20/02/2011

A bem-pensânsia nacional não gosta dos Deolinda


Vi ela primeira vez os Deolinda em 2009, num festival de Músicas do Mundo que se realizou na Póvoa do Varzim. O palco principal estava cheio com as atracções principais e nos palcos paralelos actuavam os grupos ainda sem nome feito, como aquele grupo. A sala estava repleta, a deitar por fora. Achei-lhes imensa graça, percebe-se logo, a partir do próprio nome da banda, que há uma grande ironia em tudo o que fazem. As suas canções, as que eu ouvi aí, não sendo panfletárias, criticavam o quotidiano com imensa graça.

A canção “que parva que sou”, cantada pela primeira vez no Coliseu, não me pareceu melodicamente com a mesma força das que tinha ouvido na Póvoa do Varzim, tinha no entanto uma letra que, com grande ironia, relatava o ar do tempo: as dificuldades em se arranjar um emprego, mesmo estudando, e a situação precária em que se encontram os jovens trabalhadores com habilitações.
Pela força e ironia da letra não só o Coliseu veio abaixo, como rapidamente a canção passou ao Facebook e depois para os blogs. Já se sabe que os jornalistas os, comentadores e os políticos, rapidamente a transformaram em motivo de comentário, discussão e bandeira política.

A semana que agora finda passou a discutir a canção e o seu significado e todos os blasés deste mundo acharam que deviam opinar criticamente sobre a mesma
Começou por um artigo José Manuel Fernandes, no Público, que eu não li na totalidade, mas que percebi logo o conteúdo. Culpava as gerações antigas, as do 25 de Abril, que garantiram trabalho fixo e que presentemente abandonavam estes jovens à sua sorte. Conclusão, maior flexibilidade no trabalho, todos se deviam tornar precários para maior glória do capitalismo nacional. A direita aproveitou deste modo a canção.

Mas o mais interessante, foi depois as discussões nos diversos programas televisivos. Como eu normalmente só vejo a SIC Notícias, é, de modo geral, a ela que me vou reportar.
Na Quadratura do Círculo, Pacheco Pereira, com a sua sobranceria de intelectual que não participa em modas, suspeito que não disse nada sobre o grupo. Lobo Xavier, como grande entendedor de música popular portuguesa, começou por desvalorizar os Deolinda dizendo que havia canções muito mais reivindicativas e críticas do que esta. E começa por citar o Sérgio Godinho. Que grande novidade! Só que o Sérgio Godinho já vem de antes do 25 de Abril e não é de certeza daquilo que este comentador gosta. Espantoso argumento para quem o que interessa é desvalorizar uma canção que neste momento critica os valores instituídos.
Mas a seguir tivemos o Expresso da Meia-Noite, também a discutir o mesmo tema: os precários e a canção. Convidaram Vicente Jorge Silva para mais uma vez vir justificar a sua célebre frase sobre a geração rasca, que por sinal, e de forma muito explícita, se transformou em geração à rasca e que se vai manifestar no dia 12 de Março. Já se sabe que aquele articulista, começou logo por desvalorizar os Deolinda, inclusive o nome. Provavelmente achou-o ordinário ou popularucho, não percebendo a ironia do mesmo.
Todo o resto da intervenção foi de uma auto-justificação de meter dó, em que o principal da argumentação não se percebia
Pedro Lomba, da direita, lá vinha com os argumentos da geração que tinha trabalho garantido e não permitia que nova lá chegasse.
Mas o que mais me espantou foi o Ricardo Costa a virar-se para o representante dos precários, de que não me lembro o nome, a dizer que a canção dos Deolinda só denunciava o problema não apresentava alternativas. De repente vi-me quarenta e tal anos atrás a discutir nos cineclubes, que um certo filme só descrevia a situação, que de um modo geral era o capitalismo, e não apresentava soluções, ou seja a solução revolucionária para ultrapassar aquela sociedade. É evidente que naquela altura isto não era dito por estas palavras tão explícitas, mas ficava subentendido que era isso que se pretendia. A resposta do nosso precário foi de que estávamos a falar de uma simples canção, que não tinha esses objectivos. Hoje no DOTE.COMe, do meu amigo Fernando Penim Redondo, num artigo de que discordo totalmente, intimida a pobre banda a fazer uma canção, vejam lá com que tema: “necessitamos de um novo modo de produção que funcione noutros moldes, que esteja adequado às tecnologias de hoje e aos meandros da globalização.”
Foi também dito pelo Ricardo Costa que hoje o Expresso trazia uma artigo da antiga Ministra da Educação a garantir que quem estudava tinha mais possibilidades de emprego e de sucesso que aqueles que não o faziam. Há gente a levar demasiado a sério uma canção, que não passa disso mesmo e que, com grande ironia, critica os tempos presentes. É com isso que a bem-pensância nacional não pode.

9 comentários:

Armando Cerqueira disse...

Eu que quase só oiço Léo Ferré e Mahler gostei muito da canção. E mais do que simpatizar sou solidário com esses jovens. Lutámos desde há quase 50 anos para que eles tivessem outra situação, melhor, não a de precários. Se puder estarei com eles na manifestação deó dia 12.03.

Armando Cerqueira

F. Penim Redondo disse...

Caro amigo Jorge, eu não "intimido a pobre banda".
Eu desafio a banda a fazer uma nova canção que fale de novas formas de produzir.
Para não se ficarem pelos queixumes. Afinal estão a pedir um patrão a quem? Ao Sócrates?

Maria Gomes disse...

O sr. Penim nitidamente não alcançou a ironia da canção. Na canção ninguém está a pedir patrões a ninguém, ninguém está a queixar-se de nada. Não se falam em causas nem em soluções. Ouça a canção. Há ali um entendimento, uma descoberta pessoal. Aconselho ao sr. Penim que faça a sua próxima descoberta e conheça o trabalho dos Deolinda, que sempre trabalharam de forma genial e irónica as idiossincrasias portuguesas. Talvez o sr. Penim inspire uma canção aos Deolinda, mas uma canção sobre as pessoas que opinam "ao lado", como na "Canção ao lado"!

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Para o Armando Cerqueira
É evidente que o Léo Ferré é sempre o Léo Ferré.
Não sei se leu a minha resposta a um comentário seu no meu post referente a “Sectarismos, Ódios e Paranóias” – I, aí falava na minha prima Lea, do seu pai, e de que os iria encontrar no dia 17. De facto isso sucedeu e perguntei-lhe por si. Ela tentou lembrara-se e recorda-o em Paris com umas sandálias à Ho-Chi-Min e diz que trabalhou para a empresa onde ela trabalhava, já depois do 25 de Abril, em Moçambique. Será que isto corresponde a si ou ela está a fazer confusão?

Quanto ao Fernando
Eu sei que tu não intimidas a pobre banda a fazer aquilo que dizes, desafias só. No entanto parece-me um empreendimento demasiado para uma simples canção. Tu escreveste um livro só para dizer isso.

Um abraço aos dois

J Eduardo Brissos disse...

O Marcelo criava "factos políticos", os comentadores de agora entretêm-se com factos mediáticos.

Traz-me à memória um amigo que já não está cá: "Oh pá, eu sou (só) o gajo das canções".

João Ricardo Vasconcelos disse...

Bom post, sem dúvida.
é uma simples canção que, vá-se lá saber porquê, tem dado muito que falar.

Armando Cerqueira disse...

Caro Jorge,
não sou essa pessoa. Conheci a Lea aí por 1963 por intermédio do Sérgio Pombo, e este através da irmã. Eu estudava no Instituto Comercial, trabalhava numa Caixa de Previdência, era redactor do 'República Juvenil', aparecia pelas reuniões e festas da Pró-Associação dos Liceus, etc. A Lea, ou a mãe, deu-me o contacto do Alfredo em Paris, casado com Mª Antónia Fiadeiro. estive com eles em Agosto-Novembro de 1965. Não gostei da curta experiência de exílio (das intrigas e falta de solidariedade entre os jovens exilados) e regressei pela mão do J. Tengarrinha e da sua 1ª mulher Mª Armanda Falcão (=Vera Lagoa) a Lisboa. Fui detido poucos meses depois pela PIDE e passei 3 meses e 3 semanas em isolamento. Só voltei a ver a Lea alguns anos depois (79? 80?) nas proximidades do IMAVIZ. Falámos um pouco sobre projectos de cooperação: eu, agoniado com a situação, desejava deixar o País. Finalmente em 85 parti para a cooperação internacional e para a euroburocracia.
Um abraço
A. Cerqueira

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Caro Armando Sequeira
É interessante tudo que me conta e as datas que indica. Lembro-me perfeitamente do Sérgio Pombo que eu penso que se tornou pintor e era na altura namorado da Lea. Conheci mal a irmã, mas sei que ela é hoje professora universitária com obra feita.
O meu primo Alfredo foi para Paris no Verão de 1964, portanto em 1965 encontrou-o de certeza. Mas ele deve estar a fazer confusão consigo pois foi ele que se referiu às sandálias. A minha prima não estaria ainda em Paris na altura em que você lá esteve.
É engraçado que se refira a ter sido redactor do República Juvenil, porque tenho uma vaga ideia disso.
O tê-la encontrado em 1980 à porta do Imaviz é natural, porque ela trabalhava aí numa empresa de consultoria que tinha trabalhos com África. Será que por esse encontro e a sua conversa sobre cooperação a tivessem levado a pensar que você tinha trabalhado para a empresa onde ela trabalhava? Não sei. Vou encontrá-los, a ela e ao meu primo Alfredo, para a semana e volto novamente a falar do assunto.
Um abraço

Armando Cerqueira disse...

Ok.
Um abraço,
Armando Cerqueira