25/10/2011

Robespierre e Hitler, uma crítica

Há tempos resolvi comentar um post Sérgio Lavos referentes a cinco filmes da vida dele, cujo título em inglês começava por uma das letras do seu apelido. Na altura achei estranho que a selecção fosse feita na base do seu nome, hoje, como já referi em post anterior sobre a Líbia, parece-me provir de alguém um pouco egocêntrico. Mas isso é o que menos importa em relação a um post recente de Lavos.

Comecemos pelo princípio. Lavos, no post que dedicou à Líbia, e que eu comentei, escreveu: “Não há imagens da cabeça de Robespierre nem do corpo de Hitler envenenado” isto no meio de um texto atabalhoado a defender a morte de Kadafi.

Carlos Vidal, do 5 dias, depois de umas gracinhas sobre Lavos, reponde-lhe dizendo que Lavos não sabe “quem foi Robespierre, depois de o ter comparado a Hitler”. Como o senhor Vidal não é muito amado na esquerda não comunista – eu sendo um comunista não ortodoxo considero-o um pedante – houve logo quem se metesse ao barulho e fizesse um pequeno post sobre a defesa que ele fazia de Rosbespierre. Assim, Miguel Madeira, no Vias de Facto, considera estranho que Carlos Vidal defenda Robespierre, que não passaria de um social-democrata ou mesmo de um democrata-cristão. Brincadeira de mau gosto que só releva do pouco amor que aquele blogger desperta na blogosfera.

Depois disto Lavos, como que a dar razão a Carlos Vidal, faz mesmo a comparação entre Robespierre e Hitler, citando uma frase de cada um. Esta resposta motiva uma reacção indignada, mas quanto a mim justa, de João Valente Aguiar, no 5 dias, tentando focar os problemas históricos e políticos que aquela comparação acarreta. Foi a partir deste texto que eu fui deslindar toda esta história. Por último Segio Lavos responde irado num post com o título A fina flor da elite intelectual de extrema-esquerda.

Provavelmente gastei demasiadas linhas com tão ruim defunto, mas eu, que não me considero de extrema-esquerda, acho  aquela comparação perigosa e mostrando alguma ignorância.

Modernamente, e principalmente na altura da comemoração do bicentenário da Revolução Francesa, uma conjunto de intelectuais, principalmente franceses, da direita neo-liberal, empreendeu a desvalorização da Revolução Francesa, destacando o seu período de Terror, e começaram a compará-la, no pior sentido, com a Revolução Bolchevique, afirmando que uma era herdeira da outra e que o “terror vermelho” era o prolongamento do Terror da Revolução Francesa. Consideravam, por isso, a nossa noção actual de democracia como herdeira da Revolução Americana e não da Francesa. Entre nós o mais lídimo representante desta corrente é João Carlos Espada, que escreveu ontem um artigo no Público, Sobre a Primavera Árabe e a constituição da liberdade, que vai um pouco no sentido por mim definido. Portanto, para estes autores se há alguém que se deva comparar a Robespierre é Lenine ou mesmo Estaline e nunca Hitler, dado que estes é que imitaram o Terror, levando-o a patamares até aí desconhecidos. Não sei pois onde Sérgio Lavos foi buscar esta comparação, talvez porque aqueles nomes serem um bocado incómodos, preferiu Hitler a Lenine, desvalorizando mais a acção de Robespierre. Fronçois Furet, um autor que depois de ser comunista, resolveu aderir à direita, no seu livro sobre O passado de uma Ilusão, Ensaio sobre a ideia do comunismo no século XX (1996, Editorial Presença), dedica parte do capítulo 3 (O encanto universal de Outubro), à comparação entre a Revolução Francesa e a Revolução de Outubro, referindo-se especialmente à época do Terror.

Parece-me pois estranho que alguém, que penso, ou deduzo, ser próximo do Bloco de Esquerda, possa retomar, piorando, esta comparação, que é típica de uma linha de pensamento da direita.

Para terminar recomendo-vos o livro interessantíssimo de Michel Christofferson, Les Intellectuels contre la Gauche, L’idéologie antitotalitaire en France (1968-1981) (2009, Agone) que dedica um capítulo a François Furet, que antes de escrever aquele ensaio se tinha dedicado com proveito e fama à Revolução Francesa, vista desta perspectiva aterrorizadora. Tentou mesmo influenciar as comemorações do bicentenário daquela, na mesma linha que a direita portuguesa, chefiada por Rui Ramos, tentou influenciar as comemorações do centenário da República.

Provavelmente Sérgio Lavos encontrará mais armas para a sua fogueira num livro que saiu recentemente, O livro negro da Revolução Francesa, de diversos autores, editado pela Alêtheia, da Zita Seabra (ver aqui a descrição do livro pela editora). Já tínhamos um precedente O Livro negro do Comunismo (1998, Livros Quetzal), agora temos este.

PS.: afinal Miguel Madeira, do Vias de Facto, resolveu levar-se a sério e então entrou em polémica com João Valente Aguiar, do 5 Dias, para saber se Robespierre era um jacobino radical (tipo burguês radical) ou um revolucionário consequente. Esta parte da polémica parece-me de uma infantilidade esquerdista.

24/10/2011

Líbia: testemunho de Lizzy Phelan



Ver também este texto de Atilio Boron.

Hoje, torna-se cada vez mais difícil defender o indefensável. Isto não significa que esteja de acordo com tudo é mostrado e escrito, mas no essencial dá para ver como certas boas almas foram enganadas ou se deixaram enganar pelos media ocidentais.

23/10/2011

Ainda a morte de Kadafi

Quando no post anterior critiquei Rui Bebiano, do A Terceira Noite, escrevi que o fazia porque ele era o único, que eu tivesse lido, entre os blogs que consulto quase diariamente, que tinha escrito sobre a morte de Kadafi. Depois de redigir isto resolvi ir ver outros que estão inseridos naquela lista e descobri que a morte do ditador tinha merecido mais comentários. Um de Miguel Serras Pereira, no Vias de Facto, outro de Sérgio Lavos, no Arrastão, e outro ainda Helena Borges, no 5 dias. Qualquer deles de significado diferente e feito por pessoas de diversas origens políticas, todos da esquerda.

Assim, o post de Miguel Serras Pereira (MSP) é muito linear, não se pode condenar a morte de Kadafi, sem condenar o ditador e muito menos fazer dele um exemplo a seguir. Aqui, o autor cita o texto de Helena Borges que tem só esta frase: “De pé, a resistir à colonização do seu país pelas Nações Unidas do Atlântico Norte”. Sem me pôr ao lado de MSP, porque acho que não basta só dizer isto, concordo que é um despautério a afirmação de Helena Borges. No entanto, MSP cita igualmente um post do Politeia, um blog de JM Correia Pinto, que eu achei bastante interessante, ao ponto de o incluir entre aqueles que eu consulto quase diariamente. O título é As democracias ocidentais aderem à acção directa, que desmonta completamente a responsabilidade do Ocidente nesta morte. MSP está de acordo e Joana Lopes também. Vi em comentários ao post.

Pior é o texto de Sérgio Lavos, um pouco egocêntrico. Depois de escrever o seu post, diz que a posição que tomou neste é diferente daquela que assumiu quando da morte de Saddam Hussein e termina dizendo que dá que pensar. Não sei quem é que deve pensar, se o autor se os seus leitores. Estes, com certeza, não estão nada preocupados com a sua mudança de posição.

A encimar o seu post lá vem a célebre fotografia do corpo de Mussolini e seus acólitos pendurados numa praça de Milão, que já tínhamos encontrado em João Tunes (ver post anterior). Depois, há uma arrevesada justificação desta morte, seguida de uma reflexão sobre a condição humana e uma velha advertência de que aquilo que vimos no ecrã não é a realidade, ou seja, nós não estamos a assistir à sua morte, mas sim vimo-la pelos olhos de alguém, que não é um observador desinteressado. Isto é verdade, mas que não nos sirva para ofuscar os acontecimentos. Sobre Sérgio Lavos falarei noutro post, pois escreveu uma das mais ignaras afirmações que alguém, que participa num blog de esquerda, pode fazer: comparou Rosbipierre a Hitler.

Dito isto, para que ninguém me acuse de me refugiar em críticas e não dar a minha opinião, aqui vai ela. A história está cheia de meandros e não se pode fazer comparações entre factos que ocorreram com dezenas ou centenas de anos de diferença. Quando foi do processo de Nuremberg ainda era normal condenar as pessoas à morte, daí os principais dirigentes nazis serem enforcados, hoje, no Tribunal Internacional de Haia, ninguém já é condenado à morte. Por outro lado, as circunstâncias fazem o momento, se não houvesse uma tropa disciplinada e obediente às hierarquias, Marcelo Caetano não sairia vivo do Largo do Carmo. Bastava que Salgueiro Maia o entregasse à multidão. Lenine teve que fuzilar os czares porque havia o perigo deles caírem nas mãos dos brancos. Talvez Mussolini, se não fosse fuzilado naquele momento, morresse na cama. A História é feita pelos homens e as suas circunstâncias.

Por isso, o que me aflige na morte de Kadafi, é que ele foi morto pela NATO por interposta “ira das massas”. A senhora Clinton já tinha garantido que ele ou era morto ou ia preso e Bush, a partir do momento que disse que pagava a quem apanhasse Osama bin Laden vivo ou morto, deu rédea livre para que se matasse qualquer inimigo da América.

Houve quem justificasse a morte de Kadafi às mãos dos familiares daqueles que tinham sido mortos ou torturados pelo ditador, lamento mas aquelas massas parecem-me mais cães assolados pelo ódio tribal do que vingadores de injustiças. Os chamados rebeldes não me oferecem confiança nenhuma e o futuro irá de certeza confirmar isto que escrevi.

22/10/2011

As boas almas e a morte de Kadafi

Talvez seja da idade, mas cada vez suporto menos, dentro da esquerda, os comunistas ortodoxos e as boas almas que estão sempre a pregar sobre a liberdade e a democracia, esquecendo-se de examinar cada caso em si e cedendo, porque são preguiçosas, à pressão mediática dos meios de informação ocidentais.

Vem tudo isto a propósito de alguns posts que li sobre a morte de Kadafi. João Tunes, do Água Lisa, sempre o mesmo, mas foi exclusivamente porque estive a consultar o seu blog por causa do meu post anterior, tem um pequeno apontamento exclusivamente com uma fotografia da cara de Assad, da Síria, e por cima dela duas linhas cruzadas feitas à mão. Este conjunto é encimado pelo título Siga-se…Assad. Já se sabe que a este senhor não lhe ocorreu pôr a cara do rei da Arábia Saudita, que do ponto de vista dos direitos das mulheres é um país bem mais horrível do que a Síria em relação àquele género.

Não se lembrou também de pôr a cara do presidente do Iémen, que parece que regressou novamente ao seu pais, nem do rei do Bahrein, que com a ajuda dos sauditas “meteu na ordem”, com mortos e feridos, os revoltosos xiitas que pediam mais liberdade. Teve que recorrer ao inimigo número um das potências ocidentais e que diariamente é contestado nos media, que há muito se vão esquecendo dos outros casos de despotismo no Médio Oriente.

No post anterior, não fosse alguém ficar chocado com a morte macaca de Kadafi, expõe a fotografia de Mussolini e outros pendurados de cabeça para baixo numa praça de Milão e acrescenta quem não se indignou com este tratamento dado ao ditador italiano não se pode agora indignar com a morte de Kadafi, como se uma coisa tivesse a ver com a outra. Mas sobre a morte de Kadafi já escreverei a seguir.

Rui Bebiano, do A Terceira Noite, com mais classe e menos provocador, aborda também a morte de Kadafi. Lamenta-a, mas justifica-a, mas o pior é esta pequena frase “só porque andam uns quantos aviões pouco inocentes a cruzar os céus em voo picado”. Apesar de dizer que a intervenção dos aviões da NATO são pouco inocentes, dá pouca importância à sua intervenção. Eu sei que se fala na televisão em diversas versões para a morte de Kadafi e que as Nações Unidas já mandaram averiguar em que circunstâncias morreu. Contudo, depois da intervenção de um ministro do governo francês, que alardeando que foi um Mirage que detectou e bombardeou a coluna em que Kadafi seguia, não me restam dúvidas de que os ferimentos iniciais que se diz que existiam são da responsabilidade desse bombardeamento e que, quase de certeza, os rebeldes foram avisados da sua localização. Posteriormente, se foi morto ao sair do túnel (ver fotografia) onde se refugiou ou se andou em bolandas até ser morto são pormenores pouco importantes.

Tudo isto para dizer que se não fossem os aviões e os "consultores" no terreno da NATO que, de acordo com a resolução das Nações Unidas, tinham uma missão bem diferente, nunca os rebeldes tinham vencido e morto Kadafi. Ou seja, já que gostam de fazer comparações e tomarem posições de princípio, em que é que esta guerra diferiu da invasão do Iraque por Bush, que de certeza condenaram? Não conduziu qualquer delas ao derrube do ditador e à sua morte, seja por enforcamento, caso de Saddam Hussein, ou por fuzilamento, caso de Kadafi. No fundo, não foi devido à intervenção estrangeira, para mim do imperialismo, que estes ditadores caíram? Será que a diferença está no mandato das Nações Unidas, que no Iraque não existiu e na Líbia foi completamente subvertido?

Tanto num caso como noutro não sabemos o que o futuro reservará aqueles dois países, só sabemos é que o petróleo continuará a correr para os bolsos das grandes companhias petrolíferas e que, tanto num caso como noutro, pouco restará para a sua população. Mas sabemos mais que tanto a queda da estátua de Saddam como a tomada de Tripoli, foram saudadas pelo CDS como novos 25 de abris.

Alguma coisa está errada nestas apreciações.

Mas não deixaria também de assinalar esta outra frase no texto de Rui Bebiano: “Como custa a entender … o silêncio cúmplice diante dos milhares de mortos sírios de Bashar Al-Assad”. Mas quem é que é cúmplice? Todos os dias são noticiadas as mortes lá ocorridas. Há resoluções da União Europeia e das Nações Unidas sobre o assunto. A senhora Clinton já fez diversas advertências. O que é que queriam mais, talvez a NATO a bombardear com fins humanitários a Síria? Simplesmente, ali não há petróleo. O silêncio cúmplice tem baixado é sobre a repressão dos xiitas no Bahrein, com a ajuda dos sauditas, que como são amigos dos ocidentais são sempre esquecidos nestas coisas de direitos humanos. Tristes tempos que estamos vivendo.

PS.: Estes dois blogs foram referidos, um, porque ocasionalmente passei por ele, e outro, porque é uma das minhas consultas quase diárias, não foi por nenhuma animosidade especial. Provavelmente muitos outros saudaram a morte de Kadafi, simplesmente não os li.

Acabei de ler, no Público, A bizarra história da intervenção na Líbia (sem link), de José Pacheco Pereira, e acho que ele aborda este tema de uma perspectiva com que concordo. Eu sei que ele apoiou a intervenção no Iraque e que deve achar esta guerra uma intervenção da social-democracia (Obama), tal como já tinha sido a intervenção contra a Sérvia, que ele também não apoiou. Mas Pacheco Pereira quando está contra, seja em relação ao Governo ou à política internacional, é tão lúcido e apresenta por vezes tal argumentário que consegue ultrapassar as proclamações da esquerda sobre os mesmos temas.

21/10/2011

Mais uma vez a Guerra Civil espanhola – II

O prometido é devido. Apesar do atraso e da premência do desastre nacional remeto-vos para a segunda parte do post sobre a Guerra Civil espanhola.

Começo por referir, porque acho que se integra bem neste post, o livro sugerido num comentário anteriormente feito à primeira parte deste trabalho.

Estou e a aludir ao livro de Antony Beevor sobre a Guerra Civil espanhola, que em português leva o título de A Guerra Civil de Espanha (Bertrand Editora, 2006), já que o título original, citado no comentário, é The Batle for Spain, mantido na tradução brasileira da obra: A Batalha pela Espanha. É interessante saber que este livro foi reescrito e ampliado pelo autor em 2005, depois de ter acesso aos arquivos da ex-União Soviética. A primeira edição era de 1985, se me lembro bem do que li, e da qual foi feita uma tradução pela Livros do Brasil. Fiquei a saber tudo isto consultando, como é hábito, o motor de pesquisa da Google, o que me atrasou na redacção deste post.

Não li o livro, nem ainda o comprei, mas penso pelo que li sobre ele que se integra numa corrente revisionista que pretende deslegitimar a acção da República. Uma das conclusões do livro é de que se a República vencesse se tornaria numa ditadura comunista igual àquelas que posteriormente vieram a existir no Leste europeu, depois de 1945. Parece-me esta conclusão perfeitamente disparatada, porque é não perceber nada do que foi a acção da URSS antes da II Guerra Mundial e principalmente em Espanha, defendendo a segurança colectiva, que envolvia alianças com a Inglaterra e a França contra a Alemanha, daí ser impensável o apoio à revolução socialista, visto que a mesma impediria qualquer aliança com aqueles dois países. É esta a acusação base que é feita a Estaline por todos os movimentos à esquerda do PCE (anarquistas e POUM). Por outro lado, é não ter em conta o que se passaria durante a II Guerra Mundial, com as alterações que a mesma trouxe à reordenação da Europa. Provavelmente, neste caso, Salazar não se livraria de entrar na Guerra.

Pelo que li, igualmente nas recensões a este livro, Antony Beevor também não é nada meigo para com os franquistas, o que motivou alguma contestação critica (ver aqui, aqui  e aqui) da direita espanhola, onde esta última edição saiu originalmente. Num delicioso vídeo de um reaccionário brasileiro, que encontrei no YouTube, este livro também é citado, entre a numerosa literatura anticomunista que refere, aqui para provar que houve matança de gente do clero, mas acrescentando no início que é um livro esquerdista, porque, penso eu, não toma partido pela cruzada de Franco contra os ateus comunistas.

Escrito isto, que vai um pouco ao arrepio aceitação generalizada desta obra de Beevor, gostaria de voltar ao livro que aqui nos trás, este sim já por mim lido recentemente. Estamos a falar do livro de Stanley G. Payne, A Guerra Civil de Espanha, a União Soviética e o Comunismo, de 2006, da Editora Ulisseia.

Este livro insere-se igualmente na corrente historiográfica que pretende deslegitimar o Governo da República. Isto porque os defensores deste Governo, no fundo os partidos que compunham a Frente Popular, que ganhou as eleições em Fevereiro de 1936, - dela não constavam os anarquistas, por ser um dos seus princípios base não participar em eleições “burguesas” - sempre desejaram uma revolução ou um governo só da esquerda e ao ganhar as eleições apropriaram-se do poder como se pudessem de imediato pôr em prática as suas ideias. Já se sabe que isto é a visão de uma autor apoiante de Bush e neo-conservador (ver aqui), que tem uma visão enviesada do que é a democracia: qualquer governo que seja de esquerda e que deseje uma real transformação social, o que nem se pode dizer que estivesse a suceder em Espanha antes do golpe militar (Julho de 1936) é anti-democrático, os governos de direita, mesmo que sejam ditaduras, são sempre democracias, pois estão a fazer progressos para se democratizarem. É por isso que imediatamente acusaram Allende de pretender instalar no Chile uma ditadura comunista e preferiram Pinochet, esse “grande democrata”, a Allende.

Para compreender as teses de Stanley Payne remeto-vos para uma descrição que é feita na Wikipedia  relativamente ao pensamento revisionista sobre a Guerra civil espanhola a propósito da biografia de uma dos seus mais famosos defensores, Pio Moa, que foi apoiado, nos debates travados em Espanha sobre este assunto, por Payne. A tradução do texto foi automática, com correcções minhas:

1. Uma parte substancial da esquerda (os anarquistas, PCE, ERC - Esquerra Republicana de Catalunha e do sector de PSOE, liderado por Largo Caballero ) teve um carácter marcadamente antidemocrático, uma vez que considerava a República como um mero trampolim no caminho para seu objectivo final o da Revolução Social.


2. Este sector da esquerda espanhola organizou a revolta de Outubro de 1934.

3. As eleições de 1936 ocorreram numa república que não era democrática, A Frente Popular venceu por estreita margem de votos (mas com muito mais lugares no parlamento), devido a certos arranjos obscuros, como os denunciados pelo então Presidente da República, Niceto Alcalá Zamora , e corroborados, segundo Moa, pelas memórias de Azaña, Alcala-Zamora e Madariaga.

4. A situação de violência na rua e o real fervor revolucionário originou uma resposta simétrica em sectores da direita , a que se juntou uma parte de oficiais do Exército, desembocando toda esta escalada de violência - que culminou no assassinato por membros da Guarda de Assalto do deputado e líder da oposição, José Calvo Sotelo - na revolta de 18 de Julho de 1936 . Esta seria uma reacção desesperada de uma direita que não espera mais tempo, como a esquerda da Frente Popular vinha anunciado há anos.

Eu não podia traduzir melhor o pensamento de Stanley Payne expresso neste livro. Penso que Antony Beevor não pensa de igual modo, mas temo, pelas recensões que li, que apesar de ser muito mais crítico para com os franquistas, não deixa de deslegitimar a República, antevendo, se ela vencesse, um cenário de terror.

Falando mais concretamente do livro diria que o pior são as interpretações do autor relativamente à República e às suas intenções, pois que a descrição das acções do PCE e das ajudas da URSS e a intervenção dos agentes policiais que esta enviou para Espanha parecem-me bem fundamentadas e provavelmente a corresponderem à realidade. O problema é sempre do parti-pris de que parte.

Gostaria de sublinhar um dos aspectos que mais me chocou, foi a descrição daquilo a que se chama o “biénio negro” da República, ou seja os dois anos (1934-36) em que a direita governou. Como se sabe, em Outubro de 1934 ouve uma revolta dos mineiros asturianos que foi derrotada, este mesmo ano é referido num dos pontos anteriormente transcritos a propósito do pensamento de Pio Moa. Ora tanto Stanley Payne, como pelos vistos Moa, consideram que nesse Outubro ouve uma tentativa insurreccional generalizada, com responsabilidades do PSOE de Largo Caballero e da Generalitat da Catalunha. E que, por isso, a esquerda tinha-se antecipado à direita nos golpes revolucionários. Estive a ler este período tanto na obre de Preston, como na Hugh Thomas, qualquer deles referido por mim no post anterior, e verifiquei que se é um dado indiscutível que houve uma revolta dos mineiros asturianos, que foi reprimida por tropas da Legião sedeadas em Marrocos, já o resto da revolta generalizada está envolta em grande bruma e não é certo que tivesse existido, com as características que Payne lhe aponta.

Mas mais grave ainda é Payne achar o Governo da direita nada fez para eliminar as organizações revolucionárias que tinham organizado a insurreição e ainda mais acrescenta: “A repressão por parte da República, em 1934-35, foi de uma suavidade sem precedentes na história moderna da Europa Ocidental – mais suave do que em qualquer estado liberal ou semiliberal da Europa dos séculos XIX ou XX…” (pag.84). E que exemplos ele usa de repressão: a da Comuna de Paris, a da revolução de 1905-07 na Rússia dos czares, a da revolução na Alemanha, em1918-19, e, um caso que eu desconhecia, a do “golpe comunista” na Estónia “democrática”, em 1924. E termina esta página brilhante assim: “o falhanço da repressão dos revolucionários não constitui um benefício para a democracia liberal em Espanha, e pode ter apressado a sua destruição. Atroz como foi, a repressão dos communards de Paris em 1871, por exemplo, pode ter ajudado a estabilização inicial da Terceira República da classe média francesa, durante as décadas de 1870 e 1880”. Depois cita um caso finlandês de 1918, com muita repressão à mistura, que só ajudou a consolidar a democracia naquele país. Esta página, a 85, é um manual de como os estados devem lidar com as organizações revolucionárias e como as devem reprimir, que qualquer pessoa que se considere da esquerda não pode ler sem sentir um profundo horror.

Por estas razões custa-me perceber porque é que João Tunes, do blog Água Lisa, na recensão que faz a este livro o recomenda vivamente. Mesmo que haja um conjunto importante de informações sobre a acção do PCE e da URSS, dirigida por Estaline, tem que previamente se alertar as pessoas para a reccionarices anteriormente apontadas. Por outro lado, o ódio a Estaline e a todo o movimento comunista internacional da altura leva-o a fazer uma descrição da Guerra Civil espanhola que, cabe perfeitamente no tipo de revisionismo histórico que eu apontei em cima. Antony Beevor escreve, parece que logo no início do seu livro, que uma das primeiras vítimas desta guerra teria sido a verdade. João Tunes não foge deste ponto de vista, agravando-o. Por exemplo, Preston dedica o seu livro às Brigadas Internacionais, apesar de criticamente apreciar a acção de Estaline. João Tunes devido aos seus preconceitos não é capaz de olhar criticamente para acção dos comunistas, sem ter que ver em cada um deles a mão de Moscovo, ou seja, a mão de Estaline.

17/10/2011

Na antecâmara do fascismo

Passos Coelho fez um discurso em que se propunha esbulhar os portugueses em vários milhões de euros, deixando no ar a ideia de que a culpa era do colossal desvio orçamental que tinha sido descoberto nas finanças públicas. A responsabilidade cabia por inteiro ao anterior governo. Na Assembleia da República, no dia seguinte, voltou a afirmar que as medidas eram dele, mas o défice que as obriga não, que as televisões depressa identificaram como sendo deixado pelo PS. A seguir o CDS faz o número de exigir saber quem tinham sido os responsáveis ministério a ministério, divisão a divisão, por este colossal desvio, ou seja, quem em qualquer lugar tinha contribuído para isto suceder e continuava impune. O primeiro-ministro responde que se iria averiguar parceria público-privada a parceria público-privada, contracto a contracto, departamento a departamento quem, como e porquê estava na origem destes encargos insustentáveis. No meio tudo isto, o dirigente da Juventude Social-democrata diz que vai escrever ao Procurador-geral da República para pedir a criminalização dos responsáveis por este buraco orçamental. Tudo isto, misturado nos noticiários das televisões, fazia passar a ideia de que José Sócrates e o seu Governo poderiam vir a ser acusados na Justiça por este colossal desvio.

Repetiram-se estas notícias até à exaustão durante todo o dia, fazendo despontar nas pessoas o desejo de meter na cadeia o anterior Governo.

O que é que isto nos faz lembrar?

Não sendo capaz de resolver os problemas nacionais, a direita começa não só a criar os inimigos públicos internos, neste caso o anterior governo e os dirigentes por ele nomeados, como inicia a caça às bruxas tentando descortinar em cada gestor público ou governante um criminoso.

Como sabemos estes métodos são a antecâmara do fascismo que sempre encontrou na plutocracia, nos judeus e nos comunistas os responsáveis pelos males internos. É verdade que estes inimigos nem sempre foram os mesmos. Para os nazis eram os judeus os responsáveis pelos males da Alemanha,  por isso, exterminou-os. Para Franco eram todos aqueles que fizeram parte da Frente Popular que tentou impedir que ele tomasse o poder. Foram presos e a maioria fuzilada. Para Salazar e Marcelo eram todos aqueles que dissessem mal do Governo ou, na parte final, os que pusessem em causa a continuação da guerra colonial. Neste caso eram só metidos na prisão, excepto os que foram mortos pela PIDE.

Este tema da criminalização do Governo anterior e dos seus gestores é muito popular e tem encontrado eco em algumas personalidades da nossa vida intelectual. Por outro lado, tem sido levado com alguma leviandade e ligeireza por outros. Ainda ontem Marcelo Rebelo de Sousa, no seu comentário na TVI, achava melhor que em vez de se criminalizar e procurar os responsáveis, pois podia paralisar a máquina do Estado, que passaria o seu tempo a fazer investigações sobre o assunto, se propusesse uma lei que conduzisse ao mesmo, ou seja, aperfeiçoar a responsabilização criminal.

Não vi ainda ninguém, entre os comentadores de serviço, que achasse que este caminho era perigoso. Há mesmo alguns, como José Gomes Ferreira, o comentador económico da SIC Notícias, que propõem imediatamente a criminalização dos anteriores responsáveis (ver aqui). Já conhecíamos este senhor como um dos mais convencidos comentadores daquela estação de televisão.

Vai mal o país quando se propõe criminalizar aqueles de quem se discorda politicamente. Mas é interessante que Passos Coelho não queira falar em responsabilidade política. Para ele é mais simples apontar o dedo aos responsáveis do que hostilizar o PS, e a populaça aplaude. O PS sempre pode abster-se no orçamento de Estado e votar as leis fundamentais ao lado do Governo. Sócrates e alguns chefes de Divisão são mais facilmente responsabilizados por este desvio. No entanto, já há alguns, como Miguel Relvas, que querem a cabeça de alguns deputados que foram ministros, talvez Silva Pereira, pois riem-se muito no Parlamento e mandam apartes violentos aos deputados do PSD-CDS. Deviam estar com cara de enterro. Que tristeza, mas o grave é que isto pode ser a antecâmara do fascismo, agora com outro nome.


PS.: muitas destas afirmações são baseadas em declarações que li no Público e ouvi nas televisões. Não consigo fazer link para nenhuma delas porque hoje, apesar de todos órgãos de informação garantirem que estão presentes na Internet, depois, na prática, não se consegue aceder àquilo que nos interessa. No Público é preciso pagar para se ter acesso a toda a informação, dantes era só para os artigos de opinião. Nas TV dá-se este fenómeno curioso, na SIC o noticiário das oito só está acessível durante dois a três dias, como as notícias eram do dia 14, já não foi possível aceder. Nas outras duas televisões, os últimos noticiários ainda não foram inseridos, portanto, ainda não se chegou ao dia 14. Quanto à crónica do Professor Marcelo só se encontram extractos, não consegui aceder ao comentário integral e nenhum dos extractos era referente ao assunto por mim referido.

14/10/2011

As eleições na Madeira

Ainda que um pouco atrasado e sem dar continuidade à segunda parte do post sobre a Guerra Civil Espanhola, gostaria de comentar os resultados eleitorais da Madeira.

Era previsível que Alberto João levasse um tombo. Alguns acalentavam a esperança de que ele perdesse a maioria absoluta. De facto, isso não sucedeu, mas ficou abaixo dos 50%, perdeu quase 19 mil votos e desceu cerca de 16% em relação às eleições 2007. Se isso tiver consequências para ele e uma alteração na situação na Madeira, ainda bem. Mas temo, que passado este falatório eleitoral, regresse tudo à normalidade jardinista.

Falava-se da possibilidade do CDS ultrapassar o PS, mas que ultrapassasse em mais de 9 mil votos e em 6%, só num pesadelo de António José Seguro. Penso que a Madeira é ao único local do país, e refiro-me a municípios e regiões autónomas, em que o CDS é alternativa ao partido no poder. Em muitos locais do Alentejo quem fica em segundo lugar é a CDU. Não me consta que isso suceda com o CDS noutros sítios.

Depois resta a esquerda, à esquerda do PS. A CDU perde mais de 2 mil votos e 1,5% do eleitorado em relação às eleições anteriores, o Bloco de Esquerda, para minha infelicidade, desaparece do mapa. È o último partido, abaixo dos partidos fantasmas, que todos eles conseguem eleger um deputado, exceptuando o José Manuel Coelho, que nestas eleições concorria pelo PTP (Partido Trabalhista Português) (alguém conhece esta entidade política?), que não só consegue ter mais votos do que a CDU, como consegue eleger a filha, que estava em terceiro lugar na lista, porque mais nenhuma mulher tinha aceitado aquele posto.

Estes dados, que já todos conheciam, são verdades insofismáveis que já tinham sido comentadas até à exaustão.

Parece-me, no entanto, que o que há que realçar destas eleições foi o quase apagamento da esquerda, considerando o PS, um partido de centro-esquerda, também incluído. PS+CDU+BE tiveram no seu conjunto menos votos que o CDS. Isto é que é espantoso.

Cada um destes partidos terá uma explicação conjuntural para o que se passou. Eu por mim retiro a conclusão de que a esquerda não está a convencer o eleitorado de que pode ser uma alternativa para a crise. É evidente que a situação do PS é muito ambígua, ele não só não é alternativa, como é apontado como o responsável pela crise. Mas, como vimos no resultado das eleições nacionais, a esquerda à esquerda do PS não aparece também como alternativa. E é esta a desgraça nacional. Estou convencido que ninguém aceita ser espoliado do seu vencimento, mas passar da fase de aceitação passiva das desgraças que lhe estão a suceder à fase de revolta e de procura de outras soluções ainda está muito longe do pensamento comum. Há uns que apontam lá para Janeiro, quando os cortes começarem a valer. Eu, como não sou mecanicista, acredito que só quando ganharmos a consciência política das “massas espoliadas” e apresentarmos soluções em que elas acreditem é que é possível fazê-las passar da aceitação passiva à revolta organizada.

E é isto que tenho a dizer sobre as eleições na Madeira.

13/10/2011

!5 de Outubro - A Democracia sai à rua



PROTESTO APARTIDÁRIO, LAICO E PACÍFICO

- Pela Democracia participativa.

- Pela transparência nas decisões políticas.

- Pelo fim da precariedade de vida.


10/10/2011

Mais uma vez a Guerra Civil de Espanha - I

Quando da passagem do 75º aniversário do início da Guerra Civil espanhola, a 17 e18 de Julho deste ano, a maioria dos blogs de esquerda resolveu, e bem, assinalar a data, cada um com as suas opções ideológicas próprias. Estou-me a recordar do blog de Joana Lopes, Entre as brumas da memória, que nos remete para dois dossiers, um deles elaborado por El País e que era bastante interessante. Mas também, o que me causou alguma estupefacção, a referência que Miguel Serras Pereira, no Vias de Facto,  fazia a uma canção revolucionária espanhola, Ay Carmela, com uma letra em francês, que faz referência aos acontecimentos de Maio de 1937, em Barcelona – uma pequena guerra civil dentro da Guerra Civil geral, e que opôs as facções trotskistas (POUM) e anarquistas e a sua central sindical (FAI e UGT) ao Governo da Frente Popular, sedeado em Valência, principalmente à sua ala comunista e socialista moderada –, que eu conhecia com uma letra completamente diferente (pode-se ouvir a canção original no próprio post de Joana Lopes ou ler a letra aqui).

Na altura ainda pensei entrar na onda, simplesmente ou estas coisas se escrevem na data própria ou então deixam de ter sentido. Foi isso que sucedeu. Simplesmente, foi posta recentemente à venda uma nova edição do livro de Paul Preston, A Guerra Civil de Espanha (2011, Edições 70). Sucede que o comprei e o li de uma penada. Como gostei, achei por bem, mesmo com atraso, voltar ao tema falando do livro.

Penso que a tradução portuguesa é feita a partir da última edição inglesa de 1996, publicada na passagem do 60º aniversário do início da Guerra Civil. O livro na sua versão em inglês chama-se Uma História Concisa da Guerra Civil Espanhola, o que explica a ausência de bibliografia, de referências onomásticas e a descrição abreviada dos acontecimentos. Não se compara, em pormenor, com os livros que há muitos anos li de Hugh Thomas, uma edição da Ulisseia, ainda do tempo do fascismo, e o muito citado La Révolution y la Guerra de España, de Pierre Broué e Émilie Témine, numa tradução para castelhano, em dois volumes, editada no México, em 1962, pelo Fondo de Cultura Económico.

O livro de Paul Preston não nos engana ao que vem. Logo na Introdução declara que apoia os republicanos e denuncia os crimes do franquismo e a manutenção da sua ditadura até aos anos 70. No entanto, não escamoteia a realidade complexa da zona republicana e dos equilíbrios instáveis entre as diferentes forças que compunham a Frente Popular que governou a República durante a Guerra Civil, nem os desmandos e desordens iniciais ou as perseguições posteriores feita pelos comunistas do PCE e do PSUC (os comunistas da Catalunha), da polícia secreta soviética e de alguns socialistas moderados às organizações já anteriormente referidas: FAI, UGT e POUM.

Paul Preston toma igualmente posição perante o dilema, que atravessou a República, as memórias dos seus participantes e ainda hoje fornece material abundante para discussões mais ou menos sérias que por vezes aparecem na blogosfera nacional (ver aqui e o post já referido do Vias de Facto), ou seja, a opção entre guerra ou revolução, tomando aquele autor  partido pela guerra.

Para se compreender o que está em causa eu resumiria assim o problema: uns defendem os comunistas e a URSS por terem privilegiado a ordem e vitória na guerra e outros acusam aqueles de traírem a revolução ao optarem primeiro pela vitória na guerra e só depois, se houvesse condições para isso, fazer a revolução.

Paul Preston logo na sua Introdução (pag. 21) não é meigo parar com aqueles que defendem a “revolução”. Diz ele: o debate sobre a “guerra ou revolução” tem ocupado os simpatizantes republicanos incapazes de aceitarem a derrota da esquerda. Durante o período da Guerra Fria, a noção de Estaline ter abafado a revolução em Espanha, ajudando a vitória de Franco, foi propagandeada com sucesso. Várias obras sobre a Guerra Civil de Espanha foram patrocinadas pelo Congresso para a Liberdade da Cultura, entidade financiada pela CIA, a fim de disseminarem essa ideia. O sucesso de uma aliança espúria entre anarquistas, trotskistas e combatentes da Guerra Fria eclipsou o facto de Hitler, Mussolini, Franco e Chamberlain serem os responsáveis pela vitória nacionalista, e não Estaline. Eu não diria melhor.

Em próximo post voltarei ao assunto, referindo-me a outro livro, já não tão recente como este, mas bastante interessante não só pelo seu conteúdo reaccionário, como a uma recensão que suscitou na blogosfera. Estou-me a referir ao livro de Stanley G. Payne, A Guerra Civil de Espanha, a União Soviética e o Comunismo, de 2006, da Ulisseia (agora já nas mãos da Leya).

03/10/2011

A polícia, o chanfalho e a direita portuguesa

Durante 48 anos a direita portuguesa sempre recorreu ao chanfalho ou ao cassetete para pôr na ordem os trabalhadores portugueses. Salazar propunha que se desse uns “safanões a tempo” naqueles que protestavam para se evitar males maiores. A direita sempre foi caceteira e sempre recorreu à repressão para dirimir os conflitos e protestos sociais e políticos. Nós já nos esquecemos disso, mas é bom recordá-lo às novas gerações.

O célebre capitão Maltês, de pingalim na mão, a dar ordem aos seus polícias para arrearem nos estudantes, é uma imagem que nunca mais me há-de esquecer e que dá bem a ideia do que era a direita portuguesa no tempo do fascismo.

Hoje, cheia de boas maneiras e de sorriso nos lábios lembra-nos que se não formos a bem, e resistirmos às propostas da troika, recorrerá com sempre o fez aos mesmos métodos que a está habituada. Veja-se as declarações de Pedro Passos Coelho, ameaçando a esquerda se ela não se portasse bem (ver aqui – esta versão tem a resposta das centrais sindicais e dos principais líderes de esquerda).

Mas este episódio passou-se no Verão, quando se poderia dizer que o primeiro-ministro andava de cabeça esquentada pelo Sol da Manta Rota. As palavras foram esquecidas e a direita nunca mais  falou no assunto, apesar do tema vir sempre à baila, quando os jornalistas interrogam alguém da esquerda, sobre se este estava à espera de tumultos sociais devido a esta política.

Mas eis que hoje o tema se torna mais grave. Na primeira página do Diário de Notícias (ver aqui), logo ao alto, vinha a notícia PSP e Secretas à espera dos maiores tumultos desde os tempos do PREC e em baixo como se as duas coisas estivessem relacionadas 100 mil pessoas saíram à rua na primeira “manif” da era Passos Coelho. Já conhecíamos a vocação do Diário de Notícias para jornal provocador. Ainda nos lembramos do célebre e-mail que este jornal publicou na campanha eleitoral do Verão de 2009, violando a mais elementar ética profissional e que esteve na base da vitória de Sócrates. Agora, como o governo mudou, aí temos o Diário de Notícias a deixar sair uma notícia, obviamente encomendada, sobre um relatório secreto da Polícia sobre possibilidades de agitação social. À noite todas as televisões pegaram no assunto (ver, por exemplo, aqui e aqui), cada uma ao seu estilo, mas todas elas relacionando a manifestação do dia anterior como o primeiro ensaio da futura agitação social.

Estamos perante um acto grave de provocação da direita, com o auxílio da polícia (PSP) e de uns rapazes dos sindicatos da mesma, que a despropósito, resolveram também meter o bedelho onde não eram chamados. Espero que meditem se é assim que pensam contar com a solidariedade da população para as suas lutas sociais.

É evidente que nas muitas notícias que a TV propalou há uma mais benignas, afirmando que a PSP não tem medo das manifestações da CGTP, mas sim daquelas que estão previstas para o dia 15 de Outubro, que não têm um interlocutor bem definido, e que até, pecado dos pecados, se realizam simultaneamente com outras no estrangeiro, com o perigo agravado de alguns alienígenas se poderem deslocar ao nosso país. Noutros telejornais deu-se também como exemplo, bem personificado, a ocupação do Jornal da Madeira, para garantir o pluralismo de opinião, por candidatos do Partido Nova Democracia. E a ocupação do Ministério da Educação por meia dúzia de professores não colocados, que suponho eu tinham a aprovação e cobertura do sindicato.

Está-se pois a criar um clima intimidatório que visa unicamente afastar gente das manifestações, garantindo que elas podem vir a ser perigosas. Tudo isto, acompanhado de reportagens, como uma que ontem foi mostrada na RTP, onde se interrogava na praia porque é que as pessoas tinham preferido estar ali a ir à manifestação. Pergunta completamente a despropósito, já que aquilo que se pretendia mostrar era o bom tempo que fazia e a e grande afluência em as praias ainda tinham. Hoje igualmente foi-se ouvir a opinião de um sociólogo sobre o assunto, José Adelino Maltez, que, com ar muito douto, dizia que não havia perigo de agitação social porque a pessoas não se interessariam por tal coisa, preferindo não ligar a estes temas. Como voltámos alegremente, pela mão deste politólogo de serviço, ao velho lema salazarista “a minha política é a do trabalho”.

Mas o mais grave disto tudo é a informação de que o SIS está igualmente a estudar este assunto e a infiltrar agentes nas estruturas ditas subversivas, para prevenir futura agitação. Penso pois para mim que, tal como tempo da PIDE, aí teremos uma senhor agente a tentar chegar à cúpula da Intersindical para saber o que ela decide em matéria de manifestações ou de lutas sociais, ou a tentar chegar à Comissão Política do PCP ou do Bloco para conhecer e informar qual é o futuro programa de agitação destes partidos.

Foi por isso que a reacção, incluindo o PS, nunca quis que estes partidos participassem na Comissão de Acompanhamento das suas actividades. Espero que um devido protesto seja lavrado por eles na Assembleia da República pela insinuação rascosa que foi feita.

Os tempos vão ser duros e temos que nos preparar para uma luta feroz contra a direita no poder que a única coisa que conhece e sempre utilizou foi a chanfalhada ou a bufaria para reprimir os trabalhadores.

01/10/2011

Contra o EMPOBRECIMENTO e as INJUSTIÇAS




Participa sábado na manifestação da CGTP Contra o Empobrecimento e as Injustiças. 15h do Saldanha aos Restauradores