09/02/2011

Quando a direita tenta empalmar uma revolução

Um fantasma percorre o Norte de África, é o fantasma da revolução.
Com esta adulteração das palavras de Marx, do Manifesto do Partido Comunista, quis simplesmente alertar para o optimismo excessivo que percorre a esquerda e até alguma direita, mais dada a ficar estarrecida quando houve a palavra democracia.

Dando uma rápida olhadela aos últimos anos da política mundial, e sem valorizar o que se passou a Leste, já nesse longínquo ano de 1989, e depois nas sequelas montadas pelas forças reaccionárias locais, como seja a Revolução Laranja, na Ucrânia, uma outra, a Revolução Rosa, na Geórgia e mais algumas em Belgrado ou noutras capitais do antigo “socialismo real”, tenho para mim que as últimas “revoluções” que envolveram milhões de manifestantes na rua se verificaram nas Filipinas (1986), para correr com o ditador Marcos ou, anteriormente, no Irão, para acção idêntica contra o Xá (1979). No caso das Filipinas não me recordo que alguma alteração notável tivesse ocorrido depois da queda do ditador. Só o episódio bem caricato da sua mulher Imelda, ter concorrido a umas eleições presidenciais posteriores (1992) e ter tido ampla cobertura mediática das revistas de coração, contra o que seria normal que era ser presa e julgada por ter delapidado os dinheiros públicos em sapatos.
Quanto à queda do Xá, sendo de facto uma situação bem mais complexa do que a das Filipinas, no fundo acabou também, depois de vencidos as forças populares e laicas como o TUDEH, o Partido Comunista do Irão, com o poder a ser açambarcado por uma clique religiosa, os Ayatollahs.

As massas levantaram-se na Tunísia, o ditador Ali teve que fugir à pressa. Mas o que ficou foi um primeiro-ministro do seu partido e um Governo, que eu saiba, sem a confiança da oposição. A Tunísia acalmou, pode ser que as forças populares tenham possibilidades de impor uma nova ordem e estabelecer um regime mais democrático que reflicta os interesses das massas populares empobrecidas por uma família de cleptómanos. Tudo, no entanto, ainda está em aberto.
Quanto ao Egipto, depois de grandes esperanças do derrube rápido do ditador, eis que este, numa manobra de mestre,  lança a sua polícia à civil, mais os ladrões recentemente libertos das prisões, aquilo que o general Loureiro do Santos, no Prós e Contras, não teve o pudor de chamar os Tonton Macoute, de Mubarack, sabendo nós que aquela força eram o bando terrorista do ditador Duvalier, pai e filho, do Haiti. Este último parece que reapareceu ultimamente neste país.
Apesar das notícias do dia darem conta que se reacenderam as manifestações na cidade do Cairo, até ao momento, dado por um lado a técnica de terra queimada aplicada pelo ditador com as suas milícias terroristas e a passividade dos militares, está difícil de encontrar uma saída revolucionária e democrática para a situação. Temo, e porque a pressão dos Estados Unidos e de Irael vai nesse sentido, que se tente encontrar uma saída negociada, que modifique alguma coisa para que tudo fique na mesma., como dizia Lampedusa no seu livro O Leopardo.

É mesmo esta a minha preocupação principal e porquê?
As exigências de democracia são legítimas, mas as classes dominantes, com a ajuda dos Estados Unidos, poderão sempre reverter a seu favor a aspiração democrática e progressista das populações. A juntar a isto, não tanto na Tunísia, mas principalmente no Egipto, temos que a principal força oposicionista são os Irmãos Muçulmanos, que na história daquele país nunca representaram um papel progressista, mas  foram a arma de arremesso de sauditas e americanos contra o nacionalismo e neutralismo nasseriano.

A inexistência de um pólo alternativo democrático, progressista e laico não existe com força política em nenhum daqueles países do Norte de África, se exceptuarmos a Argélia no passado, por isso temo que o espírito de revolução e de alteração do statu quo não tenha qualquer concretização visível que possa corresponder a uma saída democrática e revolucionária para aqueles povos.

PS.: (12/02/11) a versão mais rigorosa que eu conheça do Manifesto em português é a dirigida por Vasco Magalhães-Vilhena (Edições Avante!, 1975). A tradução da primeira frase do Manifesto é a seguinte: “Anda um espectro pela Europa – o espectro do Comunismo”, adaptando ao meu texto diria “Anda um espectro pelo Norte de África – o espectro da Revolução”. Devia aos leitores este rigor, que era uma das características desse grande filósofo que foi Vasco Maglhães-Vilhena, hoje já completamente esquecido.

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