Muitos de nós tivemos um avô que andou envolvido com a República. Eu também não fujo à regra e as coisas que sei e conheci desse avô mais me levam a pensar que a República, aquela que se implantou, parece com a sua ajuda, em 1910, era amada pelas camadas populares citadinas e transportava nela um espírito de transformação e de melhoria para o nosso povo. A República era, no início do século XX, o progressismo possível.
Depois, quando eu nasci, os meus pais ainda me falavam da República como uma coisa boa, em oposição à ditadura que então imperava em Portugal. Com a adolescência e depois jovem adulto habituei-me, nem sempre, a ir ao Cemitério do Alto de S. João prestar homenagem aos vultos da República e a fugir à frente da polícia pela Morais Soares abaixo, ou até, mas isso não me recordo, de ir até à estátua de António José de Almeida, dar vivas à República. A República era também a nossa resistência ao fascismo.
Depois, com andar dos tempos, começamos a saber que a República também reprimia as greves e prendia e deportava os sindicalistas. Sabíamos também, nos tempos da ditadura, das dificuldades que existiam em fazer unidade com os velhos republicanos ou os seus herdeiros sociais-democratas. Mas, mesmo assim, a República foi sempre para mim a expressão progressista dos ideais de avanço social. Tenho sempre na memória a descrição da ida com o pai a um comício republicano do miúdo da Escola do Paraíso, do José Rodrigues Miguéis. Por isso quando hoje oiço e vejo o ar jesuítico com que os comentadores falam das comemorações da República, dizendo que teve coisa boas e más e uns inclinando-se mais para as coisas más e outros, muito poucos, para as coisas melhorezinhas sinto um arrepio e uma profunda indignação, porque a República ou se toma como todo e se encara como um dos passos para o progresso do país, como foi o 25 de Abril, ou então estas comemorações não passarão de um pastiche ou de uma recordação serôdia.
Vem tudo isto a propósito de uma série de coisas que fui ouvindo ontem, dia 31 de Janeiro. Primeiro, foi na SIC Notícias, António da Costa Pinto, bastante contido, a responder a uma perguntinha malandra da locutora de serviço se não seria altura de referendar a República. Achava que não. Depois foi às 19h00, na mesma estação, o locutor a pôr a mesma pergunta e a pedir comentários aos discursos que Sócrates e Cavaco tinham feito nesse dia de manhã. Luís Delgado, um dos comentadores de serviço, a afirmar que era monárquico – só nos faltava esta – e um jovem jornalista do Expresso, daqueles que devem querer fazer carreira rápida, bastante delambido, a dizer que era republicano, mas que achava que a República tinha sido um horror, mostrando uma ignorância profunda sobre a obra inicial da República: desconhecendo que a maioria das instituições civis existentes actualmente no país – casamentos civis, registo civil, lei do divórcio, etc. – são obra da República. Depois dizendo que bem andava o CDS em fazer comemorações separadas e falando mal do discurso de José Sócrates e bem do de Cavaco.
Depois, li um artigo no Público, daqueles que dá uma no cravo outro na ferradura, mas tem várias apreciações, uma de Rui Ramos – Um camelot de roi à portuguesa, como eu lhe chamei num post antigo – que tem esta pérola sobre a República: "Em termos de democratização, não foi um avanço, foi um dos mais graves retrocessos desde meados do século XIX." E outra de Manuel Loff, um historiador progressista, que comenta não só a opinião de Rui Ramos, afirmando que este "quer fazer da I República, se não um regime totalitário, uma espécie de estalinismo, pelo menos um projecto de natureza intrinsecamente revolucionária, que atacou de forma violenta e ilegítima as tradições mais enraizadas da sociedade portuguesa", como também dá a sua. Leiam, que vale a pena.
Por último, já hoje, este post de Victor Dias, que afirma, de acordo com o Público, que “um capelão militar discursou na cerimónia inaugural das comemorações do Centenário da República”.
Começam mal estas comemorações.
Depois, quando eu nasci, os meus pais ainda me falavam da República como uma coisa boa, em oposição à ditadura que então imperava em Portugal. Com a adolescência e depois jovem adulto habituei-me, nem sempre, a ir ao Cemitério do Alto de S. João prestar homenagem aos vultos da República e a fugir à frente da polícia pela Morais Soares abaixo, ou até, mas isso não me recordo, de ir até à estátua de António José de Almeida, dar vivas à República. A República era também a nossa resistência ao fascismo.
Depois, com andar dos tempos, começamos a saber que a República também reprimia as greves e prendia e deportava os sindicalistas. Sabíamos também, nos tempos da ditadura, das dificuldades que existiam em fazer unidade com os velhos republicanos ou os seus herdeiros sociais-democratas. Mas, mesmo assim, a República foi sempre para mim a expressão progressista dos ideais de avanço social. Tenho sempre na memória a descrição da ida com o pai a um comício republicano do miúdo da Escola do Paraíso, do José Rodrigues Miguéis. Por isso quando hoje oiço e vejo o ar jesuítico com que os comentadores falam das comemorações da República, dizendo que teve coisa boas e más e uns inclinando-se mais para as coisas más e outros, muito poucos, para as coisas melhorezinhas sinto um arrepio e uma profunda indignação, porque a República ou se toma como todo e se encara como um dos passos para o progresso do país, como foi o 25 de Abril, ou então estas comemorações não passarão de um pastiche ou de uma recordação serôdia.
Vem tudo isto a propósito de uma série de coisas que fui ouvindo ontem, dia 31 de Janeiro. Primeiro, foi na SIC Notícias, António da Costa Pinto, bastante contido, a responder a uma perguntinha malandra da locutora de serviço se não seria altura de referendar a República. Achava que não. Depois foi às 19h00, na mesma estação, o locutor a pôr a mesma pergunta e a pedir comentários aos discursos que Sócrates e Cavaco tinham feito nesse dia de manhã. Luís Delgado, um dos comentadores de serviço, a afirmar que era monárquico – só nos faltava esta – e um jovem jornalista do Expresso, daqueles que devem querer fazer carreira rápida, bastante delambido, a dizer que era republicano, mas que achava que a República tinha sido um horror, mostrando uma ignorância profunda sobre a obra inicial da República: desconhecendo que a maioria das instituições civis existentes actualmente no país – casamentos civis, registo civil, lei do divórcio, etc. – são obra da República. Depois dizendo que bem andava o CDS em fazer comemorações separadas e falando mal do discurso de José Sócrates e bem do de Cavaco.
Depois, li um artigo no Público, daqueles que dá uma no cravo outro na ferradura, mas tem várias apreciações, uma de Rui Ramos – Um camelot de roi à portuguesa, como eu lhe chamei num post antigo – que tem esta pérola sobre a República: "Em termos de democratização, não foi um avanço, foi um dos mais graves retrocessos desde meados do século XIX." E outra de Manuel Loff, um historiador progressista, que comenta não só a opinião de Rui Ramos, afirmando que este "quer fazer da I República, se não um regime totalitário, uma espécie de estalinismo, pelo menos um projecto de natureza intrinsecamente revolucionária, que atacou de forma violenta e ilegítima as tradições mais enraizadas da sociedade portuguesa", como também dá a sua. Leiam, que vale a pena.
Por último, já hoje, este post de Victor Dias, que afirma, de acordo com o Público, que “um capelão militar discursou na cerimónia inaugural das comemorações do Centenário da República”.
Começam mal estas comemorações.
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