O Público de Sábado publicou dois artigos, um de Pacheco Pereira, Uma história da Carochinha que passa por ideologia, e outro de São José Almeida, A esquizofrenia política do PS. Qualquer deles referia-se às Jornadas Parlamentares do PS, que se tinham realizado nessa semana, e àquilo que tinha sido dito por Mário Soares, Ferro Rodrigues, Paulo Pedroso e pelo próprio José Sócrates contra o discurso neo-liberal e o PSD. No Domingo, Marcelo Rebelo de Sousa, no seu comentário semanal que agora mantém na TVI, disse que as afirmações lá proferidas constituíam uma viragem à esquerda do PS e um começo de apoio a Manuel Alegre e ao mesmo tempo um abandono por parte daquele partido da sua ancoragem ao centro, que foi deixado ao PSD. Por outro lado, é também uma tentativa de ir buscar votos à esquerda, BE e PCP, para o seu candidato presidencial.
Antes de me debruçar sobre os dois artigos referidos e para os quais não disponho de links, gostaria de comentar as palavras de Marcelo. O PS não necessita de fazer um discurso de esquerda por causa do seu candidato presidencial, este fá-lo por si, e já vai buscar garantidamente votos ao Bloco de Esquerda, que lhe deu o seu apoio. Este partido é que tem que elaborar um discurso de apoio ao candidato que seja exequível para os seus eleitores.
Antes de me debruçar sobre os dois artigos referidos e para os quais não disponho de links, gostaria de comentar as palavras de Marcelo. O PS não necessita de fazer um discurso de esquerda por causa do seu candidato presidencial, este fá-lo por si, e já vai buscar garantidamente votos ao Bloco de Esquerda, que lhe deu o seu apoio. Este partido é que tem que elaborar um discurso de apoio ao candidato que seja exequível para os seus eleitores.
Quanto aos dois textos do Público eles são o exemplo de duas leituras, uma de esquerda, outra de direita da mesma realidade. O de São José Almeida, que é de esquerda, desmonta muito bem a esquizofrenia do PS, que na prática pratica uma política neo-liberal, conjuntamente com Passos Coelho e o PSD, e na teoria se afirma contra ela. O mais interessante naquele artigo é afirmação de que todas as declarações do PS foram feitas com ar negligente, sem qualquer base em textos teóricos previamente distribuídos, nem em reflexões anteriores. E, pior ainda, depois de ditas ninguém retirou qualquer consequência prática. Podia-se dizer que foram feitas para épater le bourgeois.
O outro, o de Pacheco Pereira, que é de direita, tenta, como o anterior, desmontar as afirmações do PS, considerando a narrativa dos acontecimentos que aquele partido elaborou e que levaram ao aparecimento do neo-liberalismo e da crise económica actual como uma história da Carochinha que passa como a posição ideológica do PS. Mas, ao mesmo tempo diz desconhecer o que é o neo-liberalismo e aponta o excesso de gastos sociais como a razão da actual crise .
Neste seu texto PP recorre a algumas das piruetas que costuma utilizar noutros artigos. Primeiro o ataque aos jornalistas. Afirma que estes engolem como verdadeiras todas as proclamações que lhes querem vender. Assim, acreditam que o PS está a discutir ideologia, quando afirma que é por uma opção ideológica que não embarca no neo-liberalismo do PSD. Já se sabe que aqui tem razão, os jornalistas tenderão sempre a simplificar tudo e a engolir como boas todas as frases feitas que lhes queiram vender. Mas isto tanto sucede com o PS, como com o PSD e CDS. Já não é tão fácil aceitarem como boas as opiniões do Bloco ou do PCP.
Depois PP recorre a alguns truques da sua velha cultura de esquerda para, lembrando Althusser, dizer que a esquerda já se esqueceu do marxismo, pois aquele filósofo francês afirmava que a ideologia, era uma visão destorcida, de classe, da realidade, opondo-a ao conhecimento científico do socialismo. Que o PS se esqueceu do marxismo não tenho a mais pequena dúvida, que Sócrates nunca soube o que era é para mim uma certeza, mas não venha PP meter tudo no mesmo saco e reduzir uma questão complexa que sempre foi motivo de discussão e aprofundamento entre marxistas, de que Althusser foi uma das partes, à ignorância dos actuais mentores do PS. Mas recorramos ao significado fraco que é dado ao termo ideologia no Dicionário de Política, de Norberto Bobbio e outros: "o sistema de crenças políticas, conjunto de ideias e valores cuja função é a de orientar comportamentos colectivos relativos à ordem pública". Segundo aqueles autores, o significado forte seria, na esteira de Marx, uma distorção do conhecimento. Mas não é nesta acepção que Sócrates e companhia o utilizam. Por isso PP mostra uma erudição descabida.
Depois todo o texto, na sequência da intervenção que PP já tinha feito na Quadratura do Círculo, da SIC Notícias, pretende baralhar quem foram os estatistas, termo agora em voga, e os neo-liberais, chegando à conclusão, que os Blairs, os Clintons e companhia é que foram neo-liberais e que o Chirac, de direita, é que foi o estatista. E que cá em Portugal, Sócrates é que neo-liberal de serviço.
PP não deixa de ter a sua razão, a esquerda social-democrata, há muito que deixou de defender, aquilo que lhe restava que era o estado social e, em seu nome, tem vindo a recuar, até ser difícil separá-la dos neo-liberais. Mas não tenhamos dúvidas o neo-liberalismo, com os rapazes de Chicago a darem cartas, começou sem dúvida nenhuma com a dupla Thatcher–Reagan. E que agora, aproveitando esta onda de crise e de endividamento dos estados para acudir à economia da casino dos bancos, estão na disposição de destruir de vez com o estado-social, continuando, com a caução dos socialistas, a dizer que é para o defender.
Pacheco Pereira numa verdadeira operação de mistificação política chega ao ponto de afirmar que quem destruiu o estado-social foram aqueles que o engordaram e que agora com a diminuição demográfica e a globalização já não é possível continuar a mantê-lo. Ora é aqui que a esquerda não social-democrata, nem comprometida com a Terceira Via blairista, tem que argumentar que o que se verifica é um excesso de produção e uma diminuição acentuada da taxa de lucro do capitalismo, que necessita da privatização das funções sociais do Estado e do dinheiro que este lhe cobra em impostos.
Na Quadratura do Círculo, Pacheco Pereira termina afirmando porque é que os ricos não pagam a saúde, achando que o SNS deveria ser só para os pobres, esquecendo que os ricos podem sempre recorrer à saúde privada, e que é a classe média que é incapaz de pagar a saúde quando ela chega a valores perfeitamente insuportáveis. Tenha Pacheco Pereira um cancrozinho e veja o que teria que pagar por um tratamento de quimioterapia num hospital privado, mesmo tendo um seguro de saúde, que nessas condições raramente é possível fazer. Até guinchava e não lhe estou a rogar essa praga
Pacheco Pereira é pena não discutir, porque não quer, com os que lhe podiam fazer frente, apanha sempre com gente comprometida com o enterro que a social-democracia nacional e europeia está a fazer ao estado-social.
PS., (13/07/10): Com os mesmos argumentos e contando uma fábula igual, agora substituindo, no título, Carochinha por vulgata, aqui temo mais um texto de Pacheco Pereira na revista Sábado, sobre A vulgata ideológica dos socialistas, e transcrito no seu blog. Assim é fácil ganhar a vida. Começa-se num sítio a dizer uma coisa e depois transpõe-se com algumas alterações parar os outros locais onde colaboramos. Assim, temos a semana feita, com o mesmo argumentário recebe-se de três órgãos de comunicação social diferentes.
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