17/12/2010

A propósito da WikiLeaks


Penso que a esquerda, através do meio que tem à sua disposição, que é principalmente a blogosfera, já disse quase tudo sobre a WikiLeaks e a direita já escreveu nos jornais de referência tudo aquilo que a indigna, ou seja, que se tem que preservar a diplomacia dos seus amigos americanos ou, muito mais bem dito, dos países ditos democráticos. Quanto aos que estão no meio, tudo que descredibiliza o seu “cavaleiro andante” José Sócrates e o seu aio Luís Amado provoca-lhe mau estar. Para estes dois últimos grupos a WikiLeaks é uma alvo a abater.

Veio-me à memória sobre este assunto um episódio histórico e um filme que eu acho que se aplicam muito bem a este caso. O primeiro refere-se à divulgação pelo Governo Bolchevique, depois da conquista o poder, em 1917, em plena I Guerra Mundial, de todos os tratados secretos que existiam entre a Entente (França e Inglaterra) e o defunto Governo czarista e que punham a nu os objectivos imperialistas daquelas potências, que em nome de elevados princípios lançavam para a morte milhões dos seus cidadãos. Hoje quando o Império arrasa e destrói dois países – o Iraque e o Afeganistão – é bom que alguém nos desvende os segredos desta diplomacia de morte.

O segundo é um filme muito antigo, que só os da minha idade se recordaram de ter visto, de Alexander Mackendrick, que em inglês se chamava Sweet Smell of Success, mas que passou nos nossos ecrãs com o nome de Mentira Maldita. O filme é de 1957, estreado em Portugal em 1959, e tinha como actores principais Burt Lancaster e Tony Curtis, recentemente falecido. Acusava-se aí um determinado músico de Jazz, não querido da personagem importante desempenhada por Burt Lencaster, de ser “vermelho” e estar na posse de droga, que previamente lhe tinha sido metida na algibeira do sobretudo. A primeira acusação arruína-lhe a carreira e a segunda leva-o à prisão, pela mão do FBI. Quando hoje vimos Assange, o homem do WikiLeaks, ser acusado de ter sexo não consentido com duas mulheres adultas e deste não ser seguro, e por isso ser vítima de um mandato de captura internacional, vem-me à memória aquele filme e como hoje, principalmente na Suécia, as acusações de ser comunista já não arruínam carreiras, nem ninguém vai para a prisão por fumar a sua dose individual de droga. Mas praticar sexo não seguro ou fazê-lo sem este ser previamente autorizado, pode acarretar prisão. Depois vêm os moralistas afirmar que dois juízes, o sueco e o inglês, não prescindiam da sua independência para acusarem Jules Assange. Quem sou eu para duvidar disso, bastava que, tal como no filme, as duas mulheres fossem pagas pela CIA para atestarem toda a veracidade da história, coisa que aos olhos de qualquer cidadão normal não é impossível de acontecer.

Restam duas questões e uma dúvida sobre os dois pesos e as duas medidas do Sr. Pacheco Pereira. A primeira questão dirige-se aos que acham bem que se divulguem as falcatruas dos governos, mas que se deve preservar o segredo diplomático, porque sem isso não havia vida diplomática. Eu diria que todo o segredo é por natureza para ser revelado e que não há telegramas de embaixadas bons e outros maus. Quem é que decide? Para mim é extremamente útil saber que o Sr. Cavaco Silva é um despeitado, que faz política conforme é recebido ou não na sala Oval da Casa Branca, o que só vem confirmar a mediocridade da personagem. Com certeza que o homem do Millennium BCP não gostaria que dissessem que ele se ofereceu como espião aos americanos. Contudo, é extremamente importante saber como actuam os nossos banqueiros. Por isso a fronteira entre diplomacia séria e desonesta é muito ténue. Ao menos que eu possa escolher aquilo que me interessa. Por outro lado, estas revelações aconteceram agora, o Governo americano tomará de certeza as precauções devidas para evitar no futuro situações semelhantes. Não se apoquentem que o mundo não viverá no permanente sobressalto sobre as revelações constantes do segredo diplomático.

A segunda é a crítica de que a WikiLeaks não divulga nada sobre as ditaduras. Já se sabe que certos senhores gostariam de ter informação sobre as ditaduras que não gostam, porque relativamente às amigas dispensavam essa informação. Mas não há todos os dias, para aqueles países que são objecto da raiva do “ocidente”, informação abundante? Quem é que não sabe o que se passa em Cuba, na Venezuela, na Birmânia, na China, na Coreia do Norte ou no Irão? A informação que desconhecemos é sobre o que é que os Estados Unidos ou a UE andam a fazer nas nossas costas, pois sobre aqueles países tudo nos é dito e algumas coisas são mesmo inventadas. Nós sabemos é pouco sobre o que se passa na Arábia Saudita e noutros principados amigos do “ocidente”.

Por último os dois pesos e as duas medidas do Sr. Pacheco Pereira. Não foi ele que mais se entusiasmou com a revelação das escutas telefónicas a José Sócrates? Não achava ele, ao contrário dos socialistas, que sendo elas do domínio público podiam ser discutidas e comentadas? Porque é que agora se amofina tanto, escrevendo um artigo descabido sobre o acesso das massas ao conhecimento generalizado dos segredos diplomáticos? É porque a sua idolatrada América está em causa? É por isso eu falo da duplicidade daquele Sr.
PS. (28/12/10). Mão amiga informou-me, com toda a razão, que não era Entende, mas sim Entente (Entente Cordiale). Já está corrigido. Desculpem qualquer coisinha.

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