30/09/2009

Uma "extraordinária vitória"


Com um pouco de atraso, aqui vai mais uma interpretação dos resultados das eleições.

José Sócrates na noite de Domingo, cheio de entusiasmo, clamou que o PS tinha tido uma “extraordinária vitória”. Ora, depois de conhecidos os resultados a “extraordinária vitória” consistiu na perda de cerca de 500 mil votos e de 8,5% de votantes, em relação às legislativas de 2005 (45,03%), ou então, por ter ficado abaixo dos resultados de 2002 (37,79%), quando o PS era chefiado por Ferro Rodrigues e perdeu as eleições para Durão Barroso. Ou ainda, por ter ficado entre 2 a 4% abaixo do que aquilo que as sondagens lhe davam no final da campanha. Tenho para mim que a “extraordinária vitória” se ficou a dever a ter quebrado o enguiço das europeias, que o PS sempre garantiu que eram eleições de natureza diferente.
Mas desfeito este equívoco da “extraordinária vitória”, que mesmo assim alimentou quase toda a noite informativa, vamos ao que interessa. O PS ganhou, mas ficou muito fragilizado em relação às maiorias relativas de Guterres. Sócrates tem de facto que fazer algum jogo de cintura se quer sobreviver, pelo menos, durante os dois anos iniciais, que normalmente se vaticina que dure esta legislatura.
O principal facto é que tem que contar com a participação activa de um partido à sua esquerda para derrotar qualquer proposta do PSD(78)+CDS(21), já que estes dois partidos tiveram juntos mais deputados que o PS(96).
Como conclusão geral pode-se dizer que o PS perdeu para todos, até para o PSD que subiu algumas décimas (0,3 % e 7000 votos) em relação às eleições de 2005, em que Santana Lopes foi derrotado.
Isto é o resultado de uma Governação desastrosa, que não teve mais repercussão eleitoral, porque o PS encontrou pela frente um PSD incapaz, gerido por uma senhora incompetente, que defendeu em campanha coisas indefensáveis. A sua insistência na “asfixia democrática”, que suspeito que foi bichanada por Pacheco Pereira, o homem que vê sempre em tudo a mão perigosa dos socialistas e dos seus media completamente anestesiados, o que sendo verdade, não pode ser tema único de campanha, ainda por cima dando como exemplo as escutas ao Director do Público, que no mesmo dia foram desmentidas pelo próprio.
Não quero subestimar, porque isso foi visível, o papel que tiveram algumas notícias assassinas, como o e-mail, publicado no Diário de Notícias, para a derrota do PSD. E isso deve-se à boa agência de comunicação do Governo.

O PSD sendo o derrotado da noite, nunca percebeu que tinha que estancar à sua direita a fuga para o CDS, permitindo assim, tal como o fez o PS, que Paulo Portas actuasse em roda livre, sem qualquer crítica, excepto aquelas que lhe fez o Bloco no final da campanha. Bastava que o CDS baixasse um pouco a sua votação, para que o PSD, com os votos fugidos para aquele partido, já pudesse fazer algum peito ao PS.
O PSD vai ter uma vida difícil no Parlamento, apesar da sua líder parece ter já dito que irá abster-se no primeiro orçamento do PS, garantindo assim ao Governo deste partido uns segundos mais de vida.

A subida do CDS fica-se a dever não só à incompetência do PSD, mas acima de tudo a uma perigosa situação que se verifica em tempos de crise económica, que é a deslocação de franjas da população para soluções e propostas da extrema-direita. Dirão que Portas não é Le Pen, mas o tema dos imigrantes andou na campanha, o dos ciganos também e o do rendimento mínimo nacional e dos preguiçosos que não querem trabalhar foram igualmente falados. Nos últimos dias, Portas percebendo que podia passar à frente do Bloco, desencadeou uma feroz campanha anti-comunista, já por mim referida aqui.
Por outro lado, devido ao nosso sistema de círculos eleitorais, com uns com muitos votantes e outros com poucos, o CDS, com mais 0,7% de votos que o Bloco, conseguiu mais cinco deputados. Isto sucede porque o Bloco teve muitos votos inúteis em círculos onde não conseguiu eleger deputados, ao passo que o CDS teve essa possibilidade. O mesmo sucedeu em relação ao PCP, pois uma diferença favorável ao Bloco de 2%, só se traduziu em mais um deputado: o Bloco teve 16 e o PCP 15.

Quanto ao PCP aconteceu-lhe aquilo que ultimamente lhe tem sucedido, sobe 0,6% e mais 30 mil votos e considera que se reforçou e teve um bom resultado. No PCP acontece aquilo que sucede àquelas equações que tendem para o infinito mas que nunca o atingem. Assim, o PCP está sempre a subir mas nunca atinge uma votação expressiva como já teve no passado. O drama do PCP é que não consegue capitalizar em votos o descontentamento popular de que ele é o principal organizador. Este é um problema que devia afligir os seus dirigentes, que depois se permitem declarar que o PCP não é um partido eleitoralista. Mas sem votos nunca se vai lá.

Em relação ao Bloco houve de facto diversos problemas que toldaram a sua vitória indiscutível. Primeiro ficou a duas décimas dos dois dígitos, o que, como se verificou com o CDS, daria para inchar as suas velas. Mas o pior foi ter ficado atrás do CDS, diminuindo desse modo o alcance dos resultados obtidos. Por outro lado, como já se viu, foi prejudicado na tradução do número de votos em deputados, ficando assim impossibilitado de poder, se quisesse, viabilizar legislação que fosse comum ao PS e ao Bloco. Deste modo, fica sempre dependente do PCP para encontrar soluções legislativas. O PCP dirá que é um bem, eu não acho, conhecendo a retórica oposicionista daquele partido.
Quanto à sua linguagem, penso que em certas alturas seria bom que tivesse maior contenção na apologia das suas vitórias, que, como se viu no final da noite eleitoral, não corresponderam às declarações iniciais de ser a terceira força política do país.
Penso que o Bloco terá neste momento que repensar quase toda a sua actuação. Primeiro, tendo em atenção que hoje as forças dominantes (veja-se as declarações do patrão dos patrões) viraram contra ele todas as suas baterias, terá que pensar bem no que diz e no que propõe, pois o seu programa será esmiuçado até ao último pormenor. Segundo, ter consciência que o seu eleitorado é mais volátil do que o do PCP e por isso tanto pode continuar a subir, como de repente ter uma quebra acentuada. Terceiro, tem que estabelecer uma clara política de contactos e alianças com possíveis forças emergentes à esquerda, que possam representar um aumento da sua influência política e eleitoral. A “esquerda grande” tem que ter conteúdo. O bloco social das camadas e estratos da esquerda tem que encontrar a sua representação política. Nesse aspecto, são indispensáveis os contactos com a esquerda do PS e com o conjunto de pessoas sem partido, que estão disponíveis para actuar conjuntamente com o Bloco.
Tenhamos em atenção, e isso é um facto que pouca gente realça, é que ainda em 1987 o PCP tinha 12,14 % de votos. Ora todos os eleitores que deixaram de votar naquele partido e que se refugiaram na abstenção ou no PS devem ser recuperados para o Bloco. Não é por acaso que quando fui à sessão da Aula Magna encontrei tantos velhos ex-militantes do PCP, que de certeza estavam em transição do voto do PS para o Bloco. Apesar dos anos e da lei da vida poder ter alterado um pouco esta realidade, há que recuperar os antigos votantes do PCP, que infelizes, mas sem alternativa, votavam PS, já que aqueles que votam CDU continuam a votar nela.

Parece-me pois que o se retira destas minhas apreciações é que não antevejo grande futuro em compromissos com Sócrates, mas que temos que preparar o futuro para o pós-socratismo.
PS. (30/09/09): como o post foi redigido um pouco à pressa, foram cometidos alguns erros de concordância gramatical. Espero que os principais tenham sido agora eliminados.

2 comentários:

Operário em luta disse...

-Por estranho que pareça eu até fiquei triste ao quadrado,

1º Porque O zé povo foi na conversa do Paulinho SS ou seja Sobreiros da mãe e Submarinos do pai.

2º Pelo berloques de Esquina não ter conseguido fazer maioria com ps,d socratino. Se isto no mínimo tivesse acontecido...
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-Sinceramente, tive mesmo muita pena do Chico Bazofias Louçã -...aquilo é que ele ia lançado... até já demitia ministros e tudo, pareceu-me mesmo o Pinto da Costa.

-Não ficar não digo como terceira força politica seja lá o que isso queira dizer???? mas sem a possibilidade de fazer maioria com PS,d ----isso foi um desastre para o Chico e para mim, por estranho que pareça.
-Não digo mais porque o setôr sabe perfeitamente que este resultado obtido pelo berloques serve ás mil maravilhas para continuar a malhar no PCP, por mais algum tempo claro.

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Atenção camaradas
-Continuamos em Estalinegrado resistindo e preparando a ofensiva.
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Luis disse...

Pode o Jorge explicar o "fenómeno" de nas eleições de há 14 anos (1995) o somatório dos 112 deputados do PS + 15 deputados da CDU ser exactamente igual aos dos 96 deputados do PS + 16 deputados do BE + 15 deputados da CDU? Isto é, quer em 1995 quer em 2009 o número de deputados eleito é exactamente o mesmo, 127.

Quem é que está hoje mais fragilizado? Não é a CDU, de certeza. Manteve os seus eleitos apesar de ter mais um a morder-lhe as canelas.