Porque tenho tomado posição sobre o que de mais importante tem vindo a suceder na vida nacional, principalmente em relação à área da esquerda, não posso deixar de opinar sobre a nova candidatura à Presidência da República e que pelo menos, em teoria, disputará um espaço que é de esquerda. Assim, e não querendo recorrer à chalaça para apreciar este novo candidato, irei mais uma vez maçar-vos com a prosa séria e pesada com que normalmente analiso a política nacional.
Vou utilizar como guião, porque facilita os meus objectivos, um texto de Fernando Teixeira, do
5 Dias , que se denomina
Fernando. Nobre?, e que descreve as dez virtudes que aquele
blogger encontra no candidato.
A primeira virtude é que esta candidatura entala a de Manuel Alegre, a segunda ridiculariza o Bloco de Esquerda, e a décima é que deixa o oportunismo à beira de um ataque de nervos, aqui o oportunismo resume-se às posições do Daniel de Oliveira, do
Arrastão.
O texto em questão é uma das versões modernas do velho esquerdismo de antes de Abril e da altura do PREC. Ou seja, para este senhor o inimigo principal é Manuel Alegre, o Bloco de Esquerda e o oportunista mor, mas isso é uma questão pessoal do
5 Dias, o Daniel de Oliveira. No fundo retoma-se, com novas vestes, a velha linguagem dos esquerdistas que consideravam o PCP como o seu principal inimigo e alguns dos seus escribas como a expressão última do social-fascismo, socialistas nas palavras e fascista nos actos. Mas mesmo que não queira chamar-lhes estes nomes feios, quer o candidato Manuel Alegre, quer o Bloco de Esquerda, quer o “pobre” do Daniel de Oliveira, comportam-se para este opinador como novos oportunistas. Temos pois todos os condimentos para ressuscitar a velha linguagem de palha de antigamente.
Como se vê a direita passa nesta descrição, como se não existisse e como se não fosse, ela e o seu candidato, Cavaco Silva, o inimigo principal.
A terceira virtude é de que pressiona o PCP para apresentar uma candidatura não sectária. Nesta virtude destaca-se o desejo de alguém que, não sendo do PCP, quer influenciar este partido a apoiar o candidato de quem
a priori se gosta. Já se sabe que aqui, e ainda bem, o PCP é suficientemente sectário para não ir nas melodias maviosas que lhe querem tocar. Bem pode o Vítor Dias no seu
blog começar, mesmo que indirectamente, a fazer propaganda do Fernando Nobre, ou melhor contra o Manuel Alegre (vejam-se estes dois
posts:
aqui e
aqui), porque o PCP irá sempre apresentar na altura própria o seu candidato, tal como foi, penso eu, decidido no último Congresso. Poderá sempre desistir na primeira volta. Mas sem candidato próprio não fica.
A quarta virtude é de não ser um candidato do Governo e do PS. Aqui, vem novamente à baila o sectarismo. O que pensa esta gente que é um candidato a Belém? Ou é um instrumento de agitação da esquerda e nesse caso Fernando Nobre não serve, ou é um candidato com possibilidades de ganhar e nesse sentido tem que contar sempre com o PS e por detrás deste partido está o Governo. Este facto foi sempre percebido pelo PCP, que nunca embarcou em aventuras esquerdistas. Não apoiou Otelo, não apoiou Maria de Lurdes Pintassilgo e, em último caso votou em Mário Soares, cuja prestação nos seus governos não era melhor que a de José Sócrates.
Eu não sei o que é que esta gente preferia, se era o PS ir apoiar o Jaime Gama, por exemplo, ou ser obrigado a apoiar o Manuel Alegre. A visão deles é sempre ao contrário da lógica da esquerda.
As outras virtudes já são de ordem da fezada política e literária. A quinta fala de que Nobre tem
curriculum enquanto Manuel Alegre foi um mau deputado e é um poeta medíocre, sobre esta então nem me pronuncio. Quanto ao
curriculum de Manuel Alegre lembro que não começou só com o 25 de Abril, ainda provavelmente Fernando Teixeira andava de cueiros já Alegre conspirava contra o fascismo e sofria na carne a prisão. Coisa que, eu saiba, é completamente omissa em Fernando Nobre.
A sexta é mesmo divertida: Fernando Nobre cria pontes com o movimento social. Mas qual movimento social? Será que o autor se quer referir às ONGs, coisa que toda a gente sabe que estão ao serviço da manutenção do
stato quo. Hoje qualquer artigo de jornal de esquerda – este facto é mais engraçado porque ele cita na nona virtude uma entrevista do Fernando Nobre a propósito disso mesmo – critica as intervenções destas organizações no Terceiro Mundo. Em Portugal o único movimento social que verdadeiramente está implantado na sociedade e tem força real são os sindicatos e esses não me consta que tenham qualquer ligação a Fernando Nobre.
A sétima virtude contrapõe o internacionalismo de Nobre à visão patrioteira de Alegre e Cavaco. Meter no mesmo saco um homem da CEE, da Nato e do bloco ocidental e o Manuel Alegre, que de facto tem uma posição patriótica da nossa posição no mundo, é no fundo a visão sectária da realidade política nacional. Mas acho engraçado como na apresentação da candidatura de Fernando Nobre se acabou, com grande entusiasmo, a cantar o hino nacional. Só por grande distorção do pensamento se pode pensar que alguém que anda sempre em missões internacionais é um internacionalista.
Na oitava virtude diz que Nobre não andou nos últimos anos a preparar a sua candidatura a Belém como Alegre. Aqui não distingo que é mau do que é bom. Aquilo que para uns pode ser perserverança para outros é carreirismo.
A nona virtude já foi referida, é uma entrevista de Fernando Nobre à revista
Rubra e a décima, é a dedicada ao Daniel de Oliveira.
É evidente que o
post de Fernando Teixeira, que eu venho citando, põe ainda uma série de reticências em relação ao candidato. Mas, não ligando a muitos outros que entretanto publicou, ater-me-ia ao seu último, onde
afirma: “
É o primeiro candidato a dizer coisas de esquerda (ainda que poucas e vagas) sem qualquer compromisso com o PS e com este Governo.” Vai-se depois a ver e o
post remete-nos para umas declarações que a
TSF reproduz, de uma entrevista que F. Nobre deu ao Miguel Sousa Tavares, agora na
SIC, em que diz que falou previamente com Mário Soares, mas não é lebre dele, mal seria se dissesse que era, e que Manuel Alegre, por ter estado sempre na Assembleia da República, é um dos responsáveis por esta situação política, enquanto ele, virgem política, aparece agora sem quaisquer responsabilidades. Francamente se isto é dizer coisas de esquerda, então o que será ser de esquerda. Perfeitamente lamentável, não Fernando Nobre, mas o nosso articulista.
Dito isto é perceptível que apoio Manuel Alegre, pelas razões que já invoquei noutros
post anteriores (ver
aqui e
aqui) e que considero mau para a esquerda o aparecimento desta candidatura. Mas ao longo do ano, se puder, terei muito mais oportunidades de escrever sobre este assunto.