29/12/2011

Jantar de Ano Novo com a crise

Com esta crise, aqui envio uma receita barata para comer lagosta à “moda” da TROIKA!!!

Escusam de agradecer…:-



Ainda Mário Soares, a propósito do livro de Rui Mateus, “Contos Proibidos” – I

A propósito da publicação do livro de Mário Soares, Um Político Assume-se, que mereceu uma referência crítica da minha parte, e dos comentários de alguns leitores sobre o posicionamento político do PS, resolvi reler o livro de Rui Mateus, Contos Proibidos, Memórias de um PS Desconhecido (Publicações Dom Quixote, 1996).

Este livro tem sido considerado nalguns blogs como um livro maldito. Não só porque nunca foi reeditado, como consta que a sua edição se esgotou rapidamente, talvez comprado pelo principal visado no mesmo: Mário Soares. Eu já o tinha lido, simplesmente tinha sobre ele uma recordação muito imprecisa.

A história é espantosa, não só porque o autor nos descreve as partes mais sombrias da formação do PS e da sua inserção na vida política portuguesa no pós-25 de Abril, mas principalmente o papel que Mário Soares desempenhou, quer durante o PREC, quer nos primeiros governos constitucionais, quer ainda na sua eleição para Presidente da República.

A parte menos interessante do livro é aquela que é dedicada à história do processo judicial do fax de Macau, que envolveu o Governador da altura daquela ex-colónia portuguesa, Carlos Melancia, e o autor do livro e mais alguns dos colaboradores da Eumaudio, empresa ligada ao PS e a Mário Soares, que se dedicava aos meios audiovisuais. É uma auto-justificação, que na altura poderia ter muito interesse para quem seguia o processo, mas que hoje perdeu toda a actualidade perante escândalos de corrupção de muito maiores dimensões.

Há em todo o livro um ataque ao carácter do visado, mostrando a sua pouca fidelidade aos amigos que não o seguem acriticamente e uma ânsia de poder desmesurada, sacrificando tudo para o obter. Apesar disto ser relevante, pode também resultar de uma vingança pessoal do autor, que se sentiu traído durante todo o processo do fax pelo companheiro de longa data. Por isso, aquilo que considero mais significativo no livro são os factos descritos, apesar de nem todos me parecerem verdadeiros.

O autor assume-se desde o princípio como um feroz anti-comunista, atlantista, amigo dos americanos e da CIA, seguindo desse modo as pisadas de Mário Soares. Mas o que é mais espantoso é que, para o autor, Mário Soares, sentindo a sua vaidade ferida, só se tornou um verdadeiro anti-comunista quando o não deixaram subir à tribuna, onde estava o presidente da República, Costa Gomes, o Governo, chefiado por Vasco Gonçalves, e a direcção da CGTP, na já distante comemoração do 1º de Maio de 1975, no estádio do mesmo nome. Toda a estratégia da luta contra a unicidade sindical, um só sindicato para cada um dos sectores, foi chefiada por Salgado Zenha que para o efeito escreveu um artigo no Diário de Notícias e fez um discurso no Pavilhão dos Desportos, em Janeiro de 1975, antes pois da tal “conversão” de Mário Soares. O autor manifesta grande admiração por aquele ex-dirigente do PS. Mas a principal revelação é de atribuir a Mário Soares a entrada do PCP no Primeiro Governo Provisório, o de Palma Carlos. Isto porque Mário Soares queria justificar a sua ida para a pasta dos Negócios Estrangeiros com a presença do PCP no Governo. Apesar de hoje dizer o contrário, o autor acha que Mário Soares considerava que o PS estava numa posição de subalternidade em relação ao PCP. Rui Mateus, devido ao seu anti-comunismo, critica os encontros, em Paris, entre Mário Soares e Álvaro Cunhal antes do 25 de Abril e os acordos então estabelecidos.

É evidente que a oposição de Mário Soares ao PCP data de muito mais cedo do que acontecimento referido pelo autor, um perfeito disparate, que visa apoucar Mário Soares, tentando provar que, ao contrário do que aquele afirmava, não era tão anti-comunista como propagandeava. Álvaro Cunhal no seu livro A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril (Edições Avante!, 1999, pag. 164) relata negativamente a posição de Mário Soares, comprovadas por declarações bastante posteriores, em relação ao General Spínola e à manifestação da “maioria silenciosa” promovida por este a 28 de Setembro de 1974. Eu próprio, recordando a época, lembro-me bem das fricções, logo a seguir à demissão de Spínola, entre o PS, de Mário Soares, e o PCP a propósito da manutenção como frente unitária do MDP/CDE e da oposição daqueles à sua participação no Governo chefiado por Vasco Gonçalves.

Quanto ao 25 de Novembro de 1975, vem mais uma vez à baila quem comandou a resistência à tentativa insurreccional verificada naquela dia. Mário Soares assume que foi ele. Ramalho Eanes contesta. Para o autor foi principalmente um tal “Plano Callaghan”. - James Callaghan era na altura Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo britânico e dirigente trabalhista. - Plano esse que envolvia os serviços secretos ingleses e que contaria, segundo Rui Mateus, com a colaboração da CIA, coisa que Mário Soares nunca admitiu, apesar de fazer referência várias vezes àquele plano estabelecido com os ingleses. Mas, acima de tudo, considera o autor que foi a pressão internacional, principalmente dos partidos socialistas e sociais-democratas que estavam no poder na Europa ocidental, que, juntamente com os americanos, se exerceu sobre Moscovo para que o PCP se retirasse do golpe, já que não era admissível que, num país da NATO, os comunista tomassem o poder pela força. Isto segundo a linguagem do próprio autor.

É mesmo citado um escrito de Will Brandt (pag.75) em que este afirma que sem “o envolvimento internacional pela democracia, a tentativa de golpe em Lisboa, em Novembro de 1975, não teria tão facilmente sido desmobilizada”. Referia-se a um Comité de Amizade e Solidariedade com a Democracia e o Socialismo em Portugal que reuniu pela primeira vez perto de Estocolmo, em 2 de Agosto de 1975, e era composto pelos partidos socialistas e sociais-democratas europeus.

É evidente que na descrição que faz dessa tentativa de golpe há uma grande dose de mentira. Pois tenta relacionar acontecimentos anteriores, como o cerco do Ministério do Trabalho ou da Assembleia Constituinte ou de uma pretensa Greve Geral, marcada para 25 de Novembro, de eu nunca ouvi falar, com os acontecimentos dessa data. Depois afirma que na véspera já “havia milícias comunistas nas ruas de Lisboa para controlar pessoas e bens”, isto a propósito de nesse dia ter atravessado aquela cidade com um pacote com dinheiro para Mário Soares, que se deslocaria para o Porto com o “conforto” do conteúdo do envelope. Cidade a partir da qual, com apoio dos serviços secretos de Sua Majestade e dos americanos, pretendia lançar uma operação sobre Lisboa, se se estabelecesse nela a “comuna” que se dizia que o PCP e a extrema-esquerda pretendiam implantar.

Segundo o autor, um plano semelhante foi anos depois executado pelos americanos no Panamá, contra o general Noriega. O PCP percebendo que a situação internacional não lhe era favorável teria recuado.

A história é fantasiosa, mas tem um fundo de verdade. Por um lado, a quantidade enorme de dinheiro, como o autor prova, exibindo recibos, que foram entregues a Mário Soares e ao PS nesses dias. Por outro, o envolvimento de serviços secretos ocidentais nessa tramóia, com a cumplicidade de Mário Soares. É evidente que ainda há alguns aspectos obscuros que não foram esclarecidos em relação ao 25 de Novembro, mas não restam para mim dúvidas da actividade pouco clara de Mário Soares nessa data.

Terminaria esta primeira parte do meu post com uma citação de Malraux, transcrita pelo autor (nota da pag.75), em que este afirma que a situação em Portugal após o 25 de Novembro como sendo a primeira vitória dos “mencheviques sobre os bolcheviques”. Grande mentira, bastando lembrar, sem precisar de grande pesquisa histórica, a vitória da social-democracia alemã, em Janeiro de 1918, que, com a tropa por ela comandada, os Freikorps, derrotou em Berlim os espartaquistas (futuro Partido Comunista Alemão) insurrectos e assassinou Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, seus principais dirigentes.

22/12/2011

Vai, vai que já vais tarde


Enviaram-me esta imagem,que acho que é oportuna neste momento.

O pluralismo na televisão (ou a ausência dele)

Ontem depois do ver o Telejornal da RTP, cerca das nove horas da noite, mudei de canal porque o programa seguinte era uma reportagem sobre a reacção de ex-soldados, na acualidade, às mensagens que  anteriormente tinham enviado, durante a Guerra Colonial, para os seus familiares que estavam na Metrópole e que terminavam invariavelmente com o “adeus, até ao meu regresso”. Pensei que era um programa revivalista das grandezas do Império e da sua perda. Não se falava em Guerra Colonial, mas do Ultramar.

Passei então para a SIC Notícias onde, no Jornal das Nove, pontifica o Mário Crespo. Depois de umas curtas notícias há sempre um convidado. Ontem era a Zita Seabra para falar do Querido Líder que tinha acabado de falecer na Coreia do Norte. Pelo que depois percebi falou de vários países do “socialismo real”. No dia anterior tinha sido convidado o professor de Economia, Cantiga Esteves, que propunha, nada menos, que se festejasse os quarenta anos do último orçamento em que tinha havido um equilíbrio das contas, ou seja, um dos últimos orçamentos de antes do 25 de Abril. Mas o convidado mais catita foi o patrão dos patrões ter ido àquele canal comentar a Greve Geral. Aqui está um rapaz que se insurgiu com o controlo da televisão feito pelo Sócrates e que tão pluralista é no seu programa.

Incomodado com aquela súbita aparição de um fantasma do passado, passei para a TVI 24 Horas, que neste momento tem fama de ser mais à esquerda do que a SIC Notícias. Quem comentava os últimos seis meses do Governo de Passos Coelho era Helena Matos, uma menina provocadora e reaccionária, que é contratada para desempenhar o papel que se espera que faça.

Mais uma vez incomodado, passei para a RTP Informação, estava um senhor, de seu nome Manuel Teixeira, que eu desconheço quem seja, que garantia, de forma atabalhoada, que o aumento das taxas moderadores no SNS era uma medida indispensável.

Desesperado voltei à reportagem. Puxava à lágrima, como era evidente. Quarenta e tal anos depois mostrar a alguém as suas imagens de quando era jovem é sempre comovente, ainda para mais, como nessa altura não havia gravadores de vídeo, os próprios nunca as tinham visto, só os seus familiares. No entanto, não talvez inocentemente, foi mostrado um grupo de soldados em que o sargento, provavelmente miliciano, cantava uma canção de Adriano Correia de Oliveira. Isto só mostra como o regime já não conseguia controlar os seus militares que, em pleno teatro de guerra, cantavam canções de quem a combatia. Faz-me lembrar uma história que o meu amigo Fernando Penim Redondo, do DOTeCOMe, costuma contar que, em plena guerra na Guiné, os soldados festejaram com grande alegria a morte de Salazar.

O regime estava já morto, mas agora querem-no fazer ressuscitar. O pluralismo na televisão é o que se vê, apesar da aparência democrática, anda tudo afinado pelo mesmo diapasão.

16/12/2011

Debate público "O que é a auditoria cidadã à dívida?"


"Na Convenção de Lisboa vamos debater e discutir em profundidade a Auditoria Cidadã à Dívida Pública. Como se organiza, que âmbito terá, quem a faz. Vamos mandatar a Comissão que a vai fazer e aprovar o seu documento fundador.

Aproveitamos a presença em Lisboa de diversos economistas portugueses e estrangeiros, muitos dos quais estão ou estiveram envolvidos em processos de auditoria cidadã na Europa e na América do Sul, para explorar o que é a Auditoria, porque lhe chamamos Cidadã, porque deve fazer-se agora. Éric Toussaint, Costas Lapavitsas e Ana Benavente vêm desmistificar todo o discurso, que afinal só é novo na Europa: «é inevitável», «andámos a viver acima das nossas possibilidades», «agora temos que trabalhar a sério», «somos preguiçosos». Todos eles conhecem de cor estas frases mentirosas.

Venha saber como se dá a volta à «inevitabilidade». Como é que aconteceu no Brasil, na Argentina, como está a acontecer agora na Grécia.

Quando somos chamados a pagar, temos direito a saber o quê, a quem, quais as condições, de que nos serviu a nós, população, esse dinheiro — e se não nos serviu, quem se serviu dele e porque estamos nós a pagá-lo? No debate de sexta-feira haverá espaço para as perguntas da plateia, para que todos possam perguntar o que quiserem. Fomos chamados a pagar, venham tirar as vossas dúvidas."

Enviaram-me este comunicado mais o cartaz acima publicado. Como sou um subscritores da Iniciativa Cidadã à Dívida apoio e faço a divulgação da mesma. A convenção referida terá lugar no mesmo local, mas no sábado, dia 17, das 9h30 às 18,30. Inscrição prévia no site referido.

15/12/2011

Um pouco de graça nestes tempos dificeis

Vídeo realizado pelos Monty Python sobre um hipotético jogo de futebol entre a Alemanha e a Grécia.

01/12/2011

A falta de memória de Mário Soares

Não li ainda o livro de Mário Soares Um político assume-se. Mas vi a entrevista que deu a Ana Lourenço, na SIC Notícias, e li hoje partes do seu livro no Público.

A entrevista assume, lamentavelmente, um carácter anti-comunista. Um homem que, ainda recentemente, preconiza uma revolução pacífica para a Europa, que assina um Manifesto, antes da Greve Geral, que apela à mobilização de todos contra as políticas que estão a ser seguidas, daquilo que fala é da sua relação azeda com Cunhal e das diferenças entre o seu partido e o PCP. Repisa e volta a repisar os acontecimentos do PREC, elevando-se ao nível de um Melo Antunes, quando diz que este em Lisboa e ele no Porto, comandaram a resistência ao "golpe" do 25 de Novembro e a manutenção, na legalidade, do PCP. Só que Melo Antunes defendeu publicamente, na RTP, a necessidade do PCP para o avanço da Revolução, em termos que o marcaram para todo o resto da sua vida, pois a direita e Sá Carneiro nunca lhe perdoaram. Enquanto que Mário Soares se preparava no Porto para marchar à frente de toda a direita reaccionária contra a Comuna de Lisboa. Ainda há bem pouco tempo o historiador António Borges Coelho lembrou isso.

Na transcrição que o Público faz hoje da pag. 183 do livro, verifica-se a falta de memória notória de Mário Soares. Lá vem a comparação, como fazem Zita Seabra e Vasco Pulido Valente, entre o discurso de Cunhal e de Lenine em cima de um tanque, nas suas chegadas do exílio depois da Revolução de Fevereiro, no caso da Rússia, e do 25 de Abril, no que se refere a Portugal. A única diferença é que não afirma, como aqueles, que Álvaro apelou à revolução socialista. Simplesmente, diz que o tanque estava lá de propósito para Álvaro, à semelhança de Lenine, fazer o discurso em cima dele. Mas o mais grave é que afirma que Cunhal discursou entre um soldado e um marinheiro, quando é evidente pela fotografia que mostro que não existia qualquer marinheiro. Mário Soares deve estar-se a recordar de ter visto a fotografia de Cunhal abraçado a um soldado e a um marinheiro na manifestação do Primeiro de Maio de 1974. Depois, escreve um disparate de todo o tamanho, dizendo que Lenine chegou a Moscovo, quando este de facto chegou a Petrogrado, depois chamada Leninegrado, e actualmente São Peterseburgo.

Não houve ninguém que tivesse revisto a sua escrita, pois qualquer dos seus assessores na Fundação que leva o seu nome, lhe podia ter corrigido o dislate. O mesmo se passa com a fotografia da chegada de Cunhal. Bastava dar-se ao trabalho de ir consultar qualquer jornal da época.

Quanto à historieta que conta de ter sido convidado a subir para o tanque e depois a descer, Vítor Dias, no seu blog, desmonta bem essa tentativa para se limpar, por aparecer ao lado de Cunhal na fotografia.

Quanto às diferenças referentes à chegada de Lenine e de Cunhal vindos do exílio ver um texto meu aqui.

28/11/2011

Algumas considerações sobre os incidentes na escadaria da Assembleia da República

Tudo o que vou escrever já se pode encontrar nos meus dois posts anteriores sobre a Greve Geral, mas como gosto que os temas fiquem esclarecidos, ou seja, sou picuinhas, não me irei eximir de mais uma vez voltar ao assunto.

Como sabem eu não fui às manifestações, mas li vários blogs, vi televisão e conversei com diversas pessoas. Neste sentido, estas considerações serão sempre subjectivas e vistas pelos olhos de outrem. Mas vamos ao que interessa.

I – Enquadramento da manifestação

A manifestação da Plataforma 15 de Outubro foi acompanhada na sua traseira por polícia de choque em marcha acelerada e vestida a rigor. Verificou-se também de forma ostensiva, e dispersos na manifestação, a presença de vários agentes à paisana. Estes factos causaram um grande mal-estar, ainda para mais quando os manifestantes chegaram a S. Bento e viram a concentração de polícia de choque, que, segundo pude constatar pela televisão, não estava no início na primeira fila, junto ao gradeamento que impedia a subida da escadaria. Este aparato policial visava, quanto a mim, duas coisas, entre si contraditórias, ou intimidar os manifestantes ou provocá-los para que eles fizessem o que aconteceu. Partindo do princípio que a primeira é a mais plausível, a reacção que provocou foi a inversa, irritou mais os manifestantes, predispondo-os para o derrube das grades e a subida da escadaria. É evidente que há boas razões para que isso tivesse acontecido, primeiro era já uma conquista da manifestação de 15 de Outubro passado, segundo permite aos manifestantes estarem sentados a ouvir alguém que está no topo das escadarias a falar. Ficou provado na manifestação anterior que a sonoridade é muito melhor.

II – O caso dos agentes infiltrados

Falou-se muito em agentes infiltrados como os responsáveis pelo derrube das grades e a tentativa de assalto à escadaria, eu próprio fiz referência a isso no meu primeiro post. Aqui alude-se à paranóia que está a invadir a net e os meios de comunicação sobre este tema dos infiltrados. Para mim a expressão de infiltrado numa manifestação só pode ser a de agente provocador, de outro modo não faz sentido. Chama-se infiltrado a alguém que numa organização, principalmente de carácter secreto, faz-se passar por seu membro para espiar e delatar os seus companheiros. Numa manifestação, aberta a todos, o que sucede é haver agentes à paisana para prenderem ou seguirem quem acham que são os responsáveis, por vezes enganam-se, como é revelado aqui. Sobre estes indivíduos já disse tudo o que tinha a dizer no meu post anterior. Só queria confirmar o que vem no post, anteriormente referido, sobre a detenção do jovem alemão espancado pela polícia. Seja verdade ou não que foi ele que feriu o polícia, primeiro, é de certeza mentira que a polícia à paisana se tivesse identificado antes de o prender, como ela garante. Só nos filmes americanos é que se vê os agentes de crachá em punho a deterem gente. Segundo, fica claro que mesmo que tudo isso tivesse sucedido, nenhum polícia tem o direito de agredir um detido já estendido no chão. Como se devia saber, a polícia não é uma força vingadora.

III – As duas manifestações

Como ficou claro das muitas imagens da TV que vi, e ao contrário do que dizia o Telejornal da RTP – ver o meu primeiro post sobre o tema da Greve Geral – a manifestação da CGTP não esperou no Rossio que chegasse a da Plataforma 15 de Outubro, que vinha do Marquês de Pombal, para seguirem as duas juntas, pôs-se a andar, chegou a S. Bento fez os discursos e ala que se faz tarde, foi para casa. Parece que quando os da Plataforma 15 de Outubro lá chegaram já os outros estavam em debandada. Por isso, ao contrário do que muitos comentadores da esquerda desejavam ainda não foi desta que o movimento organizado da CGTP se encontrou com o movimento dos “indignados”. Continuam de costas voltadas e a acusarem-se mutuamente. O post que eu referi, Há quem faça greves gerais e quem faça happenings, de Paulo Granjo é disso um exemplo. Mas há mais. Para este peditório eu não quero contribuir, mas parece-me, um pouco salomonicamente, que longo caminho ainda tem que ser percorrido pelas duas partes.

PS. (29/11/11). A Plataforma 15 de Outubro anuncia que tem provas que polícias à civil incitaram à violência. Neste caso, temos a figura do agente provocador, o que torna bem mais grave a actuação policial. Ver aqui.

 

27/11/2011

Um bando de Vingadores

No Telejornal  de sexta-feira, 25 de Novembro, são recolhidas as declarações do Ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, e mostrada parte do vídeo que circulou na Internet  relativa à agressão a um cidadão que, segundo informação da polícia, era alemão e procurado pela Interpol. José Rodrigues dos Santos, naquele tom agressivo que vulgarmente costuma usar, começa assim por desvalorizar o agredido: o que vale um alemão, ainda por cima a monte. A seguir temos a opinião do Comissário da polícia que descreve com pormenores terríficos a agressão de que tinha sido vítima, momentos antes, um polícia, justificando a agressão ao cidadão alemão, já caído no chão, como proporcional à agressão de que tinha sido vítima o polícia.

Para mim tudo isto é espantoso.

Primeiro, o vídeo que circula na Internet, juntamente com imagens próprias da RTP, que não foram exibidas nas reportagens do dia anterior sobre a Greve Geral, mostra um homem vestido à civil, com um capuz a cobrir-lhe a cabeça, claramente a bater com um bastão num cidadão deitado no chão. A televisão apesar de acrescentar sempre parece, demonstra claramente que seria um agente à paisana, sem qualquer identificação e que depois da acção executada, quando os seus colegas já fardados tomam conta a da ocorrência, retira o capuz e vê-se-lhe a cara, esta também já a correr na net. Ora este vídeo tem servido para justificar a existência de agentes infiltrados na manifestação, que seriam os responsáveis, pelo menos morais, já que incitaram os outros a fazê-lo, pelo derrube das barreiras. Não estive lá e não posso garantir que se tenha passado assim. Até porque na net também há muita discussão à volta deste assunto. Mas, para mim não restam quaisquer dúvidas que o homem de capuz era um agente policial à paisana. Foi-me dito, e eu acredito, que a manifestação estava cheia de agentes policiais à paisana. Para quem tem assistido ultimamente a relatos da actuação policial em bairros degradados ou até na interpelação a jovens mal vestidos ou mesmo ao seu desempenho nos recintos desportivos, sabe perfeitamente que esta gente se destaca pela violência, sempre a coberto da chegada dos polícias fardados. Neste aspecto, a polícia tem que arcar com a responsabilidade de mandar agentes seus não identificados para as manifestações. Eu acho que devem ser fotografados e a sua cara mostrada na net e se possível isolados da manifestação e convidados a saírem. Noutros tempos sabíamos que havia PIDE sempre presentes em reuniões públicas da Oposição ou em assembleias de estudantes. O caso mais trágico foi que sucedeu em Económicas e que levou à morte de Ribeiro dos Santos. Hoje, no estado democrático, agentes à paisana não identificados não podem ser tolerados em manifestações.

Segundo, são as espantosas declarações do Comissário da polícia, que justificou a sova que um seu agente à paisana, não identificado, deu num cidadão, com a agressão a um agente policial que este, em momento anterior, teria protagonizado. Mas mais descaradamente fala em proporcionalidade, tal como o próprio Ministro. Simplesmente o policial desconhece em que contexto nas manifestações se fala em proporcionalidade. Por exemplo, nesta manifestação seria desproporcionado se a polícia, depois de derrubadas as barreiras, tivesse investido à bastonada ou com gás lacrimogéneo contra todos os participantes na manifestação, tentando dissolvê-la. Já não é proporcional um cidadão, mesmo que eventualmente tenha agredido um polícia, ser sovado no chão com um bastão. Isso é típico de um bando de vingadores, que praticam o preceito bíblico olho por olho, dente por dente. Este Comissário tem que ser rapidamente reciclado.

PS. (28/11/11). Afinal o tal alemão procurado pela Interpol foi posto em liberdade pelo juiz instrução e mandado comparecer no dia 6 de Dezembro. Mais uma aldrabice da polícia, papagueada por todos os media. Ver aqui.

25/11/2011

A Greve que eu vi na TV Pública

A minha saúde já não me permite ir a manifestações, por isso entretenho-me em casa a vê-las pela TV.

Apesar de durante o dia ter visto outros canais de televisão, é do alinhamento do noticiário das 20.00h da Televisão Pública que vos quero falar.

O Telejornal abriu com as notícias dos confrontos nas escadarias em frente da Assembleia da República, transformando os mesmos no tema central da Greve Geral. É mesmo dito que “os manifestantes se concentraram em frente da Assembleia da República para assinalar a Greve Geral”. Depois segue-se a reportagem do derrube das barreiras metálicas, com a jornalista da RTP a gritar “começaram os tumultos”. A seguir, faz-se um directo para o local, com a a mesma jornalista a garantir que estava tudo muito mais calmo, já só havia duas centenas de pessoas no local. Depois, entrevista-se uma manifestante a dizer que se tinha tratado de uma provocação, pois teriam sido vários infiltrados das forças policiais que estavam a incentivar o derrube das barreiras e que posteriormente foram avistados já na área reservada à polícia. Paulo Granjo, do blog 5 dias, relata isso mesmo neste post. Refere-se, no entanto, a um só infiltrado.

Só ao 6º minuto é que a jornalista no local refere que esta era uma manifestação dos “indignados”, ou seja, da Plataforma 15 de Outubro, que se tinha juntado à manifestação da CGTP, que tinha decorrido durante a tarde. No entanto, não deixou de dizer que aqueles acontecimentos tinham sido “uma nódoa” no dia da Greve Geral. Depois, José Rodrigo dos Santos passa para outra jornalista, para ouvir a opinião das forças policiais.

Finalmente, ao 9º minuto refere-se a manifestação que tinha decorrido durante a tarde e os grupos que nela tinham participado, não deixando de dizer que ela partiu do Marquês de Pombal, todos se tinham juntado  (manifestantes da CGTP e da Plataforma 15 de Outubro) no Rossio e daí partiram para Assembleia da República onde “ocorreram os incidentes”.

Ao 12º minuto, ainda não se tinha falado dos efeitos da Greve, nem se tinham ouvido qualquer dos dirigentes da CGTP ou da UGT, que deram uma conferência de imprensa conjunta, mas foi-se para a Presidência do Conselho de Ministros ouvir o ministro Miguel Relvas. José Rodrigo dos Santos faz-lhe uma pergunta sobre alhos, o ministro meio apardalado, parecia que estava a ler pelo tele-ponto ou então a falar para uma câmara de televisão que estaria mais elevada do que os seus olhos, respondeu-lhe com bugalhos. O locutor, com o seu ar habitual com que costuma interromper os interlocutores, tentou fazer-lhe nova pergunta. Então o ministro disse só seu nome, aquele agachou-se, que isto de ser patrão da televisão é muito importante, e continuou o seu discurso, como se a perguntas do locutor não tivesse existido.

Finalmente só ao 17º minuto se dá voz aos dois dirigentes das centrais sindicais. De seguida, passa-se para a reportagem do regresso a casa das pessoas, chegando-se a afirmar esta pérola: “só alguns serviços mínimos estiveram a funcionar, mas foram insuficientes”, como se estes tivessem que garantir o transporte de todos. A seguir foi a reportagem da ausência de transportes de manhã “com utentes a queixarem-se de mais uma paralisação”.

Finalmente, ao 24º minuto, depois de se ter falado de forma depreciativa da paralisação nos transportes, começa-se a descrever a paragem nos aeroportos sem qualquer aspecto depreciativo, só falando do sacrifício da equipa do Porto, que regressava da Ucrânia, que teve que aterrar em Vigo. De seguida, é que se começou a falar nos efeitos na saúde e na educação, nada no sector privado. Depois interrompeu-se para se falar de outros temas.

Ao 37º minuto começou-se a falar nos ataques às Repartições de Finanças, dizendo que “é a face mais negra da indignação”. Depois, relatou-se os incidentes entre a polícia e os piquetes de greve. De seguida, foi a informação regional: Coimbra Leiria, Faro, Guarda, Covilhã, Castelo Branco, Fundão e Trás-os-Montes. Ao 44º minuto as informações sobre a Greve Geral deram lugar a outras notícias. É importante realçar que a informação regional pareceu-me ser a mais objectiva e descomprometida politicamente.

Sobre o sector privado pouco foi dito, só na informação regional. Não se viu Louçã a falar, na Auto-Europa, sobre o êxito da greve no conjunto do Parque Industrial daquela zona, como referiu Lobo Xavier, com desprezo, na Quadratura do Círculo. Nem as paragens, sempre citadas por Carvalho da Silva, em outras unidades fabris.

A conclusão a tirar deste longo arrazoado é de que o que foi importante para a TV Pública, as outras não vi, foram os incidentes com manifestantes da Plataforma 15 de Outubro em frente à Assembleia da República. Abriu o Telejornal e teve direito a cerca de 9 minutos de reportagem. Por isso, Paulo Granjo, dá este interessante título Há quem faça greves gerais e quem faça happenings noutro post, anterior ao já citado. Depois, antes de se fazer um balanço da greve, já se tinha Miguel Relvas a dizer banalidades favoráveis ao Governo. Grande insistência nos efeitos da greve nos utentes dos transportes públicos e por último, já quase no final, a imparcialidade das descrições regionais. Não se mencionou, no entanto, nem Setúbal, nem Braga, e o Porto foi só referido na greve dos transportes.

“Bom serviço” a Televisão Pública, capitaneada por Miguel Relvas, está a prestar ao país.

20/11/2011

O circo mediático

Advogados e comentadores juntaram-se à compita para denunciar a violação de um dos mais elementares dos direitos humanos que é a preservação da imagem e do bom-nome. Condenavam, portanto, o circo mediático montado à porta de Duarte Lima no momento em que lhe estavam a revistar a casa para depois o levarem preso. Segundo a expressão elegante do bastonário da Ordem dos Advogados alguém, da Procuradoria ou da Judiciária, tinha “bufado” cá para fora que, no dia a seguir, se iria prender tal personagem e logo de madrugada os jornalistas e fotógrafos se puseram de plantão à porta da sua casa para assistir à dita prisão.

Alguns comentadores formularam mesmo críticas ao Procurador-geral da República quando este afirma que tinha dado ordem para que tal não sucedesse e, portanto, condenava o referido circo mediático. Esqueceu-se foi de dizer que ninguém lhe tinha obedecido e que ele, tal como a Rainha de Inglaterra, não manda nada. Marcelo Rebelo de Sousa achou mesmo que se devia ir embora.

Eu estou de acordo com esta legítima defesa do direito de Duarte Lima à preservação da imagem e do bom-nome. Acho, no entanto, que alguns comentadores, porque outros já o fizeram, se deviam preocupar igualmente quando as classes dominantes, por intermédio do Governo, que foi eleito segundo regras democráticas, nos esbulham sem qualquer pudor os nossos direitos mais elementares ao trabalho, à remuneração que ajustámos com o patrão, neste caso o Estado, quando nos empregámos, ou quando aquele autoriza que o patronato despeça os mais velhos só porque são mais velhos e ganham mais do que os novos. No fundo, quando todos os dias assistimos a uma constante violação dos direito humanos e sociais de grande parte da população. Estes factos também deviam merecer a sua condenação.

Mas gostava de escrever um pouco mais sobre este circo mediático que regularmente tem rodeado a prisão dos chamados poderosos. Eu sei que este circo não é inocente, dá a todos a sensação que ninguém está impune, que a justiça funciona e que mesmo os mais ricos poderão ir parar à prisão. É como que um escape para aliviar a tensão social. Enquanto nos deliciamos com a prisão de Duarte Lima não pensamos que alguém nos está a meter a mão no bolso. No entanto, caros leitores, não há dia mais bem passado do que ver na televisão a prisão destes self-made men do PSD ou de alguns arrivistas do PS. Já me indignei com a prisão mediática de Paulo Pedroso, mas isso é uma história mais antiga. Ainda hoje estamos para saber se visava decapitar a Direcção mais à esquerda do PS ou se foi um excesso preventivo de alguns agentes policiais?

Não me interpretem mal, mas no tempo horrível em que nos querem meter, eu sigo a maioria, que de certeza se delícia quando um desses pimpões do PSD ou do PS ou até do CDS são presos ou incomodados pela polícia.

Greve Geral, 24 de Novembro


Lamentavelmente ainda não tinha publicado este apelo. Imprescindível participar.

11/11/2011

As Declarações de Otelo

Ontem, na Quadratura do Círculo, da SIC Notícias, Pacheco Pereira protestou contra as declarações de Otelo Saraiva de Carvalho, em que esta dizia que não gostava de ver militares fardados a manifestarem-se e que devia a haver um golpe de Estado militar se fossem ultrapassados certos limites. Acrescentava de seguida que presentemente era muito mais fácil fazê-lo já que havia menos quartéis. Pacheco Pereira, como sempre, indignou-se com os media que foram ouvir as declarações de Otelo e as reproduziram, afirmando, e com verdade, que se fosse alguém diferente do Otelo a fazer aquele apelo, nenhum órgão de informação se prestaria a ouvi-lo. Lobo Xavier aproveitou para acusar Otelo de ter sido chefe de um bando de assassinos, o que é verdade em relação às Brigadas 25 de Abril, mas, quanto, a mim, era igualmente um ajuste de contas com um dos principais responsáveis por aquela data ter acontecido e por todo o PREC subsequente.

Ora bem, estas declarações surgem no momento oportuno. Otelo comporta-se, como quase desde o princípio da Revolução do 25 de Abril, como um provocador. Reconheço que esta faceta se tem vindo a agravar ultimamente, mas desde a carta a Vasco Gonçalves, nos tempos já longínquos do PREC, até ter fugido no 25 de Novembro, passando pela criação de um grupo armado, já em plena democracia, que esta sua vocação se vinha a manifestar.

Por isso, a direita não se deve indignar com estas declarações de Otelo, ele está a cumprir a sua missão. Se a acção que os militares se propunham desencadear era uma manifestação, que, como declararam, cumpria o que estava estipulado na lei, não aparecerem fardados, aí está Otelo a dizer que não gostava de manifestações de militares fardados. O que propunha era então o golpe de estado. Isto é sem dúvida uma provocação, desmobiliza as acções actuais a favor de uma acção radical que ele sabe que não é possível nas actuais circunstâncias. Já se sabe que as associações de sargentos e oficiais vieram dizer que aquelas declarações “não são para levar a sério”. Tiveram o pudor de não as considerarem uma autêntica provocação.

É engraçado que há na bloggosfera alguns bloggers que se comportam da mesma maneira. Criticam todos os esforços que a esquerda faça para se unir e agir, considerando-os oportunistas, e clamam sempre por uma alteração revolucionária que leve a sociedade para outro sistema económico, que não o capitalista. Eu sei que muitos não o fazem por mal, não se comportam como o Otelo, que, para mim, desempenha o papel do provocador de serviço, mas no fundo, a sua crítica às acções imediatas a favor de objectivos finais mais vastos e impossíveis de concretizar, sem passarem por passos intermédios, conduzem aos mesmos resultados, à desmobilização à a desmoralização de quem se propõe lutar no imediato.

08/11/2011

A abstenção do PS

Tem sido prática de alguma esquerda culpar o Bloco e o PCP por termos este Governo e, bem pior, este Orçamento de Estado. Aqueles partidos ao votarem, juntamente com a direita, contra o PEC IV e, sabendo que isso acarretaria a queda do Governo, não se eximiram de o fazer, sendo pois responsáveis pela tragédia actual. Já vi isto escrito, não de forma tão clara nos media, mas em comentários ou cartas que me chegam ao meu e-mail. A interpretação oficial que o PS dá da sua queda é semelhante: uma aliança espúria entre a direita e a esquerda radical.

Aquela esquerda não percebe o estado de desagregação a que tinha chegado o Governo de José Sócrates. O Ministro das Finanças era já um verbo-de-encher. Repare-se que este entrou mudo e saiu calado numa das últimas conferências de imprensa que José Sócrates fez a propósito do acordo com a Troika. E José Sócrates fez essa conferência de imprensa pela negativa, ou seja, descrevendo tudo aquilo que não tinha sido acordado com a Troika, mas que os seus assessores nos dias anteriores, para nos aterrorizarem, tinham vindo a bichanar para os media. Meses depois, tudo aquilo que ele disse que não ia acontecer veio a ser incluído no Orçamento de Estado. Mas isto foi só um exemplo dos últimos dias do socratismo, a desagregação final já estava a decorrer, só não via isto quem sectariamente queria manter Sócrates a todo o custo, não percebendo que se ele continuasse, toda esta austeridade, contra a qual protestamos, se iria verificar, embalada talvez nas vestes soporíferas de uma esquerda “responsável”.

A nossa lei eleitoral torna difícil, e bem, que um só partido tenha a maioria absoluta. Por isso, em 35 anos de democracia constitucional, só em 12 é que um só partido obteve aquela maioria: oito para o PSD e quatro para o PS. Por esse motivo era lógico que os principais partidos tivessem políticas de aliança em caso de não obterem uma maioria absoluta. O PSD, sem precisar de o dizer publicamente – estas coisas de alianças só interessam à esquerda – sabe de ciência certa que, quando chega a hora, pode contar com o CDS. O PS desde o início que se tem dispensado fazer qualquer aliança com a sua esquerda. Mesmo quando isso foi preciso (1978), nos tempos já longínquos que se seguiram ao primeiro Governo PS sozinho (1976-78), negociou simultaneamente com o CDS e com o PCP, no entanto, em relação a este, quando chegou ao capítulo da Reforma Agrária (quando ela ainda existia), apresentou-lhe uma página em branco. Tudo aquilo não passava de uma encenação para fazer um “acordo de incidência parlamentar” com o CDS.

Sempre bichanaram ao ouvido do PS que as eleições se ganham ao centro e não à esquerda e este partido tem levado isso tão a peito que sempre se comportou como se não necessitasse a sua esquerda para governar. Honra seja feita a Jorge Sampaio que, em relação a Lisboa, fez uma aliança com o PCP. É evidente que hoje – como no passado, mais por razões ligadas à Guerra-fria – comprometeu-se com tais parceiros: algumas empresas de construção civil, por exemplo, que estes inviabilizaram qualquer aliança à esquerda.

Vem tudo isto a propósito da intenção manifestada pelo Secretário-geral do PS em se abster na votação do Orçamento de Estado para 2012. Bem pode aquela esquerda, que eu inicialmente referi, vir apelar ao voto contra do PS que este, indiferente àqueles cantos de sereia e, afirmando que se sente chocado com este orçamento, acha que uma esquerda “responsável” deve em primeiro lugar servir o seu país e depois o partido. Já se sabe que uma esquerda responsável deveria, perante um PREC da direita, votar contra o Orçamento, facilitando uma frente de toda a esquerda contra o mesmo e tornando mais difícil a tarefa do Governo da direita. Mas isso é impossível, o PS está tão enterrado nos compromissos em que se enleou que hoje torna-se difícil sair deles. Veja-se o caso de Manuel Alegre, depois de ter apelado ao voto contra, veio aceitar, compreendendo-a, a posição de António José Seguro. É por estas e por outras que teve um resultado tão triste nas últimas presidenciais.

Eu sei que não é fácil negociar com o PCP actual. Já houve tempo em que este partido defendia uma maioria de esquerda para a Assembleia da República, mas isso não impede o PS de tentar estabelecer pontes. Ora elas estão irremediavelmente cortadas com posições como estas em relação ao Orçamento.

O Bloco de Esquerda já foi uma esperança para o PS. Mário Soares há já alguns anos chegou a afirmar num Prós e Contras, da RTP, que o Bloco era uma partido a seguir. Pensavam na altura que poderia ser uma muleta do PS. Como isso não sucedeu, e porque rapa no seu eleitorado, é hoje um dos seus inimigos de estimação.

Que solução para isto? É difícil. É neste momento o problema mais complexo de resolver, mesmo ao nível da União Europeia. Como dar a volta para que esta esquerda, à esquerda da social-democracia neoliberal, consiga tornar-se uma força aglutinadora, capaz de influenciar Governos, alterar a correlação de forças na União Europeia e representar todos os descontentes com esta situação desesperada que estamos a viver.É evidente que para isso tem que contar com amplas massas da social-democracia e até, em alguns casos, com a participação activa destes partidos. É essa a grande luta que se nos põe pela frente.

07/11/2011

A Revolução de Outubro de 1917



Não queria que hoje terminasse o dia sem prestar uma pequena homenagem à Revolução de Outubro de 1917, para isso mostro-vos uma cena do filme Outubro, de Serguei Eisenstein, que do ponto de vista estético é das mais significativas. Este filme foi realizado em 1927, para comemorar o décimo aniversário da Revolução.

A cena aqui exibida refere-se ao levantar das pontes em Petrogrado e ao arrastar e queda de um cavalo branco. O filme na sua totalidade pode ser visto aqui

PS.: para os mais incautos: de acordo com o calendário Gregoriano, seguido no Ocidente e posteriormente na URSS, o dia 7 de Novembro corresponde ao 25 de Outubro do calendário Juliano, seguido na Rússia czarista. Por isso, a história registou o nome de Revolução de Outubro de acordo com o calendário que estava na altura em vigor.

06/11/2011

Margem de Certa Maneira de Miguel Cardina

Um artigo do Avante

Advertência inicial: havia neste momento assuntos nacionais e internacionais muito mais interessantes para comentar do que o artigo de Jorge Messias, A máquina da morte e a utopia, no Avante, de 27 de Outubro. No entanto, como levantou tanta celeuma na blogosfera, extravasando desta para os media nacionais, senti-me na obrigação de o comentar, já que de modo geral não concordo com a abordagem que tem sido feita.

Tomei conhecimento desta história num post de Paulo Granjo, do 5 dias, que era mais uma crítica dirigido ao Director do jornal Avante, por ter permitido a publicação daquele artigo do que ao autor do mesmo (retratou-se posteriormente). O seu texto terminava, depois de fazer um link para o artigo, com uma frase que atribuía a um velho amigo: “meu querido partidinho”. Percebi que havia mouro na costa, mas não liguei. No dia seguinte (3/11/11), vejo que o assunto tinha chegado ao jornal Público, e parece que quem o desencadeou foi o escritor Richard Zimler, norte-americano, naturalizado português, que na sua página no Facebook terminava um pequeno apontamento no seu mural com esta frase: “Agradecia que condenasse o anti-Semitismo do PCP o mais rapidamente possível!» (pode-se ler aqui). Num comentário ao post de Paulo Granjo afirma-se que o autor emendou o seu texto inicial por outro mais benigno. Não sei se é verdade ou mentira, não sou “amigo” de Zimler.

O que está em causa nesta história é que Jorge Messias, o colunista do Avante, citou, no início da crónica que escreve regularmente para o tema Religiões, daquele periódico, um texto de Os protocolos dos sábios do Sião, que é um conhecido texto anti-semita, forjado pela polícia czarista e citado por Hitler, no seu Mein Kampf. Daí partiu-se, e com uma certa razão, para na blogosfera acusar o autor de anti-semita e o próprio PCP. É evidente que nem todos foram tão explícitos como a “primeira versão” do texto de Zimler e, com mais ou menos qualidade, levantaram questões pertinentes (ver aqui, aqui, aqui ou aqui). No entanto, quanto a mim ficaram-se muito atinentes à citação de um pequeno texto dos Protocolos.

Há já bastante tempo que  Jorge Messias vem falando dos Protocolos. Tem um artigo dedicado mesmo a este assunto: Raízes e metas dos “Sábios do Sião” (Avante, 13/10/11), continuado por outro, uma semana depois (Avante, 20/10/11), que traz igualmente uma citação dos referidos Protocolos. Podemos dizer que este é bem mais grave, porque na sua efabulação, considera-os como verdadeiros, dizendo mesmo: “o documento era real e as profecias autênticas – reconheceram observadores mais objectivos”. Isto só mostra como andamos pouco atentos ao que vem no Avante – diga-se de passagem, que eu leio-o todas as semanas e nunca pousei os meus olhos nesta rubrica – e de vez enquanto indignamo-nos à compita com uma citação que lá vem.

Porque é que Jorge Messias dá tanta importância a estes Protocolos? Porque eles provam a teoria da conspiração, que segundo o autor é da responsabilidade de sionistas - os dos Protocolos -, Vaticano e mações. Todos eles estariam a tentar dominar o mundo a favor do capitalismo, estabelecendo um centro único de comando. Já esta semana (Avante, 3 /11/11) o autor escreve mais um artigo, que termina assim: “Todas as grandes decisões políticas americanas se sujeitam, já, aos pareceres prévios do Vaticano.” Esclarecedor.

É grave a citação dos Protocolos, é como se alguém para atacar a plutocracia recorresse ao Mein Kampf, de Hitler. Mas o que é mais grave em tudo isto é que nada do que é dito tem a ver com o marxismo-leninismo, tão apregoada pelo PCP. Ou seja, no seu órgão central, alguém, com a tolerância da Direcção do Jornal, vem ao longo de uma série de artigos – não aprofundei todo o passado e penso que esta rubrica é bastante antiga –, com uma linguagem anti-capitalista e anti-imperialista, atribuir às religiões, seitas ou outras organizações paralelas, o domínio do mundo, quando as coisas são bem mais complexas e têm merecido estudo e investigação de um conjunto importante de marxistas, a começar em Marx, passando por Lenine, mas mais actualmente por uma série de investigadores que têm dedicado a sua vida ao estudos do capitalismo e do imperialismo de um ponto de vista marxista Para mim se é grave a citação, é bem mais grave toda a formulação, que eu já chamei de efabulação, que lhe está por trás. Jerónimo de Sousa na ânsia de justificar o injustificável diz (ver no blog da Joana Lopes o texto do Público, de 4/11/11, que volta novamente este assunto) que o texto “era mais ou menos filosófico”, como que a dizer que era de um tontinho.

Não gostava de terminar sem vos citar um blog onde, quem queira, pode encontrar muito do que Jorge Messias escreveu e, se consultar a primeira página, verá que, por modestos 30 €, poderá ter acesso a toda a conspiração mundial. Deus os proteja.

01/11/2011

O Partido dos self-made men

Já em tempos escrevi um post sobre a Ascensão e queda dos self-made men, baseando-me para isso em textos do Pacheco Pereira. Considerava este articulista que o PSD era composto por militantes deste tipo e que progressivamente tinha perdido o seu apoio a favor dos dirigentes autárquicos ou dos dirigentes saídos directamente da Juventude Social-democrata, sem qualquer experiência de vida (o caso mais recente é o de Passos Coelho). Na altura tentei discutir um pouco esta descrição dos militantes e dirigentes do PSD. Neste post não irei escrever sobre isso, mas tal como na altura considerava que os exemplos de self-made men (Oliveira e Costa e Dias Loureiro) eram pouco edificantes para aquele partido, também hoje aproveito para lembrar Duarte Lima, o mais recente caso da ascensão e queda de um self-made man. Todos eles, diga-se de passagem, amigos ou colaboradores de Cavaco Silva, também ele, um exemplo de self-made man, por acaso bem infeliz e pouco edificante. Mas isto já foi discutido por mim durante a campanha presidencial.

Nada tenho quanto às pessoas que se fazem a si próprias, que não nascendo num berço de oiro ou pelo menos num de prata, foram capazes de se alcandorar a níveis de vida ou de poder muito maiores do que aqueles que a sua classe social de origem lhes reservava. Temos exemplos em Portugal que merecem algum destaque. È o caso de Bento de Jesus Caraça e José Saramago, entre os grandes intelectuais do Século XX, mas podia citar muitos outros que, devido à sua militância em partidos de esquerda, subiram para degraus nunca antes esperados, os exemplos mais recente são o de Carvalho da Silva ou de Jerónimo de Sousa, mas temos o caso mais antigo de Bento Gonçalves.

Ora estes self-made men que militam no PSD são o exemplo contrário dos casos anteriores, cresceram apoiados num partido de centro-direita, o PSD, e depois serviram-se do Estado e dos contactos que essa sua função lhes proporcionou, para enriquecerem fraudulentamente e, no caso de Duarte Lima, para matarem pela ganância do dinheiro. Matou-se por 5 milhões de euros.

Por isso, bem pode Pacheco Pereira glorificar o PSD como o partido dos self-made men, que os exemplos citados pouco contribuem para a galeria dos heróis daquela organização partidária. É evidente que o PS também tem tectos de vidro. Armando Vara é o caso mais conhecido. São partidos do arco de governação, o que permite a alguns dos seus militantes capturarem o Estado e servirem-se dele para depois subirem na vida.

25/10/2011

Robespierre e Hitler, uma crítica

Há tempos resolvi comentar um post Sérgio Lavos referentes a cinco filmes da vida dele, cujo título em inglês começava por uma das letras do seu apelido. Na altura achei estranho que a selecção fosse feita na base do seu nome, hoje, como já referi em post anterior sobre a Líbia, parece-me provir de alguém um pouco egocêntrico. Mas isso é o que menos importa em relação a um post recente de Lavos.

Comecemos pelo princípio. Lavos, no post que dedicou à Líbia, e que eu comentei, escreveu: “Não há imagens da cabeça de Robespierre nem do corpo de Hitler envenenado” isto no meio de um texto atabalhoado a defender a morte de Kadafi.

Carlos Vidal, do 5 dias, depois de umas gracinhas sobre Lavos, reponde-lhe dizendo que Lavos não sabe “quem foi Robespierre, depois de o ter comparado a Hitler”. Como o senhor Vidal não é muito amado na esquerda não comunista – eu sendo um comunista não ortodoxo considero-o um pedante – houve logo quem se metesse ao barulho e fizesse um pequeno post sobre a defesa que ele fazia de Rosbespierre. Assim, Miguel Madeira, no Vias de Facto, considera estranho que Carlos Vidal defenda Robespierre, que não passaria de um social-democrata ou mesmo de um democrata-cristão. Brincadeira de mau gosto que só releva do pouco amor que aquele blogger desperta na blogosfera.

Depois disto Lavos, como que a dar razão a Carlos Vidal, faz mesmo a comparação entre Robespierre e Hitler, citando uma frase de cada um. Esta resposta motiva uma reacção indignada, mas quanto a mim justa, de João Valente Aguiar, no 5 dias, tentando focar os problemas históricos e políticos que aquela comparação acarreta. Foi a partir deste texto que eu fui deslindar toda esta história. Por último Segio Lavos responde irado num post com o título A fina flor da elite intelectual de extrema-esquerda.

Provavelmente gastei demasiadas linhas com tão ruim defunto, mas eu, que não me considero de extrema-esquerda, acho  aquela comparação perigosa e mostrando alguma ignorância.

Modernamente, e principalmente na altura da comemoração do bicentenário da Revolução Francesa, uma conjunto de intelectuais, principalmente franceses, da direita neo-liberal, empreendeu a desvalorização da Revolução Francesa, destacando o seu período de Terror, e começaram a compará-la, no pior sentido, com a Revolução Bolchevique, afirmando que uma era herdeira da outra e que o “terror vermelho” era o prolongamento do Terror da Revolução Francesa. Consideravam, por isso, a nossa noção actual de democracia como herdeira da Revolução Americana e não da Francesa. Entre nós o mais lídimo representante desta corrente é João Carlos Espada, que escreveu ontem um artigo no Público, Sobre a Primavera Árabe e a constituição da liberdade, que vai um pouco no sentido por mim definido. Portanto, para estes autores se há alguém que se deva comparar a Robespierre é Lenine ou mesmo Estaline e nunca Hitler, dado que estes é que imitaram o Terror, levando-o a patamares até aí desconhecidos. Não sei pois onde Sérgio Lavos foi buscar esta comparação, talvez porque aqueles nomes serem um bocado incómodos, preferiu Hitler a Lenine, desvalorizando mais a acção de Robespierre. Fronçois Furet, um autor que depois de ser comunista, resolveu aderir à direita, no seu livro sobre O passado de uma Ilusão, Ensaio sobre a ideia do comunismo no século XX (1996, Editorial Presença), dedica parte do capítulo 3 (O encanto universal de Outubro), à comparação entre a Revolução Francesa e a Revolução de Outubro, referindo-se especialmente à época do Terror.

Parece-me pois estranho que alguém, que penso, ou deduzo, ser próximo do Bloco de Esquerda, possa retomar, piorando, esta comparação, que é típica de uma linha de pensamento da direita.

Para terminar recomendo-vos o livro interessantíssimo de Michel Christofferson, Les Intellectuels contre la Gauche, L’idéologie antitotalitaire en France (1968-1981) (2009, Agone) que dedica um capítulo a François Furet, que antes de escrever aquele ensaio se tinha dedicado com proveito e fama à Revolução Francesa, vista desta perspectiva aterrorizadora. Tentou mesmo influenciar as comemorações do bicentenário daquela, na mesma linha que a direita portuguesa, chefiada por Rui Ramos, tentou influenciar as comemorações do centenário da República.

Provavelmente Sérgio Lavos encontrará mais armas para a sua fogueira num livro que saiu recentemente, O livro negro da Revolução Francesa, de diversos autores, editado pela Alêtheia, da Zita Seabra (ver aqui a descrição do livro pela editora). Já tínhamos um precedente O Livro negro do Comunismo (1998, Livros Quetzal), agora temos este.

PS.: afinal Miguel Madeira, do Vias de Facto, resolveu levar-se a sério e então entrou em polémica com João Valente Aguiar, do 5 Dias, para saber se Robespierre era um jacobino radical (tipo burguês radical) ou um revolucionário consequente. Esta parte da polémica parece-me de uma infantilidade esquerdista.

24/10/2011

Líbia: testemunho de Lizzy Phelan



Ver também este texto de Atilio Boron.

Hoje, torna-se cada vez mais difícil defender o indefensável. Isto não significa que esteja de acordo com tudo é mostrado e escrito, mas no essencial dá para ver como certas boas almas foram enganadas ou se deixaram enganar pelos media ocidentais.

23/10/2011

Ainda a morte de Kadafi

Quando no post anterior critiquei Rui Bebiano, do A Terceira Noite, escrevi que o fazia porque ele era o único, que eu tivesse lido, entre os blogs que consulto quase diariamente, que tinha escrito sobre a morte de Kadafi. Depois de redigir isto resolvi ir ver outros que estão inseridos naquela lista e descobri que a morte do ditador tinha merecido mais comentários. Um de Miguel Serras Pereira, no Vias de Facto, outro de Sérgio Lavos, no Arrastão, e outro ainda Helena Borges, no 5 dias. Qualquer deles de significado diferente e feito por pessoas de diversas origens políticas, todos da esquerda.

Assim, o post de Miguel Serras Pereira (MSP) é muito linear, não se pode condenar a morte de Kadafi, sem condenar o ditador e muito menos fazer dele um exemplo a seguir. Aqui, o autor cita o texto de Helena Borges que tem só esta frase: “De pé, a resistir à colonização do seu país pelas Nações Unidas do Atlântico Norte”. Sem me pôr ao lado de MSP, porque acho que não basta só dizer isto, concordo que é um despautério a afirmação de Helena Borges. No entanto, MSP cita igualmente um post do Politeia, um blog de JM Correia Pinto, que eu achei bastante interessante, ao ponto de o incluir entre aqueles que eu consulto quase diariamente. O título é As democracias ocidentais aderem à acção directa, que desmonta completamente a responsabilidade do Ocidente nesta morte. MSP está de acordo e Joana Lopes também. Vi em comentários ao post.

Pior é o texto de Sérgio Lavos, um pouco egocêntrico. Depois de escrever o seu post, diz que a posição que tomou neste é diferente daquela que assumiu quando da morte de Saddam Hussein e termina dizendo que dá que pensar. Não sei quem é que deve pensar, se o autor se os seus leitores. Estes, com certeza, não estão nada preocupados com a sua mudança de posição.

A encimar o seu post lá vem a célebre fotografia do corpo de Mussolini e seus acólitos pendurados numa praça de Milão, que já tínhamos encontrado em João Tunes (ver post anterior). Depois, há uma arrevesada justificação desta morte, seguida de uma reflexão sobre a condição humana e uma velha advertência de que aquilo que vimos no ecrã não é a realidade, ou seja, nós não estamos a assistir à sua morte, mas sim vimo-la pelos olhos de alguém, que não é um observador desinteressado. Isto é verdade, mas que não nos sirva para ofuscar os acontecimentos. Sobre Sérgio Lavos falarei noutro post, pois escreveu uma das mais ignaras afirmações que alguém, que participa num blog de esquerda, pode fazer: comparou Rosbipierre a Hitler.

Dito isto, para que ninguém me acuse de me refugiar em críticas e não dar a minha opinião, aqui vai ela. A história está cheia de meandros e não se pode fazer comparações entre factos que ocorreram com dezenas ou centenas de anos de diferença. Quando foi do processo de Nuremberg ainda era normal condenar as pessoas à morte, daí os principais dirigentes nazis serem enforcados, hoje, no Tribunal Internacional de Haia, ninguém já é condenado à morte. Por outro lado, as circunstâncias fazem o momento, se não houvesse uma tropa disciplinada e obediente às hierarquias, Marcelo Caetano não sairia vivo do Largo do Carmo. Bastava que Salgueiro Maia o entregasse à multidão. Lenine teve que fuzilar os czares porque havia o perigo deles caírem nas mãos dos brancos. Talvez Mussolini, se não fosse fuzilado naquele momento, morresse na cama. A História é feita pelos homens e as suas circunstâncias.

Por isso, o que me aflige na morte de Kadafi, é que ele foi morto pela NATO por interposta “ira das massas”. A senhora Clinton já tinha garantido que ele ou era morto ou ia preso e Bush, a partir do momento que disse que pagava a quem apanhasse Osama bin Laden vivo ou morto, deu rédea livre para que se matasse qualquer inimigo da América.

Houve quem justificasse a morte de Kadafi às mãos dos familiares daqueles que tinham sido mortos ou torturados pelo ditador, lamento mas aquelas massas parecem-me mais cães assolados pelo ódio tribal do que vingadores de injustiças. Os chamados rebeldes não me oferecem confiança nenhuma e o futuro irá de certeza confirmar isto que escrevi.

22/10/2011

As boas almas e a morte de Kadafi

Talvez seja da idade, mas cada vez suporto menos, dentro da esquerda, os comunistas ortodoxos e as boas almas que estão sempre a pregar sobre a liberdade e a democracia, esquecendo-se de examinar cada caso em si e cedendo, porque são preguiçosas, à pressão mediática dos meios de informação ocidentais.

Vem tudo isto a propósito de alguns posts que li sobre a morte de Kadafi. João Tunes, do Água Lisa, sempre o mesmo, mas foi exclusivamente porque estive a consultar o seu blog por causa do meu post anterior, tem um pequeno apontamento exclusivamente com uma fotografia da cara de Assad, da Síria, e por cima dela duas linhas cruzadas feitas à mão. Este conjunto é encimado pelo título Siga-se…Assad. Já se sabe que a este senhor não lhe ocorreu pôr a cara do rei da Arábia Saudita, que do ponto de vista dos direitos das mulheres é um país bem mais horrível do que a Síria em relação àquele género.

Não se lembrou também de pôr a cara do presidente do Iémen, que parece que regressou novamente ao seu pais, nem do rei do Bahrein, que com a ajuda dos sauditas “meteu na ordem”, com mortos e feridos, os revoltosos xiitas que pediam mais liberdade. Teve que recorrer ao inimigo número um das potências ocidentais e que diariamente é contestado nos media, que há muito se vão esquecendo dos outros casos de despotismo no Médio Oriente.

No post anterior, não fosse alguém ficar chocado com a morte macaca de Kadafi, expõe a fotografia de Mussolini e outros pendurados de cabeça para baixo numa praça de Milão e acrescenta quem não se indignou com este tratamento dado ao ditador italiano não se pode agora indignar com a morte de Kadafi, como se uma coisa tivesse a ver com a outra. Mas sobre a morte de Kadafi já escreverei a seguir.

Rui Bebiano, do A Terceira Noite, com mais classe e menos provocador, aborda também a morte de Kadafi. Lamenta-a, mas justifica-a, mas o pior é esta pequena frase “só porque andam uns quantos aviões pouco inocentes a cruzar os céus em voo picado”. Apesar de dizer que a intervenção dos aviões da NATO são pouco inocentes, dá pouca importância à sua intervenção. Eu sei que se fala na televisão em diversas versões para a morte de Kadafi e que as Nações Unidas já mandaram averiguar em que circunstâncias morreu. Contudo, depois da intervenção de um ministro do governo francês, que alardeando que foi um Mirage que detectou e bombardeou a coluna em que Kadafi seguia, não me restam dúvidas de que os ferimentos iniciais que se diz que existiam são da responsabilidade desse bombardeamento e que, quase de certeza, os rebeldes foram avisados da sua localização. Posteriormente, se foi morto ao sair do túnel (ver fotografia) onde se refugiou ou se andou em bolandas até ser morto são pormenores pouco importantes.

Tudo isto para dizer que se não fossem os aviões e os "consultores" no terreno da NATO que, de acordo com a resolução das Nações Unidas, tinham uma missão bem diferente, nunca os rebeldes tinham vencido e morto Kadafi. Ou seja, já que gostam de fazer comparações e tomarem posições de princípio, em que é que esta guerra diferiu da invasão do Iraque por Bush, que de certeza condenaram? Não conduziu qualquer delas ao derrube do ditador e à sua morte, seja por enforcamento, caso de Saddam Hussein, ou por fuzilamento, caso de Kadafi. No fundo, não foi devido à intervenção estrangeira, para mim do imperialismo, que estes ditadores caíram? Será que a diferença está no mandato das Nações Unidas, que no Iraque não existiu e na Líbia foi completamente subvertido?

Tanto num caso como noutro não sabemos o que o futuro reservará aqueles dois países, só sabemos é que o petróleo continuará a correr para os bolsos das grandes companhias petrolíferas e que, tanto num caso como noutro, pouco restará para a sua população. Mas sabemos mais que tanto a queda da estátua de Saddam como a tomada de Tripoli, foram saudadas pelo CDS como novos 25 de abris.

Alguma coisa está errada nestas apreciações.

Mas não deixaria também de assinalar esta outra frase no texto de Rui Bebiano: “Como custa a entender … o silêncio cúmplice diante dos milhares de mortos sírios de Bashar Al-Assad”. Mas quem é que é cúmplice? Todos os dias são noticiadas as mortes lá ocorridas. Há resoluções da União Europeia e das Nações Unidas sobre o assunto. A senhora Clinton já fez diversas advertências. O que é que queriam mais, talvez a NATO a bombardear com fins humanitários a Síria? Simplesmente, ali não há petróleo. O silêncio cúmplice tem baixado é sobre a repressão dos xiitas no Bahrein, com a ajuda dos sauditas, que como são amigos dos ocidentais são sempre esquecidos nestas coisas de direitos humanos. Tristes tempos que estamos vivendo.

PS.: Estes dois blogs foram referidos, um, porque ocasionalmente passei por ele, e outro, porque é uma das minhas consultas quase diárias, não foi por nenhuma animosidade especial. Provavelmente muitos outros saudaram a morte de Kadafi, simplesmente não os li.

Acabei de ler, no Público, A bizarra história da intervenção na Líbia (sem link), de José Pacheco Pereira, e acho que ele aborda este tema de uma perspectiva com que concordo. Eu sei que ele apoiou a intervenção no Iraque e que deve achar esta guerra uma intervenção da social-democracia (Obama), tal como já tinha sido a intervenção contra a Sérvia, que ele também não apoiou. Mas Pacheco Pereira quando está contra, seja em relação ao Governo ou à política internacional, é tão lúcido e apresenta por vezes tal argumentário que consegue ultrapassar as proclamações da esquerda sobre os mesmos temas.

21/10/2011

Mais uma vez a Guerra Civil espanhola – II

O prometido é devido. Apesar do atraso e da premência do desastre nacional remeto-vos para a segunda parte do post sobre a Guerra Civil espanhola.

Começo por referir, porque acho que se integra bem neste post, o livro sugerido num comentário anteriormente feito à primeira parte deste trabalho.

Estou e a aludir ao livro de Antony Beevor sobre a Guerra Civil espanhola, que em português leva o título de A Guerra Civil de Espanha (Bertrand Editora, 2006), já que o título original, citado no comentário, é The Batle for Spain, mantido na tradução brasileira da obra: A Batalha pela Espanha. É interessante saber que este livro foi reescrito e ampliado pelo autor em 2005, depois de ter acesso aos arquivos da ex-União Soviética. A primeira edição era de 1985, se me lembro bem do que li, e da qual foi feita uma tradução pela Livros do Brasil. Fiquei a saber tudo isto consultando, como é hábito, o motor de pesquisa da Google, o que me atrasou na redacção deste post.

Não li o livro, nem ainda o comprei, mas penso pelo que li sobre ele que se integra numa corrente revisionista que pretende deslegitimar a acção da República. Uma das conclusões do livro é de que se a República vencesse se tornaria numa ditadura comunista igual àquelas que posteriormente vieram a existir no Leste europeu, depois de 1945. Parece-me esta conclusão perfeitamente disparatada, porque é não perceber nada do que foi a acção da URSS antes da II Guerra Mundial e principalmente em Espanha, defendendo a segurança colectiva, que envolvia alianças com a Inglaterra e a França contra a Alemanha, daí ser impensável o apoio à revolução socialista, visto que a mesma impediria qualquer aliança com aqueles dois países. É esta a acusação base que é feita a Estaline por todos os movimentos à esquerda do PCE (anarquistas e POUM). Por outro lado, é não ter em conta o que se passaria durante a II Guerra Mundial, com as alterações que a mesma trouxe à reordenação da Europa. Provavelmente, neste caso, Salazar não se livraria de entrar na Guerra.

Pelo que li, igualmente nas recensões a este livro, Antony Beevor também não é nada meigo para com os franquistas, o que motivou alguma contestação critica (ver aqui, aqui  e aqui) da direita espanhola, onde esta última edição saiu originalmente. Num delicioso vídeo de um reaccionário brasileiro, que encontrei no YouTube, este livro também é citado, entre a numerosa literatura anticomunista que refere, aqui para provar que houve matança de gente do clero, mas acrescentando no início que é um livro esquerdista, porque, penso eu, não toma partido pela cruzada de Franco contra os ateus comunistas.

Escrito isto, que vai um pouco ao arrepio aceitação generalizada desta obra de Beevor, gostaria de voltar ao livro que aqui nos trás, este sim já por mim lido recentemente. Estamos a falar do livro de Stanley G. Payne, A Guerra Civil de Espanha, a União Soviética e o Comunismo, de 2006, da Editora Ulisseia.

Este livro insere-se igualmente na corrente historiográfica que pretende deslegitimar o Governo da República. Isto porque os defensores deste Governo, no fundo os partidos que compunham a Frente Popular, que ganhou as eleições em Fevereiro de 1936, - dela não constavam os anarquistas, por ser um dos seus princípios base não participar em eleições “burguesas” - sempre desejaram uma revolução ou um governo só da esquerda e ao ganhar as eleições apropriaram-se do poder como se pudessem de imediato pôr em prática as suas ideias. Já se sabe que isto é a visão de uma autor apoiante de Bush e neo-conservador (ver aqui), que tem uma visão enviesada do que é a democracia: qualquer governo que seja de esquerda e que deseje uma real transformação social, o que nem se pode dizer que estivesse a suceder em Espanha antes do golpe militar (Julho de 1936) é anti-democrático, os governos de direita, mesmo que sejam ditaduras, são sempre democracias, pois estão a fazer progressos para se democratizarem. É por isso que imediatamente acusaram Allende de pretender instalar no Chile uma ditadura comunista e preferiram Pinochet, esse “grande democrata”, a Allende.

Para compreender as teses de Stanley Payne remeto-vos para uma descrição que é feita na Wikipedia  relativamente ao pensamento revisionista sobre a Guerra civil espanhola a propósito da biografia de uma dos seus mais famosos defensores, Pio Moa, que foi apoiado, nos debates travados em Espanha sobre este assunto, por Payne. A tradução do texto foi automática, com correcções minhas:

1. Uma parte substancial da esquerda (os anarquistas, PCE, ERC - Esquerra Republicana de Catalunha e do sector de PSOE, liderado por Largo Caballero ) teve um carácter marcadamente antidemocrático, uma vez que considerava a República como um mero trampolim no caminho para seu objectivo final o da Revolução Social.


2. Este sector da esquerda espanhola organizou a revolta de Outubro de 1934.

3. As eleições de 1936 ocorreram numa república que não era democrática, A Frente Popular venceu por estreita margem de votos (mas com muito mais lugares no parlamento), devido a certos arranjos obscuros, como os denunciados pelo então Presidente da República, Niceto Alcalá Zamora , e corroborados, segundo Moa, pelas memórias de Azaña, Alcala-Zamora e Madariaga.

4. A situação de violência na rua e o real fervor revolucionário originou uma resposta simétrica em sectores da direita , a que se juntou uma parte de oficiais do Exército, desembocando toda esta escalada de violência - que culminou no assassinato por membros da Guarda de Assalto do deputado e líder da oposição, José Calvo Sotelo - na revolta de 18 de Julho de 1936 . Esta seria uma reacção desesperada de uma direita que não espera mais tempo, como a esquerda da Frente Popular vinha anunciado há anos.

Eu não podia traduzir melhor o pensamento de Stanley Payne expresso neste livro. Penso que Antony Beevor não pensa de igual modo, mas temo, pelas recensões que li, que apesar de ser muito mais crítico para com os franquistas, não deixa de deslegitimar a República, antevendo, se ela vencesse, um cenário de terror.

Falando mais concretamente do livro diria que o pior são as interpretações do autor relativamente à República e às suas intenções, pois que a descrição das acções do PCE e das ajudas da URSS e a intervenção dos agentes policiais que esta enviou para Espanha parecem-me bem fundamentadas e provavelmente a corresponderem à realidade. O problema é sempre do parti-pris de que parte.

Gostaria de sublinhar um dos aspectos que mais me chocou, foi a descrição daquilo a que se chama o “biénio negro” da República, ou seja os dois anos (1934-36) em que a direita governou. Como se sabe, em Outubro de 1934 ouve uma revolta dos mineiros asturianos que foi derrotada, este mesmo ano é referido num dos pontos anteriormente transcritos a propósito do pensamento de Pio Moa. Ora tanto Stanley Payne, como pelos vistos Moa, consideram que nesse Outubro ouve uma tentativa insurreccional generalizada, com responsabilidades do PSOE de Largo Caballero e da Generalitat da Catalunha. E que, por isso, a esquerda tinha-se antecipado à direita nos golpes revolucionários. Estive a ler este período tanto na obre de Preston, como na Hugh Thomas, qualquer deles referido por mim no post anterior, e verifiquei que se é um dado indiscutível que houve uma revolta dos mineiros asturianos, que foi reprimida por tropas da Legião sedeadas em Marrocos, já o resto da revolta generalizada está envolta em grande bruma e não é certo que tivesse existido, com as características que Payne lhe aponta.

Mas mais grave ainda é Payne achar o Governo da direita nada fez para eliminar as organizações revolucionárias que tinham organizado a insurreição e ainda mais acrescenta: “A repressão por parte da República, em 1934-35, foi de uma suavidade sem precedentes na história moderna da Europa Ocidental – mais suave do que em qualquer estado liberal ou semiliberal da Europa dos séculos XIX ou XX…” (pag.84). E que exemplos ele usa de repressão: a da Comuna de Paris, a da revolução de 1905-07 na Rússia dos czares, a da revolução na Alemanha, em1918-19, e, um caso que eu desconhecia, a do “golpe comunista” na Estónia “democrática”, em 1924. E termina esta página brilhante assim: “o falhanço da repressão dos revolucionários não constitui um benefício para a democracia liberal em Espanha, e pode ter apressado a sua destruição. Atroz como foi, a repressão dos communards de Paris em 1871, por exemplo, pode ter ajudado a estabilização inicial da Terceira República da classe média francesa, durante as décadas de 1870 e 1880”. Depois cita um caso finlandês de 1918, com muita repressão à mistura, que só ajudou a consolidar a democracia naquele país. Esta página, a 85, é um manual de como os estados devem lidar com as organizações revolucionárias e como as devem reprimir, que qualquer pessoa que se considere da esquerda não pode ler sem sentir um profundo horror.

Por estas razões custa-me perceber porque é que João Tunes, do blog Água Lisa, na recensão que faz a este livro o recomenda vivamente. Mesmo que haja um conjunto importante de informações sobre a acção do PCE e da URSS, dirigida por Estaline, tem que previamente se alertar as pessoas para a reccionarices anteriormente apontadas. Por outro lado, o ódio a Estaline e a todo o movimento comunista internacional da altura leva-o a fazer uma descrição da Guerra Civil espanhola que, cabe perfeitamente no tipo de revisionismo histórico que eu apontei em cima. Antony Beevor escreve, parece que logo no início do seu livro, que uma das primeiras vítimas desta guerra teria sido a verdade. João Tunes não foge deste ponto de vista, agravando-o. Por exemplo, Preston dedica o seu livro às Brigadas Internacionais, apesar de criticamente apreciar a acção de Estaline. João Tunes devido aos seus preconceitos não é capaz de olhar criticamente para acção dos comunistas, sem ter que ver em cada um deles a mão de Moscovo, ou seja, a mão de Estaline.