17/07/2010

Algumas perplexidades sobre a posição do Partido Comunista da Grécia (KKE)


Quem lê regularmente o Avante ou segue os sites ligados a militantes do PCP encontra várias vezes referências elogiosas e principalmente traduções de tomadas de posição do Partido Comunista da Grécia, cujo acrónimo original é KKE.
Nesta minha apreciação vou-me limitar, até para restringir o objecto de estudo, a duas entrevistas e a um comunicado/artigo da sua Secretária-geral, Aleka Papariga, e que foram transcritos pelo ODiário.info (ver aqui uma entrevista e a outra aqui) e pelo Resistir.info (ver aqui, com um nota biográfica introdutória, a última entrevista de ODiário.info e aqui o comunicado/artigo).

No entanto, porque já anteriormente tinha tomado posição sobre declarações do KKE não quero passar em claro essas minhas antigas apreciações, porque elas se interligam com a crítica que hoje faço dos textos acima referidos.
Assim, a primeira vez que tomei posição sobre um comunicado do KKE foi relativo a uma declaração deste No 90º aniversário da Grande Revolução Socialista de Outubro na Rússia (1917), que tinha sido transcrito em ODiário.info, numa tradução de António Vilarigues, que também a publicou no seu blog, O Castendo, e que, segundo averiguei, serviu de texto de apoio a algumas reuniões do PCP.
As críticas sucessivas que vim fazendo a esta Declaração estão todas reunidas, ou seja, os seus links, no post que escrevi relativo ao livro de Carlos Brito sobre Álvaro Cunhal, na parte em que este aborda a Revolução Democrática e Nacional.

Ora que propostas avança o KKE neste momento de profunda crise económica e financeira que atravessa a Grécia?
Logo na primeira entrevista, e destacada pelo editor do site como subtítulo, surge esta proposta da Secretária-geral do KKE: “Para os comunistas gregos a única opção [para a presente crise do capitalismo] é a saída popular, que não pode ser outra senão o socialismo. Não há saídas intermédias, tão pouco reformistas, num mundo, a seguir à derrota soviética, em que sectores da pseudo-esquerda sentem pânico da luta pela transformação revolucionária da sociedade”. E qual o caminho para atingir o socialismo? “A nossa proposta de saída da crise resume-se à consigna: “aliança popular de trabalhadores, anti-monopolista, para o poder popular”, que é necessária para conseguir mudanças radicais, primeiro, a nível da economia e, em geral, a nível do poder.” E continua: “O caminho para satisfazer os direitos populares contemporâneos, para que o nosso país confronte as intervenções e os antagonismos dos organismos imperialistas internacionais, é que o povo esteja no poder, tendo nas suas mãos o controlo da economia e da produção.” E depois aponta para uma solução nacional: “O caminho a favor do povo é só o socialismo e jogar-se-á primeiro a nível nacional. Na Europa, cada povo que escolha esta via de desenvolvimento e de organização da sociedade contra a exploração do capital e dos monopólios estará obrigatoriamente contra a UE.”
A seguir descreve pormenorizadamente como se organizará a futura sociedade do poder popular: “Por isso, a proposta de alianças e poder para o povo têm os seguintes eixos básicos: que todas as grandes fábricas e empresas de energia e de matéria-prima, os transportes, as telecomunicações, as indústrias, o comércio e os bancos sejam propriedade social. Que se socializem os monopólios, de maneira que, com a planificação centralizada do poder popular, se utilizem todas as capacidades produtivas do país, tendo como único critério as necessidades do povo. Ao seu lado funcionarão, incluídas na planificação nacional, as cooperativas de produção dos pobres e médios camponeses e dos pequenos comerciantes. Que a terra deixe de ser uma mercadoria. Que não exista actividade empresarial nos sectores da educação, da saúde e do bem-estar social.
A base do poder popular serão as unidades de produção do sector socializado e das cooperativas, cujos representantes poderão ser substituídos e, em simultâneo, existirá o controlo operário popular, da base ao topo.
Esta Grécia do poder popular e da economia popular não cabe em nenhum tipo de organismo imperialista como são a UE, a NATO, etc. Renegociará a dívida pública e tratará de conseguir acordos internacionais e cooperações numa base completamente diferente e utilizará as contradições imperialistas na medida em que o puder fazer. Para nós, o poder popular não pode ser outro senão o socialismo.
” (As palavras a negrito são em todos os textos da minha responsabilidade)
Na outra entrevista, também de ODiário.info, não se fazem afirmações muito diferentes: “Hoje em dia é necessária uma sociedade socialista, que representa a única possibilidade de o povo gozar dos frutos do seu trabalho e para que as modernas conquistas da ciência e da cultura sejam utilizadas a favor dos interesses de todos e não do lucro. E tudo isto, naturalmente, requer a construção de uma sociedade socialista.
No Comunicado/Artigo, depois de descrever a crise do capitalismo grego, insiste num programa alternativo, mais desenvolvido, mas semelhante, ao que atrás foi exposto, ou seja, numa “Frente anti-imperialista, anti-monopolista e democrática – Poder e economia popular” (palavras a negrito são também da minha responsabilidade).

Todas estas longas citações visam unicamente tentar transmitir ao leitor qual é o pensamento da Secretária-geral dos Comunistas Gregos, de modo que o mesmo não seja adulterado, por quem, como eu, tema algumas dúvidas sobre a sua exequibilidade e, mais do que isso, considera as suas declarações eivadas de um profundo “esquerdismo” e de um completo afastamento da realidade.
Mas, passemos aos factos. A Grécia vive hoje uma crise económica e financeira de incalculáveis repercussões e os programas de austeridade estabelecidos pelo Governo socialista (PASOK) Grego são, sem dúvida nenhuma, muito mais gravosos do que aqueles que o Governo do PS, em Portugal, apoiado pela direita, nos tenta impor. A luta dos trabalhadores gregos e de outras camadas vítimas daquelas medidas tem sido importante, com recurso constante a manifestações e a greves gerais. Tão importante e com tal vigor que o KKE já sonha com a conquista do poder popular e a instauração do socialismo.
Nas últimas eleições, que se realizaram em Outubro de 2009, o KKE obteve 7,54 %, contra os 8,15 % das anteriores e a coligação das esquerdas radicais, SYRISA, semelhante ao nosso Bloco de Esquerda, 4.6 %, nas anteriores 5,04 %. O Partido Socialista de lá, o PASOK, ganhou as eleições com 43.92 % dos votos. A luta na rua, as sucessivas greves gerais e a combatividade mostrada pelos trabalhadores são indicadores de um forte ascenso popular. Mas haverá condições para o KKE impor neste momento um governo popular, com um programa de nacionalizações e de organização económica completamente alternativo à sociedade capitalista?
No meio disto, e em crítica severa ao reformismo, que é expressa nos textos que apresento, e ao anarquismo, responsável pelas manifestações de violência nas ruas, como é possível estabelecer uma Frente que possa criar e erigir o poder popular como saída para a crise? Por outro lado, como é visível em todo o texto, apesar de se indicar como saída o socialismo e logo no início de um dos textos se criticar as saídas intermédias e reformistas da “pseudo-esquerda” (do SYRISA), volta não volta refere-se à aliança popular e anti-monopolista, que na linguagem comunista sempre foi indicador de um estádio intermédio, anterior ao socialismo. Parece-me por isso haver um forte esquerdismo nas palavras e alguma confusão nos conceitos.
Pelo que foi dito está-me a parecer que apesar da combatividade demonstrada pelos trabalhadores gregos, tenho receio que se encontrem mais uma vez numa situação de bloqueio e de ausência de propostas políticas que possam levar a uma saída para a crise.

Terminaria afirmando, apesar da constante referência pelo PCP e dos seus amigos ao KKE a verdade é que mesmo assim a linguagem e as propostas ainda são bastante diferentes. Não estamos a ver o nosso PCP a propor neste momento como saída o poder popular e o socialismo, nem a elaborar um claro programa de socializações e de clara organização socialista da economia. O máximo que se refere é uma alternativa ao actual modelo de desenvolvimento em vez da alternância costumeira entre PS e a direita
Apesar da tradicional combatividade do KKE – esteve envolvido numa guerra civil das mais cruentas da Europa e que é normalmente esquecida – não estou a ver na Grécia, nem na actual União Europeia, sem ser na retórica das palavras, um contra-poder popular apostado na saída socialista para a crise.

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