08/03/2010

Berlusconi à portuguesa


Sabe-se que quando um juiz ou algum colectivo de juízes levanta problemas a Berlusconi este classifica logo os autores de tal descaramento como “vermelhos”. É uma forma de desvalorizar perante a opinião pública os magistrados face a um primeiro-ministro cheio de candura e bom comportamento. Esta acusação só funciona porque em Itália já ninguém tem respeito pela bandeira vermelha (Bandiera Rossa) do falecido Partido Comunista Italiano.
Em Portugal, dados os fracos recursos dos nossos políticos, não é o primeiro-ministro que acusa a magistratura, mas manda que outros o façam.
Assim, o impoluto ministro do Trabalho do anterior Governo e agora da Economia, Vieira da Silva, encarregou-se há uns tempos, quando do início do processo Face Oculta, de considerar que a acção dos magistrados era pura “espionagem política”. Esta frase de grande rigor argumentativo foi também utilizada pelo pau para toda a obra que é o ministro Santos Silva.
Mas não contente com estas peregrinas afirmações dos membros do Governo eis que surge o Bastonário da Ordem dos Advogados a declarar que o poder judicial ou “parte importante do poder judicial” está “empenhado em derrubar o primeiro ministro”, o sempre querido José Sócrates, e que esse desejo é motivado por este ter tocado “em alguns privilégios da corporação”.

Em Portugal a acusação de “vermelho” não funciona. Há muito que nos habituamos a conviver com o PCP e já lá vai o tempo em que era um labéu grave ser-se comunista. Por isso nada melhor do que acusar os magistrados de quererem continuar a usufruir privilégios que a maioria dos cidadãos não alcança. No nosso país atiçar a inveja em relação aos benefícios alheios é ainda muito mais eficaz do que a acusação de ser-se “vermelho”.
Já tinha escrito sobre o papel de idiota útil que Marinho Pinto tem vindo a desempenhar em todas estas histórias que envolvem o primeiro-ministro. Esta excedeu as minhas expectativas. Acusar a magistratura que querer derrubar José Sócrates só de um Berlusconi à portuguesa.

Mas já agora, não queria que Marinho Pinto ficasse sozinho, acrescentava-lha Miguel Sousa Tavares (MST), que, quanto a mim, depois de ter feito um frete ao primeiro-ministro dando-lhe tempo de antena na primeira entrevista do seu programa, Sinais de Fogo, sai agora em defesa do “honrado” Lopes da Mota, que já em tempos tinha estado envolvido numa história pouco clara com Fátima Felgueiras, e ataca sem despudor os dois magistrados que andam a investigar o caso Freeport. Leia-se (sem link) o último artigo que escreveu para o Expresso, de Sábado passado.
MST, talvez tomado pelo excesso de vendas dos seus livros, tem ultimamente protagonizado algumas afirmações de claro desnorte político. Estou-me a lembrar de quando afirmou que Lula da Silva andava às ordens de Hugo Chávez, porque tinha apoiado o ex-presidente das Honduras, que segundo MST tinha sido muito bem derrubado. Não tenho dúvidas, com o êxito de venda dos seus livros no Brasil, anda a ler demasiado a imprensa de direita daquele país, que é quase toda.
Estes são dois exemplos de gente que parecendo por vezes de esquerda perde completamente o pudor quando se deixa arrastar pelas seus ódios pessoais: Marinho Pinto aos magistrados em geral, MST à autonomia e independência do ministério público que, segundo ele, anda em “roda livre” e devia obedecer às determinações do poder político.

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