada um dos painéis, a uma verdadeira maratona, acabando sempre por falhar aquele, que depois vinha a saber, tinha sido o mais apelativo.
Mesmo pessoas interessadas, como este vosso comentador, que previamente estudaram o programa e escolheram os painéis que lhe poderiam interessar, chegaram ao fim com a sensação que falharam o que mais importante foi dito. Não sei que solução dar a este fenómeno de grande desejo comunicacional manifestado pelos marxistas, mas, verificando-se que em quase todos os painéis houve faltas de comparência de alguns comunicantes, não teria sido possível reduzir o seu número, fazendo uma selecção mais apertada de modo a garantir que as ausências não perturbavam o andamento dos trabalhos
Quanto ao critério seguido, de só no final de todas as comunicações apresentadas em cada painel é que se iniciava a discussão das mesmas, sendo do ponto de vista de redução de tempo muito mais eficaz, obrigava a não se poder saltitar de painel em painel, pois se se queria assistir à discussão das comunicações apresentadas, e que muitas vezes era a parte mais interessava aos participantes, tinha que se assistir a todas as outras comunicações daquele painel.

2 – O conteúdo
2.1 - O sentido político
Dito isto quanto à organização, passemos ao conteúdo do Congresso.
Em primeiro lugar gostaria de fazer uma apreciação política de um observador desprevenido e que não conhece os meandros da sua realização, nem a maioria dos comunicantes.
Esta foi uma organização de pessoas ligadas ao Bloco de Esquerda que apareceu com quase toda a sua Direcção. No entanto, tem que se reconhecer que os convidados, a maioria eram estrangeiros, e muito dos comunicantes não estavam de modo algum ligados aquele Partido, nesse sentido foi interessante, contar com intervenções de José Barata-Moura, que foi convidado, ou com as comunicações de Manuel Carvalho da Silva ou de António Filipe, que segundo me disseram não apareceu para apresentar a sua.
Por isso, o Bloco de Esquerda está de parabéns pois esteve presente em força, mostrando uma visibilidade e vitalidade, capaz de mobilizar professores da academia, alunos, que apareceram em número significativo, e velhos e menos velhos “revolucionários” dos grupos ML, mas não só, que há muitos anos acompanham com interesse este tipo de problemas.
Podemos também afirmar que o PCP, como organização, esteve completamente ausente, apesar de estarem presentes militantes seus, e que aqueles que no PS ainda se reclamam de esquerda e marxistas primaram também pela falta de comparência.

2.2 – As comunicações
2.2.1 – Sexta à tarde

Passemos à descrição das comunicações e à sensação que eu tive durante todo o Congresso de que passei ao lado das mais importantes. Sigamos por isso o meu roteiro, que, pelos motivos expostos, pode não ter sido o melhor. (Ver o programa aqui).
A abertura teve lugar sexta-feira ao fim da tarde, com intervenções dos representantes de cada uma das organizações responsáveis pelo Congresso. Passou-se de imediato aos paneis. Escolhi Estado e a Sociedade. Começou por uma intervenção de Diana Raby, que conhecia com o nome masculino de Dawn Raby (tinha mudado de sexo) e que escreveu um livro bastante interessante e objectivo sobre a Resistência Antifascistas em Portugal, 1941/74” (Edições Salamandra, 1988). A sua intervenção versou principalmente sobre as questões da América Latina e acima de tudo sobre a Revolução Bolivariana. A autora, bastante segura, deu uma ideia muito favorável daquela Revolução o que, na altura da discussão, provocou alguns engulhos a vários revolucionários encartados que estavam presentes. Sempre considerei negativo pronunciarmo-nos sobre assuntos que não conhecemos e muito mais darmos conselhos sobre o modo de fazer a Revolução a quem a realiza a milhares de quilómetros de distância.
Seguiu-se a intervenção António Louçã, por sinal a última, já que o orador anterior tinha faltado, que defendeu a perspectiva leninista de que o Estado é sempre um Estado de classe, e que a democracia burguesa não passa do domínio da burguesia sobre as outras classes sociais. Citou exemplos, falou dos Conselhos, quer dos Sovietes, quer das estruturas revolucionárias semelhantes criadas na Europa Ocidental no pós-primeira Guerra Mundial. Pareceu-me uma intervenção extremamente ortodoxa, incapaz de compreender as novas discussões sobre o papel do Estado. Conhecia António Louçã como historiador empenhado, principalmente o caso do ouro dos judeus que serviu para Hitler pagar a Portugal as suas dívidas, e muitos outros livros alusivos à relação de Portugal com a Alemanha nazi, um deles já por mim comentado (O Segredo da Rua do Século, Ligações perigosas de um dirigente judeu com a Alemanha nazi (1935-1939, Fim de Século, 2007), mas desconhecia esta faceta de militante político, muito preso a um leninismo já, quanto a mim, completamente ultrapassado. A sua intervenção motivou alguma discussão, em que se retomam velhos problemas que ciclicamente regressam, parecendo sempre não estarem resolvidos. Abordarei este tema no painel a que assisti no Sábado de manhã.
Por último tivemos o Plenário desse dia. Uma das intervenções era em inglês a outra em francês. Como não compreendo bem o inglês recorri à tradução simultânea. Mas com a longa experiência que já levo de traduções simultâneas, ou estamos muito dentro dos assuntos e a reunião é de trabalho ou então perdemo-nos na tradução, acompanhando dificilmente as divagações dos autores. Foi o que me aconteceu com a intervenção nesse Plenário de Alberto Toscano, que falou em inglês sobre a religião e o marxismo. Houve depois uma intervenção, em francês, de Paolo Virno de carácter muito didáctico sobre o comum e o universal, em que me pareceu que o autor compartilhava as formulações de Negri no seu livro “Multidão”. O tema não me interessava muito, mas foi fácil seguir o raciocínio do autor. Ver sobre o mesmo a wikipedia. Depois de ouvi-lo e ler o que aquela enciclopédia virtual diz sobre o mesmo, chega-se à conclusão que há mais mundos do que aqueles que resultam da cultura franco e anglo-saxónica. Ainda bem.

2.2.2 – Sábado
Nove e trinta da manhã. Uma violência. Consegui estar a horas e ouvir os intervenientes num dos painéis que mais me interessava: História do Comunismo em Portugal. Comunicação inicial de Ricardo Noronha, que abordou os textos de ruptura com o PCP de Francisco Martins Rodrigues (FMR), principalmente aqueles em que ele critica as posições “conciliadoras” daquele Partido para com a burguesia. Pretendendo ser uma análise distanciada dos factos e das opções daquele revolucionário, mostra sem dúvida alguma afinidade para com as suas críticas, considerando-as, em comparação com as posições do PCP, como as únicas verdadeiramente leninistas, o que não deixa de ser verdade, se considerarmos com boas as premissas de análise que FMR faz da sociedade portuguesa, o que não me parece.
Seguiram-se depois duas comunicações, já por mim referidas a propósito do 1º Colóquio sobre Os Comunistas em Portugal. A primeira era relativa ao Estado e à posição do PCP sobre o mesmo, e que segundo a proposta inicial do autor, António Simões do Paço, abarcaria o período que vai da “reorganização” de 1941 à revolução de Abril de 1974, limitando-se, no entanto, a sua comunicação a fazer principalmente a apreciação do opúsculo de Álvaro Cunhal A Questão do Estado, a Questão Central de Cada Revolução.
Incidindo a sua crítica e análise na visão que o PCP tinha do Estado português, como imperialista e simultaneamente dependente do imperialismo estrangeiro, esqueceu-se que aquele partido também o considerava como representando os grandes grupos monopolistas, opondo-lhe, por isso, uma aliança das camadas anti-monopolistas. Daí as suas propostas de unidade com os representantes da burguesia democrática.
A segunda, de Miguel Cardina, era sobre os grupos maoistas em Portugal entre 1964 e 1974.
A discussão foi bastante interessante, mas falarei nela na sequência do comentário ao painel seguinte, que teve lugar na mesma sala. O tema do painel era A Revolução Portuguesa de 1974/75, uma das comunicações era de Raquel Varela, O PCP no PREC, e outra de Manuel Loff. O terceiro orador, segundo ouvi dizer, teria faltado. Foi deliberadamente que não fui. Já conhecia as opiniões da Raquel Varela, que tinha apresentado uma comunicação semelhante no Colóquio sobre os Comunistas, e de quem discordava completamente (ver o site anteriormente referido). Achei que não havia necessidade de tanto masoquismo e por isso fui ouvir pacatamente o meu amigo e militante do PCP, João Arsénio Nunes. Disseram-me depois que o painel tinha tido interesse e de facto acabou bastante tarde, provavelmente devido às discussões que lá se travaram.
Não querendo ser injusto em relação às comunicações que não ouvi, e sobre as quais não me posso pronunciar, apercebi-me, no entanto, que o sentido geral de certas intervenções no primeiro painel da manhã, que já vinha do dia anterior, com o António Louçã, e que transparecia muito nas intervenções do público, era de um ajuste de contas com algum passado mal resolvido. Muitas das interpretações que se apresentaram resultavam das visões “esquerdistas” sobre a nossa Revolução e consistiam num ataque a um partido, o PCP, que, por sua própria culpa: não está presente, não favorece a investigação, não abre os arquivos, permite que os outros falem por ele. Tem-se pois a sensação que é a vingança póstuma de um grupo, que tem hoje muito mais força política, mas que pensa e actua de modo completamente diferente, sobre um partido ideologicamente débil, sectário e autista. Verifico com tristeza, que alguns dos acontecimentos pretéritos, que já deviam ser observados com algum distanciamento histórico, ainda são objecto de confronto ideológico, e neste caso, como no Colóquio sobre os Comunistas, por um único dos lados.
Nessa mesma manhã falaram também Carlos Pimenta, um professor da Faculdade de Economia do Porto, com estudos publicados sobre a economia portuguesa, e o Manuel Carvalho da Silva, sobre o qual se dirigiram todos os holofotes. Já se sabe, perdi os dois.
Na sessão plenária da manhã houve três intervenções extremamente interessantes, duas de dois investigadores espanhóis sobre a transição em Espanha e a actuação dos Movimentos Sociais e a terceira, de Fernando Rosas, sobre a Memória e Histórica. Ressalto a sua condenação firme e decidida do historiador de “extrema-direita” Rui Ramos, que ao considerar as atitudes anti-democráticas da República iguais às do fascismo não pretende mais do que desculpabilizar este e valorizar a Monarquia. Eu, que há muito venho travando um combate solitário contra aquela personagem, veja-se, entre outros, este post, fiquei deveras satisfeito, como dizem os brasileiros de “papo cheio”.
Na parte da tarde, estive no painel sobre Correntes marxistas onde pensava assistir a uma comunicação sobre Otto Bauer e o austro-marxismo, assunto, que me interessa particularmente, pois é, a par de Gramsci, outra forma de pensar a intervenção política após a derrota da Revolução na Europa Ocidental a seguir à I Guerra Mundial. O orador faltou. Ouvi unicamente um brasileiro, Leandro Galastri, falar sobre a influência de Sorel em Gramsci, que teve o interesse de atribuir à influência daquele teórico do sindicalismo revolucionário alguns conceitos gramscianos, como, por exemplo, o de bloco histórico. Por último a de Fernando Oliveira Baptista, que foi ministro num dos Governos do Vasco Gonçalves, que estabeleceu a relação entre camponeses, que não são assalariados rurais, e marxismo. Bem interessante.
Saltitei depois para outro painel sobre Estado e Violência, onde ouvi parte da comunicação de Valério Arcary, meu conhecido do Colóquio dos Comunistas, que, com aquele à vontade típico dos brasileiros, falou da experiência política actual sul-americana. Só pela fluência e graça valeu a pena assistir. A outra comunicação era de um jovem sobre a luta armada na Itália e na Alemanha na década de 70. Nada a assinalar.
O dia estava terminado. Fiquei sempre na dúvida se perdi as comunicações mais interessantes.

2.2.3 – Domingo
Tentei chegar do Domingo a horas, ia-se discutir Marxismo, Ambiente e Ciência.
Já apanhei a comunicação de uma jovem, Rita Calvário, a meio. Tentava estabelecer uma ligação, por vezes bastante difícil, entre luta ecológica e luta de classes. Penso que conseguiu. O segundo orador faltou, o que foi a prática corrente em quase todos os painéis.
Seguiu-se aquela comunicação que mais me interessava, de Alda Sousa, Os desafios da genética e a esquerda no século XXI. A comunicação estabelecia uma relação entre a investigação em genética e a sua aplicação política e ideológica. Falou da eugenia e da esterilização forçada não só na Alemanha nazi, mas igualmente nos Estados Unidos e na Suécia, do caso Lyssenko, mas também do actual aproveitamento que as multinacionais fazem de testes genéticos para tudo e para nada e do patenteamento dos genes. Comunicação bastante interessante, que quanto a mim pecou por estabelecer uma ligação muito intima entre a investigação nesta área e o seu aproveitamento ideológico e político. É evidente que os biólogos também participaram nestes desvarios, mas a relação entre geneticistas e política é, quanto a mim, mais complexa do que as formulações apresentadas.
Foi o painel, daqueles em que estive presente, com menor participação. Mas ao assistir, por razões da minha formação profissional a estas comunicações, perdi a da Ana Barradas, que alguém me disse, provavelmente injustamente, que era como ter ido assistir a uma missa. Perdi igualmente as do Luís Fazenda e do J. P. Avelãs Nunes, que me disseram que tinha sido muito reaccionária. Não posso garantir.
Na segunda parte da manhã assisti ao painel Marx, Estado e Revolução em que Fernando Dores Costa pôs o jovem Marx a criticar o jacobinismo e a defesa que este movimento político fazia da “razão de estado”. Comunicação interessante para quem, como eu, tendo uma ideia do que diz o jovem Marx, desconhecia estes textos claramente humanistas e críticos de algumas das posições jacobinas. Depois houve uma comunicação em francês de uma brasileira, que falava mal o português. Foi um “bocadinho” difícil de a acompanhar.
Faltei a uma de Eduardo Chitas sobre Marx e a Unidade Material do Mundo e a um painel que se debruçava sobre os Problemas de História do Século XX Português, qualquer deles me interessava.
A manhã termina com a comunicação, que parece ter sido a que mais repercussão teve na imprensa, de José Barata-Moura, que tinha sido convidado para a terceira sessão plenária. Esta abre com uma comunicação, em inglês, sobre alguns conceitos da obra de Walter Benjamin. Esqueci-me de previamente ir buscar os auscultadores para acompanhar a tradução simultânea e estive todo o tempo a olhar para o relógio, saí antes do tempo. Eram quase duas horas da tarde e o Barata-Moura ainda não tinha começado. Fui almoçar. Cultura sim, mas não tanto. Soube depois que tinha sido uma lição bastante interessante, mas muito professoral. São opiniões, que não sei se as partilharia.
Tarde de Domingo. O Fernando e a Rosa Redondo iam falar sobre a sua tese Do capitalismo ao digitalismo, sobre a qual já publicaram um livro. Grande qualidade de exposição, mas com alguns conceitos controversos que mereceram discussão na sala. Depois de tudo falado e discutido não sei se o novo modo de produção que propõem não será mais capitalismo revestido de outras formas. No entanto, cabe-lhes o mérito de levantarem o problema. Depois fui assistir à comunicação do Statter, da Renovação Comunista, sobre a actualidade da lei do valor. Irá ser publicada rapidamente no site da Renovação. Decorria ao mesmo tempo a do Fernando Ramalho, esta já publicada.
O dia e o Congresso terminaram com o quarto e último plenário.
A primeira comunicação, em inglês, referia-se a um investigador argentino a viver a Inglaterra chamado Ernesto Laclau, foi um tema um bocado exótico para quem neste país desconhecia completamente este autor.
Por último, tivemos a intervenção de Nuno Nabais propondo-nos um debate em torno da democracia, recorrendo para isso a três autores, ligados neste momento ao meio intelectual francês. Os autores em causa são Ranciére, Negri e Nancy, aos quais se pode aplicar o epíteto de pós-marxistas e que nos propõe novas formulações para problemas do mundo de hoje. Para mim, sempre embrenhado na terminologia e nos conceitos marxistas, as suas propostas fogem à reflexão de Marx, mas penso que foi oportuno chamar a atenção para aqueles que à margem do marxismo, mas inspirado nele, propõem outras formulações. Este debate foi suscitado no final da sessão, o que permitiu um bom esclarecimento dos presentes, dado o carácter bastante didáctico das intervenções de Nuno Nabais.

3 – Conclusões e Sugestões
Como conclusão final podemos afirmar que uma das características deste Congresso, e a sua grande virtude, foi a elevada participação estrangeira, o número e a qualidade dos académicos convidados e a diversidade dos temas abordados. Este Congresso abriu sem dúvida portas para um marxismo que se quer renovado e propondo novos conceitos e novas formulações. Pena é que nas análises que se apresentaram sobre a história do comunismo em Portugal e da Revolução Portuguesa se continuasse a pisar os mesmos assuntos, não fugindo a algumas ideias feitas sobre eles. Mas não será isto que no futuro será lembrado deste Congresso, mas sim a sua abertura a novas perspectivas e temas.
Quanto a sugestões, para além daquelas que resultam da minha crítica a algumas opções organizativas, gostaria que tivesse havido uma maior preocupação com a divulgação de textos de apoio e a organização de uma pequena feira do livro marxista ou abordando temas marxistas. Os livros seleccionados, e que foram apresentados no átrio de entrada, eram de um modo geral escritos por autores reaccionários, contrários a qualquer formulação marxista na análise dos temas que abordam. Por outro lado, alguns brasileiros traziam envergonhadamente revistas editadas nas suas faculdades. Devia ter havido um esforço para que a delegação brasileira, tão numerosa em participantes, estivesse minimamente representada na riqueza da sua bibliografia sobre marxismo.

Por último, e justificando o título, senti-me um pouco perdido na imensidão de um Congresso em que se tinha sempre a sensação de que se tinha falhado o mais importante. Mas isto é a visão de um “chato”, que vos escreve quilómetros de prosa.
PS.: Ver os comentários de Fernando Penim Redondo ao Congresso no seu blog e a resposta que lhe dei. Ficamos com mais informação sobre o que se passou.

14/11/2008

1º Colóquio sobre Pavel: o resistente antifascista e o homem de cultura

Vai realizar-se na Biblioteca-Museu República e Resistência/Espaço Cidade Universitária, no dia 22 de Novembro às 16h00, um Colóquio sobre Pavel (Francisco Paula de Oliveira) antigo dirigente do PCP, que emigrou para o México, tendo aí se tornado um crítico de pintura importante, com o nome de António Rodriguez (para ampliar a imagem clique sobre ela).

13/11/2008

Congresso Internacional Karl Marx


Para que se não diga que sou incapaz, ao menos, de introduzir um cartaz no meu blog, aqui se junta este. É mais um motivo para chamar a atenção para tão importante acontecimento. Ver o programa para impressão aqui

10/11/2008

Congresso Internacional Karl Marx / 1º Colóquio “Os Comunistas em Portugal”


Congresso Internacional Karl Marx

Vai realizar-se nos dias 14, 15 e 16 de Novembro, na faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, o Congresso Internacional Karl Marx. A organização é da Cultura, do Instituto de História Contemporânea e da Transform!. Para obter o programa completo, clique aqui .
Pretendia inserir o programa neste post. Mas, como estas habilidades dão sempre muito trabalho, achei que era melhor remeter os interessados para o próprio site onde está toda a programação, com o nome das comunicações e dos seus autores.
Para fazer a ligação com o capítulo seguinte, gostaria de realçar que algumas das comunicações apresentadas neste Congresso têm o mesmo protagonista e título de outras que foram apresentadas no Colóquio de Os Comunistas em Portugal.

Devo confessar que, quando tive conhecimento que este Congresso ia ter lugar, imaginei que as comunicações seriam referentes a aspectos da obra de Marx, principalmente à parte filosófica, política e económica, e que eu não tinha nada preparado, nem estava particularmente activo na reflexão sobre o seu pensamento.
Hoje, depois de ver o programa e de o confrontar com algumas das comunicações que foram apresentadas no Colóquio sobre Os Comunistas em Portugal, fico triste porque o texto que elaborei e a que dei o nome O PCP, a Revolução Democrática e Nacional e o rumo ao socialismo – Algumas contribuições para a caracterização do 25 de Abril, aqui publicado, e também neste blog, não era inferior a outros que eu já conheço e que são comuns às duas realizações. No fundo este Congresso tem uma abrangência tão vasta, que quase tudo pode ser incluído, e, com muito mais razão, qualquer reflexão sobre o Partido Comunista, como era o meu caso. A uma semana do Congresso já não vou a tempo de apresentar qualquer comunicação. Paciência, é a vida.

1º Colóquio “Os Comunistas em Portugal”

Este Colóquio, que foi publicitado neste blog, realizou-se no passado fim-de-semana, na Biblioteca Museu República e Resistência.
Há que sublinhar que ele foi organizado pela revista Política Operária, que foi dirigida por Francisco Martins Rodrigues (FMR) até à sua morte, ocorrida há alguns meses. Chico Martins, como era mais conhecido, era um dissidente dos anos 60 do PCP, tendo o seu afastamento resultado de sérias divergências políticas com este Partido, quer no modo como encarava a Revolução em Portugal, quer pela posição pró-chinesa que assumiu no dissídio sino-soviético, quer quanto ao papel que Estaline desempenhou na União Soviética. Pode-se dizer, para simplificar, que FMR saiu pela esquerda do PCP e assim se manteve até ao final da vida. Por isso, sem o nomear explicitamente este Colóquio era também uma homenagem àquele revolucionário. Muitos dos oradores a isso se referiram.
Era evidente que estas opções determinaram que o Colóquio fosse mais a defesa de uma determinada concepção política, do que uma reflexão desapaixonada sobre o Movimento Comunista em Portugal. No entanto, houve a preocupação de convidar maioritariamente académicos, com estudos feitos nesta área que, na maioria dos casos, reflectiram serenamente sobre a história, a sociologia e até a antropologia do comunismo e dos comunistas em Portugal. Não fosse algumas reflexões mais apaixonadas, que depois referirei, estávamos perante uma selecção bastante razoável do pensamento académico sobre o assunto. Faltaram, no entanto, e eu sei que tentaram convidá-los, o João Arsénio Nunes, que esteve presente durante a maioria das comunicações e que é um dos poucos historiadores do PCP, filiados no Partido, com trabalhos publicados nesta área, e o José Neves, que tem uma tese de doutoramento sobre Comunismo e Nacionalismo em Portugal – Política, Cultura e História no Século XX, e cuja defesa presenciei e que foi por mim assinalada neste post. É provável que haja muitos outros trabalhos notáveis de académicos sobre os comunistas, mas que eu não conheço.
Um dos males do Colóquio, é que se pretendeu meter o Rossio na Rua da Betesga, provavelmente o que irá suceder no Congresso que se lhe segue. Facto extremamente difícil de controlar, dado que ao pretender abranger um vasto leque de temas é preciso forçar a pontualidade do começo das sessões. Assim, a partir de certa altura fomos a mata-cavalos, sem tempo para a discussão e obrigando os intervenientes a terem que cortar nas suas intervenções. É sempre difícil, nestes casos, conseguir um balanço entre tudo aquilo que se quer comunicar e o seu debate. São opções que os organizadores têm que assumir e utilizar pulso de ferro se querem que haja tempo para tudo.
Dito isto, passemos às comunicações propriamente ditas. O seu programa está afixado neste post, por isso não me irei referir a ele pormenorizadamente.
O primeiro bloco de comunicações, sexta-feira ao fim da tarde, tinha a intenção de dar um retrato do PCP em três fases distintas da sua história: a sua origem, o período da Frente Popular defendida no VII Congresso da Internacional Comunista e depois uma experiência menos importante de frentismo, verificada entre 1956 e 1958, e que resultou do XX Congresso do PCUS. Quanto a mim, e por isso interroguei a mesa sobre este aspecto, faltava a experiência importantíssima de frentismo dos anos da II Guerra Mundial, que em Portugal tiveram repercussão na criação do MUNAF e no MUD. A mesa concordou.
O segundo bloco desse dia, com um trabalho que será igualmente apresentado no Congresso sobre Marx, referia-se às posições de Mário Dionísio em relação ao PCP, de que tinha sido seu militante, quando este no seu livro A Paleta e o Mundo estabelece uma clara distinção entre a liberdade de criação artística existente na União Soviética nos primeiros anos da revolução e o que depois se veio a verificar, com a imposição do realismo socialista, facto que até à data o PCP tinha ignorado. O autor estabelece claramente uma distinção entre os dois períodos, criticando certa historiografia universitária inglesa revisionista que tem insistido na tecla de que o período leninista da liberdade artística, que dura até 1934, anunciaria o período repressivo estalinista. Confrontei o autor da comunicação sobre aquilo que é hoje para mim uma pedra de toque de toda a historiografia oficial reaccionária e não só, também social-democrata, de que não haveria diferenças entre aqueles dois períodos, que a União Soviética, desde o início, tinha sido “um imenso Gulag”. Em resposta o autor, fugindo um bocado à minha pergunta, responde-me, e bem, que no PCP, pelo menos no apogeu do neo-realista, os comunistas também eram responsáveis por essa confusão, ao não valorizarem ou nem sequer reconhecerem a diferença, no campo da arte, entre os dois períodos.
Depois segue-se uma comunicação relativa a um inquérito sociológico de Manuel Loff , que publicou recentemente um livro interessante, O Nosso Século é Fascista, e de Bruno Monteiro sobre a adesão comunista em Portugal (1960-1974), com trabalho de campo junto de operários que aderiram ao PCP naqueles anos.
No Sábado de manhã, incapaz de me levantar cedo, não pude assistir às comunicações também de inquérito sociológico – que me perdoem os sociólogos, sobre a terminologia que estou aqui a usar – relativas às comunistas do Couço, às companheiras das casa do Partido e aos testemunhos autobiográficos de autores comunistas. Ainda cheguei a tempo de assistir à parte final desta última comunicação e ao debate relativo às anteriores, que me pareceram bastante interessantes. Pecando provavelmente por excesso, consideraria todo este conjunto, mais um intervenção que houve da parte da tarde sobre mineiros, como as mais interessantes do Colóquio, já que pelo tipo de pesquisa que empreendem, fogem ao estereotipo ideológico sobre o PCP e a sua história.
O segundo bloco da manhã foi dedicado ao maoismo em Portugal e aos Partidos ML. Foram apresentadas comunicações bem informadas, académicas, que só muito indirectamente tomavam partido por esta causa. Permitiram durante a sua apresentação os momentos mais relaxantes do Colóquio, já que a terminologia usada naquele tempo por estes movimentos era de facto espantosa. Houve alguém que atrás de mim identificou, uma das fases mais ridículas que foram apresentadas, como do João Isidro, recentemente falecido.
Os blocos da parte da tarde foram os mais polémicos. Apesar da primeira intervenção, que coube a João Madeira, não apresentar essas características. Foi relativa à defesa que o PCP fez em Maio de 64, pelo efeito da cisão Martins Rodrigues, de acções especiais para acompanharem as manifestações do 1º de Maio e nalguns casos propondo interligação dessas acções com as próprias manifestações. Essas acções especiais consistiam em actos de sabotagem, corte de linhas de alta tenção, ataques à polícia, etc. Na zona de Grândola esse tipo de acções chegou a concretizar-se com rebentamentos, sem qualquer efeito, em pontes, visando isolar o Concelho. Posteriormente, foram abandonadas e até, segundo percebi, criticadas. O autor considerou-as como um desvio esquerdista. Desconhecia estes episódios.
A intervenção mais polémica e quanto a mim completamente descabelada, e tanto mais grave visto que pretende vir a ser uma tese de doutoramento, foi a de Raquel Varela sobre o papel do PCP no processo revolucionário de 1974-75. Esta autora irá apresentar no Congresso sobre Marx uma comunicação semelhante, cujo nome é O PCP no PREC.
Raquel Varela que estudou um período muito curto da nossa Revolução, entre o 25 de Abril e o VII Congresso do PCP, em Outubro de 74, formula a tese muito defendida em alguns meios esquerdistas que o PCP traiu a Revolução aliando-se à burguesia e reprimindo as suas aspirações populares. Chegou mesmo a dizer que a burguesia devia fazer uma estátua ao PCP porque foi este Partido que permitiu que a democracia se implantasse em Portugal. Deixando-se arrastar por estas considerações chega a afirmar que o principal objectivo do PCP era entregar Angola ao MPLA e por isso aos soviéticos. Aqui recorre já ao arsenal reaccionário, que tem muitas vezes defendido este ponto de vista. Esta comunicação pela terminologia usada, pelos preconceitos que manifesta fugiu ao espírito que até aí vinha prevalecendo, de estudo sereno e académico da realidade, para passar à pura construção e manipulação ideológica. Raquel Varela assenta toda a sua interpretação nos comunicados do PCP e nas entrevistas dos seus dirigentes, no entanto parte de um parti-pris tão grande contra aquele Partido que é incapaz de interpretar a realidade. Um só exemplo, na sua comunicação afirma que a burguesia contou com a colaboração do PCP no primeiro Governo Provisório do Spínola. Na sala estava um “capitão de Abril”, o Luz, de que não me recordo o primeiro nome, que no final esteve a falar comigo e que me contou o seguinte: quem quis que o PCP estivesse representado no primeiro Governo Provisório tinham sido os capitães, que achavam que o PCP era imprescindível, e que o Spínola tinha acedido porque considerava que era melhor ter o PCP ao pé de si do que longe. Ou seja, dizia este “capitão” Luz a “burguesia” era eu e os meus camaradas. Como por vezes a história tem meandros que são mais simples do que as grandes construções que sobre ela fazemos.
Depois seguiu-se a intervenção de um brasileiro, Valério Arcary, que também vem apresentar uma comunicação ao Congresso Marx e que falou com aquela descontracção própria dos brasileiros. Apesar de ser favorável à interpretação da oradora anterior, soube com grande subtileza pôr o problema noutros termos e com outra elevação, chegando mesmo a afirmar que a interveniente tinha que refazer algumas interpretações da sua tese.
No bloco seguinte e último, aquele que teve que ser a mata-cavalos, houve uma intervenção um pouco semelhante à de Raquel Varela, disseram-me que o orador era seu marido, mas agora virada para a posição do PCP sobre o Estado, principalmente sobre o livro de Álvaro Cunhal A Questão do Estado, a Questão Central de Cada Revolução. Pareceu-me também influenciada por um certo esquerdismo, mas dados os saltos que o autor teve que fazer para concluir a sua intervenção é um pouco difícil chegar àquela conclusão. Depois tivemos a já referida intervenção sobre os mineiros, que continuavam a ser mineiros sem trabalharem na mina. Com um relato bastante interessante sobre a diferença entre o ser mineiro no passado e o ser mineiro hoje, gente especializada na condução de máquinas, que se desloca de mina em mina, sem ter raízes em parte nenhuma.
Por último e a encerrar os trabalhos tivemos o ponto político de Ana Barradas, a companheira de Francisco Martins Rodrigues, que explanou as etapas do seu pensamento e que simultaneamente não deixou de traçar um panorama catastrófico do que tinha sido a história do movimento comunista e a situação da revolução mundial. O objectivo já não era apresentar uma comunicação académica mas formular preocupações políticas. Estou na maioria dos casos em desacordo com o que disse, mas considero-a mais como uma opinião política do que histórica.
Termino reconhecendo os méritos da iniciativa, mas achando que um debate destes tem que ser feito, com a participação de gente que ainda permanece comunistas, mas que já saiu do PCP, para nos contarem a sua história, com a colaboração de historiadores e investigadores académicos. Isto porque o PCP se recusa a fazer a sua história, como em Congresso ficou decidido.

08/11/2008

"In Memoriam" de Carlos Porto


Conheci o Carlos Porto na Livraria Divulgação, que se situava na Rua D. Estefânia, perto do largo do mesmo nome. Ele e sua mulher (ver fotografia ao lado) eram à data os seus principais e únicos livreiros. Sabia que este conhecimento datava de meados dos anos 60, não conseguia precisar o ano.
Fui por isso procurar na Net alguma informação disponível sobre aquela livraria. Neste post encontrei o que procurava.
A Divulgação, cuja a sede era no Porto, abriu uma sucursal em Lisboa, em 1964. Fernando Pernes foi, até 1965, o seu primeiro responsável. Deixa à sua frente um jovem que eu conheci, o Soares da Costa, que na altura se apresentava como cine clubista, pois tinha trabalhado no Cine-Clube do Porto, e era um dos responsáveis aqui em Lisboa por uma revista de cinema, que aquele Cine-Clube editou. Ainda tentei lá publicar uma crítica ao filme que na altura muito me impressionou, o Evangelho Segundo Mateus, de Pasolini. Devia ser tão má, que nunca viu a luz do dia.
Segundo as informações que recolhi, a Soares da Costa seguiu-se o Carlos Porto, que veio, com a sua mulher, viver para Lisboa, para trabalharem na Livraria. O ano não está indicado. Mas eu apontaria para meados dos anos 60. Penso até, que o Carlos Porto chegou a trabalhar conjuntamente com o Soares da Costa.
É evidente, que esta informação impessoal, pouco acrescenta à biografia daquele crítico de teatro. Simplesmente para mim, naquela época, a Livraria Divulgação não era um local sem importância.
Todos os dias, provavelmente com algumas falhas, eu visitava aquela Livraria. Nessa altura, passava os meus dias no Cine-Clube Universitário de Lisboa (CCUL), cuja sede era perto da Praça do Chile, na Rua José Estêvão, e que, por sua vez, estava quase ao lado do cinema onde eram realizadas as sessões , o Imperial, hoje já desaparecido. Em anos de maior actividade o Cine-Clube chegou a ter sessões no Rex, aos Anjos (Av. Almirante Reis) e para captar o público de outras zonas da cidade, em Campo de Ourique, no cinema Paris. Tudo cinemas que pertencem ao passado.
Do Cine-Clube à Divulgação era um passo, e aquele jovem que eu era na altura, lá ia todos os dias cavaquear com o Carlos Porto e a sua mulher. Penso que me foi apresentado pelo Carlos Araújo, que viria depois a estar bastante ligado ao mundo da edição. Hoje, não sei se ainda trabalha para alguma editora, mas, antes do 25 de Abril, esteve na D. Quixote e foi o responsável pelos seus Cadernos, para cuja colecção de cinema ainda traduzi alguns textos.
Paravam na altura na Divulgação um grupo de jovens, alunos do Liceu Camões, que animavam com as suas risadas e piadas as longas tardes que nessa altura usufruíamos. Carlos Porto e a mulher tratavam aquele grupo como se fossem os seus filhos. Eu, um pouco mais velho, já estudante universitário com longa rodagem, gostava de larachar com os “miúdos”. A maioria seguiu para Direito, onde os fui encontrar na Secção Cultural. Ainda me convidaram para participar num colóquio com o Eduardo Prado Coelho e o Jorge de Silva Melo, penso que para falar do Blow-up, de Antonioni, e do Acidente, do Joseph Losey. Como me senti pequenino ao pé daqueles, já na altura, “importantes” intelectuais. Um dos jovens da Divulgação é hoje juiz no Tribunal Constitucional. É o Gil Galvão.
Mas, regressando ao Carlos Porto e à Divulgação. Era lá que de um modo geral eu comprava os meus livros proibidos. Deram-me crédito e um desconto de 10%, até à altura em que a Associação dos Livreiros proibiu qualquer desconto nos livros. Assim, aos poucos e poucos fui construindo a minha biblioteca. Quando a livraria foi vendida à Bertrand, em 1968, a minha dívida era significativa, paguei-a durante vários meses em suaves prestações.
Era lá que o Carlos Porto todas as semanas me guardava uma revista espanhola chamada Triunfo, de grande tiragem. Semelhante, por exemplo, à actual Visão. Há época, para nós, que tínhamos uma censura férrea, a revista foi uma grande novidade e em Espanha teve um papel importante na luta contra Franco. Também me guardava todos os meses uma revista espanhola de cinema, chamada Nuestro Cine. A sua filiação era marxista e, de um modo geral, era lá que ia buscar as críticas aos filmes que o Cine-Clube exibia.
Foi na Divulgação que também assisti à sessão de autógrafos do poeta soviético Ievtuchenko (Maio de 1967), de quem tinha sido lançada a Autobiografia Prematura, pela Dom Quixote. “Ainda hoje conservo a assinatura do poeta na foice e martelo que fazia parte de uma das suas fotografias que compunham o livro. Para quem não se recorde, Ievtuchenko foi autorizado a entrar em Portugal, conjuntamente com milhares de peregrinos que vinham de Espanha, para participar nas cerimónias de Fátima presididas por Paulo VI.” Escrevi isto num post a propósito e um livro de Joana Lopes Entre as Brumas da Memória.
Penso que coincidiu a venda da Livraria com a minha saída de activo colaborador do Cine-clube. A Divulgação acabava e com ela uma parte da minha vida. Depois, passei a frequentar a Livrelco, uma cooperativa livreira universitária, que a determinada altura foi tomada de rompante pelo MRRP, tal como depois foi a vez do CCUL. Mas eu já não pertencia à sua Direcção.
Carlos Porto, que eu me lembre, foi depois para uma livraria ao cimo da Rua Nova da Trindade, a Opinião. Fui lá uma tantas vezes. Não me ficava em caminho.
Encontrei-o ao longo da vida nos teatros que frequentei e no Partido, a que ambos pertencíamos, e sempre recordávamos, com a sua mulher, aquele grupo de jovens aguerridos que durante as tardes frequentavam a sua livraria.
A última vez que o vi, já muito abalado, foi na homenagem (30 de Outubro de 2007) promovida pelo ABC Cineclube ao seu antigo dirigente e crítico de cinema Manuel Machado da Luz.
Um abraço
Carlos Porto

05/11/2008

« Les beaux esprits se recontrent »: entre Obama e McCain pouca diferença há


Admirei como ontem à noite os participantes da Quadratura do Círculo, da SIC Notícias, iam actualizando, em tempo real, um blog que aquela estação de televisão lhes tinha posto à disposição. Para mim a actividade de bloguista é solitária e exige concentração, por isso demoro tempo na elaboração de um post e chego sempre atrasado à actualidade.
Assim, gostaria de ter feito um post In Memorium do Carlos Porto, que conheci quando era jovem, e que continua a estar entre os meus projectos, e um outro, a que chamaria Cidadãos acima de qualquer suspeita, referente ao conjunto de fotografias que aparecia na segunda-feira, no jornal Público, e que fazia a listagem de todos os políticos que tinham influenciado as decisões do BPN. Este post já perdeu oportunidade, não é que aqueles cidadãos tivessem, por acaso, recuperado a respeitabilidade, mas porque já passaram alguns dias sobre a exibição das suas carantonhas e hoje o affair do BPN é já passado, perante a eleição de Barack Obama, como Presidente dos Estados Unidos.
Este meu post pretende analisar como à esquerda e à direita, tem havido a preocupação de evitar a venda de ilusões, num caso à “classe operária”, noutro impedir que a esquerda embandeire em arco com aquela eleição. Ou seja, les beaux esprits se recontre.
Assim vejamos, em nota hoje distribuída à imprensa o PCP, não desmerecendo aquilo de que é vulgarmente acusado – sectarismo e dogmatismo –, afirma: “a eleição de Barack Obama como presidente dos EUA está longe de corresponder às expectativas que a gigantesca campanha mediática mundial procurou criar para construir a ilusão de uma mudança e de uma viragem na política dos EUA e do seu papel na esfera internacional.” E diz mais: “não ignorando diferenças entre os candidatos republicano e democrata, a verdade é que ambas as candidaturas não disfarçam o seu vínculo a um projecto de dominação no plano económico, ideológico e militar do mundo.
Para o PCP, provavelmente a único diferença que há entre os candidatos é um ser preto e outro branco, mas ambos estão vinculados ao projecto de dominação imperialista do mundo. Como estas almas são simples.
Mas o que nos diz a direita. Rui Ramos esse ideólogo reaccionário e monarquista, transvertido em neo-liberal reaganista e thatcherista, como convinha há alguns tempos atrás, afirma, logo abrir, num artigo que publicou no Público, da semana passada: “Em tempos, houve quem acreditasse que o mundo iria mudar com a eleição de Barack Obama. E talvez ainda haja quem guarde a fé – mas são cada vez menos.
É que o mundo, como constatámos entretanto, não precisou de Obama para mudar. Talvez por isso, a bolha de entusiasmo começou notoriamente a diminuir. O candidato também não ajudou. Com a sua campanha habilidosa e esquiva, limitou-se a acrescentar mais uns gramas de incerteza à incerteza geral. Neste momento, ninguém sabe como vai estar o mundo no ano que vem, e também ninguém sabe que presidente poderá ser Obama.
” E Rui Ramos termina: “Se não fosse a cor da pele, este jovem político eloquente e disposto a tudo para chegar ao topo já nos teria lembrado os nossos velhos conhecidos Clinton e Blair. Em 1997, também os conservadores ingleses tentaram fazer de Blair uma espécie de comunista disfarçado, enquanto os seus entusiastas ficaram a aguardar uma nova política exterior ("ética") e uma nova economia (de "Terceira Via"). O mundo já não é o que era em 1997. Mas o estilo de Obama é, no fundo, o desse tempo. Ora, a Terceira Via pode ter sido uma alternativa às políticas da década de 1980, mas desde então tornou-se parte do percurso que fizemos para chegar onde estamos. Aonde mais nos poderá levar?
Comparando estas afirmações com o comunicado do PCP, verifica-se que Obama nada nos trará de novo, para aquele Partido será a manutenção do capitalismo imperialista, para o professor reaccionário será o déjà vu, que poderia ter sido uma alternativa na década de 80, mas que agora será a continuação na continuidade.
Mas não se ficou por aqui a intervenção da direita. A SIC Notícias montou todo um aparato mediático – desta vez acompanhado de uma descarada publicidade, com a complacência dos comentadores, a uma marca de portáteis – para irmos acompanhando as eleições e para simultaneamente arrefecer os arrebatamentos da esquerda. Assim, convidou Nuno Rojeiro, apoiante de Barack Obama, que defendia que a eleição deste serviria para pôr o “taxímetro a zero”, de modo a fazer-nos esquecer a política de Bush e tornar impossível que a esquerda europeia e mundial continuasse a atribuir aos Estados Unidos tudo aquilo que acontece de mal no mundo. Como o PCP devia ter gostado de ouvir isto. No fundo Obama servia principalmente para enganar as massas.
Miguel Monjardino, outro comentador, defendia que, juntamente com Obama, iriam ser eleitos um conjunto de senadores democratas conservadores que impediriam quaisquer veleidades de esquerda a Obama. Só Rui Tavares, numa intervenção a partir de Chicago, tentou introduzir alguns elementos de esperança, que rapidamente foram cortados pelo pivôt da emissão e que levou todos os outros a o rebaterem, sem o citarem.
Pacheco Pereira, que estava ao lado, na Quadratura do Círculo, com mau perder, afirmava que não via qualquer mudança no eleitorado, ao contrário do que tinha dito Rui Tavares, pois àquela hora a diferença entre os dois, quanto ao número de votantes, era diminuta. Hoje, com os resultados apurados, sabe-se que foi bastante maior.
Pacheco Pereira, que já tinha declarado noutro programa que era apoiante de McCain, não resistiu a mais uma vez, em êxtase, a falar da grande democracia americana, garantindo que em França, por exemplo, era impossível ser eleito um presidente negro.
Concluindo, tanto à esquerda – certa esquerda – como à direita há a preocupação de garantir que nada muda, excepto provavelmente o estilo.
Quanto a mim, Barack Obama não irá provocar uma Revolução nos Estados Unidos, provavelmente terá que fazer compromissos, mas está já a causar uma ruptura com a tradição ultra-conservadora que vinha a ser seguida, introduzindo no mundo actual um capital de esperança e de mudança, que pode nestas circunstâncias, de grave crise económica, favorecer no seu conjunto a esquerda. Ou seja, convém que em momentos de crise os ventos não soprem para a direita, mas sim no sentido do progresso.
É isto que o nosso Partido Comunista não percebe e que Sócrates, sempre a cavalgar a onda daquilo que está a dar, já introduziu no seu discurso. Espero que se estampe.

04/11/2008

Os Comunistas em Portugal 1921-2008


Vai realizar-se nos dias 7 e 8 de Novembro, no Museu da República e Resistência, espaço Cidade Universitária, R. Alberto de Sousa 10-A, Lisboa, o 1º Colóquio sobre Os Comunistas em Portugal 1921-2008. (Para ver o cartaz faça clique sobre a imagem).

02/11/2008

Funcionários públicos trucidados e um apêndice


Recebi na sexta-feira à noite um telefonema de um amigo perguntando-me se eu já tinha sido trucidado. Não percebi a graça. É que nessa noite ele tinha ouvido no Telejornal umas declarações de um Secretário de Estado afirmando que os funcionários públicos iriam ser trucidados. Pensei, percebeu mal a palavra. No entanto, pelo sim pelo não, fui ver se havia alguma referência no Público ou no Expresso do dia seguinte, pois uma afirmação daquele jaez merecia destaque especial. Nada.
Ontem à noite, durante a leitura dos meus blogs favoritos, encontrei no do Victor Dias referência ao assunto. O post remetia para uma notícia no Correio da Manhã , que começava assim: “O secretário de Estado da Administração Pública, Gonçalo Castilho dos Santos (ver fotografia ao lado), diz que o "mítico dia 1 de Janeiro de 2009" não marcará o início da reforma da Administração Pública, porque ela "já está no terreno" e alerta que quem não cumprir as exigências que a lei impõe "será trucidado". E continuava: "Trabalhadores, serviços e dirigentes que não estejam com a reforma serão trucidados", afirmou o governante, no encerramento do Congresso Nacional da Administração Pública. Para Castilho dos Santos, os funcionários devem ter a noção de que "a reforma já não pode andar para trás", pelo que "trucidará quem não estiver com ela". Depois seguiam-se mais uns considerandos, que quem quiser pode encontrar na notícia, já linkada, do Correio da Manhã.
É espantoso, como declarações deste jaez, que não sendo propriamente silenciadas – este meu amigo garantiu-me que as declarações do Secretário de Estado tinham aparecido na RTP 1 e na 2 – e havendo até referência no Correio da Manhã, as mesmas não tenham sido objecto de protesto das forças políticas da oposição e que não tenham, por exemplo, servido para galhofa pública, num programa como o Eixo do Mal ou em qualquer outro semelhante. Estas declarações não podem passar despercebidas, mas, pelos vistos, passaram. Só encontrei referência no blog já referido do Victor Dias, num comunicado do Sindicato dos Enfermeiros, e nos blogs República das Opiniões, Pharmácia de Serviço e Portugal Profundo (sem link para o post), estes dois últimos bastante reaccionários.
Também, por meu intermédio, apareceu uma referência no site da Renovação Comunista.
Ao menos que na blogosfera haja indignação, mas parece-me difícil

Para que o Victor Dias não fique todo vaidoso pela referência que faço ao seu post, E não se pode trucidá-los a eles?, quero afirmar que achei de muito mau gosto o texto que dedica ao João Semedo, que não se meteu com ele, mas sim com as novas interpretações que as Teses do PCP propõem para o desaparecimento da União Soviética, ao contrário do foi aprovado em Congressos anteriores sobre aquele mesmo acontecimento histórico. Victor Dias, sempre tão crítico em relação às apressadas generalizações que os outros fazem dos textos do PCP, fingiu não perceber que João Semedo põe a questão em forma de pergunta. Por acaso bastante pertinente, pois se o PCP acha que aquela sociedade estava bem e foi a traição de alguns que provocou o seu desmoronamento, então o PCP pode defender para Portugal um modelo semelhante, sem os traidores. Isto é simples, para aqueles que estão de boa fé a travar o debate político. O seu camarada Octávio Teixeira, com outras palavras, questionou-se também sobre os que as Teses dizem sobre o desmoronar da União Soviética. Victor Dias não foi capaz ainda de dar esse passo e provavelmente aproveitou este facto para lembrar ao PCP o que ele inscreveu no seu programa e não o que tem nas suas Teses. Não era necessário era servir-se do João Semedo para dizer isso.

A boçalidade de esquerda também existe, veja-se os comentários de alguns dos seus camaradas, que o menor mimo que têm para João Semedo é de “rachado”, só que estes não têm acesso aos jornais.

01/11/2008

"A verdade é só uma!" Uma história do Avante!


Não posso ser acusado de branquear o Avante! Tenho publicado bastantes posts que o demonstram. Mais, quando li o artigo do Casanova, na coluna Actual, do Avante! desta semana, sobre o mais recente livro de Irene Pimentel, Biografia de um inspector da PIDE, Fernando Gouveia e o Partido Comunista Português, transcrito aqui por Joana Lopes, senti uma tal indignação, que até pensei que deveria fazer um post sobre o assunto. Por isso, este post não vem em defesa daquele artigo, mas é redigido unicamente para repor a verdade em relação a uns comentários que foram feitos na blogosfera sobre o Avante! a propósito do comentário do Casanova.
A história é simples, quando hoje fui fazer a ronda dos meus blogs preferidos deparei-me com um caso espantoso referido inicialmente aqui e depois desenvolvido aqui a partir do post, já referido, de Joana Lopes, que involuntariamente, penso eu, esteve na origem daqueles comentários.
O que é que se passou. Quando se acedia ao site do Avante! aparecia esta informação: “Site indisponível de momento. Volte mais tarde, obrigado.” Igualmente um link que dizia “clique aqui para entrar”. Quando se linkava aparecia, quando aparecia, o número do Avante! da semana anterior.
Logo, penso que apressadamente, aqueles dois blogs, e não sei se mais alguns, começaram a aventar que a edição desta semana do Avante! tinha sido retirada porque não queriam que tomássemos conhecimento desse texto desastroso do Casanova. O Spectrum chegou a publicar exemplos de fotografias truncadas do tempo de Estaline, em que ele ao mesmo tempo que mandava assassinar os adversários, os suprimia das fotografias.
O Der Terrorist chegou a admitir que poderia haver hackers, mas gozava com essa hipótese.
Para confirmar a veracidade destes factos fui aos meus favoritos e cliquei no jornal Avante! e não é que, de facto, aquele site tinha sido vítima dos hackers. Lamento, mas não consigo reproduzir aqui a imagem que obtive, dado que é impossível copiá-la. Já tentei diversas vezes. Mas para vossa informação gravei-a com êxito nos meus ficheiros e só para vos dar um cheirinho do tipo de provocadores que atacaram o Avante!, transcrevo os títulos do texto que, enquadrado pela moldura do jornal, dizia o seguinte: “Aviso a todos os cuzeiros de Lisboa, Nasce, hoje, a REPÚBLICA FODILHONA DO BRASIL. Anúncio da maior autoridade dessa nova nação”, depois uma fotografia do Lula, que encimava um texto ordinário e idiota, que se assemelhava a uma mensagem do Lula dirigida ao Brasil.
Parece-me pois, que antes de terem afirmado que havia supressão de artigos de opinião sectários e provocatórios, deveriam admitir que algum problema técnico pudesse ter acontecido àquele jornal. De facto, não é muito comum naquela “casa” haver arrependimentos tão bruscos. Se, como tenho tentado provar, o discurso muda, é sempre apresentado como se houvesse uma continuidade entre o passado o presente.
Portanto, mais algum cuidado quando se laçam tais atoardas, que ferem quem as profere, e transforma os provocadores em vítimas.
PS.: Pus entre aspas uma parte do título deste post, já que o mesmo foi retirado do nome de um programa radiofónico que era emitido antes do 25 de Abril, na antiga Emissora Nacional, e que se chamava "A verdade é só uma, Rádio Moscovo não fala verdade".