01/02/2010

As Comemorações da Implantação da República


Muitos de nós tivemos um avô que andou envolvido com a República. Eu também não fujo à regra e as coisas que sei e conheci desse avô mais me levam a pensar que a República, aquela que se implantou, parece com a sua ajuda, em 1910, era amada pelas camadas populares citadinas e transportava nela um espírito de transformação e de melhoria para o nosso povo. A República era, no início do século XX, o progressismo possível.
Depois, quando eu nasci, os meus pais ainda me falavam da República como uma coisa boa, em oposição à ditadura que então imperava em Portugal. Com a adolescência e depois jovem adulto habituei-me, nem sempre, a ir ao Cemitério do Alto de S. João prestar homenagem aos vultos da República e a fugir à frente da polícia pela Morais Soares abaixo, ou até, mas isso não me recordo, de ir até à estátua de António José de Almeida, dar vivas à República. A República era também a nossa resistência ao fascismo.
Depois, com andar dos tempos, começamos a saber que a República também reprimia as greves e prendia e deportava os sindicalistas. Sabíamos também, nos tempos da ditadura, das dificuldades que existiam em fazer unidade com os velhos republicanos ou os seus herdeiros sociais-democratas. Mas, mesmo assim, a República foi sempre para mim a expressão progressista dos ideais de avanço social. Tenho sempre na memória a descrição da ida com o pai a um comício republicano do miúdo da Escola do Paraíso, do José Rodrigues Miguéis. Por isso quando hoje oiço e vejo o ar jesuítico com que os comentadores falam das comemorações da República, dizendo que teve coisa boas e más e uns inclinando-se mais para as coisas más e outros, muito poucos, para as coisas melhorezinhas sinto um arrepio e uma profunda indignação, porque a República ou se toma como todo e se encara como um dos passos para o progresso do país, como foi o 25 de Abril, ou então estas comemorações não passarão de um pastiche ou de uma recordação serôdia.

Vem tudo isto a propósito de uma série de coisas que fui ouvindo ontem, dia 31 de Janeiro. Primeiro, foi na SIC Notícias, António da Costa Pinto, bastante contido, a responder a uma perguntinha malandra da locutora de serviço se não seria altura de referendar a República. Achava que não. Depois foi às 19h00, na mesma estação, o locutor a pôr a mesma pergunta e a pedir comentários aos discursos que Sócrates e Cavaco tinham feito nesse dia de manhã. Luís Delgado, um dos comentadores de serviço, a afirmar que era monárquico – só nos faltava esta – e um jovem jornalista do Expresso, daqueles que devem querer fazer carreira rápida, bastante delambido, a dizer que era republicano, mas que achava que a República tinha sido um horror, mostrando uma ignorância profunda sobre a obra inicial da República: desconhecendo que a maioria das instituições civis existentes actualmente no país – casamentos civis, registo civil, lei do divórcio, etc. – são obra da República. Depois dizendo que bem andava o CDS em fazer comemorações separadas e falando mal do discurso de José Sócrates e bem do de Cavaco.
Depois, li um artigo no Público, daqueles que dá uma no cravo outro na ferradura, mas tem várias apreciações, uma de Rui Ramos – Um camelot de roi à portuguesa, como eu lhe chamei num post antigo – que tem esta pérola sobre a República: "Em termos de democratização, não foi um avanço, foi um dos mais graves retrocessos desde meados do século XIX." E outra de Manuel Loff, um historiador progressista, que comenta não só a opinião de Rui Ramos, afirmando que este "quer fazer da I República, se não um regime totalitário, uma espécie de estalinismo, pelo menos um projecto de natureza intrinsecamente revolucionária, que atacou de forma violenta e ilegítima as tradições mais enraizadas da sociedade portuguesa", como também dá a sua. Leiam, que vale a pena.
Por último, já hoje, este post de Victor Dias, que afirma, de acordo com o Público, que “um capelão militar discursou na cerimónia inaugural das comemorações do Centenário da República”.
Começam mal estas comemorações.

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