Por típica moleza nacional ainda não tinha dado continuidade ao meu texto sobre o artigo de Pacheco Pereira, publicado no Público, de Sábado, 5 de Setembro. Mais rápido do que eu, alguém do blog Spectrum escreveu um post bastante bom sobre ele. Continuo, no entanto, a pensar que aquilo que quero dizer ainda poderá ser novidade e por isso mais uma vez me abalanço a comentar o referido artigo.
Em primeiro lugar, e porque isso tem sido nestas eleições o objectivo da direita, mas igualmente de Sócrates e do PS oficial, a classificação o Bloco e do PCP como os “dois partidos da esquerda mais extrema”. Pacheco Pereira classifica-os logo no título como da “esquerda revolucionária”.
Sócrates pouco incomodado com a fuga improvável de votos para o PCP, mas muito mais atordoado com a possível deslocação para o Bloco, chega mesmo a afirmar que este quer destruir a classe média portuguesa.
O primeiro-ministro segue mesmo aquela máxima que uma mentira repetida mil vezes pode parecer verdade. Assim, salta do frente a frente para declarações em comício e até, pasme-se, para a transcrição do debate, em tempo de antena na televisão, do seu ataque a Francisco Louçã, demonstrando que este, no afã de destruir a classe média, propunha a eliminação das deduções à colecta, o termo mais técnico, das despesas efectuadas com os gastos com a educação e a saúde. Bem pode toda essa retórica ser desmontada aqui, e noutros posts, provando que a proposta do Bloco se assemelhava a outras defendidas pelo cabeça de lista de Sócrates às europeias, Vital Moreira, estas sim bastante mais gravosas para a classe média. Houvesse mais escrutínio e independência jornalística, coisa que o Pacheco Pereira tem vindo a defender para ele e para o seu partido, mas nunca para os outros, que um qualquer órgão de informação teria denunciado esta manipulação do José Sócrates. Bastava fazer uma pequena investigação jornalística e recolher a opinião de alguns fiscalistas. Mas isso era se houvesse seriedade na imprensa.
Um segundo ponto, e este bem mais grave, que ressalta do texto de Pacheco Pereira: estão “ambos no ofício de parecer que são hoje o que não foram no passado próximo. Na verdade, embora o PCP e o BE sejam muito diferentes entre si, pela história, pela composição social, ambos estão como que presos num corpo sem cabeça. O corpo move-se bem, mas a direcção que é suposto ser a cabeça a dar está ausente, porque ambos perderam os "objectivos finais", perderam a grande estratégia, ou não a podem enunciar porque isso pareceria inaceitável em democracia.” E depois Pacheco Pereira enumera tudo aquilo a que eles são favoráveis mas que, por motivos de táctica, são obrigados a esconder. Logo o primeiro exemplo é elucidativo: “ambos desvalorizam as eleições "burguesas", mas estão transformados em partidos eleitorais”. Garante a seguir que eles não agem por “dolo”, mas “porque ficaram perdidos no meio de uma história que os condenou ao "movimento", como dizia Rosa Luxemburgo, e lhe retirou os "objectivos", os "fins", que não só não sabem como não podem enunciar.” É interessante que Pacheco Pereira recorra aqui ao livro de Rosa Luxemburgo Reforma ou Revolução, pondo estes dois partidos ao lado do reformista Eduard Bernstein, que Rosa critica, contra a revolução defendida por esta.
Mas passemos à crítica. Bem pode Pacheco Pereira, mais esperto que alguns dos seus epígonos, garantir que estes partidos não nos andam a enganar, mas que são simples náufragos da história. No entanto, Pacheco Pereira, mesmo que indirectamente, e alguns socialistas mais ousados (um deles já eu referi aqui ) voltam ao local do crime, ou sejam retomam uma velha tese da PIDE, de que os democratas que combatiam o fascismo, eram, na maioria dos casos, criptocomunistas, comunistas escondidos, que dizendo-se defensores da democracia pretendiam estabelecer o “domínio comunista”. Mas Pacheco Pereira ainda é mais rebuscado, e aí perfeito leitor dos Comunicados do Ministério do Interior do tempo de fascismo, é “porque com Louçã há dolo deliberado – ele sabe muito bem o que quer e não o diz –, mas não me parece que o mesmo aconteça com os eleitores do BE.” Ou seja, os chefes sabem muito bem onde querem conduzir as massas ignaras, tal como os agitadores comunistas que na clandestinidade conduziam estudantes, operários e outras grupos para as lutas, sabiam muito bem onde queriam chegar.
Há a seguir esse ataque mais desenfreado ao Bloco, que Pacheco há muito prossegue, associando-o às manifestações contra a globalização, à violência urbana, a todos os desacatos que por esse mundo têm lugar, mas que no nosso país, apesar dos esforços de Pacheco, de certas forças policiais, de alguns governadores civis mais irresponsáveis, e lamentavelmente de alguns meninos anarquistas, nunca se verificaram devido ao serviço de ordem montado e à grande experiência reivindicativa das massas trabalhadores. Assim, diz Pacheco: “em tempos de crise isso faz do BE uma organização que, por onde passa, deixa as sementes de um populismo, que começa na recolha de um voto de protesto radical mas que introduz agressividade e violência na vida política portuguesa. Brinquem e achem graça ao BE e depois queixem-se.” Ou seja, Pacheco, ameaça a burguesia – as classes médias – que se votarem no Bloco e lhe acharem graça, podem amanhã acordar, com os seus carros a serem queimados ou as montras das suas lojas a serem partidas. Já conhecíamos também da PIDE este tipo de prevenções.
Depois Pacheco enumera toda a fraseologia do Bloco e de Louçã, retirando-a do contexto, e explicando às massas o que ela significa e como tudo isto conduz “à repressão em nome da "justiça", dos "pobres", da "igualdade", da "revolução", é inevitável para se manter o "movimento". Perguntem a Chávez.”
Aqui temos o paradigma já não dos comunicados da PIDE, mas da direita americana de que Pacheco tanto gosta, em que tudo o que não se coaduna com a literatura para almas ingénuas, como são as dos políticos americanos, já cheira a fogueira comunista que, como já acabou a União Soviética, é agora encarnada em Chávez.
Se Pacheco Pereira fosse um autor, em relação a esta prosa, para ser levado a sério, dir-lhe-ia, que tudo o que diz não tem qualquer consistência histórica. Não só ao considerar em 2009 o PCP como um partido revolucionário, e muito menos o Bloco de Esquerda, como o de chamar à colação a Rosa Luxemburgo. Esquecendo que na história do movimento comunista já muita coisa se passou depois da Revolução de Outubro. E que um partido como o Bloco de Esquerda já nada tem a ver com essa história, mas sim com os modernos partidos de esquerda, à esquerda da social-democracia, que por essa Europa, com maior ou menor êxito vão despontando, como por exemplo o partido da Esquerda Europeia, de que faz parte o Bloco.
Mas Pacheco Pereira fiel ao anti comunismo nacional, ressuscitando para uso caseiro a velha linguagem, um pouco disfarçada, da PIDE, mais não faz do que atacar o seu principal inimigo, ajustando contas como seu passado, já que o PCP, como objecto do seu trabalho, é melhor preservado dos seus dislates. Pacheco Pereira não perdoa que os da sua classe e profissão, e não o camponês atrasado do Alentejo ou o operário duma indústria em extinção, possam em qualquer altura votar Bloco e não na sua amada líder Manuela Ferreira Leite.
Em primeiro lugar, e porque isso tem sido nestas eleições o objectivo da direita, mas igualmente de Sócrates e do PS oficial, a classificação o Bloco e do PCP como os “dois partidos da esquerda mais extrema”. Pacheco Pereira classifica-os logo no título como da “esquerda revolucionária”.
Sócrates pouco incomodado com a fuga improvável de votos para o PCP, mas muito mais atordoado com a possível deslocação para o Bloco, chega mesmo a afirmar que este quer destruir a classe média portuguesa.
O primeiro-ministro segue mesmo aquela máxima que uma mentira repetida mil vezes pode parecer verdade. Assim, salta do frente a frente para declarações em comício e até, pasme-se, para a transcrição do debate, em tempo de antena na televisão, do seu ataque a Francisco Louçã, demonstrando que este, no afã de destruir a classe média, propunha a eliminação das deduções à colecta, o termo mais técnico, das despesas efectuadas com os gastos com a educação e a saúde. Bem pode toda essa retórica ser desmontada aqui, e noutros posts, provando que a proposta do Bloco se assemelhava a outras defendidas pelo cabeça de lista de Sócrates às europeias, Vital Moreira, estas sim bastante mais gravosas para a classe média. Houvesse mais escrutínio e independência jornalística, coisa que o Pacheco Pereira tem vindo a defender para ele e para o seu partido, mas nunca para os outros, que um qualquer órgão de informação teria denunciado esta manipulação do José Sócrates. Bastava fazer uma pequena investigação jornalística e recolher a opinião de alguns fiscalistas. Mas isso era se houvesse seriedade na imprensa.
Um segundo ponto, e este bem mais grave, que ressalta do texto de Pacheco Pereira: estão “ambos no ofício de parecer que são hoje o que não foram no passado próximo. Na verdade, embora o PCP e o BE sejam muito diferentes entre si, pela história, pela composição social, ambos estão como que presos num corpo sem cabeça. O corpo move-se bem, mas a direcção que é suposto ser a cabeça a dar está ausente, porque ambos perderam os "objectivos finais", perderam a grande estratégia, ou não a podem enunciar porque isso pareceria inaceitável em democracia.” E depois Pacheco Pereira enumera tudo aquilo a que eles são favoráveis mas que, por motivos de táctica, são obrigados a esconder. Logo o primeiro exemplo é elucidativo: “ambos desvalorizam as eleições "burguesas", mas estão transformados em partidos eleitorais”. Garante a seguir que eles não agem por “dolo”, mas “porque ficaram perdidos no meio de uma história que os condenou ao "movimento", como dizia Rosa Luxemburgo, e lhe retirou os "objectivos", os "fins", que não só não sabem como não podem enunciar.” É interessante que Pacheco Pereira recorra aqui ao livro de Rosa Luxemburgo Reforma ou Revolução, pondo estes dois partidos ao lado do reformista Eduard Bernstein, que Rosa critica, contra a revolução defendida por esta.
Mas passemos à crítica. Bem pode Pacheco Pereira, mais esperto que alguns dos seus epígonos, garantir que estes partidos não nos andam a enganar, mas que são simples náufragos da história. No entanto, Pacheco Pereira, mesmo que indirectamente, e alguns socialistas mais ousados (um deles já eu referi aqui ) voltam ao local do crime, ou sejam retomam uma velha tese da PIDE, de que os democratas que combatiam o fascismo, eram, na maioria dos casos, criptocomunistas, comunistas escondidos, que dizendo-se defensores da democracia pretendiam estabelecer o “domínio comunista”. Mas Pacheco Pereira ainda é mais rebuscado, e aí perfeito leitor dos Comunicados do Ministério do Interior do tempo de fascismo, é “porque com Louçã há dolo deliberado – ele sabe muito bem o que quer e não o diz –, mas não me parece que o mesmo aconteça com os eleitores do BE.” Ou seja, os chefes sabem muito bem onde querem conduzir as massas ignaras, tal como os agitadores comunistas que na clandestinidade conduziam estudantes, operários e outras grupos para as lutas, sabiam muito bem onde queriam chegar.
Há a seguir esse ataque mais desenfreado ao Bloco, que Pacheco há muito prossegue, associando-o às manifestações contra a globalização, à violência urbana, a todos os desacatos que por esse mundo têm lugar, mas que no nosso país, apesar dos esforços de Pacheco, de certas forças policiais, de alguns governadores civis mais irresponsáveis, e lamentavelmente de alguns meninos anarquistas, nunca se verificaram devido ao serviço de ordem montado e à grande experiência reivindicativa das massas trabalhadores. Assim, diz Pacheco: “em tempos de crise isso faz do BE uma organização que, por onde passa, deixa as sementes de um populismo, que começa na recolha de um voto de protesto radical mas que introduz agressividade e violência na vida política portuguesa. Brinquem e achem graça ao BE e depois queixem-se.” Ou seja, Pacheco, ameaça a burguesia – as classes médias – que se votarem no Bloco e lhe acharem graça, podem amanhã acordar, com os seus carros a serem queimados ou as montras das suas lojas a serem partidas. Já conhecíamos também da PIDE este tipo de prevenções.
Depois Pacheco enumera toda a fraseologia do Bloco e de Louçã, retirando-a do contexto, e explicando às massas o que ela significa e como tudo isto conduz “à repressão em nome da "justiça", dos "pobres", da "igualdade", da "revolução", é inevitável para se manter o "movimento". Perguntem a Chávez.”
Aqui temos o paradigma já não dos comunicados da PIDE, mas da direita americana de que Pacheco tanto gosta, em que tudo o que não se coaduna com a literatura para almas ingénuas, como são as dos políticos americanos, já cheira a fogueira comunista que, como já acabou a União Soviética, é agora encarnada em Chávez.
Se Pacheco Pereira fosse um autor, em relação a esta prosa, para ser levado a sério, dir-lhe-ia, que tudo o que diz não tem qualquer consistência histórica. Não só ao considerar em 2009 o PCP como um partido revolucionário, e muito menos o Bloco de Esquerda, como o de chamar à colação a Rosa Luxemburgo. Esquecendo que na história do movimento comunista já muita coisa se passou depois da Revolução de Outubro. E que um partido como o Bloco de Esquerda já nada tem a ver com essa história, mas sim com os modernos partidos de esquerda, à esquerda da social-democracia, que por essa Europa, com maior ou menor êxito vão despontando, como por exemplo o partido da Esquerda Europeia, de que faz parte o Bloco.
Mas Pacheco Pereira fiel ao anti comunismo nacional, ressuscitando para uso caseiro a velha linguagem, um pouco disfarçada, da PIDE, mais não faz do que atacar o seu principal inimigo, ajustando contas como seu passado, já que o PCP, como objecto do seu trabalho, é melhor preservado dos seus dislates. Pacheco Pereira não perdoa que os da sua classe e profissão, e não o camponês atrasado do Alentejo ou o operário duma indústria em extinção, possam em qualquer altura votar Bloco e não na sua amada líder Manuela Ferreira Leite.
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