30/01/2010

As agências de rating. Os novos papões


Pouco percebo de finanças. Estou como o poeta, “O mais do que isto/ É Jesus Cristo, que não sabia nada de finanças/Nem consta que tivesse biblioteca” (Fernando Pessoa).
Mas dá para entender que de repente apareceu um novo papão, que transforma as nossas vidas, os nossos salários, os juros que pagamos. O Governo treme, os economistas do costume ameaçam e os comentadores económicos despejam a sua bílis sobre os parcos rendimentos dos funcionários públicos. Estamos a falar das agências de rating, que asseguram se um Estado é economicamente viável ou não, se pode continuar a pedir dinheiro emprestado ou então se é altura de fechar a torneira.
Durante anos as recomendações provinham do FMI. Se não cumpríssemos o que ele ditava, uma série de pragas abatiam-se sobre o nosso país e daí Mário Soares ter sido obrigado a pôr-se de cócoras perante as exigências daquela fundo. Foi sob a pressão do FMI que se formou o Governo do Bloco Central, presidido por Mário Soares (PS) e por Mota Pinto (PSD).
A seguir foi Bruxelas. O “pobre” do Guterres não podia fazer nada, porque íamos entrar para a moeda única, que nos obrigava a restrições incalculáveis. Depois foi o deficit que tinha que estar abaixo do 3 %. A Sócrates só restou “reformar” o Estado e pôr os funcionários públicos na ordem. Agora, são as agências de rating. Se não pusermos cobro à dívida, eis que elas consideram o nosso estado insolvente e nos obrigam a pagar juros com valores mais elevados.
No fundo, há sempre uns Governos desejosos de servir o povo, principalmente quando são do PS, mas que são impedidos de o fazer porque é preciso dar sinais a estes papões que regularmente nos são anunciados e que aparecem sobretudo nestas alturas em que se discute o orçamento.
São organizados seminários, debates na televisão, entrevistas aos chefes das confederações patronais, comentadores da área económica e não só (veja-se esse tenebroso programa do Mário Crespo chamado Plano Inclinado, na SIC Notícias), directores de jornais económicos. - Há um deles, que eu não me lembro quem é, que me apetecia ir-lhe à cara, tal foi o ar convincente com que disse que era preciso baixar os ordenados dos funcionários públicos –. Uma panóplia de instrumentos é posta em marcha para nos convencer que só com o nosso sacrifício e com uma aliança dos partidos responsáveis (PS, PSD e CDS), é que este país se endireita.
Esta é a operação mais selvagens de manipulação e lavagem ao cérebro que conheço.
Mas o mais grave disto tudo é que estas situações se deixam deliberadamente arrastar, não se tomam medidas para as evitar, para depois, perante os factos consumados, não haver outra saída que não seja o pedido de sacrifícios. Ou seja, deixa-se durante um certo tempo andar tudo à tripa forra, principalmente quando é preciso ganhar eleições, para depois em doses maciças, que nem dêem tempo ao doente para se recompor, exige-se-lhe sacrifícios porque a situação chegou a um ponto irreversível.
Esta tem sido a estratégia da direita, aliada ou não com o PS e este partido tem sido sempre aquele que colabora airosamente nesta farsa. E isto, por muito boa vontade que alguma esquerda tenha, não se pode escamotear. O PS nestas alturas é sempre cúmplice da direita e está sempre na vanguarda para pedir sacrifícios aos portugueses.
Tenho para mim, que a esquerda à esquerda do PS, nem sempre se sai da melhor forma desta situação. E porquê, primeiro porque não dispõe nos meios de comunicação social da mesma artilharia pesada que a direita tem, daí a importância de progressivamente ir conquistando a hegemonia ideológica na sociedade portuguesa. Contra uma opinião, por vezes formulada por dirigentes políticos nem sempre capazes e bem informados da esquerda, levantam-se sempre os economistas encartados, os comentadores de serviço, os directores dos jornais económicos, quando não os banqueiros. Tivemos agora esse cidadão acima de qualquer suspeita, chamado João Salgueiro, a ser recebido pelo Presidente da República com o estatuto de cidadão interessado, quando há centenas de cidadãos capazes deste país que nunca terão oportunidade de expor as suas ideias ao PR.
Mas a esquerda não perde só neste confronto político e ideológico, que é sem dúvida o mais importante. Dá sempre a ideia que as suas propostas, se fossem aprovadas, trariam mais despesa e revelar-se-iam profundamente irrealistas. E aqui é que temos que encontrar o tom certo, para aparecendo como partidos responsáveis, termos propostas que sejam exequíveis e possam trazer uma melhor distribuição e criar mais rendimento. Neste caso a esquerda não pode descrever um futuro harmonioso entre as classes sociais. Porque, as iniciativas que a esquerda irá propor levarão muito provavelmente à fuga dos capitais, à sabotagem económica, às pressões internacionais e nacionais. O capital está sempre disposto a destruir um país para que os seus lucros sobrevivam. Nesse sentido, o que nos esperaria de início é “sangue, suor e lágrimas”, mas para isso, era necessária uma grande unidade e ligação entre o povo e o seu Governo e uma política informativa de verdade. Um Governo deste tipo, em que a esquerda teria responsabilidade governativa, consistiria na criação de um novo Estado “intermédio” disposto, em liberdade, a ir à luta, correndo o risco de em qualquer momento de perder o apoio de amplas camadas populares.
Deixo para outra ocasião o desenvolvimento deste último tema.
PS. (1/02/10)
: a expressão clássica "sangue, suor e lágrimas" foi por mim deturpada e resolvi, nem sei porquê, escrever "pão, suor e lágrimas". A correcção já foi feita. Peço desculpa pelo meu involuntário disparate.

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