26/01/2010

"Eles não querem ser parceiros, querem ser adversários para destruir o PS"


Só hoje a SIC Notícias pôs no seu site o último debate do programa Quadratura do Círculo. Já o tinha visto, mas penso que, para poder afiançar aquilo que digo e para os meus leitores me poderem acompanhar, gosto sempre de lhes fornecer o material de referência, para não dizerem que juro em falso.
Por esse motivo, só agora faço referência a um dos debates mais interessantes que assisti naquele programa, principalmente pelas afirmações claras de António Costa sobre o Bloco de Esquerda.
Podemos dizer, que o título deste post, retirado de uma das intervenções de António Costa, resume o seu pensamento a propósito daquele partido.
Estava-se a discutir a candidatura de Manuel Alegre, é evidente que para a direita (Pacheco Pereira e Lobo Xavier) Manuel Alegre é um candidato derrotado à nascença e só vem causar embaraços ao PS, favorecendo evidentemente a recandidatura de Cavaco e a sua posterior eleição. António Costa, sem se comprometer com a candidatura do poeta, foi tentando, todo o tempo, descolar Manuel Alegre do Bloco de Esquerda, tornando-o tragável para o centro, que era o local privilegiado, segundo dizia, para se ganhar eleições.
Até aqui tudo bem, todos estavam a representar o seu papel, simplesmente António Costa resolveu pronunciar-se claramente sobre o Bloco de Esquerda, que já tinha dado o apoio àquele candidato. E o que disse é espantoso. Toda a gente no PS, excepto, honra lhe seja feita, António Vitorino, andava equivocado sobre o Bloco de Esquerda e uns mais cedo do que outros foram progressivamente verificando que o Bloco tinha “um único e principal objectivo o enfraquecimento e a divisão do PS”. E mais, contou uma história que se tinha passado nas penúltimas eleições para a Assembleia da República, as que se realizaram em 2005. O PS não estava convencido de que ia ter a maioria absoluta, por isso encetou previamente contactos com o Bloco para ver se poderiam ser parceiros numa aliança semelhante à que se verificara na Alemanha entre o SPD, o partido social-democrata alemão, e os Verdes daquele país e foi aí que verificaram que o Bloco não queria ser parceiro mas sim adversário, para destruir o PS. Ora, segundo António Costa, Manuel Alegre foi dos últimos a ter percebido isso, mas não só o disse – não sei a onde –, como permitiu, com a sua participação no Comício de Coimbra, ao lado de José Sócrates, contribuir para a vitória deste, como ainda arranjou uma solução para a Câmara de Lisboa, que foi, segundo Costa, uma “lição para as correntes sectárias de esquerda”.
Depois destas afirmações, começa-se a perceber muitas das coisas que se têm passado nestes últimos anos na política portuguesa. E, se como eu adverti, António Costa está a carregar no traço negro do Bloco, para trazer Alegre para o centro, o que acontece é que, de certo modo, a boca foge-lhe para a verdade em relação ao que pensa do Bloco.
Havia muita gente no PS que teve a ilusão que poderia encontrar naquele partido, o “berloque” de esquerda, que poderia usar para deter a influência do PCP e transformá-lo nos Verdes do PS. Ainda estou recordado quando há anos Mário Soares, num “Prós e Contras”, fez o elogio daquele partido. Ainda nestas eleições tentou fazer a mesma rábula, mas aí com objectivos já bem diferentes, como que a insinuar que era a mesma coisa votar PS ou Bloco. Mas António Costa, que comicamente tem sido aquele que mais apelos tem feito à unidade de esquerda, e até já assinou um acordo com o Bloco, transformou este partido, a partir de certa altura, no principal inimigo do PS. E assim apareceu no seu Congresso a atacar descabeladamente o Bloco, coisa que na altura muitos comentaristas não perceberam, mas que hoje depois do resultado das eleições e em função desta candidatura de Alegre, se percebe perfeitamente. Para António Costa, para o PS oficial, e para toda a direita, incluindo os comentadores encartados que povoam as nossas televisões, o Bloco de Esquerda é um inimigo a abater, porque, ao contrário do PCP, tem crescido e arrebatado votos ao PS, dando credibilidade a uma alternativa à esquerda do PS.
Há duas conclusões que gostaria de tirar destas minhas afirmações e que têm muito a ver com o que tenho vindo a escrever nestes último ano.
A primeira, o PCP nunca foi capaz de compreender os objectivos do Bloco e sempre achou que este era um limite ao seu crescimento e que iria servir de muleta ao PS, o que não sendo verdade, motivou uma campanha de descrédito em relação àquele partido. Hoje, provavelmente por motivos de propaganda interna, insiste em vender esta imagem aos seus militantes.
A segunda, houve algumas correntes de esquerda que parece que seguiram à letra este pensamento do PS. Primeiro a ilusão, que permitiu até a inclusão de alguns independentes nas listas do Bloco. Depois o afastamento e a crítica, que redundou na tentativa de viabilizar uma solução para a Câmara de Lisboa, cujo resultado é a aliança Costa-Roseta, com o beneplácito de Manuel Alegre e de muitos independentes de esquerda. Hoje pode ser que esta esquerda se junte toda na candidatura de Alegre, mas vai ser um trabalho complicado, pois há já alguns que, tal como Costa, pensam que é preciso empurrar o candidato para o centro.
Resta no meio disto tudo os irredutíveis, alguns bloquistas, mais saudosos do velho esquerdismo, alguns PCP mais aguerridos, o blog 5 Dias. Estes serão sempre os velhos-novos irredutíveis, mas porque todos os dias convivemos com eles, irão sem dúvida obrigar-nos a um grande esforço argumentativo.

Sem comentários: