14/02/2010

O que nos está a acontecer – a Liberdade de Imprensa


Com este título suficientemente vago, pretendo iniciar uma reflexão sobre o que se está a passar neste país.

Começo por um lamento. Escrevi já alguns textos (aqui e aqui) de índole pessoal sobre José Sócrates e o seu comportamento numa reunião internacional, ainda como Ministro do Ambiente, em que eu também participei, e que quanto a mim não tiveram quaisquer comentários significativos. Hoje, depois de tudo o que se sabe dele, até no modo como se relaciona com os seus homens de mão (veja-se o Sol desta semana), a apreciação que eu faço do seu carácter parece-me corresponder à realidade. Mas este é só um dos aspectos do problema que representa a manutenção de José Sócrates à frente dos destinos do país. Irei abordar outros.

Vamos agora às tão faladas liberdades de expressão e de imprensa. Quanto à primeira é visível que não está ameaçada. Isto porque é uma liberdade que, se não tiver suporte físico, não significa nada. Ou seja, eu posso em qualquer lugar dizer mal do Governo e de José Sócrates e até, com algumas limitações, na Internet, nos blogs pessoais – mesmo aqui, que eu saiba, já houve processos contra alguns bloggers –, mas se eu o quiser fazer nos media, já tenho algumas limitações. Dependo dos meios de comunicação que existem e de quem os controla. Aquela minha liberdade, para ser eficaz e poder extravasar o círculo de amigos onde vivo, precisa de ter um meio onde se expressar e ele nem sempre está acessível, mesmo que a minha opinião tenha qualidade. Exceptua-se deste caso os fóruns que alguns meios de comunicação criaram, nos canais de informação por cabo e na TSF, que eu conheça, que são autênticas catarses colectivas de crítica ao Governo.
Mas aprofundemos um pouco a questão. Na sociedade capitalista, nos dias de hoje, os media são propriedade de grandes grupos financeiros – que no caso português estão muito dependentes do Governo –, cuja liberdade está condicionada não só pelos interesses desses grupos mas também, em geral, pelo sistema ideológico dominante. Isto é um facto, e mesmo que na lei se fale da independência do director, dos conselhos de redacção e haja algumas garantias para os seus jornalistas, a verdade é que em última instância quem manda é quem paga o salário ao fim do mês. Apesar de achar bem que todos os jornalistas reivindiquem esta sua liberdade e independência – temos sempre que confrontar o poder com os seus limites – dificilmente pudemos fugir às imposições do patrão. É evidente que hoje qualquer órgão de informação não transmite só as directrizes do patrão. Para poder ser vendável tem que mostrar alguma independência, que lhe permita ter alguma credibilidade junto da opinião pública. Simplesmente, e de acordo, com aquilo que eu tenho escrito nos meus últimos posts (ver aqui e aqui) essa liberdade é condicionada pelas múltiplas escolhas e opções dos seus responsáveis, sejam eles quais forem.
Por isso, dizer que há liberdade absoluta de informar não é verdade. Não há, ela está condicionada nos grandes meios de comunicação.
O que é que Sócrates queria? Era tomar conta, por “interposta pessoa”, de uma série de órgãos de informação, onde não só podia condicionar a opinião, mas também correr com alguma gente incómoda. É evidente que os programas que se pretendiam eliminar não eram de esquerda. A esquerda, à esquerda do PS e mesmo a esquerda do PS, não tem qualquer órgão de informação que lhe seja favorável. Por isso, o que se pretendia suprimir eram os ataques que vinham da direita e é por isso que ela está neste momento a berrar tanto.
A indignação que percorre alguns comentaristas, políticos e jornalistas, provem daqueles a quem José Sócrates e os seus “amigos” estão a tentar cortar o pio. Porque convenhamos, quando são ataques à esquerda, que consistem normalmente em ignorar os seus pontos de vista, ninguém protesta.
Esta é quanto a mim aquilo que destaco politicamente deste assunto, no entanto isso não significa que possamos ficar indiferentes às acções de Sócrates contra a liberdade de imprensa. Não podemos é alinhar com o coro de virgens ofendidas em que se transformaram os arautos da direita. Temos que desmascarar não só os ataques à liberdade de informação, mas também todos aqueles que por omissão ou adulteração são quotidianamente cometidos contra as diversas opiniões da esquerda.
Só um exemplo, quando Pacheco Pereira, com razão, se indigna com o que se está a passar, esquece que no programa a Quadratura do Círculo, onde pontifica desde sempre, há muito que não a aparece alguém à esquerda do PS. Naquele programa quando se diz mal, por exemplo, do Bloco de Esquerda, os três comentaristas, com riso alvar, estão sempre de acordo e não há ninguém para contestar essa opinião. Por aqui vemos em que é que consiste a liberdade de imprensa para alguns, é só para eles e para os seus amigos, os outros que vão à vida.
Por isso, aquilo que quero afirmar é que a liberdade de imprensa quando nasce é para todos, o que não significa que ilibe Sócrates daquilo que está a fazer que é silenciar as vozes incómodas e influenciar a opinião pública.

Por aqui me fico, esperando noutros posts desenvolver outros aspectos da crise actual.
Imagem retirada do blog Wehave Kaosinthegarden

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