19/07/2010

O Estado da Nação


A propósito deste tema, que abarcou o final da semana passada, gostaria de fazer algumas considerações que dividirei por capítulos.

A irracionalidade das acções políticas
Durante os últimos tempos tem-se assistido, depois da proposta de dançar o tango a dois, a um constante agravar das relações e das críticas entre o PS e o PSD. Nem vale a pena enumerar, tantas são e tais são os mimos que uns e outros trocam entre si.
Há quem diga que tudo isto é encenação, para satisfazer as bases de cada um dos partidos e poder-se dizer que o PS, apesar dos acordos à direita, é de esquerda e o PSD não anda a fazer o frete ao PS e está verdadeiramente interessado em vir a governar o país sem aquele partido. Há mesmo quem afirme que é a União Europeia que está a forçar estes acordos, porque não quer eleições antecipadas visto achar que esse facto poderia levar o país à bancarrota. Por isso, estes ataques não passariam de um cenário para, cumprindo os desígnios da EU, dar satisfação às bases de cada um dos partidos.
Tenho para mim que tudo isto pode ser verdade, mas em política há um tal grau de irracionalidade, que em determinada altura não é possível controlar estas deixas para “inglês ver”. Os partidos são arrastados pelas afirmações que fazem e, em determinado momento, são mesmo obrigados a travar guerras que não querem. Por isso penso, a continuar esta constante troca de insultos, mais tarde ou mais cedo tem que haver um confronto, que provavelmente virá a ser eleitoral.

Ataques ao carácter ou às ideias
O PS tem exultado com a mudança de líder no PSD, todos os seus dirigentes têm elogiado esta nova direcção, porque abandonou os ataques de carácter ao Primeiro-Ministro e começou a discutir política. Ainda esta semana António Costa, na Quadratura do Círculo, fez, mais uma vez, o elogio desta nova atitude.
Os comentadores parece que também alinham pela mesma bitola e a subida do PSD nas sondagens vem confirmar esta situação.
Tenho para mim que isto não é inteiramente verdade. A impopularidade de Sócrates e a descida do PS nas sondagens começaram quando os aspectos da sua vida pública, mas que eram ignorados pelos eleitores, começaram a vir ao de cima e a personalidade do primeiro-ministro se revelou por inteiro no modo como reagiu a esses factos e no tipo de escândalos em que se viu envolvido.
Só um PS completamente dominado pelo culto da personalidade e fascinado por aquilo que considera a determinação de Sócrates, em oposição a anteriores secretários-gerais, e a sua capacidade, até ao momento, de ganhar eleições, tem permitido que este partido se renda aos pés do seu líder – no programa de televisão acima referido, António Costa falava da tibieza dos ministros do Governo opondo-a à determinação do seu chefe.
Este facto, o culto da personalidade, perturba a situação política e facilita de modo decisivo a abulia do PS e a completa ultrapassagem do seu líder por uma personagem tão medíocre como Pedro Passos Coelho.

Que farão BE e PCP numa moção de censura ao Governo?
Uma moção de censura a este Governo só poderia ser apresentada até meados de Setembro. Depois entramos nos últimos seis meses de mandato presidencial, em que o detentor deste cargo não pode dissolver o Parlamento nem convocar eleições. Como o novo presidente eleito só tomará posse lá para Março do ano que vem, quaisquer eleições, a realizarem-se, só terão lugar em Maio. Ou seja, estamos condenados a viver nesta abulia governativa até àquela altura.
Se as eleições forem ganhas por Manuel Alegre, a situação já será completamente diferente, provavelmente não haverá eleições e o cenário governativo é um pouco imprevisível. Manuel Alegre introduziria no sistema uma “alegre” perturbação que neste momento é difícil de prever.
Mas verificando-se a vitória de Cavaco Silva é muito provável que apareça uma moção de censura por essa altura. É uma previsão, como é evidente, e em política dez ou onze meses são uma eternidade.
Mas admitindo que tudo ficava como agora nos encontramos, como votariam BE e PCP uma moção de censura da direita com fortes probabilidades de derrubar o Governo? Dir-me-ão que esses são os cenários que os analistas e os jornalistas gostam de traçar, sempre prontos a encontrar contradições e “caixas” noticiosas para vender, e que um político a sério não traça cenários com tanta antecedência e só decide numa situação e num tempo concreto. Concordo.
Mas recomendaria aos amigos à esquerda do PS que reflectissem nesta situação, principalmente se as sondagens, que sempre se enganam, mas não tanto como isso, indicassem uma clara vitória do PSD aliado ou não ao CDS. Que diria o povo deste país se entregássemos o Governo à direita?
Durante toda a vigência da actual Constituição só uma vez é que a esquerda, à esquerda do PS, teve que decidir entre um PS sozinho, minoritário, ou um possível Governo mais à direita e mesmo assim a situação era diferente do cenário acima exposto. Foi nos longínquos anos de 70, perante o Governo do PS sozinho, em que o PCP permitiu que uma moção de censura da direita pudesse derrotar Mário Soares. Ainda hoje tenho dúvidas se essa atitude foi correcta.

A campanha eleitoral de Manuel Alegre
No meio deste cenário de incertezas, impasses políticos, de avanços indiscutíveis da direita e de claro empobrecimento do povo português, vão-se disputar as eleições presidenciais, que, quanto a mim, trazem algumas novidades ao cenário político acima descrito.
Primeiro, Manuel Alegre é dentre os candidatos que o PS apresentou até hoje aquele que está mais engajado com uma política de esquerda.
Segundo, tem o apoio explícito de um partido de esquerda, à esquerda do PS, que permitirá uma abrangência e unidade até hoje dificilmente obtidas na esquerda.
Sabe-se que a campanha vai ser extremamente difícil, com muitas incompreensões e pelos vistos com sabotagens deliberadas, a última é a de Defensor de Moura do PS, se é que ele chegará a concretizar a sua candidatura. Temos no entanto a possibilidade, assim o candidato o queira e as forças em presença sejam capazes de o fazer, de agitar alguns dos temas que mais têm sido discutidos na actualidade. Era indispensável defender os serviços públicos: o SNS e a escola pública, mas também o fim das privatizações, e o reforço do investimento estatal. Era necessário desmascarar as propostas da direita quanto à revisão da Constituição e o fim do Estado Social. É possível conseguir uma boa agitação em volta destas matérias tão úteis ao debate futuro. Era necessário não ser sectário e estender a mão ao possível candidato do PCP.
Um investimento na candidatura de Manuel Alegre é um investimento na evolução futura da situação política. Assim haja força para a agarrar.

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