Fui ontem ouvir uma conferência à FCSH, organizada pelo Instituto de História Contemporânea, da Universidade Nova de Lisboa. O conferencista é um Professor da UNICAMP, Universidade Estatal de Campinas, S. Paulo, Brasil, cujo nome completo é Álvaro Gabriel Bianchi Mendez, mas que assina os seus artigos como Álvaro Bianchi. O tema era referente ao Estado e Sociedade Civil em Gramsci.
Foi só a referência a Gramsci que motivou a minha deslocação. Como quem segue os meus posts já deve ter percebido, é um autor por quem tenho grande interesse e admiração, principalmente pela sua reflexão original sobre o tema da política, encarado de uma perspectiva marxista, mas utilizando uma terminologia e conceitos próprios. Para os mais distraídos sobre esta problemática, Gramsci (1881-1937) foi secretário-geral do Partido Comunista Italiano, tendo sido preso pelos fascistas italianos em 1926 e morreu pouco depois de ter sido libertado, em 1937. Foi nestas condições extremamente difíceis que elaborou sua principal obra teórica, que nunca foi publicada em vida, e que é hoje conhecida como os Cadernos do Cárcere. Durante os anos que esteve preso escreveu, umas vezes em forma de notas, outras de modo mais elaborado, em cadernos que foi numerando (32 no total) e que só foram editados em Itália depois da II Guerra Mundial.
Provavelmente, com mais vagar dedicarei alguns posts a este teórico e revolucionário italiano.
A conferência, teve pouca divulgação, por isso estiveram presentes, além do Fernando Rosas, que presidia à mesa e era da casa, a Raquel Varela, uma das organizadoras e que me enviou gentilmente o convite para a conferência. Como se recordam, fiz-lhe aqui um ataque serrado, simplesmente já no II Colóquio os Comunistas em Portugal, a que assisti, mas que nunca cheguei a relatar, conversámos agradavelmente, mantendo os nossos pontos de vista, mas sem a animosidade que eu manifestei no I. Estavam igualmente meia dúzia de maduros que se interessam por estas coisas e alguns alunos que por dever de ofício têm que assistir às conferências que os seus professores recomendam. Posso estar a ser injusto para eles, mas cheira-me, pela pressa com que saíram, que a conferência lhes dizia pouco.
A exposição de Álvaro Bianchi era clara, incidia sobre os Cadernos do Cárcere e, como afirmou, retomava os temas abordara num livro que publicou recentemente no Brasil chamado O laboratório de Gramsci (ver aqui a notícia da editora).
Porque não tomei notas e nem acho que vos deva maçar com os temas abordados pelo autor, direi só que gostei e que o autor faz, como afirmou, uma interpretação marxista revolucionário dos conceitos gramscianos, em oposição às visões liberais ou até euro-comunistas de Gramsci.
Foi afirmado, e bem, por um assistente do público que Portugal seria dos países da Europa onde menos se conhecia Gramsci. Por graça, chegou a afirmar que só talvez o Mónaco ignorasse tanto Gramsci como Portugal. A razão apresentada, foi de que, como os euro-comunistas na Europa e aqueles que em Portugal eram seus possíveis divulgadores se reivindicavam de Gramsci, isto provocaria no marxismo oficial, entenda-se no PCP, uma reacção negativa. Para mim, sendo esta uma possível razão, entendo que a principal é a de que a nossa intelectualidade nunca debateu no pós-25 de Abril o marxismo ou as obras dos seus continuadores, restando àqueles que ainda se reivindicam dessa corrente a escolástica marxista-leninista do PCP. Repare-se que este partido nunca fomentou o debate marxista, nem em Portugal alguma vez teve êxito uma revista que se reivindicasse e estudasse aquela corrente política.
Depois de assistir à conferência, resolvi ir ver no Google quem era este senhor que eu desconhecia. Para além de orientar na sua universidade estudos sobre o marxismo, escreve numerosos artigos sobre estes temas, tem um blog onde poderão ser encontrados e discutidos artigos seus e é secretário da revista Outubro, de que possuo um exemplar adquirido aquando do I Congresso Internacional Karl Marx, que trouxe até nós um bom número de autores brasileiros.
Mas o mais interessante, e que justifica o título deste post, é ter encontrado um artigo, Antitrotskismo: manual do usuário, de Bianchi, num site do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, que eu penso ser um partido brasileiro de influencia trotskista, em resposta a um outro de Miguel Urbano Rodrigues (MUR), chamado Apontamentos sobre Trotsky – O Mito e a realidade, publicado no site ODiário. É interessante ler estes dois artigos porque eles nos remetem para duas maneiras de fazer história e de discuti-la. MUR, que não é um académico e escreve ao correr da pena, faz afirmações que depois não pode provar e que resultam para o leitor do Avante ou da imprensa do PCP, que gosta desta prosa grandiloquente e cheia de verdades feitas. Bianchi, mais bem informado, tendo estudado os assuntos e com mais acesso a uma bibliografia actualizada vai desmontando todas as afirmações de MUR. Leiam e apreciem as diferenças.
Mas mais interessante foi que encontrei no texto de Bianchi, uma referência (nota 7) ao livro de Ludo Martens, Um outro olhar sobre Stáline, de que eu falei no post anterior, e de que afinal há uma edição brasileira: Stalin: um novo olhar, Rio de Janeiro: Revan, 2003.
Bianchi refere-se a ele afirmando que “o arqui ou arqueostalinismo ainda persiste”, ao contrário do que escreve MUR no seu artigo, e que como vimos no post anterior vai ganhando força nas hostes afectas ou próximas do PCP. Por sinal vim a saber que a edição portuguesa, com o tal prefácio do Carlos Costa, esteve à venda na Festa do Avante.
É interessante também notar que no artigo de MUR sobre o Estaline, de Losurdo, que eu cito igualmente no post anterior, aquele diga que em Portugal é acusado de trotskista, pelo artigo que escreveu sobre o Trotsky, e no Brasil por estalinista ortodoxo por professores das Universidades de Campinas (o nosso Álvaro Bianchi) e do Rio Grande do Sul, que não sei quem seja, e que segundo MUR lhe dedicaram trabalhos académicos.
Por último, e depois deste trabalho de investigação policial a que eu me gosto de dedicar na net, uma referência, que provavelmente irei desenvolver posteriormente, à revista Outubro, de que Álvaro Bianchi é secretário, que no exemplar que eu possuo tem um artigo interessantíssimo de Kevin J. Murphy, com o seguinte título Podemos escrever a história da Revolução Russa? Uma resposta tardia a Eric Hobsbawam (1), que levanta problemas sobre a historiografia da Revolução Russa quer durante a Guerra-fria quer depois e que retoma o problema por mim levantado na reflexão 2, do meu post anterior, sobre Estaline. Assim escreve ele: "o conhecimento ocidental sobre a União Soviética durante a Guerra-Fria foi dominado pelo que Stephen Cohen (autor de uma monumental biografia de Bukharine - JNF) apropriadamente chamou a “tese da continuidade”, que postulou uma evolução natural e directa da prática organizacional dos primeiros bolcheviques aos gulags, os campos de trabalho forçado."
Foi só a referência a Gramsci que motivou a minha deslocação. Como quem segue os meus posts já deve ter percebido, é um autor por quem tenho grande interesse e admiração, principalmente pela sua reflexão original sobre o tema da política, encarado de uma perspectiva marxista, mas utilizando uma terminologia e conceitos próprios. Para os mais distraídos sobre esta problemática, Gramsci (1881-1937) foi secretário-geral do Partido Comunista Italiano, tendo sido preso pelos fascistas italianos em 1926 e morreu pouco depois de ter sido libertado, em 1937. Foi nestas condições extremamente difíceis que elaborou sua principal obra teórica, que nunca foi publicada em vida, e que é hoje conhecida como os Cadernos do Cárcere. Durante os anos que esteve preso escreveu, umas vezes em forma de notas, outras de modo mais elaborado, em cadernos que foi numerando (32 no total) e que só foram editados em Itália depois da II Guerra Mundial.
Provavelmente, com mais vagar dedicarei alguns posts a este teórico e revolucionário italiano.
A conferência, teve pouca divulgação, por isso estiveram presentes, além do Fernando Rosas, que presidia à mesa e era da casa, a Raquel Varela, uma das organizadoras e que me enviou gentilmente o convite para a conferência. Como se recordam, fiz-lhe aqui um ataque serrado, simplesmente já no II Colóquio os Comunistas em Portugal, a que assisti, mas que nunca cheguei a relatar, conversámos agradavelmente, mantendo os nossos pontos de vista, mas sem a animosidade que eu manifestei no I. Estavam igualmente meia dúzia de maduros que se interessam por estas coisas e alguns alunos que por dever de ofício têm que assistir às conferências que os seus professores recomendam. Posso estar a ser injusto para eles, mas cheira-me, pela pressa com que saíram, que a conferência lhes dizia pouco.
A exposição de Álvaro Bianchi era clara, incidia sobre os Cadernos do Cárcere e, como afirmou, retomava os temas abordara num livro que publicou recentemente no Brasil chamado O laboratório de Gramsci (ver aqui a notícia da editora).
Porque não tomei notas e nem acho que vos deva maçar com os temas abordados pelo autor, direi só que gostei e que o autor faz, como afirmou, uma interpretação marxista revolucionário dos conceitos gramscianos, em oposição às visões liberais ou até euro-comunistas de Gramsci.
Foi afirmado, e bem, por um assistente do público que Portugal seria dos países da Europa onde menos se conhecia Gramsci. Por graça, chegou a afirmar que só talvez o Mónaco ignorasse tanto Gramsci como Portugal. A razão apresentada, foi de que, como os euro-comunistas na Europa e aqueles que em Portugal eram seus possíveis divulgadores se reivindicavam de Gramsci, isto provocaria no marxismo oficial, entenda-se no PCP, uma reacção negativa. Para mim, sendo esta uma possível razão, entendo que a principal é a de que a nossa intelectualidade nunca debateu no pós-25 de Abril o marxismo ou as obras dos seus continuadores, restando àqueles que ainda se reivindicam dessa corrente a escolástica marxista-leninista do PCP. Repare-se que este partido nunca fomentou o debate marxista, nem em Portugal alguma vez teve êxito uma revista que se reivindicasse e estudasse aquela corrente política.
Depois de assistir à conferência, resolvi ir ver no Google quem era este senhor que eu desconhecia. Para além de orientar na sua universidade estudos sobre o marxismo, escreve numerosos artigos sobre estes temas, tem um blog onde poderão ser encontrados e discutidos artigos seus e é secretário da revista Outubro, de que possuo um exemplar adquirido aquando do I Congresso Internacional Karl Marx, que trouxe até nós um bom número de autores brasileiros.
Mas o mais interessante, e que justifica o título deste post, é ter encontrado um artigo, Antitrotskismo: manual do usuário, de Bianchi, num site do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, que eu penso ser um partido brasileiro de influencia trotskista, em resposta a um outro de Miguel Urbano Rodrigues (MUR), chamado Apontamentos sobre Trotsky – O Mito e a realidade, publicado no site ODiário. É interessante ler estes dois artigos porque eles nos remetem para duas maneiras de fazer história e de discuti-la. MUR, que não é um académico e escreve ao correr da pena, faz afirmações que depois não pode provar e que resultam para o leitor do Avante ou da imprensa do PCP, que gosta desta prosa grandiloquente e cheia de verdades feitas. Bianchi, mais bem informado, tendo estudado os assuntos e com mais acesso a uma bibliografia actualizada vai desmontando todas as afirmações de MUR. Leiam e apreciem as diferenças.
Mas mais interessante foi que encontrei no texto de Bianchi, uma referência (nota 7) ao livro de Ludo Martens, Um outro olhar sobre Stáline, de que eu falei no post anterior, e de que afinal há uma edição brasileira: Stalin: um novo olhar, Rio de Janeiro: Revan, 2003.
Bianchi refere-se a ele afirmando que “o arqui ou arqueostalinismo ainda persiste”, ao contrário do que escreve MUR no seu artigo, e que como vimos no post anterior vai ganhando força nas hostes afectas ou próximas do PCP. Por sinal vim a saber que a edição portuguesa, com o tal prefácio do Carlos Costa, esteve à venda na Festa do Avante.
É interessante também notar que no artigo de MUR sobre o Estaline, de Losurdo, que eu cito igualmente no post anterior, aquele diga que em Portugal é acusado de trotskista, pelo artigo que escreveu sobre o Trotsky, e no Brasil por estalinista ortodoxo por professores das Universidades de Campinas (o nosso Álvaro Bianchi) e do Rio Grande do Sul, que não sei quem seja, e que segundo MUR lhe dedicaram trabalhos académicos.
Por último, e depois deste trabalho de investigação policial a que eu me gosto de dedicar na net, uma referência, que provavelmente irei desenvolver posteriormente, à revista Outubro, de que Álvaro Bianchi é secretário, que no exemplar que eu possuo tem um artigo interessantíssimo de Kevin J. Murphy, com o seguinte título Podemos escrever a história da Revolução Russa? Uma resposta tardia a Eric Hobsbawam (1), que levanta problemas sobre a historiografia da Revolução Russa quer durante a Guerra-fria quer depois e que retoma o problema por mim levantado na reflexão 2, do meu post anterior, sobre Estaline. Assim escreve ele: "o conhecimento ocidental sobre a União Soviética durante a Guerra-Fria foi dominado pelo que Stephen Cohen (autor de uma monumental biografia de Bukharine - JNF) apropriadamente chamou a “tese da continuidade”, que postulou uma evolução natural e directa da prática organizacional dos primeiros bolcheviques aos gulags, os campos de trabalho forçado."
(1) O texto original em inglês pode ser encontrado aqui
A fotografia é de Álvaro Bianchi
1 comentário:
Muito interessante:... por acaso estou a ler um livrinho muito interessante! o Titulo é "1939-1945 - Uma Guerra Desconhecida
autor Paul-Marie de la Gorce da caminho oferta de Natal.
-Como elas se fazem e o porquê de certas e determinadas coisinhas que fazem comichão nas palmas das mãos a muita boa gente.
PS:
Tinham na bem ferrada em!... do outro lado estava um óptimo Estado Maior tendo a cabeça um estratega de primeira água. - No fim partiram os dentes a uns. Os outros tiveram de meter o colhão na brilha.
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