Foi publicado recentemente o livro Sita Valles. Revolucionária, comunista até à morte (1951-1977), de Leonor Figueiredo, editado pela Aletheia. Não conhecia a autora, que ao que me informaram é jornalista, mas sabia que Zita Seabra é dona da editora da obra, o que não me deixava nada descansado sobre a imparcialidade da biografia daquela revolucionária comunista. Tinha também visto a entrevista que aquela jornalista deu ao Mário Crespo, na SIC Notícias, toda ela cheia de piscadelas de olho anti-comunistas, mais da parte do entrevistador do que da entrevistada. No entanto, como sabia que alguns membros da antiga União dos Estudantes Comunistas (UEC) tinham sido contactados pela autora e lhes parecia que o seu testemunho estava correcto, resolvi, num impulso, comprar o livro E não dei por mal empregue o tempo que perdi a lê-lo.
O livro é uma clara homenagem a Sita Valles, que tinha passado pelos quadros dirigentes do movimento estudantil comunista em Portugal, dirigido na altura por Zita Seabra, e que em 1975 foi para Angola, sua terra natal, para lutar pela construção de um país novo. Em Angola envolveu-se com uma das facções do MPLA, participando assim nos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, tendo sido fuzilada por isso, juntamente com milhares de outros angolanos.
O livro é escrito por alguém que não é de esquerda e portanto não perfilha as ideias da sua heroína. Por isso, há uma certa ingenuidade, se não mesmo ignorância, em relação às opções políticas de Sita. Quero querer que se baseou muito na informação familiar e se deixou encantar pela família “tão distinta” dos Valles, que eram de origem goesa.
Ficamos com a descrição dos horrores do massacre dos nitistas, grupo a que pertencia Sita Valles, perpetuada pela direcção chefiada por Agostinho Neto, depois dos acontecimentos já referidos, e também, o que não é de somenos, com o relato imparcial das actividades desenvolvidas por Sita. Há algumas alfinetadas no PCP, por não ter interferido por Sita Valles junto da direcção do MPLA, dado que foi um quadro importante da sua organização estudantil. Este assunto, com mais pormenores, já tinha sido abordado no livro que vou a seguir referir.
Sobre este mesmos acontecimentos e manifestando uma preocupação de denúncia do ponto de vista da esquerda, mas também de rigor histórico, temos o livro Purga em Angola. Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunem o 27 de Maio de 1977, de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, Edições Asa, 2007, sobre o qual já elaborei uma crítica aqui.
José Manuel Fernandes (JMF), no Público, de 10/09/10 (sem link), aproveita o lançamento do livro para bolçar cá para fora toda a sua fúria reaccionária.
Começa logo por afirmar que o seu fuzilamento e aquilo que se sabe do seu comportamento heróico perante os carrascos, “não faz de Sita Valles uma heroína. Ou, pelo menos, não devia fazer. Contudo, foi muito essa imagem que passou para os jornais aquando do lançamento do último livro de Leonor Figueiredo”. E depois pergunta: “Quem era realmente Sita Valles? Uma revolucionária e uma comunista, como se diz no título do livro. E seguramente uma idealista, como alguns dos que com ela conviveram a descrevem. Mas também uma fanática, como se percebe de algumas passagens da obra e como o seu percurso confirma sem margem para dúvidas. Por isso valeria a pena ir um pouco além do seu martírio para tentar perceber os mecanismos do radicalismo político, sobretudo do radicalismo dos jovens intelectuais que aderem a ideologias extremistas.”
Ora aqui temos JMF incomodado com a possibilidade de que Sita Valles possa ser considerada uma heroína. Uma comunista é sempre uma fanática que adere a “ideologias extremistas”. Só ele, JMF, que na sua juventude militou em partidos maoistas, e que depois se acomodou e foi fazendo pela vidinha, chegando a director do Público e comentador encartado da política nacional é que sabe que todo o comunista é sempre um "extremista".
Todo o artigo é não só uma piedosa reflexão sobre estes jovens transviados que se deixam arrastar pelo radicalismo, como a tentativa de desvalorizar o grupo de Nito Alves afirmando que “este grupo defendia soluções para Angola no mínimo tão radicais, e tão brutais, como as do grupo de Agostinho Neto.” Ou seja, tentando desvalorizar qualquer dos dois lados, de modo a que ninguém tenha piedade dos comunistas mortos.
A seguir a propósito da violência perpetrada por qualquer das facções envolvidos na luta pelo poder em Angola cita Isaiah Berlin em The First and the Last, "causar dor, matar e torturar são actos geralmente condenados; mas se não foram cometidos para meu benefício pessoal e sim em prol de um ismo – socialismo, nacionalismo, fascismo, comunismo, de crenças religiosas fanáticas, do progresso, ou do cumprimento das leis da História –, então esses actos são aceitáveis". Simplesmente este senhor, como muitos outros liberais anglo-saxónicos, que tão acarinhados são pelos nossos intelectuais de direita, esqueceu-se de dizer que a repressão das populações autóctones pelo Império britânico era também um acto aceitável para sua Majestade, ou a tortura na Argélia era compreendida pelo espírito republicano francês ou como presentemnte as intervenções no Iraque ou no Afeganistão são actos aceitáveis em nome da liberdade.
JMF termina com palavras moralistas de alguém que já estando na curva da vida e tendo-se ajeitado na actual sociedade considera todos aqueles que o não fizeram como não se adaptando às realidades da mesma: “Sita Valles era, sem dúvida, uma filha desses tempos, alguém que levou ao limite a condição de "verdadeira crente", alguém que acreditava numa "doutrina infalível" e, assim, ficava imune não só às incertezas como às realidades quando estas se revelavam desagradáveis. Isso cegou-a – e levou-a a não ver a tragédia que se preparava e da qual seria, ela também, vítima.” Paz à alma destes arrependidos.
O livro é uma clara homenagem a Sita Valles, que tinha passado pelos quadros dirigentes do movimento estudantil comunista em Portugal, dirigido na altura por Zita Seabra, e que em 1975 foi para Angola, sua terra natal, para lutar pela construção de um país novo. Em Angola envolveu-se com uma das facções do MPLA, participando assim nos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, tendo sido fuzilada por isso, juntamente com milhares de outros angolanos.
O livro é escrito por alguém que não é de esquerda e portanto não perfilha as ideias da sua heroína. Por isso, há uma certa ingenuidade, se não mesmo ignorância, em relação às opções políticas de Sita. Quero querer que se baseou muito na informação familiar e se deixou encantar pela família “tão distinta” dos Valles, que eram de origem goesa.
Ficamos com a descrição dos horrores do massacre dos nitistas, grupo a que pertencia Sita Valles, perpetuada pela direcção chefiada por Agostinho Neto, depois dos acontecimentos já referidos, e também, o que não é de somenos, com o relato imparcial das actividades desenvolvidas por Sita. Há algumas alfinetadas no PCP, por não ter interferido por Sita Valles junto da direcção do MPLA, dado que foi um quadro importante da sua organização estudantil. Este assunto, com mais pormenores, já tinha sido abordado no livro que vou a seguir referir.
Sobre este mesmos acontecimentos e manifestando uma preocupação de denúncia do ponto de vista da esquerda, mas também de rigor histórico, temos o livro Purga em Angola. Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunem o 27 de Maio de 1977, de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, Edições Asa, 2007, sobre o qual já elaborei uma crítica aqui.
José Manuel Fernandes (JMF), no Público, de 10/09/10 (sem link), aproveita o lançamento do livro para bolçar cá para fora toda a sua fúria reaccionária.
Começa logo por afirmar que o seu fuzilamento e aquilo que se sabe do seu comportamento heróico perante os carrascos, “não faz de Sita Valles uma heroína. Ou, pelo menos, não devia fazer. Contudo, foi muito essa imagem que passou para os jornais aquando do lançamento do último livro de Leonor Figueiredo”. E depois pergunta: “Quem era realmente Sita Valles? Uma revolucionária e uma comunista, como se diz no título do livro. E seguramente uma idealista, como alguns dos que com ela conviveram a descrevem. Mas também uma fanática, como se percebe de algumas passagens da obra e como o seu percurso confirma sem margem para dúvidas. Por isso valeria a pena ir um pouco além do seu martírio para tentar perceber os mecanismos do radicalismo político, sobretudo do radicalismo dos jovens intelectuais que aderem a ideologias extremistas.”
Ora aqui temos JMF incomodado com a possibilidade de que Sita Valles possa ser considerada uma heroína. Uma comunista é sempre uma fanática que adere a “ideologias extremistas”. Só ele, JMF, que na sua juventude militou em partidos maoistas, e que depois se acomodou e foi fazendo pela vidinha, chegando a director do Público e comentador encartado da política nacional é que sabe que todo o comunista é sempre um "extremista".
Todo o artigo é não só uma piedosa reflexão sobre estes jovens transviados que se deixam arrastar pelo radicalismo, como a tentativa de desvalorizar o grupo de Nito Alves afirmando que “este grupo defendia soluções para Angola no mínimo tão radicais, e tão brutais, como as do grupo de Agostinho Neto.” Ou seja, tentando desvalorizar qualquer dos dois lados, de modo a que ninguém tenha piedade dos comunistas mortos.
A seguir a propósito da violência perpetrada por qualquer das facções envolvidos na luta pelo poder em Angola cita Isaiah Berlin em The First and the Last, "causar dor, matar e torturar são actos geralmente condenados; mas se não foram cometidos para meu benefício pessoal e sim em prol de um ismo – socialismo, nacionalismo, fascismo, comunismo, de crenças religiosas fanáticas, do progresso, ou do cumprimento das leis da História –, então esses actos são aceitáveis". Simplesmente este senhor, como muitos outros liberais anglo-saxónicos, que tão acarinhados são pelos nossos intelectuais de direita, esqueceu-se de dizer que a repressão das populações autóctones pelo Império britânico era também um acto aceitável para sua Majestade, ou a tortura na Argélia era compreendida pelo espírito republicano francês ou como presentemnte as intervenções no Iraque ou no Afeganistão são actos aceitáveis em nome da liberdade.
JMF termina com palavras moralistas de alguém que já estando na curva da vida e tendo-se ajeitado na actual sociedade considera todos aqueles que o não fizeram como não se adaptando às realidades da mesma: “Sita Valles era, sem dúvida, uma filha desses tempos, alguém que levou ao limite a condição de "verdadeira crente", alguém que acreditava numa "doutrina infalível" e, assim, ficava imune não só às incertezas como às realidades quando estas se revelavam desagradáveis. Isso cegou-a – e levou-a a não ver a tragédia que se preparava e da qual seria, ela também, vítima.” Paz à alma destes arrependidos.
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