31/01/2012

Uma petição para demitir Cavaco

O meu amigo Fernando Penim Redondo achou por bem publicar um post  onde transcrevia uma crónica de Ferreira Fernandes, no Diário de Notícias, acrescentando-lhe depois algumas palavras da sua lavra.

Nada tenho contra a sua liberdade de publicar o post referido, acho no entanto que a propósito do tema, sobre o qual já escrevi bastante, que devo fazer alguns comentários. Não penso, como já o demonstrei neste post, que aquilo que o presidente disse fosse uma simples "tolice", que lhe saiu da boca para fora. Considero que é um assunto a que já dedicou duas intervenções e que verdadeiramente considera que é injusta a retribuição que ele e a sua mulher recebem como pensionistas do estado. Como se recordam, na última, sublinhou mesmo, virando-se para o jornalista, “ouviu bem, 1300 €”, referindo-se à pensão que usufruía como ex-professor universitário. O que se pode considerar como uma "tolice", que lhe saiu impensadamente, foi ter dito que a reforma que recebia “mal dava para as despesas”. Provavelmente aí deixou-se arrastar pelo seu convencimento das fracas reformas que auferia.

Pessoalmente, como já o afirmei, penso que o Presidente é medíocre e mesquinho e como prova disso, além das duas declarações sobre as pensões recebidas, o discurso do dia da vitória é de um irremediável mau gosto, feito por alguém com aquele estatuto. Mas, a sua vida é igualmente um exemplo da sua personalidade.

Ferreira Fernandes termina a sua crónica achando que precisa de um presidente que não seja amesquinhado, para poder garantir “as liberdades todas”. Quanto a mim, mal iremos se depositamos em Cavaco a defesa das nossas liberdades. Nunca no passado, como primeiro-ministro, como no presente, deu qualquer sinal que estaria atento aos atentados às liberdades. Se não formos nós a defendê-las, penso que dificilmente podemos contar com o Presidente.

Fala o Fernando que as petições e as manifestações são feitas por um grupo de amigos totalmente isolados da “massa do povo”. Não me parece que seja isso que sucedeu. A vaia espontânea que Cavaco recebeu em Guimarães é sinal de que o povo também se sabe manifestar quando alguém diz “tolices” daquele género.

Por último, gostaria de falar sobre a petição. Resisti durante alguns dias em assiná-la, apesar de ter sido solicitado por diversas vezes a fazê-lo. Hoje, depois de me tornar um peticionário, reconheço que foi um erro, não pelas mesmas razões com que resisti no princípio, nem de certeza por aquelas que o Fernando e o Ferreira Fernandes aduzem. È que, depois de ler os jornais de fim-de-semana, que falam das guerras de alecrim e manjerona entre o Governo e o Presidente, verifico que ao tomar partido contra o Cavaco estou indirectamente a ajudar o Passos Coelho. E entre um e o outro venha o diabo que escolha. Por isso, apesar da grande facilidade que foi arranjar mais de 35 mil assinaturas, acho que nada devemos fazer para que um vença sobre o outro. Devemos, de facto, deixá-los andarem à guerra. Mas isto sou eu que digo, que estou velho e iracundo com quem nos “desgoverna”, mas quem gosta de tomar posições institucionais está no seu direito de tomar partido.

29/01/2012

O caso da “historiadora” Raquel Varela e a crítica de JMF

A propósito de José Manuel Fernandes (JMF), sobre o qual escrevi no post anterior, encontrei na bloggosfera um link para um post da sua autoria, que se refere à entrevista que a historiadora Raquel Varela deu ao Público relativa à publicação do seu livro A História do PCP na Revolução dos Cravos (Bertrand Editora, 2011). Para a achincalhar refere-se a ela como “historiadora”, pondo o termo entre aspas, acrescentando que se devia mais apresentar como activista política.

O post já tem algum tempo, foi publicado em 25 de Abril de 2011, e consiste em criticar a posição que aquela assume de “que Álvaro Cunhal “nunca quis fazer uma revolução socialista em Portugal” e que “nunca existiu o risco de o PCP tomar o poder em Portugal” nos anos de 1974 e 1975”. As aspas no meio do texto são as declarações de Raquel Varela ao Público. Aquele blogger acha “que não é inócuo vender a tese de que o PCP é um cordeirinho pascal” e para perceber como é que a entrevistada chega àquelas conclusões vai ao longo do post, qual inquérito policial, procurando conhecer o seu percurso. A dado passo, apercebe-se que Raquel Varela não é do PCP, chegando a essa conclusão a partir de um texto de Vítor Dias, relativo à indignação deste a propósito da comunicação apresentada por Raquel Varela no primeiro colóquio Os Comunistas em Portugal, organizado, segundo o post de JMF, “pelo remanescente grupo” da Política Operária.

Aquilo que primeiro me vem à memória é como é que este ex-militante da UDP não se recorda, como tanta vezes gritou ou escreveu, que o PCP era social fascista, socialista nas palavras e fascista nos actos, e que não estava de certeza empenhado em fazer a revolução socialista em Portugal, antes, só pretendia sabotá-la. Esta gente depressa se esquece daquilo que aprendeu nos bancos da escola, por isso não se devia espantar com a posição de Raquel Varela que se assemelha àquela que ele e muito boa gente defendia na altura, com algumas nuances, é certo.

Segundo é que eu elaborei vai para quatro anos um post, em duas partes (ver aqui  e aqui), sobre a Revolução Democrática e Nacional, antes e depois do 25 de Abril, que de um ponto de vista totalmente diferente do de Raquel Varela chega, de algum modo, a conclusões semelhantes, mas não vendo nisso nenhuma traição do PCP à revolução. E mais, não só participei nos três colóquios sobre Os Comunistas em Portugal que se realizaram, o primeiro em 2008, onde Raquel Varela apresenta a primeira versão da sua tese de doutoramento e que muito me indignou, tendo escrito um post sobre o assunto. O segundo realizou-se em 2009 e o terceiro em 2010, onde tive oportunidade de apresentar uma versão mais reduzida dos posts já anteriormente referidos e onde Raquel Varela apresentou a versão final da sua tese e que depois foi revertido para o livro anteriormente referido.

O mais interessante de tudo disto, é que ao ler o meu post sobre a descrição do primeiro colóquio sobre os comunistas e as posições de Raquel Varela me apercebi que a frase que JMF atribui a Vítor Dias – “a tese muito defendida em alguns meios esquerdistas que o PCP traiu a Revolução aliando-se à burguesia e reprimindo as suas aspirações populares” – foi escrita por mim e transcrita por Vítor Dias, coisa que o nosso blogger não se apercebeu. JMF faz mesmo a partir daquela frase um link para o post de Vítor Dias, sucede é que este integrava a primeira parte do seu blog, O Tempo das Cerejas, que por qualquer razão informática deixou de estar disponível e obrigou o seu autor a fazer uma segunda parte.

Eu, por acaso, recordo-me da história porque sei que Vítor Dias não foi àquele colóquio e serviu-se do meu texto para criticar Raquel Varela.

Tudo isto se passou em 2008, já lá vão mais de três anos, não vale a pena estar a ressuscitar matéria tão perecível como são os posts na bloggosfera, simplesmente quis atribuir o seu a seu dono. No entanto, há uma coisa que não se alterou é a posição de todos estes reaccionários, incluindo até a posição do socialista Mário Soares sobre o papel desempenhado pelo PCP no 25 de Abril. Continuam a reescrever a história a propósito da chegada de Álvaro Cunhal à Portela e a defender que aquele pretendia no 25 de Novembro e mesmo antes disso instaurar de imediato o socialismo em Portugal. Dirigem o seu ódio contra aquele partido, quando no fundo o que querem atacar são as possibilidades transformadoras daquela Revolução.

PS. I: depois de escrito o post verifiquei que nada tinha dito sobre o livro (ver fotografia). Já o comecei a ler duas vezes, na segunda cheguei a metade. Sem desprimor para a autora, a verdade é que há sempre outros imperativos que mo impedem de acabar. Quando o ler na totalidade farei a sua crítica.

PS. II: depois de publicar este post, fui ao Google ver se era possível aceder ao post de Vítor Dias, referido no texto principal, para isso pesquisei em conjunto os nomes de Raquel Varela e de Vítor Dias e obtive resultados interessantes. Primeiro, encontrei uma entrevista dada por Raquel Varela à revista Sábado que foi por esta completamente censurada, tendo em compensação publicado referências ao post de JMF. Segundo, descobri que o Vítor Dias, de forma quanto a mim um pouco descabida, resolve, a propósito do lançamento do livro de Raquel Varela e sem o ter lido, fazer um aviso à navegação num comentário que remete para o seu post, que, por sinal, ainda continua indisponível. O meu nome vem diversas vezes à baila, já que, como eu sabia, ele tinha-se baseado num texto meu para criticar Raquel Varela. Só JMF é que não sabia.

28/01/2012

História de uma censura na RDP e de um delator

Já venho um pouco atrasado em relação aos casos da censura na Antena I. No entanto, não quero deixar de chamar a atenção para este facto e fazer a comparação com uma campanha eleitoral que se baseou principalmente na denúncia de factos semelhantes praticados pelo PS. Por outro lado, quero igualmente sublinhar o papel desempenhado por um pequeno delator, o Sr. José Manuel Fernandes.

Comecemos pelos factos. Primeiro foi a crónica, transmitida no dia 18 de Janeiro, naquela estação radiofónica, do jornalista Pedro Rosa Mendes, criticando o programa de Fátima Campos Ferreira, Reencontro, da RTP, transmitido directamente de Angola, para maior glória do Governo de José Eduardo dos Santos e do nosso Ministro da Propaganda, Miguel Relvas. Foi dito ao jornalista “que a próxima seria a última porque a administração da casa não tinha gostado da última crónica sobre a RTP e Angola” (ver aqui e aqui). Depois foi a cineasta Raquel Freire que, na sua crónica de terça-feira, do dia 24 de Janeiro, informou em directo os ouvintes que aquela também seria a última e referiu-se à falta de liberdade, dando como exemplo o filme Good Night and Good Luck, sobre os anos negros do mccarthismo, nos EUA,

Para não acusarem a RDP de fazer censura directa a duas pessoas incómodas, a administração resolveu acabar com o programa, que se chamava Neste Tempo, em que havia uma crónica assinada cada dia da semana, de segunda a sexta, por uma pessoa diferente. Como também era previsível, foi dito que há muito o programa estava para acabar. O que parece não ser verdade visto já terem sido encetados contactos com Pedro Rosa Mendes sobre o modo como se iria processar a sua renovação do contrato.

Rosa Mendes ainda teve possibilidades de fazer a sua última crónica deste mês, no dia 25, também sobre o problema da liberdade referindo-se ao livro do cineasta cambojano Rithy Panh, L'élimination, recentemente editado em França.

A propósito deste acto de censura, em que de certeza participou o Ministro da Propaganda, Miguel Relvas, gostaria de lembrar a campanha eleitoral de 2009 em que o PSD atacou o PS por ser responsável pela  “asfixia democrática”, que então parecia envolver o país. Esta campanha, segundo rumores que circularam na época, tinha sido bichanada por Pacheco Pereira a Manuela Ferreira Leite. Já se sabe que falhou, porque naquela altura não era aquilo que começava a preocupar as pessoas, no entanto, como se viu mais tarde, Sócrates tentou controlar os órgãos de informação – veja-se o caso da TVI e até o do Luís Figo, como exemplo bem cuidado de propaganda. Com Sócrates o que sucedia é que ele tentava comprar os órgãos de informação que não lhe eram afectos, este Governo pura e simplesmente elimina as pessoas incómodas.

É engraçado que Pacheco Pereira, na última Quadratura do Círculo, incentivado por António Costa, tivesse respondido que em relação ao caso de Rosa Mendes, a culpa era de se ter deixado entrar os angolanos nos meios de comunicação social do nosso país. Esquecendo-se que, tirando alguns caso de acções em tribunal posta pelo governo angolano e de que o próprio Rosa Mendes foi vítima, quem cortou o programa da RDP foi a direcção da estação, com certeza por ordens do Governo, e não dos angolanos. A "asfixia democrática" é da responsabilidade deste Governo e não de terceiros.

Quanto ao pequeno delator gostava que consultassem este post onde são exibidas as declarações de José Manuel Fernandes, no Facebook, que considera que “uma tal” “realizadora”, entre aspas, Raquel Freire “faz propaganda incendiária de extrema-esquerda” na Antena I.

Aqui temos, como este senhor denuncia ao Governo quem faz na rádio pública propaganda de extrema-esquerda. Depois de identificados os alvos, é simples atirar a matar. É isso que o Governo faz com grande deleite, ajudado por este delator que lhe corrige a pontaria.

27/01/2012

Faixa colocada no Terreiro do Paço


Faixa colocada no Terreiro do Paço, na vedação dos barcos para o Barreiro, em frente ao Ministério das Finanças…

26/01/2012

A título de abono suplementar

Vejam este despacho publicado no Diário da República, de 19/01/12, 2º série.

"MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA

Gabinetes do Secretário de Estado do Ensino Superior e da Secretária de Estado da Ciência

Despacho (extrato) n.º 774/2012

Nos termos e ao abrigo do disposto nos n.os.3 e 4 do artigo 2.º e no artigo 6.º do Decreto -Lei n.º 262/88, de 23 de julho:1. É nomeada Helena Isabel Roque Mendes para, no âmbito dos nossos Gabinetes, exercer funções de apoio à Rede Informática do Governo (RING) e de interface com o Centro de Gestão da Rede Informática do Governo (CEGER).

2. A nomeada auferirá uma remuneração mensal de € 1.575,00 (mil quinhentos e setenta e cinco euros), atualizável na mesma percentagem do índice 100 da escala salarial das carreiras do regime geral da função pública, acrescida do subsídio de refeição que estiver em vigor.

3. Nos meses de junho e novembro, para além da mensalidade referida no número anterior, será paga outra mensalidade de € 1.575,00 (mil quinhentos e setenta e cinco euros), a título de abono suplementar.

4. Os encargos resultantes do presente nomeação serão suportados pelo orçamento do Gabinete do Secretário de Estado do Ensino Superior.

5. O presente despacho produz efeitos a partir de 28 de junho de 2011, e é válido pelo prazo de 1 ano, renovável, até à sua caducidade, conforme o previsto na parte final do artigo 11.º do Decreto -Lei n.º 262/88, de 23 de julho.

11 de janeiro de 2012. — O Secretário de Estado do Ensino Superior, João Filipe Cortez Rodrigues Queiró. — A Secretária de Estado da Ciência, Maria Leonor de Sá Barreiros da Silva Parreira."

Agora o 13º e 14º mês são pagos aos amigos como "a título de abono suplementar".

Convém reparar que este despacho produz efeitos a partir de 28 de Junho de 2011, mas tem a data de 11 de Janeiro de 2012, já durante a vigência da Lei do Orçamento, que retira a todos os funcionários públicos aqueles subsídios.

PS.: este despacho está scrito de acordo com o novo acordo ortográfico. Desde já declaro que nunca irei aderir a este acordo, por isso os textos escritos por mim matém-se de acordo com a anterior ortografia.

PS. (27/01/12): Por gentileza de Joana Lopes, fui informdo que este despacho foi revogado por outro posterior. O escãndlo era demasiado grande. Aqui segue o despacho posterior.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA

Gabinetes do Secretário de Estado do Ensino

Superior e da Secretária de Estado da Ciência

Despacho n.º 793-B/2012

É aditado ao despacho n.º 774/2012, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 14, de 19 de janeiro, o n.º 6 com a seguinte redação:

«6 — A aplicação do disposto no n.º 3 do presente despacho encontra -se suspensa durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira, nos termos do artigo 25.º da Lei n.º 64 -B/2011, de 30 de dezembro.»

19 de janeiro de 2012. — O Secretário de Estado do Ensino Superior, João Filipe Cortez Rodrigues Queiró. — A Secretária de Estado da Ciência, Maria Leonor de Sá Barreiros da Silva Parreira.

PS. (31/01/12): afinal o lapso tornou-se em regra e no Ministério da Justiça há já um caso semelhante. Parece que a Ministra garantiu que a redacção do despacho estava dentro da lei, e que os dois subsídios estariam suspensos durante o período de ajuda externa a Portugal. A ver vamos se é assim. A notícia vem no Público de hoje.

25/01/2012

Ainda as declarações de Cavaco Silva

Alguns comentadores e dirigentes políticos têm sublinhado que as declarações de Cavaco Silva a propósito da sua reforma correspondem a uma grande insensibilidade social. Não deixo de lhes dar razão, mas penso que o mais importante não é isso, mas sim a ideia de que é vítima de uma grande incompreensão nacional. As pessoas pensam que lá por ser Presidente da República ganha rios de dinheiro e não é verdade. As pensões da sua mulher e dele são bem pequenas. Assim, quando alguém numa recepção popular se referiu à baixa pensão que auferia, ele respondeu “sabe quanto é que ganha a minha mulher? 800,00 €”. Portanto, ele achava que a Maria, que tinha sido professora, recebia uma parca pensão. O mesmo se aplica a ele, tendo descontado durante quarenta anos como professor universitário, recebia só 1300,00 €. E repetiu para o jornalista: “ouviu bem, 1300,00 €”. Portanto, o homem anda convencido que ele e a mulher recebem uma pensão que não é equivalente àquilo que trabalharam. Já se sabe, como eu provei em post anterior, que a história está mal contada. Ele omite algumas partes, não nos dando toda a informação para podermos ajuizar da sua verdade.

Pelas razões expostas, penso que da parte dele não há qualquer insensibilidade social, nem as justificações que deu sobre o assunto correspondem ao que tem estado na origem dos seus lamentos. Ele anda de facto convencido que recebe pouco.

Estas declarações inserem-se igualmente no discurso de vitória que fez, passou agora um ano. Atacou os seus adversários por o terem caluniado, mas a sua eleição é o exemplo de como a verdade vem ao de cima. Está mais uma vez convencido de que foi vítima de uma grande injustiça, porque tudo o que fez está acima de qualquer suspeita.

Isto só revela um espírito medíocre e mesquinho. Já Joana Lopes, no seu Entre as Brumas da Memória,  tinha chegado à mesma conclusão. No entanto, ao contrário dela, resolvi assinar a petição que anda por aí. Estive até hoje para o fazer, mas achei que o barulho era já suficiente para causar alguma mossa na sua credibilidade e acho que todos os meios são bons para agitar as águas da indiferença nacional. Não vos digo que façam o mesmo, pode haver boas razões para não assinarem a petição, mas eu não resisti.

22/01/2012

A crise financeira e económica: uma achega política e histórica

Pode-se dizer que ainda não dediquei nenhum post a esta crise financeira e económica que atravessa a União Europeia, particularmente agravada nos países periféricos como a Grécia, Portugal e a Irlanda, mas agora já transposta para a terceira economia da UE, a Itália.

A razão é simples eu não sou economista e, por isso, não domino bem o discurso daquela disciplina que permite fazer a interpretação da crise e até propor soluções. Por este motivo, terei sempre que me socorrer dos seus aspectos políticos e históricos, áreas que um leigo como eu domina melhor.

Feita esta advertência prévia, passemos ao que interessa. Tal como a crise que teve início em 1929, nos Estados Unidos da América, teve várias soluções, dentro do regime capitalista, e ainda uma outra que foi a “revolução por cima” iniciada por Estaline, na URSS, nesse mesmo ano, assim a actual também deve ser encarada de uma perspectiva de soluções múltiplas.

A primeira solução que foi posta em prática teve só início no ano de 1933, com a eleição de Franklin Delano Roosevelt para Presidente dos EUA. A sua resolução consistiu na adopção de um programa que se chamaria social-democrata na Europa e que nos EUA foi conhecido por New Deal: subsídios para os desempregados e grandes investimentos públicos para dinamizar a economia. Medidas semelhantes foram tomadas na Escandinávia que, a partir dos nos 30, foi governada por partidos sociais-democratas. Na Suécia isso verificou-se em 1932, com a chegada pela primeira vez ao poder do partido social-democrata.

Outra solução para a crise foi a que adveio da chegada ao poder, em 1933, de Hitler. A Alemanha tinha, por essa altura, 40% de desempregados, muitos deles a votarem no Partido Comunista Alemão, o mais forte da Europa Ocidental, e outros a votarem nos nazis. Com a ditadura nazi, que esmagou rapidamente o Partido Comunista Alemão e o Partido Social-Democrata, esta situação foi resolvida. Diga-se de passagem que a crise adveio das dívidas colossais da Alemanha, sobretudo devido ao tratado de Versalhes, que a obrigava a fortes indemnizações às potências vencedoras da I Guerra Mundial. Essas dívidas eram pagas sobretudo com empréstimos dos EUA. Quando, em 1929, a crise rebentou naquele país, este deixou de enviar dinheiro para a Alemanha e a situação em pouco tempo tornou-se explosiva. Na Itália fascista a situação não foi tão prontamente resolvida, no entanto, a tomada do poder pelos nazis na Alemanha teve uma repercussão por contágio em toda a Europa, só restando neste continente, em 1939, uma meia dúzia de estados democráticos, de economia capitalista.

A solução preconizada por Estaline foi a da “revolução por cima”, que nada teve a ver com a crise de 1929, mas sim com o próprio desenvolvimento da revolução bolchevique de 1917. Estaline lança, em 1929, a colectivização forçada dos campos e desencadeia, na base de Planos Quinquenais, a industrialização da URSS. Foi o próprio Estaline que designou esta nova etapa da Revolução Bolchevique como uma “revolução por cima”, dado que não tinham sido as massas a desencadeá-la, mas sim a Direcção do PCUS. Nos anos trinta, o Ocidente em crise assiste ao crescimento da URSS e ao pleno emprego neste país. Por isso, o termo planeamento entrou no vocabulário dos países capitalistas do Ocidente.

Hoje, tal como há mais de 80 anos, a solução da crise, apresenta aspectos semelhantes.

Em primeiro lugar também temos a soluço social-democrata constituída pela emissão de eurobonds, pela renegociação das dívidas soberanas, por empréstimos a juros baixos do Banco Central Europeu e toda uma miríade de soluções que normalmente são apresentadas para a resolução da crise. Sucede é que a solução deste problema tem que ser conseguida ao nível da própria União Europeia, com Governos que acreditem nestas mesmas medidas. Para isso é indispensável que nos centros de decisão, em Berlim ou Paris, haja uma alteração dos partidos dominantes, que social-democracia ganhe as eleições, coisa que sendo possível a curto prazo na França, já o mesmo não parece ser tão líquido na Alemanha. Por outro lado, nada garante que a social-democracia chegada ao poder naqueles países tenha condições e vontade política para resolver a situação. Como exemplo histórico, temos o caso dos governos trabalhistas na Inglaterra, entre 1929-31, que se mantiveram agarrados à velha tradição liberal, sendo que só em 1932, com a subida da social-democracia ao poder na Suécia, e tendo em conta a má experiência inglesa, é que aquela tendência política pode encarar a resolução da crise, sem no entanto isso ter qualquer influência na evolução política da Europa da altura. Hitler estaria pouco depois a subir ao poder na Alemanha.

Embora hoje não se perfilem no horizonte ameaças declaradamente nazi/fascistas, a subida ao poder de governos fortemente nacionalistas e populistas, a imposição quer na Grécia quer na Itália de Governos tecnocráticos, sem qualquer relação com a vida política daqueles países, a manutenção e a tentativa de resolução da crise com as mesmas medidas que estiveram na sua origem, o domínio de toda a zona euro pela Alemanha, correspondem grosso modo a uma solução retrógrada e, por vezes fascizante, como na Hungria, e arrastam a solução da crise, tal como sucedeu na América, antes da subida de Roosevelt ao poder, em 1933, ou como no caso já referido da manutenção da ortodoxia financeira pelo desastroso governo trabalhista britânico.

Resta a solução mais complicada e talvez impossível de uma alteração política da situação na Europa do Sul. As condições que estão a ser criadas na Grécia, em Portugal, e talvez em Espanha e Itália são tão gravosas que os povos podem não aceitá-las, e dar o poder a um verdadeiro governo da esquerda. É evidente que temos que ter a noção que nestas circunstâncias o nível de vida não melhoraria de momento, e provavelmente haveria grandes dificuldades económicas, simplesmente tinha que se dar a noção ao povo de que este era o seu Governo e que ele estaria a fazer tudo para alterar a situação.

Uma vitória eleitoral nestas circunstâncias tinha que ser antecedida de uma vitória nas ruas das forças de mudança. Não se espera que as alterações eleitorais antecedam as mudanças de consciência política.

Dada a complexidade da situação não gostaria de avançar mais nesta ideia, contudo, ela obriga a um esforço de unidade, de recomposição das forças políticas de esquerda, que neste momento para muitos poderá ser impensável. Mas só verdadeiramente uma solução deste tipo, que tenha também em conta as forças políticas dos outros países do Sul, poderá ser a solução para o desespero que neste momento nos atravessa e, como se sabe, o desespero é mau conselheiro, pode acarretar soluções autoritárias.


PS.: algumas das informações históricas aqui prestadas foram retiradas da obra de Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos, História Breve do Século XX, Editorial Presença, 1996.

21/01/2012

Um mentiroso compulsivo

Já quase tudo se disse sobre as declarações de Cavaco Silva de que "a sua reforma mal dava para as despesas". Por isso, pouco mais me resta do que apoiar a indignação geral que vai por essa blogosfera. No entanto, gostaria de acrescentar o ponto de vista de um reformado da função pública, que é o meu caso.

Trabalhei cerca de 35 anos na função pública, contando, como também quase de certeza Cavaco Silva, com o tempo em que cumpri o serviço militar obrigatório. Fui reformado como assessor principal, por motivos de doença, mas com um pequeno desconto resultante de estar quase a chegar aos 36 anos de trabalho necessários para se obter uma reforma completa, na altura em que aquelas ainda eram pagas na sua totalidade. Provavelmente, o mesmo se passou como Cavaco Silva e recebo francamente mais do que S. Ex.ª, que foi professor universitário, com um ordenado de certeza superior ao meu, e ainda investigador da Fundação Gulbenkian, aqui provavelmente mantendo os descontos e o ordenado anterior, ou servindo-se dessa passagem por um organismo privado para ter o tempo necessário para a reforma. Facto que sucedeu muito frequentemente, quando os governos permitiram que se comprasse tempo à Segurança Social para o acrescentar ao da função pública Como é possível alguém nestas circunstâncias receber só 1300 € de reforma. A história não está de certeza bem contada. Provavelmente ele não descontou os 40 anos que diz, e que eram desnecessários, mas sim uns tantos anos, menos o tempo que esteve no Banco de Portugal, de onde recebe uma pensão separada, muito mais avultada, e cujo montante não quis revelar.

Portanto, uma aldrabice pegada, que não engana quem sabe como se passam as coisas na função pública.

Já a história da mulher é também uma outra aldrabice, como é que uma senhora professora recebe só uma pensão, disse Cavaco, de 800 €. É que durante muitos anos não trabalhou e não descontou. Provavelmente reformou-se com penalização. Se tivesse exercido as suas funções como professora durante toda a vida nunca teria de certeza um valor tão baixo, isto é elementar. Tudo mais é atirar areia para os olhos de um povoléu, que Cavaco Silva pensa que é tão bronco que não percebe minimamente o que se está a passar. Triste figura anda a fazer.


PS.: há também outro elemento que me esqueci de mencionar, que foi os 10 anos em que esteve como primeiro-ministro. Como é que este tempo entra na sua reforma? Isto é outro mistério que ele não elucidou.

PS. (22/01/12): outro mentiroso compulsivo, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou na TVI que se Cavaco ganhava só 1300 € na sua reforma como professor era que os professores ganham pouco, comparado com o que recebem noutros países. Não quero enveredar por esta comparação, mas se Marcelo diz isto é porque não sabe o que um professor universitário ganha a tempo inteiro. O que deve suceder é que Cavaco não estava a tempo inteiro, devia fazer só umas horas, as outras talvez estivesse na Gulbenkian ou no Banco de Portugal, seja como for descontou em função daquilo que recebia. Mas esta história continua a ser muito mal contada e Marcelo tentou desvalorizá-la, considerando que aquelas declarações tinham corrido mal a Cavaco.

Para a história de uma divisão sindical

No último Quadratura do Círculo, da SIC Notícias, Basílio Horta, em substituição de António Costa, respondeu, de forma pouco clara e a tentar a fugir à pergunta do moderador, que tinha sido por pressão da tendência social-democrata da UGT que esta tinha assinado o acordo de concertação social.

Não sei se isto é verdade, mas não me custa acreditar que o PS tenha vindo paulatinamente a perder a sua influência naquela central sindical. Isto não exime o PS das suas responsabilidades no constante aviltamento das condições de trabalho, nem a de ter sido um dirigente seu a assinar tal acordo. Não sabemos ainda qual vai ser o sentido de voto daquele partido em relação à transposição do acordo para a legislação laboral. Basílio Horta afirmou que se fosse ele não assinava, talvez António José Seguro esteja a preparar uma “abstenção violenta” contra tal projecto de lei.

No mesmo programa, Pacheco Pereira, que ultimamente tem vestido o facto de esquerdista de serviço, afirmou que os principais sindicalizados da UGT eram trabalhadores dos serviços, para quem as alterações introduzidas não tinham tanta importância como para os trabalhadores da “ferrugem”, como vulgarmente são designados os operários.

Dito isto, que me parecem duas constatações de facto, convém recordar um pouco o que foi a história da formação da UGT e como esta central tem sido um instrumento de luta, eu não diria ao serviço do patronato, mas do pior reformismo e, porque não dizê-lo, uma arma ao serviço dos malabarismos do PS, quando não, como neste caso, ao serviço do centrão. Vejam-se as posições de apoio a João Proença, secretário-geral da UGT, de Francisco Assis (artigo no Público, sem link) ou as declarações de Daniel Bessa, antigo Ministro das Finanças de Guterres, que achou que o acordo “foi uma boa surpresa”.

Li hoje um pequeno post de Raquel Varela, do blog 5 Dias, em que esta atribuía as divisões no movimento sindical à luta travada durante os anos da Revolução, entre aquilo que se chamou a unicidade sindical, defendida pela CGTP, por alguns partidos à esquerda do PS, que não os ML, e pela direcção do MFA e que foi vertida para decreto-lei num dos governos provisórios de Vasco Gonçalves. Esta posição mereceu a condenação do PS, que teve expressão pública num artigo de Salgado Zenha no Diário de Notícias e num comício no Pavilhão dos Desportos, qualquer deles em Janeiro de 1975. Posteriormente a Constituição não veio a inscrever no seu articulado esta posição, tendo ela sido mais tarde revogada, em 1977, já durante o I Governo Constitucional, chefiado por Mário Soares.

A formação da UGT dá-se alguns anos depois da querela da unicidade. Começa com uma carta subscrita, em 1976, por um grupo de sindicaos afectos ao PS, a que se juntaram sindicalistas do PSD, na altura muito minoritários, e que se chamou Movimento Carta Aberta, mas que durante algum tempo permaneceu na Intersindical, só se tendo afastado dela em 1977, tendo constituído a UGT, em 1978, que realizou o seu I Congresso em 1979.

Por aqui se vê como Raquel Varela não tem razão e a ruptura da UGT foi programada com apoios internacionais de peso e pelas direcções do PS e do PSD e não resultou de qualquer divisão resultante de uma polémica durante os tempos da Revolução.

Mais uma vez recorro ao livro de Rui Mateus, Contos Proibidos, para confirmar a afirmação anteriormente feita. Rui Mateus, como já foi escrito por mim em posts anteriores, era um caixeiro-viajante do PS para a recolha de fundos e de solidariedades internacionais. Assim, recolheu somas avultadas para a formação de sindicalistas “democráticos” e para a própria fundação da UGT, recorrendo o PS para isso à criação da Fundação José Fontana (pag. 149). As centrais sindicais de alguns países onde a social-democracia era dominante contribuíram bastante. Mas, as principais federações sindicais americanas (AFL/CIO) também o fizeram (ver pags. 104,142,149,151). Enviaram para Portugal representantes seus e dinheiro. A CIA também colaborou nisto. Podemos de certeza afirmar que a UGT é um sindicalismo de proveta, seguindo todos os trâmites que ajudaram a formar centrais sindicais paralelas onde a influência dos Partidos Comunistas era forte e por consequência onde havia uma influência deste partido nos sindicatos. É por isso um produto da guerra-fria.

Convém recordar aqui a célebre afirmação de Maldonado Gonelha, Ministro do Trabalho do I Governo Constitucional, chefiado por Mário Soares, de que havia "de partir a espinha à Intersindical". É interessante saber que este Ministro substituiu Marcelo Curto naquele Governo, porque, ao contrário deste, era favorável à formação de uma central independente da Intersindical, estando mesmo na origem do movimento Carta Aberta e da UGT.

Tem interesse igualmente relembrar os incidentes do 1º de Maio de 1982, era Ministro da Administração Interna, Ângelo Correia, quando a UGT tentou comemorar aquela data na Praça Humberto Delgado, no Porto, que sempre tinha sido o palco das manifestações da CGTP. A polícia, às ordens do Ministro, disparou sobre os manifestantes desta Central Sindical, que se opunham à apropriação daquele espaço pela UGT, tendo morto dois e ferido mais de uma centena.

Por estas razões a UGT é pouco confiável, apesar de se dever forçar sempre que possível a unidade com ela. É bom, no entanto, que os homens de esquerda não esqueçam qual foi a sua origem e o papel que normalmente desempenha na conflitualidade social. A experiência tem-nos dito que com os governos do PS é quase impossível contar com ela, mas hoje com o governo mais à direita que Portugal conheceu, também isso se verifica.

18/01/2012

Os moços de fretes do patronato

A primeira vez que este título me veio à memória foi quando ouvi Mário Crespo a entrevistar Arménio Carlos, da CGTP, na SIC Notícias, no Jornal das 9, aquele noticiário em que os entrevistados são escolhidos a dedo, o que não significa que por vezes, como por milagre, não apareça alguém da esquerda. Nesta entrevista Mário Crespo recorreu a todas as ideias feitas que os economistas e comentadores de direita espalham para pôr em causa a actuação de CGTP e do movimento sindical, mas, mais do que isso, resolveu discutir conceitos com Arménio Carlos, tal como o de exploração. Sempre que este o referia, aquele dizia que era demasiado forte e que hoje já não fazia sentido falar assim. Fiquei mais uma vez com a ideia de que Mário Crespo era o marçano, sem desrespeito para estes, do patronato.

Mas nessa noite, quando o acordo de concertação social já estava apalavrado, mas não assinado, também ouvi na RTP Informação um sujeito, que eu não consegui perceber quem era, se era deputado do PSD ou simples perito em direito do trabalho, a discutir com António Filipe, do PCP, afirmando, em tom provocador, CGTP barra PCP, e sublinhando o termo barra. O deputado do PCP lá o foi ouvindo com enorme paciência, mas o discurso era tão agressivo e tão louvaninho para o Governo que eu não consegui seguir o debate até ao fim. Tínhamos mais um moço de fretes ao serviço do patronato.

Por último, ouvi hoje, na SIC Notícias, D. Manuel Clemente, em nome da Conferência Episcopal, a falar da retirada de feriados e exigir, em termos mansos, como costumam ser os da Igreja, que se o Governo reduzisse só um feriado civil a Igreja faria o mesmo. Se fossem dois é que ela abdicaria de outros dois. Mas isso foi o menos importante, a parte mais grave do discurso foi o apoio dado ao acordo obtido na concertação social e à pergunta da jornalista se este acordo não iria diminuir ou prejudicar a vida em família, aquele ter respondido que os trabalhadores teriam que arranjar novas forma de dar assistência à mesma. Ou seja, os trabalhadores teriam que ser criativos, mesmo se as suas horas de trabalho fossem desreguladas.

Deixo para o fim o papel da UGT. Há tempos, quando a UGT participou numa Greve Geral ao lado da CGTP, houve logo alguns homens de esquerda que se apressaram a louvar esta política de unidade. Falsa esperança, pensei logo que seria sol de pouca dura e que, ao virar da esquina, esta abandonaria a unidade para a trocar por qualquer coisa que ainda hoje não sei o que foi. A UGT comportou-se aqui como o PS na Assembleia da República (AR) ao falar de abstenção violenta ao votar o Orçamento de Estado. Estamos ainda para ver qual vai ser a posição deste partido face às propostas de lei que serão apresentadas na AR e que traduzem a transposição para a legislação laboral do documento rubricado na Concertação Social. Hoje, em declarações feitas no Parlamento o representante do PS só disse mal do Governo, mas não foi capaz de declarar qual será o sentido de voto do Partido em relação aos diversos itens aprovados na Concertação Social. Estamos cá para ver.

16/01/2012

Alguns apontamentos sobre a maçonaria

Um amigo meu encorajou-me a escrever sobre a maçonaria e sobre as notícias que ultimamente têm vindo a lume. Não o pensava fazer, mas, conjuntamente com este pedido, recebi um pequeno texto de um outro amigo sobre o mesmo tema. Nele era abordado um discurso de António Gramsci, feito no Parlamento italiano, a 16-05-1925, antes de ser preso um ano meio depois pelos fascistas, sobre um projecto de lei do governo de Mussolini que interditava as sociedades secretas. Referia-se igualmente a um artigo demolidor de Fernando Pessoa, saído no Diário de Lisboa, a 4-02-1935, a condenar medida idêntica proposta por um deputado da Assembleia Nacional salazarista.

Sobre estes dois textos escreverei a seguir, quero no entanto dar a minha impressão subjectiva sobre o que penso da maçonaria.

Depois de ver na TV o António Reis de avental a encaminhar-nos na Loja maçónica do Grande Oriente Lusitano, ali ao Bairro Alto, fico com a ideia que estou perante um conjunto de adolescentes a brincarem às sociedades secretas. É evidente que todo este ritual e a simbologia que resulta do décor e dos instrumentos utilizados estão também presentes nas diversas religiões, pelo menos naquela que conheço melhor, que é a católica. As missas, o altar, as hóstias, o cálice com o vinho, a própria igreja e os seus santos, todos eles têm uma simbologia adequada, no entanto, ninguém estranha, nem ninguém deixa de ser católico pelo ridículo do ritual, ou, talvez, eu esteja enganado. Há muita gente que se diz seguidora dos ensinamentos de Cristo e da Bíblia e não participar nas suas manifestações simbólicas. Seja como for, a minha opinião sobre os rituais da maçonaria mantém-se.

Há tempos fui proferir uma conferência a um grupo de “rotários” que se reunia regularmente em jantares. A conferência era sobre o meu trabalho como biólogo, mais concretamente sobre organismos geneticamente modificados (OGM). Quando dei por mim vi-me envolvido numa série de práticas não tão absurdas como as da maçonaria, mas igualmente ridículas, que me causaram algum mal-estar, mas, como não queria ser indelicado para quem me tinha convidado, aceitei participar nelas. Não sei se na maçonaria também se verifica o mesmo, quando, nos seus encontros, convida algum “profano” a dar uma conferência? Como nunca fui a nenhuma, desconheço.

O texto de Gramsci que o meu amigo referia era a intervenção daquele no Parlamento Italiano, nessa altura já dominado pelos fascistas. O texto está publicado em português (Escritos Políticos, vol. IV, Seara Nova, 1978).

Gramsci afirma que a maçonaria, “dada a fraqueza inicial da burguesia capitalista italiana”, “foi o único partido real e eficiente que a classe burguesa teve por muito tempo” (pag. 30). Hoje, sabendo-se que os principais próceres do liberalismo português, do século XIX, eram mações, não andaremos muito longe da realidade se afirmarmos que o mesmo aconteceu em Portugal. Quem eram, em Itália, os principais inimigos desta política seguida pela burguesia maçónica? Era o Vaticano e os jesuítas que defendiam as “velhas classes semi-feudais, tendencialmente burbónicas no Sul ou tendencialmente austriazantes no Lombardo-Veneto” (pag. 31). Para os cinéfilos podemos recorrer a dois exemplos marcantes destes dois casos que nos são dados pelos belos filmes de Visconti, O Leopardo, sobre os agrários do Sul, que provisoriamente fizeram uma aliança com a burguesia em ascensão, e o Sentimento que nos mostra a resistência dos patriotas burgueses contra as classes aristocráticas amigas dos austríacos. E continua Gramsci “a lei contra a maçonaria não é prevalentemente contra a maçonaria, o fascismo chegará facilmente a um compromisso comos mações” (pag. 36), “a lei é feita especialmente contra as organizações operárias” (pag. 37).

O meu amigo só tinha feito referência ao discurso de Gramsci no Parlamento italiano, mas eu lembrava-me de já ter lido qualquer coisa daquele revolucionário sobre o Rotary Club e a Maçonaria. Assim, nos Cadernos do Cárcere, na parte dedicada ao Americanismo e Fordismo (vol. IV, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2007) Gramsci afirma que o “Rotary é uma maçonaria sem os pequeno burgueses e a mentalidade pequeno-burguesa” (pag. 248), e mais adiante afirma “o Rotary não pode ser confundido com a maçonaria tradicional, sobretudo com a dos países latinos. Trata-se de uma superação orgânica da maçonaria e representa interesses mais concretos e precisos. Característica fundamental da maçonaria é a democracia pequeno-burguesa, o laicismo, o anticlericalismo, etc. O Rotary é a organização das classes altas e só se dirige ao povo indirectamente. É um tipo de organização essencialmente moderna.” (pag. 298) E depois continua desenvolvendo este tema, que só por limitações de espaço não transcrevo.

Depois da leitura deste pequeno trecho de Gramsci percebe-se porque é que os nossos republicanos eram na sua maioria mações e como essa tendência prevaleceu no PS, estendendo-se hoje, já muito desligada da realidade inicial, à pequeno-burguesia arrivista do PSD.

Depois de lido esta posição de Gramsci e o delicioso ataque de Fernando Pessoa ao deputado da Assembleia Nacional que propôs a proibição das associações secretas (texto para o qual forneço link), só me resta acrescentar que a posição da Ministra da Justiça e a facilidade com que alguns partidos da esquerda deram cobertura a tais posições, ou seja, o dos mações candidatos a cargos públicos terem de declarar se pertencem ou não a tal associação, são hoje intoleráveis, porque na prática visam menorizar a liberdade de associação e, em último lugar, as associações políticas e partidos não favoráveis ao Governo. Depois do Expresso relatar uma reunião dos deputados do PSD em que estes chegaram a pedir a criminalização dos jornalistas e alterações à Lei de Imprensa, porque não gostaram da forma como esta tratou a nomeação de boys para os cargos públicos, tudo já é possível.

14/01/2012

Ainda Mário Soares, a propósito do livro de Rui Mateus, “Contos Proibidos” – II

Numa recente entrevista a uma televisão, das muitas que deu a propósito do seu livro, Um Político Confessa-se, Mário Soares afirma que Rui Mateus era um empregado de mesa que trabalhava em Londres e que, por saber bem inglês, tinha ajudado o PS no início. É evidente, como se compreende, estas declarações visavam diminuir aos olhos dos telespectadores a personagem cujo livro, Contos Proibidos, tanto o tinha incomodado. Mas de facto uma coisa é verdade e Rui Mateus, apesar de não o afirmar explicitamente, deixa perceber que Mário Soares precisava de alguém que soubesse bem inglês, já que ele não o sabia, para estabelecer contactos com os seus parceiros internacionais. É interessante que o autor dos Contos Proibidos referira a determinada altura que Mário Soares só convivia com os dirigentes da Internacional Socialista dos países do Sul: Espanha, França e Itália. Com os do Norte só em encontros formais. Compreende-se porquê. Mário Soares, não falando inglês, só com tradutor é que poderia contactar tais dirigentes. Na fotografia, que é reproduzida na capa do livro, vê-se Rui Mateus entre Mário Soares e Helmut Schmidt. Quase que jurava que estava lá a fazer de tradutor. No entanto, pelo que se percebe do livro, a sua passagem por um restaurante em Londres foi ocupação de juventude e a sua ascensão no PS e na Internacional Socialista foi mais do que a de um simples tradutor.

Dito isto, que eu valorizo bastante porque passei por situações semelhantes e compreendo bem o que é contactar alguém com quem não se pode falar uma língua comum, passemos a outros factos descritos no livro.

Um dos aspectos mais rocambolescos de toda a história é que ela gira sempre em volta da recolha de fundos para o PS. Já falei disso a propósito do 25 de Novembro, mas todo o livro está cheio de episódios entre o trágico e o cómico em que Rui Mateus, por incumbência de Mário Soares, se entregava juntamente com o tesoureiro do PS, que a determinada altura passou a ser um cunhado de Soares.

É interessante saber que um dos primeiros contributos importantes para o PS veio do coronel Kadhafi, no seguimento de uma visita de Mário Soares a Tripoli, em Novembro de 1974 (pag.63). Rui Mateus transcreve partes da carta que escreveu em nome do PS, demonstrando grande admiração pelo regime líbio. É igualmente interessante verificar que no livro de César de Oliveira, Os Anos Decisivos, Portugal 1962-1985, um testemunho (Editorial Presença, 1993), que também reli recentemente, aquele refira que um dos contactos que fez para obter ajuda para a UEDS tenha sido com a Líbia, do coronel Kadhafi. A UEDS era um pequeno partido político, criado em 1978, por Lopes Cardoso e outros companheiros, que na sua maioria eram dissidentes do PS. César de Oliveira refere a sua ida àquele país para participar numa Conferência Internacional de Professores e as conversações que então entabulou com os dirigentes líbios, que não tiveram sucesso, dado que aqueles lhe falaram na ala esquerda da FLAMA e da FLA, dois movimentos independentistas, respectivamente, da Madeira e dos Açores, facto que ele negou, falando de que eram sim da “extrema-direita e politicamente suspeitos” (pag. 226). Logo ali acabaram todas as facilidades. Ficou com a impressão que representantes daqueles movimentos já tinham passado por aquele país para obter fundos, alegando serem da sua ala esquerda. Como se vê, todos iam ao beija-mão ao coronel Kadhafi. Quando caiu em desgraça é que se transformou num ditador horrível.

Outro dos aspectos mais interessantes do livro é o pormenor da discrição da actividade da CIA e da Internacional Socialista (IS) no nosso país, principalmente durante o período revolucionário e depois nos anos seguintes, quando ainda era preciso ajuda para ancoragem de Portugal ao modelo ocidental. Já vimos o papel desempenhado pelo Comité criado pela IS no post anterior. Não me irei alongar no papel da CIA e do Secretário de Estado, do governo de Nixon, Henry Kissinger. Limitar-me-ei a afirmar que Rui Mateus, tal como Mário Soares, eram grandes amigos de Frank Carlucci, embaixador dos EUA em Portugal, mas também dos homens da CIA encarregues do nosso país.

Mas o mais interessante, para quem não anda a par dos meandros da política internacional, é a descrição que o autor dos Contos Proibidos faz da intervenção da CIA e dos serviços secretos ocidentais na destituição de alguns lideres da IS que estavam no poder.

O primeiro caso descrito foi o de Willy Brandt, chanceler da ex-República Federal Alemã, que aos olhos da CIA se tinha tornado suspeito. A 24 de Abril de 1974, o M15, os serviços secretos ingleses, decifram uma mensagem para a Alemanha Oriental de um colaborador íntimo de Brandt. Mas, não foi só isto, o chefe do M15 pensava que o chanceler era “um dos líderes de uma grande conspiração comunista controlada pela rádio a partir de Moscovo” (pag.105) e foi isto que transmitiu à Abwehr, os serviços secretos alemães, e que conduziu à demissão de Brandt, a 6 de Maio de 1974. Este foi substituído pelo número dois do Partido Social-democrata Alemão (SPD), Helmut Schmidt, cujas “credenciais pró-ocidentais e a amizade com os EUA estariam acima de qualquer suspeita” (pag. 105).

A segunda demissão relatada é o do primeiro-ministro trabalhista australiano, Gough Whitlam (no livro o seu nome aparece como Gough Whitland, o que não corresponde à verdade), que seria demitido pelo governador, que em representação da Rainha Isabel II exercia as funções de chefe de estado daquele país. Aquele primeiro-ministro tinha descoberto que os serviços secretos australianos tinham colaborado com a CIA no derrube de Salvador Allende. Na sequência de uma inspecção àqueles serviços, congelou as relações com a CIA. Posteriormente, decidiu não renovar a manutenção de uma estação de observação de comunicações via satélite dos EUA, situada no deserto australiano. O resultado deste confronto seria a sua demissão, substituído por um outro primeiro-ministro “mais amável com os serviços secretos ocidentais” (pag.105).

A terceira, é do primeiro-ministro inglês Harold Wilson. Este substituíra um amigo dos americanos, Hugh Gaitskell, que tinha morrido depois de uma visita à União Soviética, Os serviços secretos ingleses começaram a suspeitar que a morte de Gaitskell tinha sido planeada pelos soviéticos para preparar o caminho para o seu próprio “protegido: Warold Wilson” (pag.107). A partir de 1974, quando Wilsom regressa ao poder, o M15 estabelece um plano para desacreditar dirigentes trabalhistas e divulga informações sobre Wilson, considerando que era um perigo para a segurança, obrigando-o assim a demitir-se a 16 de Março de 1976, sendo substituído James Callaghan, que era seu Ministro dos Negócios Estrangeiros e que tinha elaborado o já anteriormente referido”plano Callaghan”.

Por último temos Olof Palme, que estava também na mira da curiosidade da CIA e que foi assassinado a 28 de Fevereiro de 1986, suspeita-se pelos seus próprios serviços secretos.

O mais interessante é que Mário Soares se transforma, depois de dúvidas iniciais de Kissinger se conseguiria deter a Revolução, no homem dos americanos para a Internacional Socialista, começando a ser visto pelos seus pares com essas funções.

As informações e os factos relatados neste livro, pelo menos em relação às ligações com os americanos e com a CIA e o Secretário de Estado Kissinger, são de certo modo confirmados por um livro, que também li recentemente, Carlucci vs. Kissinger, os EUA e a Revolução Portuguesa, de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá (Dom Quixote, 2008), apesar dos autores nunca citarem o livro de Rui Mateus e darem à sua prosa um tom mais de investigação universitária, evitando, como faz Mateus, um ajuste de contas com Mário Soares.

Pelo descrito, parece-me, se ainda for possível, uma leitura deste livro pelos factos por ele relatados, tendo sempre a prevenção de que estamos perante alguém ressabiado e que conta a história da Revolução Portuguesa muito à sua maneira.

Uma mentira à Pingo Doce

Começo por vos dar conta deste grande atraso na publicação de posts. Primeiro, foi mais uma vez a doença que me afecta que me impediu de actualizar o blog, mas hoje quando me decidi a retomar o fio à meada, tentando acabar a segunda parte de “Ainda Mário Soares” eis que uma interrupção me obriga a deixar o computador. Tudo que durante a tarde tinha escrito desaparece como por encanto. Fiquei possesso, mas não quis deixar de publicar qualquer coisa sobre os múltiplos acontecimentos que ultimamente me têm indignado. Esta parece-me a mais imediata.

Assim, tendo na memória a tão discutida fuga da família Jerónimo Martins para a Holanda, resolvi embirrar com um anúncio, que aparece na TV, referente à carne de porco que é vendida nos supermercados que aquela família controla e que é uma perfeita fraude.

Começa aquele anúncio por descrever as delícias do que era antigamente a carne de porco. Vê-se gente idosa a recordar aquele saborzinho especial que dantes a carne tinha e depois diz-se que a pode encontrar no Pingo Doce. Pensamos que vamos ter a sorte de comer carne de animais alimentados por bolota e em liberdade, mas não, aquilo que nos é dito, como se fosse uma grande descoberta, é que eles são alimentados com milho, trigo e soja, ou seja, com rações, como todo o porco para venda industrial é alimentado. Já se sabe que aqueles pobres idosos que falam do sabor especial nunca na sua vida alimentaram porcos a soja, que é uma planta que não é cultivada no nosso país e cujas sementes são um dos ingredientes fundamentais da rações industriais, distribuídas internacionalmente pelas grandes multinacionais.

Temos aqui um caso de publicidade enganosa feita por gente que não tem escrúpulos em a fazer. Como sempre é o lucro a fundamentar as suas decisões.

PS.: por artes mágicas, a somar às desgraças que me aconteceram, veio juntar-se por último a impossibilidade de aceder à página de introdução de textos do blog. Fiquei dois dias a tentar resolver o assunto. Vamos a ver se agora consigo retomar o fio à meada.