09/03/2009

Quando as comadres se zangam

Dada a minha proverbial prolixidade em relação aos assuntos que abordo perco normalmente a oportunidade falar neles quando acontecem, assim para manter o meu blog com novos posts recorro frequentemente a pequeno vídeos e agora até a fotografias. Por isso, quando me preparava para “malhar”, uma expressão que agora está muito em moda, mais uma vez num post de Rui Bebiano, que tinha lido, sem saber de quem era, em o Tempo das Cerejas, e que tinha considerado bastante reaccionário, reparo que já tinha sido ultrapassado pelos acontecimentos. É que a seguir a este já tinham sido publicados outros dois (ver aqui e aqui) tão reaccionários como o anterior, o que me levou a pensar que o autor ou se tinha definitivamente passado dos carretos ou então se comprazia no deleite de provocar os seus leitores de esquerda. Por isso, achei por bem não gastar mais cera com tão ruim defunto, ou seja, deixar de comentar os seus posts tal como não faço com os do 31 da Armada, do Blasfémias ou do Atlântico.
Resolvi, por isso, abordar uma zanga de comadres que tinha assistido na última quinta-feira na Quadratura do Círculo e que, apesar de já terem passado uma série de dias, me apetece comentar dado a sofreguidão com que António Costa defendeu o seu líder e como todos, com um sorriso nos lábios, estiveram de acordo com as boçalidades com que Costa mais uma vez mimoseou o Bloco de Esquerda.
A Quadratura do Círculo, quando começou há muitos anos na TSF com outra designação, tinha como intervenientes, que eu me recorde, o Pacheco Pereira, o único que se manteve fiel ao formato, alguém do CDS e o José de Magalhães, ainda deputado do PCP. O PS estava ausente, penso que representado pelo coordenador. Depois o José Magalhães, sem sair do Parlamento, mudou-se para a bancada do PS e o programa nunca mais teve ninguém à esquerda deste partido. O que neste momento se torna profundamente injusto dado que uma corrente de opinião, com mais de 20% de intenções de voto (Bloco de Esquerda mais PCP), está completamente ausente de um programa de discussão política. Este facto permite a manutenção do stato quo dominante, expresso por Pacheco Pereira, em nome do PSD, é verdade que nem sempre alinhado, por Lobo Xavier, em nome do CDS, dizendo praticamente os dois a mesma coisa, contra um PS oficial representado por um peso pesado, António Costa, que raramente foge à versão oficial dos acontecimentos.
Na Quadratura desta semana o único tema abordado foi o Congresso do PS. Pacheco Pereira iniciou as hostilidades com o ataque ao discurso que Sócrates pronunciou no primeiro dia, aquele em que ele atacou a imprensa, principalmente o Público e a TVI, e se vitimou, garantindo que havia contra ele uma campanha negra. Depois Lobo Xavier comparou o discurso do Primeiro-Ministro ao dos autarcas corruptos, quando dizem que está nas mãos do povo a decisão da sua continuação no Governo, e não nas mãos de “um qualquer director de jornal ou de televisão”. Já se sabe que o caso Freeport veio novamente à baila e aí António Costa contra-ataca e as coisas começaram a azedar. Costa, invocou o comunicado da Procuradoria, e hoje percebe-se o alcance daquele comunicado, dizendo que as Autoridade Judiciais não consideravam José Sócrates nem suspeito, nem arguido, nem sequer que estivesse a ser investigado e quem falasse no Freeport alinhava na campanha negra que aqueles media estavam a desencadear contra o Primeiro-ministro.
Para um observador distraído estas personagens pareciam estar muito zangadas. Já assisti na Assembleia Municipal de Lisboa a troca de acusações entre deputados do PSD e do PS que dariam, na vida real, para os intervenientes chegarem a vias de facto ou para nunca mais se falarem e não é que depois os encontro nos corredores em amena cavaqueira uns com os outros, como se nada se tivesse passado. Por isso, apesar do ar zangado de António Costa e principalmente de Lobo Xavier acabou tudo em bem, quando António Costa, dizendo que nisso convergia com o Pacheco Pereira, começou mais uma vez a malhar no Bloco de Esquerda.
Por último duas coisas marginais ao debate. António Costa veio recordar a expressão “um voto na AOC era um espinho cravado na garganta do Cunhal”, que eu referi a propósito da crítica que fiz a um post de Rui Bebiano. A associação de ideias tinha a ver com Espinho, o local onde se tinha realizado o Congresso do PS.
A segunda foi Costa ter afirmado que aderira ao PS, e à sua “luta pela liberdade”, quando este desencadeou o caso República. Triste exemplo este. Hoje sabe-se que o PS utilizou este caso, que nada teve a ver com o PCP, para nacional e principalmente internacionalmente desencadear um campanha mentirosa contra os comunistas que estariam a cercear a liberdade de imprensa em Portugal, aproveitando-se, é certo, da má fama que estes tinham noutros países.
PS. (10/03/09): ao contrário do que costuma aparecer nos media não existe o termo vitimização e vitimizar como eu escrevi neste post e em anteriores, mas sim vitimação e vitimar. Neste ainda resolvi fazer a correcção, em relação aos outros espero que os meus leitores que me desculpem mas que façam eles a alteração.

6 comentários:

Porfirio Silva disse...

Olhando só para a notazinha final: segundo o dicionário que uso com mais frequência (mas frequência ainda assim menor do que a aconselhável), que é o Houaiss, vitimar e vitimizar são sinónimos, sendo a variante tão admissível como a fórmula canónica.
Além disso, faz algum sentido o uso corrente, já que permite distinguir entre fazer vítima outra pessoa (vitimar) e fazer-se de vítima o próprio (vitimizar-se).
Assim, uma latitude permitida pelo dicionário acaba por acobertar uma distinção que faz sentido. Não lhe parece?

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Jorge.

Só um pequeno àparte.

Parece-me que usa alguma ligeireza na qualificação que faz do Rui Bebiano, apelidando-o de reaccionário, assim do pé para a mão, sem demonstrar no quê residiria a sua reaccionarice. Infiro que seja pelo seu anti-comunismo.

E acho interessante você qualificar de reaccionário um texto do citado blogger e não tecer qualquer comentário ao texto do Vitor Dias que o comentava, no qual este afirma ser o PCP "partido da classe operária e de todos os trabalhadores", definição identitária que "não só não é incompatível como exige mesmo a capacidade, vontade ou ambição de representar os interesses de outras classes e camadas sociais não-monopolistas".

É caso para perguntar: que comunismo é esse que defende "os interesses de outras classes e camadas sociais não monopolistas", incluindo a burguesia não monopolista? É o comunismo de "todo o povo", decretado durante a ditadura brejneviana e que está sendo levado à prática na sua melhor expressão pelo PC Chinês? Que tem esta concepção do comunismo a ver com o marxismo ou com o marxismo-leninismo?

Este mau hábito de qualificar de reaccionário quem não é comunista é típico do PCP. Julguei que os seus dissidentes tivessem já clarificado um pouco mais as ideias, ao ponto de abandonarem o arsenal de epítotes com que o PCP costuma mimosear os seus adversários. Pelos vistos, enganei-me.

E que qualificativo aplicar aos "comunistas" que pretendem que o "partido comunista" represente e defenda os interesses de "outras classes e camadas sociais não monopolistas"? Ortodoxos, hereges, renovadores ou qualquer outra coisa? Seria interessante que nos elucidasse sobre o que são, Jorge. Não vá a gente, inadvertidamente, qualificá-los de reaccionários...

JMC.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Resposta ao Porfírio da Silva.
Obrigado pelo seu comentário. Sempre que escrevia “vitimizar-se” no computador o corrector ortográfico acusava erro, por isso fui consultar o Houaiss e outros dicionários e em nenhum encontrei o termo “vitimizar”. Pensei que era erro meu e da maioria dos comentadores e jornalistas que normalmente falavam sobre o assunto. Depois de ler o seu comentário fui outra vez ao Houaiss e reparei que no fim da entrada de “vitimar” se afirmava que havia a variante “vitimizar”. Por isso tenho que retirar o que disse, ou seja, é admissível escrever-se “vitimizar-se”. No entanto, não sendo eu especialista em português, sendo até da área das ciências, parece-me que o exemplo que deu não é correcto, pois se disser “vitimar-se” já se está a referir ao próprio. Se eu ainda me lembro o pronome reflexo “se” tornava o verbo reflexo, ou seja, que a acção do sujeito se refere a si mesmo.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Quanto ao JMC

È evidente que eu sou muito lesto a classificar certos intervenientes nestas discussões com determinados epítetos. Tenho sido bem criticado por isso. Mas, se quiserem, podem também fazer o mesmo comigo.
Neste caso, o problema não estava no texto do Vítor Dias, que evidentemente simplifica, à maneira do PCP, esta problemática. Como já deve ter lido alguns dos meus posts reparará que não sou nada meigo para algumas das intervenções mais sectárias daquela banda. O que estava em causa era um texto inicial do Rui Bebiano, que na sua ânsia de se demarcar, coisa que ele aconselha vivamente ao Bloco de Esquerda, dos comunistas do PCP, acaba por cair em afirmações reaccionárias e na maioria dos casos de grande ligeireza e de pouca profundidade, que se assemelham muitas vezes às grosserias que a direita escreve naqueles blogs que eu referi.
A ideologia que percorre os textos de Rui Bebiano, não tem só a ver com os ataques ao PCP, que poderiam ser compreensíveis, mas se tem seguido os seus textos, há um fundo comum que assenta na ruptura absoluta com quaisquer influências da Revolução de Outubro, ou seja, a esquerda teria que romper com o passado comunista, seja ele qual for, considerado uma prevalência totalitária. No fundo Rui Bebiano poderia apadrinhar, com algumas demarcações em relação ao capitalismo, a historieta que eu transpus de Domenico Losurdo sobre a democracia que tinha sido, durante o século XX, atacada por dois brutamontes, os comunistas e o nazi-fascismo. Portanto, nada disto tem a ver com o PCP ou as boutades mais menos disparatadas dos seguidores do “marxismo-leninismo” oficial. Aquilo que eu quis afirmar é que depois de tudo o que tinha lido de Rui Bebiano achava que não valia a pena continuar a criticar as suas opiniões, porque considerava que o autor se comprazia em provocar aqueles que à esquerda, têm um pensamento comunista, mesmo que nada tenha a ver com o PCP.
Depois temos a facete mais grave de Rui Bebiano que tem a ver com as referências ao confronto da civilização ocidental com o fundamentalismo muçulmano, tudo isto visto pelos olhos de um grande conservadorismo, não assumido, que chega ao ponto de traçar uma história da humanidade, mesmo em termos de graçola, que é de um simplismo aterrorizador. Para não esquecer as posições que assumiu a quando da destruição de Gaza pelos israelitas.
Mas tal como eu não pretendo voltar ao tema Rui Bebiano, espero que os meus leitores não me obriguem a regressar a ele.

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Oh! Jorge. Quem sou eu, de entre os seus leitores, para forçá-lo a voltar ao tema! Longe de mim tal intenção. O que pretendia dizer já disse. E embora a sua resposta seja reveladora das suas confusões e da injustiça das suas apreciações, não pretendo demovê-lo.

As nossas opiniões valem o que valem, valor distinto do que cada um atribui às suas, mas é sempre bom confrontá-las, para fazermos avaliações mais equilibradas, menos distorcidas. Há muita gente que não pensa assim. É a vida.

Se não pretende ver as suas confrontadas com as dos leitores, ou mesmo refutadas, tem sempre a possibilidade de fechar a caixa dos comentários ou de seleccionar os comentários mais consentâneos com a sua bitola de tolerância. Pode ser cómodo, mas desconhecer as opiniões dos leitores não o ajudará em nada a moderar as suas.

JMC.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Nada tenho contra o confronto de ideias, simplesmente sobre este caso que envolve uma terceira pessoa, que também é blogger, parece-me pouco ético estar-mos a discutir as suas opiniões sem ela interferir. Eu reconheço que fui eu que comecei e que portanto tenho que me sujeitar às opiniões de terceiros, mas gostaria, para não agravar mais o meu desacordo com as opiniões de Rui Bebiano, de não me pronunciar mais sobre elas. Mas se quiser criticar o texto anterior terei muito gosto em continuar a discussão, até porque gostaria de conhecer as minhas “confusões” e “injustiças”.