31/01/2010

As dificuldades em formular um programa económico de esquerda


No meu último post debrucei-me sobre o papão que nos andam a impingir: estamos debaixo de olho das agências de rating. Comecei por afirmar que não sei nada de finanças e, por isso, debrucei-me sobre aquilo que me é mais caro, o combate ideológico. Afirmei claramente que as opções que se estavam a tomar resultavam da clara manipulação das consciências e que o PS oficial participava activamente neste processo. Mas alertei também para as dificuldades que a esquerda, à esquerda do PS, tinha na discussão deste tema e acima de tudo como formular, nestas época de crise, não só um programa, mas como assegurar a governação do país.
Alguém, que percebe de finanças e discute estes temas na base desse seu conhecimento, tem vindo a fazer uma reflexão, que não sendo igual à minha tem pelo menos alguns pontos comuns. Estou-me a referir aos artigos que José Guilherme Gusmão (JGG) tem vindo a escrever nesse blog de eleição que é o Ladrão de Bicicletas (ver aqui, aqui, aqui e aqui).
O que ressalta do texto de JGG é que o seu objectivo é entrar no combate ideológico, que neste caso se baseia no seu conhecimento da economia, tentando demonstrar as fragilidades da argumentação da direita. Diz a determinada altura: “O que é preciso ter claro é que a vitória ideológica da Direita no debate ideológico sobre ajustamento orçamental impõe uma política de combate ao défice em que os instrumentos minam os seus próprios objectivos. A contracção do investimento público e políticas públicas de apoio à economia e a própria política de distribuição de rendimentos, mesmo quando reduzem o défice no curto ou curtíssimo prazo, criam as condições para mais défice no futuro (menor crescimento, mais desemprego, menos receita fiscal sobre lucros, trabalho ou consumo, mais prestações sociais, etc.) através de um ciclo vicioso que tem sido o retrato da evolução da economia europeia”.
Portanto, a solução seria mais investimento público e onde se iria buscar esse investimento? “Uma política fiscal corajosa (sim, receita), muito em particular sobre o Sector Financeiro, é absolutamente decisiva, necessária e nenhum dos fantasmas do costume deverá impedir a sua plena concretização. É uma política que faz a diferença entre os campos políticos. Para quebrar o ciclo da recessão, são necessárias políticas públicas e essas políticas precisam de financiamento”.
Sendo este o caminho correcto e é aqui que o combate ideológico se deve travar, resta no entanto, o mais importante, primeiro para aquilo que Gusmão alerta: “Isto não quer, obviamente, dizer que a esquerda se ponha fora do debate sobre a despesa e a qualidade da despesa, como foi algumas vezes a tentação”. Corresponde no meu post anterior á expressão “temos que encontrar o tom certo”. Depois, para além destas propostas razoáveis, que nós consideramos as mais correctas possíveis, há que ter em conta a reacção da direita, porque uma política fiscal corajosa sobre o Sector Financeiro vai implicar imediatamente uma resposta deste. A tal sabotagem que o capital está sempre disposto a desencadear quando lhe vão ao bolso.
Por isso, a batalha ideológica é importante, a conquista da hegemonia é fundamental, porque quando a maioria perceber que aqueles senhores nos andam a enganar provavelmente deixará de votar neles. Mas há também a necessidade de criarmos nas pessoas a ideia de que propomos políticas responsáveis, que poderão implicar maior justiça social e a maiores benefícios sociais e, a longo prazo, o aumento dos seus rendimentos. Mas, tendo também consciência, que a curto prazo o sector financeiro, seguido do grande patronato e de todos os cães de fila de que dispõem nos meios de comunicação social, irão rosnar, tornar a vida difícil aos trabalhadores, quando não sabotar a própria economia do país. É por isso que eu falo que aquilo que nos esperará de início é “sangue, suor e lágrimas”.

Pondo um pouco de ordem nesta conversa, gostaria de sublinhar duas ou três coisas.
Primeiro: a batalha ideológica da esquerda e as suas propostas económicas têm que ser credíveis e ganhar aquilo que antes se dizia: as amplas massas populares. Tem que se empreender a luta pela hegemonia ideológica, mas não só, também organizativa e de massas. Este é sem dúvida nenhuma o programa mais importante. Retomemos a noção de Gramsci, já por mim desenvolvida neste blog, de “guerra de posição”.
Segundo: a ida para o Governo de partidos de esquerda, que no nosso país seriam à esquerda do PS oficial, não é um acontecimento fácil, nem obtido por uma varinha mágica. Há alguma esquerda que pensa assim e cita vários exemplos estrangeiros. Qualquer deles merecia um estudo particular, mas tenho a ideia que, nos casos referidos, poucas vantagens esses partidos obtiveram e normalmente conduziram ao seu enfraquecimento e até desaparecimento. No caso do Portugal o que se pedia à esquerda, à esquerda do PS, era que emberlocasse um Governo do PS oficial, avalizando as políticas económicas que este seguiu e vai continuar a seguir.
Terceiro: a possível formação de um Governo à esquerda do PS oficial, que praticasse uma política que minimamente estivesse de acordo com aquilo de que fala Gusmão, uma política pública de investimentos, que fosse buscar o dinheiro ao Sector Financeiro, iria sempre provocar a sabotagem dos principais visados e a pressão de todas as agências internacionais: FMI, UE, agências de rating e o que mais houvesse. Isso obrigaria a esquerda a uma política forte de verdade e de unidade em torno de objectivos precisos, daqui eu falar no Estado Intermédio, que não sendo de modo algum socialista, rompia com os esquemas tradicionais da lógica capitalista e neo-liberal.
Alguns propõem para Portugal uma social-democracia nórdica. Aqui eu respondo-lhes, se nesses países os níveis e a qualidade de vida são elevados , isso não significa que a social-democracia não esteja aí em recessão. Por outro lado, a nossa classe empresarial e financeira não se adaptaria facilmente a uma social-democracia nórdica. Provavelmente é preciso mais e diferente. Como costumo dizer, é necessário que estejamos à altura destes acontecimentos.
Mas continuemos a conversa noutra altura.

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