Morreu segunda-feira, 11 de Janeiro, o realizador de cinema francês Eric Rohmer. Não estou a dar novidade nenhuma. É do domínio público e quase todos os blogs lhe dedicaram algumas linhas. Sem querer fugir à onda, achei por bem dar a minha versão daquele cineasta e acima de tudo lembrar tempos antigos, sobre a relação do cineclubismo nacional com a Nouvelle Vague, movimento em que ele se integrou. Simplesmente, tentando procurar algumas notícias que ilustrassem o que pretendia escrever, arrastei inevitavelmente a redacção deste post, mas confesso que encontrei pequenas pérolas na imprensa da época referentes a Eric Rohmer, de que vos irei dar conhecimento. Por outro lado, a RTP 2, aproveitando a onda, e ainda bem, programou no Sábado passado, a exibição dos dois primeiros filmes de Rohmer que foram exibidos em Portugal: A minha noite em casa de Maud e O joelho de Clair, que eu consegui ver, mesmo não tendo assistido ao início do primeiro filme.
Primeiro a biografia, retirada de propósito de um boletim de um cine-clube (ABC Cine-Clube de Lisboa, Fevereiro de 1985). Começa por errar no ano em que nasceu, diz 1923, quando foi 1920 e revela o seu verdadeiro nome Maurice Schérer (confirmei na Wikipédia). Depois acrescenta: “cineclubista ainda estudante, viria a fundar mais tarde, no imediato pós-guerra, com alguns amigos – entre eles Jacques Rivette e Jean-Luc Godard – uma pequena revista, La Gazette du Cinéma.
No início dos anos 50, ainda com o próprio nome, entra para a redacção dos Cahiers du Cinéma, dirigida por André Bazin e Jacques –Doniol Valcroze, na célebre equipa que integrava também Godard, Rivette, Truffaut e Chabrol.
A sua primeira experiência cinematográfica data de 1950, realizando Journal d’un Scélerat, curta-metragem, em 16 mm.
Le Signe du Lion (1959), a sua primeira longa-metragem, constituiu um dos filmes que marcaram o início da Nouvelle Vague”.
A estreia dos primeiros filmes de Rohmer em Portugal.
A sua primeira longa-metragem é de 1959, ano assinalado como o do de início da Nouvelle Vague, em França. É do mesmo ano de À bout de souffle (O Acossado) de Jean-Luc Godard, o filme fetiche que dá início àquela corrente cinematográfica.
Entre 1959 e 1969, data da realização de Ma Nuit Chez Maud (A minha noite em casa de Maud), que eu penso que foi o seu primeiro filme a ser exibido comercialmente em Portugal (este blog confirma aquilo de que eu me lembrava, que se tinha estreado comercialmente no cinema Estúdio, do Império), só faz uma outra longa-metragem La Collectionneuse (A coleccionadora), em 1967, que só posteriormente, já em 1974, se estreará comercialmente em Portugal. Os filmes seguintes são de 1970 e 1971, respectivamente, Le Genou de Clair (O joelho de Clair, estreado em Portugal, em 1971) e L’Amour Après Midi (O amor às três da tarde, estrado em Portugal em 26/03/1973 – do programa do cinema Londres que eu possuo). Mas o seu filme seguinte, La Marquise d’O (A marquesa de O), um dos seus filmes que eu mais aprecio, é já de 1976. Por isso, a maioria das suas longas-metragens são quase todas eles realizados e exibidos depois do 25 de Abril de 74.
Para poder elaborar esta pequena referência à recensão da obra de Rohmer em Portugal, fui desenterrar aos meus armários programas de cinec-clubes, onde verifiquei, para meu espanto, que nenhum, entre aqueles que eu possuo, anunciava, antes do 25 de Abril, qualquer exibição de um filme de Rohmer. Fui também procurar programas de sessões de cinema, tendo ficado espantado como, no início dos anos 70, os cinema que nessa altura se consideravam de arte e ensaio, mas não só, dedicavam aos filmes que exibiam folhas cuidadas, com traduções de crítica estrangeira, entrevistas com o realizador e a sua bio-filmografia, imitando desse modo a actividade desenvolvida, à época, pelos cine-clubes (foi aí que encontrei o programa referente a O amor às três da tarde). Depois, descobri recortes de jornais com críticas e balanços do ano cinematográfico e é sobre isso que vos quero dar conhecimento com mais detalhe.
Primeiro. Eduardo Prado Coelho, que era o crítico de cinema de A Capital, no início dos anos 70, assina uma recensão a um Festival de Cinema Francês, que teve lugar no final de 1972, e que foi mal organizada e, parece, nada representativo do cinema que se fazia em França, afirmando que L’amour l’aprés-midi (que nessa altura ainda não se tinha estreado em Portugal) era “reaccionário e intransitivo … (e) entra na lista negativa deste Festival”. Onde teríamos hoje um crítico, num jornal de referência, a dizer que um filme era reaccionário. Diferenças de época e de pensamento. Nessa altura a esquerda tinha espaço e força.
Segundo. António Pedro de Vasconcelos (APV), em local que eu não consegui identificar, quando ainda não era comentarista de bola nem realizador de “grandes” filmes e tinha opiniões, de que eu discordava, mas que eram críticas de um certo cinema acomodado que, por vezes, os cine-clubistas de esquerda toleravam, tem uma crítica ao filme em episódios Paris visto por... (Paris vu par…, estreado cá em 1972, mas que era de 1965), em que um deles é de Rohmer. APV afirma que este episódio não tem nada de especial, apesar de achar que a obra de Rohmer se revelaria mais interessante do que o seu contributo para aquele filme. Destaca, e de forma convincente, o episódio de Jean Rouch (1917-2004), que será lembrado pelos grandes documentários etnográficos sobre África.
Terceiro. Noutra crítica, APV, a propósito do Festival de Cinema Francês, que ele chama Semana e outros Quinzena, e onde foi exibido o já referido filme de Rohmer, considera que este “é um nome seguro para qualquer dos produtores, os mesmos que levaram anos a acreditar nos seus projectos”. Não está mal. Rohmer deixava de ser um dos enfant terrible da crítica dos Cahiers du Cinéma, para ser um realizador do sistema.
Quarto. Eduardo Geada era o crítico de cinema da Vida Mundial, revista que se voltou a publicar no final dos anos 60, início dos 70. Na recensão que faz ao filme Amor às três da tarde (V.M. 4/5/73) escreve: quando Eric Rohmer, um tanto ingenuamente, acredita que os seus filmes não têm ideologia, isso significa, sem mais, que a ideologia expressa no seu cinema coincide com a ideologia dominante, porque, como é sabido, as ideologias ignoram-se. Como não eram tíbios estes críticos de outrora.
Quinto. Nos longos balanços que Lauro António fazia para o Diário de Lisboa referentes aos anos cinematográficos que iam findando, iremos ver o pouco respeito que ele tinha por estes filmes de Rohmer. Assim no balanço de 1974, considera A Coleccionadora uma desilusão, depois de indicar mais de cem filmes bem melhores do que aquele.
No balanço de1973, O amor às três da tarde está igualmente incluído em as grandes desilusões do ano, a seguir aos filmes de reduzido interesse.
Paris visto por… merece no balanço de 1972, a inclusão outros filmes cuja visão não desmerece. Sobre estes balanços de Lauro António, APV, em local que eu não consegui identificar, diz que “a impressão com que se fica ao ler tão extensa enumeração é que a mulher a dias desarrumou as fichas do nosso crítico, de modo que os filmes como O Candidato ou O Recado apareçam na mesma prateleira que A regra do jogo”. Tão amáveis que estes críticos eram entre si.
No balanço de 1971, Lauro António inclui O joelho de Clair no grupo 4º, na coluna dos filmes a não perder também, isto depois de ter 46 filmes à frente.
Eduardo Prado Coelho, num jornal, que eu não consegui identificar, mas que penso que será A Capital, no seu balanço de 1971, coloca O joelho de Clair, em primeiro lugar numa lista de filmes que ele considera mais ou menos interessantes. Lá se salva a honra do convento.
Já vai longo o post e já vos revelei e recordei os recortes escondidos no meu armário de jovem cineclubista. Espero que não vos tenha maçado, simplesmente achei que numa época de crítica amável e pouco profunda, em que já ninguém se identifica com a esquerda ou a direita e são todos grandes cinéfilos, foi para mim interessante ressuscitar estes exemplos.
Fica por esclarecer a posição dos cine-clubes para com a Nouvelle Vague e a minha opinião, agora que revi recentemente dois filmes de Rohmer, sobre aquele autor. Direi para simplificar, que de memória recordo com grande prazer a Marquesa de O e que os dois filmes exibidos esta semana são simpáticos, levezinhos e que nos distraem durante uma noite como requer o grande cinema burguês, ou, como dizia o outro, a ideologia dominante.
Primeiro a biografia, retirada de propósito de um boletim de um cine-clube (ABC Cine-Clube de Lisboa, Fevereiro de 1985). Começa por errar no ano em que nasceu, diz 1923, quando foi 1920 e revela o seu verdadeiro nome Maurice Schérer (confirmei na Wikipédia). Depois acrescenta: “cineclubista ainda estudante, viria a fundar mais tarde, no imediato pós-guerra, com alguns amigos – entre eles Jacques Rivette e Jean-Luc Godard – uma pequena revista, La Gazette du Cinéma.
No início dos anos 50, ainda com o próprio nome, entra para a redacção dos Cahiers du Cinéma, dirigida por André Bazin e Jacques –Doniol Valcroze, na célebre equipa que integrava também Godard, Rivette, Truffaut e Chabrol.
A sua primeira experiência cinematográfica data de 1950, realizando Journal d’un Scélerat, curta-metragem, em 16 mm.
Le Signe du Lion (1959), a sua primeira longa-metragem, constituiu um dos filmes que marcaram o início da Nouvelle Vague”.
A estreia dos primeiros filmes de Rohmer em Portugal.
A sua primeira longa-metragem é de 1959, ano assinalado como o do de início da Nouvelle Vague, em França. É do mesmo ano de À bout de souffle (O Acossado) de Jean-Luc Godard, o filme fetiche que dá início àquela corrente cinematográfica.
Entre 1959 e 1969, data da realização de Ma Nuit Chez Maud (A minha noite em casa de Maud), que eu penso que foi o seu primeiro filme a ser exibido comercialmente em Portugal (este blog confirma aquilo de que eu me lembrava, que se tinha estreado comercialmente no cinema Estúdio, do Império), só faz uma outra longa-metragem La Collectionneuse (A coleccionadora), em 1967, que só posteriormente, já em 1974, se estreará comercialmente em Portugal. Os filmes seguintes são de 1970 e 1971, respectivamente, Le Genou de Clair (O joelho de Clair, estreado em Portugal, em 1971) e L’Amour Après Midi (O amor às três da tarde, estrado em Portugal em 26/03/1973 – do programa do cinema Londres que eu possuo). Mas o seu filme seguinte, La Marquise d’O (A marquesa de O), um dos seus filmes que eu mais aprecio, é já de 1976. Por isso, a maioria das suas longas-metragens são quase todas eles realizados e exibidos depois do 25 de Abril de 74.
Para poder elaborar esta pequena referência à recensão da obra de Rohmer em Portugal, fui desenterrar aos meus armários programas de cinec-clubes, onde verifiquei, para meu espanto, que nenhum, entre aqueles que eu possuo, anunciava, antes do 25 de Abril, qualquer exibição de um filme de Rohmer. Fui também procurar programas de sessões de cinema, tendo ficado espantado como, no início dos anos 70, os cinema que nessa altura se consideravam de arte e ensaio, mas não só, dedicavam aos filmes que exibiam folhas cuidadas, com traduções de crítica estrangeira, entrevistas com o realizador e a sua bio-filmografia, imitando desse modo a actividade desenvolvida, à época, pelos cine-clubes (foi aí que encontrei o programa referente a O amor às três da tarde). Depois, descobri recortes de jornais com críticas e balanços do ano cinematográfico e é sobre isso que vos quero dar conhecimento com mais detalhe.
Primeiro. Eduardo Prado Coelho, que era o crítico de cinema de A Capital, no início dos anos 70, assina uma recensão a um Festival de Cinema Francês, que teve lugar no final de 1972, e que foi mal organizada e, parece, nada representativo do cinema que se fazia em França, afirmando que L’amour l’aprés-midi (que nessa altura ainda não se tinha estreado em Portugal) era “reaccionário e intransitivo … (e) entra na lista negativa deste Festival”. Onde teríamos hoje um crítico, num jornal de referência, a dizer que um filme era reaccionário. Diferenças de época e de pensamento. Nessa altura a esquerda tinha espaço e força.
Segundo. António Pedro de Vasconcelos (APV), em local que eu não consegui identificar, quando ainda não era comentarista de bola nem realizador de “grandes” filmes e tinha opiniões, de que eu discordava, mas que eram críticas de um certo cinema acomodado que, por vezes, os cine-clubistas de esquerda toleravam, tem uma crítica ao filme em episódios Paris visto por... (Paris vu par…, estreado cá em 1972, mas que era de 1965), em que um deles é de Rohmer. APV afirma que este episódio não tem nada de especial, apesar de achar que a obra de Rohmer se revelaria mais interessante do que o seu contributo para aquele filme. Destaca, e de forma convincente, o episódio de Jean Rouch (1917-2004), que será lembrado pelos grandes documentários etnográficos sobre África.
Terceiro. Noutra crítica, APV, a propósito do Festival de Cinema Francês, que ele chama Semana e outros Quinzena, e onde foi exibido o já referido filme de Rohmer, considera que este “é um nome seguro para qualquer dos produtores, os mesmos que levaram anos a acreditar nos seus projectos”. Não está mal. Rohmer deixava de ser um dos enfant terrible da crítica dos Cahiers du Cinéma, para ser um realizador do sistema.
Quarto. Eduardo Geada era o crítico de cinema da Vida Mundial, revista que se voltou a publicar no final dos anos 60, início dos 70. Na recensão que faz ao filme Amor às três da tarde (V.M. 4/5/73) escreve: quando Eric Rohmer, um tanto ingenuamente, acredita que os seus filmes não têm ideologia, isso significa, sem mais, que a ideologia expressa no seu cinema coincide com a ideologia dominante, porque, como é sabido, as ideologias ignoram-se. Como não eram tíbios estes críticos de outrora.
Quinto. Nos longos balanços que Lauro António fazia para o Diário de Lisboa referentes aos anos cinematográficos que iam findando, iremos ver o pouco respeito que ele tinha por estes filmes de Rohmer. Assim no balanço de 1974, considera A Coleccionadora uma desilusão, depois de indicar mais de cem filmes bem melhores do que aquele.
No balanço de1973, O amor às três da tarde está igualmente incluído em as grandes desilusões do ano, a seguir aos filmes de reduzido interesse.
Paris visto por… merece no balanço de 1972, a inclusão outros filmes cuja visão não desmerece. Sobre estes balanços de Lauro António, APV, em local que eu não consegui identificar, diz que “a impressão com que se fica ao ler tão extensa enumeração é que a mulher a dias desarrumou as fichas do nosso crítico, de modo que os filmes como O Candidato ou O Recado apareçam na mesma prateleira que A regra do jogo”. Tão amáveis que estes críticos eram entre si.
No balanço de 1971, Lauro António inclui O joelho de Clair no grupo 4º, na coluna dos filmes a não perder também, isto depois de ter 46 filmes à frente.
Eduardo Prado Coelho, num jornal, que eu não consegui identificar, mas que penso que será A Capital, no seu balanço de 1971, coloca O joelho de Clair, em primeiro lugar numa lista de filmes que ele considera mais ou menos interessantes. Lá se salva a honra do convento.
Já vai longo o post e já vos revelei e recordei os recortes escondidos no meu armário de jovem cineclubista. Espero que não vos tenha maçado, simplesmente achei que numa época de crítica amável e pouco profunda, em que já ninguém se identifica com a esquerda ou a direita e são todos grandes cinéfilos, foi para mim interessante ressuscitar estes exemplos.
Fica por esclarecer a posição dos cine-clubes para com a Nouvelle Vague e a minha opinião, agora que revi recentemente dois filmes de Rohmer, sobre aquele autor. Direi para simplificar, que de memória recordo com grande prazer a Marquesa de O e que os dois filmes exibidos esta semana são simpáticos, levezinhos e que nos distraem durante uma noite como requer o grande cinema burguês, ou, como dizia o outro, a ideologia dominante.
PS. (19/01/10): nestas andanças pelo meu armário de recordações descobri, e quero disso dar notícia, que o João Tunes, que hoje escreve no blog Água Lisa, é o mesmo que em 1973 assinava a crítica de cinema, com o nome de João António Tunes, no Notícias da Amadora. Já conhecia o Tunes como dirigente do ABC Cine-Clube de Lisboa, antes do 25 de Abril. Penso até que ainda assegurámos, eu na direcção e ele em algum corpo directivo, os destinos do cine-clube depois daquela data histórica, numa época de grande refluxo do movimento, só não me lembrava desta sua actividade. Ainda desencantei três críticas: uma sobre A 10ª vítima (1965), um filme de Elio Petri (1929-1982), de que eu não me recordo nada, apesar de ser um realizador de que na altura gostávamos bastante, Matadouro 5 (1972), de George Roy Hill (1921-2002), de que também não me recordo, e Os camisardos (1970), de René Allio (1924-1995), de que já não me lembro, mas que penso que vi e que à época teve grande êxito entre a malta de esquerda dos cineclubes.
2 comentários:
Não maças nada. Eu por mim gostei muito.
Obrigado Brissos.Um abraço
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