15/12/2008

Fórum das Esquerdas: nova reconfiguração das esquerdas ou simples debate entre cidadãos interessados


Tal como fiz em relação a outros eventos que ultimamente têm vindo a acontecer nesta cidade e todos eles relacionados com a esquerda, também achei oportuno fazer um pequeno relato desta iniciativa que teve lugar na Cidade Universitária, aqui no entanto mais empenhado e provavelmente menos imparcial.

O nome Fórum das Esquerdas, assim chamado penso que pelos próprios ou pelos media, não constava da convocatória que apelava à participação em debates temáticos e numa sessão de encerramento na Aula Magna, com a participação de diferentes oradores, incluindo Manuel Alegre. Todas estas acções estavam agrupadas sob o nome genérico de Democracia e Serviços Públicos. Este aspecto é aqui referido porque o nome Fórum das Esquerdas fez caminho e vai ser por esta designação por que vai ficar conhecido e não por aquela com que foi inicialmente baptizado.
Isto tem alguma importância, porque transforma uma sessão onde um grupo de cidadãos interessado pela coisa pública debatem Serviços Públicos, num fórum onde um conjunto de homens de esquerda e claramente filiados em diferentes organizações políticas debatem aquele tema, com vista a uma saída política de esquerda para o país. Neste aspecto este fórum parece-me ser bastante importante, porque agrupa debaixo do mesmo tecto gente que vem do Bloco de Esquerda, que já é em si uma força bastante heterogénea, socialistas ditos de esquerda, que se revêem em Manuel Alegre, e comunistas renovadores e outros que, já tendo deixado o PCP, procuram uma nova força onde se ancorar.
Um fenómeno semelhante ao que se traduziu, noutras circunstâncias e com outros objectivos, mas sem o BE, na expressiva votação de Manuel Alegre para a Presidência da República, e que levou a Direcção do Bloco e o deputado do PS a iniciarem contactos, a que se juntou outra gente de esquerda desejosa de forçar a unidade, dando voz a um bloco social que não se revê nas políticas neo-liberais do PS de Sócrates.
Projectos deste tipo não são novos, e já foram defendidos, mais que não seja encapotadamente, pelo PCP quando apostou bastante no PRD de Ramalho Eanes e depois, na eleição para Presidente da República, em Salgado Zenha. Podemos dizer que nesse tempo a operação foi bem mais perigosa, já que Ramalho Eanes e o seu partido não teriam a consistência política de esquerda que esta facção do Manuel Alegre representa.
Isto é aqui referido, dado que o PCP tem reagido a estes encontros como virgem ofendida, como se nunca tivesse pecado, na procura de unidade com outras forças que, no caso anteriormente referido, eram bem mais instáveis e controversas, como depois se veio a verificar, do que esta esquerda do PS.
Isto não significa que eu achasse que o PCP não devia ser convidado, mesmo se fosse para demonstrar, a quem ainda tivesse dúvidas que, na situação actual, é impossível qualquer movimento de unidade com este PCP.
É evidente que o problema do PCP e das suas reacções é bem mais complexo do que a simples acto de convidá-lo ou não e das opiniões do Jerónimo de Sousa em cima dos acontecimento, mas isso será matéria para outro post.

Assisti de manhã ao painel sobre economia. João Rodrigues, um dos autores do blog Ladrão de Bicicletas, e renovador, abriu o debate com uma bela intervenção sobre os serviços públicos.
Assim, fez uma distinção entre aquelas empresas que estão viradas para a produção de bem transaccionáveis e as que adquiriram bens que eram considerados de interesse público e que foram parar às suas mãos como resultado da sua privatização. As primeiras seriam empresas que produzem produtos que de um modo geral são exportáveis, favorecendo por isso o nosso comércio externo e o nosso desenvolvimento e as outras, que fariam parte daquilo que ele chama um capitalismo predador, dedicam-se unicamente a explorar os bens públicos, que o Estado privatizou. É o caso das empresas que exploram as auto-estradas, a energia, as telecomunicações, os transportes, a construção civil, etc. que não desenvolvem riqueza, exploram normalmente o sector em regime de monopólio e garantem uma renda regular. São, segundo ele, grupos privados que vivem à custa do Estado, praticam uma forma de rentismo (de renda).
João Rodrigues acabou afirmando que aquilo que distingue a esquerda da direita, não é que esta queira menos Estado, mas que este lhe facilite a entrega dos bens públicos, teríamos assim, segundo o autor, um Estado predador. Em oposição teríamos um Estado estratega que controlasse e dirigisse os serviços públicos e facilitasse o desenvolvimento das empresas que produzem bens transaccionáveis.
Depois tivemos Alexandre Azevedo Pinto que fez uma intervenção sobre a pobreza em Portugal, apresentando dados bastante alarmantes, e o modo como podíamos sair dela através da inovação social.
A seguir interveio José Reis que, na linha da de João Rodrigues, desenvolveu igualmente a ideia de que aquilo que a direita quer é um Estado regulador com punhos de renda, só para suprir aquilo que o mercado não fazia. Mas que neste momento falhou. A má qualidade dos serviços que são geridos pelos privados é disso um exemplo. O capital abriga-se nos sectores protegidos, nos bens não transaccionáveis. Os capitalistas empreendedores que, como o Belmiro, produziam aglomerados de madeira, passaram a entrar nas actividades protegidas, como sejam os centros comerciais ou as telecomunicações.
Jorge Bateira traçou um panorama arrasador sobre as novas propostas para a Administração Pública. Desmantelou-se a função pública herdada do passado pela criação daquilo que se chama a Nova Administração Pública, que, por exemplo, nos Estados Unidos foi um fracasso. Acabaram-se com regras e regulamentos, que se consideraram desnecessários, importaram-se técnicas de gestão do sector privado.
Em Inglaterra, o novo trabalhismo, introduziu a nova administração pública que foi igualmente um fracasso, com os serviços prestados a serem muito piores. Defendeu que se deve sair do binómio serviços públicos esclerosados versus nova administração pública e sim criamos um serviço público que ouça os funcionários e discuta com eles os problemas.
Por último, tivemos a intervenção de André Freire que insistiu na diferença entre esquerda e direita e o papel que cada uma atribui ao Estado. Está de acordo com as diferenças estabelecidas por João Rodrigues. Destacou, como exemplo, aquilo que o Compromisso Portugal propõe que é o acesso do capital privado à saúde, à educação, às universidades, etc.
Tracei este breve panorama do debate sobre Economia por me parecer importante. Como sempre, em iniciativas deste tipo, com diferentes painéis, é difícil saber quais os que foram mais motivadores, dado que é pouco produtivo andarmos a saltitar de painel em painel.
À tarde assisti ao painel referente ao Trabalho. Cheguei já tarde, não trazia nem papel nem caneta para tomar notas, como tinha feito de manhã. As intervenções, que estiveram a cabo de Elísio Estanque, Jorge Leite e Mariana Aiveca, foram quase exclusivamente sobre o novo Código do Trabalho. Jorge Leite chegou mesmo a classificá-lo como um retrocesso civilizacional. Depois do que ouvimos ficamos perfeitamente esclarecidos sobre os objectivos do Código e de quem o propôs, o PS de Sócrates.
Carvalho da Silva, utilizando o seu papel de moderador deste painel, interveio igualmente na denúncia do Código de Trabalho e realçou um dado importante que é o desprezo do primeiro-ministro pelos sindicatos, considerando-os organizações “do passado”, que já não teriam razão de ser. O dirigente da INTERSINDICAL considerou que pensando assim era impossível qualquer diálogo produtivo com o primeiro-ministro.
Às cinco horas da tarde estava prevista iniciar-se a sessão na Aula Magna. Esta não encheu, mas estava razoavelmente composta por participantes bastantes entusiastas, que pontuaram todas as intervenções com grandes salva de palmas.
Falou em primeiro lugar a célebre Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária Infanta D. Maria (Coimbra), que se encontra em primeiro lugar no ranking das escolas públicas. A sua intervenção foi toda ela dirigida para a luta dos professores e para a denúncia das malfeitorias praticadas pelo actual Ministério da Educação. Seguiu-se a de Ana Drago, com um discurso um pouco poético sobre a situação política actual. Por último, a intervenção de Manuel Alegre, acutilante e pondo a questão da necessidade de unir as esquerdas e de "a reconfiguração da esquerda implicar a capacidade e a vontade de construir uma perspectiva alternativa de poder." Citou o exemplo das políticas de Roosevelt, com o New Deal, ou da Frente Popular em França, com o Governo de Léon Blum. Manifestou a sua solidariedade aos militantes socialistas que são vítimas e que lutam contra as políticas desastrosas e neo-liberais do actual Governo de Sócrates, e considerou que a nova "reconfiguração da esquerda não se fará sem os eleitores, simpatizantes e militantes do Partido Socialista". Reforçou a ideia de que a esquerda não é unicamente um contra-poder, não é “só a coragem de resistir e persistir, de que muitos de nós temos experiência, mas a coragem de virar a página e construir uma nova esperança e uma nova alternativa”. Considerou que ninguém “é proprietário da esquerda, ninguém tem o monopólio da verdade, ninguém é dono do futuro”. Discurso a prenhe de consequências, que estabelece uma clara ruptura com as políticas do PS de Sócrates e que faz a ponte para possíveis desenvolvimentos desta atitude.
Feito este relato, as conclusões que se podem tirar deste encontro é que ele poderá favorecer, assim tenha desenvolvimentos positivos, a unidade à esquerda e de provocar dentro do PS uma ruptura com as políticas que têm vindo a ser seguidas por Sócrates, lesivas do interesse das populações.
É evidente que nada disto está consolidado, que não são favas contadas e que pode também suceder que este espaço de diálogo não passe disso mesmo, ou seja, que se resuma unicamente à troca de opiniões de um conjunto de cidadãos preocupados com a coisa pública. A ver vamos.

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