02/01/2010

Estaline, mais uma vez


Num fórum de discussão a que eu, como já vos informei, também integro, foi dada uma informação muito curiosa. Num site, denominado Para a História do Socialismo, que eu penso que pode ser conotado com gente ligada ao PCP, apareceu um texto, colocado na zona da Biblioteca, chamado Um outro olhar sobre Stáline, de Ludo Martens, que é a tradução portuguesa do texto que apareceu em francês, num site com este interessante nome communisme-bolchevisme - altermondialisme, trotskisme et maoïsme contre marxisme-léninisme, e que pode ser visto aqui. Já se percebeu que o texto é uma apologia do estalinismo.
Mas o mais interessante disto tudo, é que foi dito nesse fórum, e foi confirmado num artigo que Paulo Fidalgo escreveu para o site da Renovação Comunista, que foi impressa uma edição de 500 exemplares do texto publicado na Internet, com prefácio de Carlos Costa, e que não teve distribuição comercial. Não sei como se pode obtê-la, nem nunca vi o livro.
Posteriormente, em comentário ao post de Fidalgo, alguém diria que Costa já não podia ser conotado com a direcção do PCP, dado que no último Congresso daquele partido tinha sido afastado do Comité Central contra sua vontade. Esta notícia pode ser consultada no site referido no comentário.
Por esta altura também e sem o carácter clandestino do livro de Ludo Martens, foi publicado em Beja, pela Cooperativa Cultural Alentejana CRL, Fuga da História? A revolução russa e a revolução chinesa hoje, de Domenico Losurdo, tradução de José Colaço Barreiros. O site de ODiário, também patrocinador da edição, reproduz o seu capítulo IV, Os anos de Lenine e Estaline. Um primeiro balanço, e indica onde o mesmo pode ser adquirido.
Domenico Losurdo é habitualmente publicado por aquele site, bem como pelo resistir.info. Neste pode encontrar igualmente o capítulo 2 do livro, mais um fotografia da sua capa e a lista dos artigos de Losurdo já publicados por aquele site. A publicação do livro mereceu igualmente uma pequena referência noticiosa no Avante.
A propósito de uma conferência de Losurdo em Lisboa já publiquei um post sobre a mesma, bem como a sua bibliografia em italiano e a que está traduzida no Brasil.
Este mesmo autor publicou recentemente um livro sobre Estaline, em italiano, que mereceu este comentário de Miguel Urbano Rodrigues em o site ODiário

Por tudo que escrevi, parece-me que as análises, umas encomiásticas, outras mais comedidas, a Estaline começam a progredir, primeiro na blogosfera e depois em formato mais íntimo, em edição impressa. No entanto, que fique claro, por tudo aquilo que tenho lido e ouvido de Losurdo e o pouco que li de Ludo Martens, há grandes diferenças entre eles, o primeiro é um académico reputado, com obra feita, e o segundo é um dirigente político de um pequeno partido maoista belga, o Partido dos Trabalhadores da Bélgica, que parece que anda a apelar à união de todos os partidos que se reivindicam do marxismo-leninismo (ver a Wikipedia)


Feita esta pequena introdução e porque na altura em que se debateu a questão Estaline no fórum eu escrevi um texto sobre este mesmo assunto, entendi que vos devia também transmitir estas minhas reflexões pessoais que muito provavelmente foram feitas em resposta a algumas das interrogações que lá se levantaram.
Entendo eu que a questão de Estaline é uma questão acima de tudo histórica e depois uma questão ideológica, ou seja, faz parte da batalha das ideias, englobando aqui aquilo que se pode considerar como a questão moral. Para melhor organizar o texto vou resumir este assunto a sete questões, algumas em forma de pergunta, que deixo à vossa reflexão.

I - Como questão ideológica central, podemos ainda hoje reclamarmo-nos herdeiros da Revolução de Outubro e de todo o manancial libertador que ela desencadeou? A resposta que dermos a esta pergunta é quanto a mim de crucial importância, para nos consideramos ainda comunistas. Isto não significa que achemos que ela se pode repetir nos tempos actuais, como já não o foi no tempo do próprio Lenine. O fracasso da Revolução no Ocidente, que condicionou todo o processo revolucionário de Outubro, e que motivou respostas diferentes consoante as diferentes correntes bolcheviques, não nos pode impedir de a considerar legítima e de a pensarmos em termos actuais. É isto que nos separa da social-democracia. Podemos fazer como grande número de partidos de esquerda, pôr este assunto entre parêntesis, mas quanto a mim ele ficará sempre com um “interdito” não verbalizado.

II - Um problema histórico e também ideológico: foi Estaline continuador de Lenine? Tudo o que aquele fez já tinha sido realizado por este. O GULAG e a violência já eram apanágio da Rússia leninista. Há muita gente de esquerda que defende este ponto de vista. Entre o partido do tempo de Lenine e de Estaline não há diferenças importantes. No fundo é aquilo que Moshe Lewin considera, criticamente, de que para alguns historiadores e ideólogos de uma certa esquerda e da direita, a União Soviética foi sempre um imenso GULAG. Ora eu defendo que as práticas e os métodos leninistas eram diferentes, que este se opôs ao carácter violento de Estaline e que nunca mandou matar os comunistas que se lhe opuseram. Este assunto merece uma análise histórica rigorosa e um debate ideológico firme.

III - Foi justa a opção de Estaline pelo "socialismo no único país", pela colectivização forçada dos campos e pela industrialização a toque de caixa, aquilo que ele chamou a "revolução por cima" e que outros consideraram como a acumulação primitiva do "socialismo"? Trotsky não pensava
assim, esperava ainda pelas revoluções no Ocidente e Bukharine acreditava que a NEP, a Nova Política Económica, permitiria paulatinamente atingir, sem sobressaltos, e até com alguma diferenciação de classes sociais, aquilo que Estaline queria.
O que diversos autores nos dizem é que Estaline, enveredando por este método, permitiu o desenvolvimento capitalista na Rússia, passando por cima das debilidades estruturais da própria Rússia czarista e da própria burguesia russa. Seja como for o Partido Bolchevique apoiou esta actuação. Muitos marxistas, como Lukács, acharam que era a linha justa. E para muitos, foi
aquela que permitiu a URSS resistir ao avanço do nazi-fascismo na IIº Guerra Mundial. O XVIIº Congresso do PCUS, em 1934, chamado Congresso dos Vencedores, foi a consagração desta linha. Estamos nós de acordo com ela? Este é um problema histórico e ideológico importante.
IV - Foi a partir do assassinato de Kirov, também em 1934, que Estaline, que parece que não teve qualquer interferência nele, inicia na URSS os grandes processos políticos contra, primeiro, os seus opositores políticos dentro do Partido Comunista, todos grandes heróis da Revolução de Outubro, e depois contra os seus próprios apoiantes, mandando assassinar a maioria (há números concretos) dos participantes do Congresso referido. A URRS entre 1934 e o início da IIº Guerra Mundial foi a maior picadora de comunistas que alguma vez se verificou na história. Provavelmente, se fizermos bem as contas, Estaline mandou assassinar mais comunistas do que os 500 mil a 1 milhão que morreram na Indonésia nos anos 60.

V - A vitória da URSS na IIº Guerra Mundial tem sido um dos temas mais complexos de toda a historiografia da URSS e do debate de ideias contemporâneo. Primeiro, porque essa vitória justificaria todo o horror anterior e tudo lhe seria perdoado em seu nome. Segundo, porque ela permitiu uma maior liberalização do regime, mas reforçando até ao extremo a sua componente
nacionalista, com recurso às medalhas e fardamentos do tempo do Czar. Pelo contrário, há aqueles que a desvalorizam, dando unicamente importância aos sucessos militares no Ocidente, ou afirmando que a acção da URSS foi tão iníqua como a de Hitler, ao esmagar os povos da Europa de Leste. Tese hoje muito difundida nos países Bálticos e nos de Leste.
VI - Considerar que foram os próprios comunistas, que de um modo
muito pouco marxista, recorrendo à noção de “culto da personalidade”, denunciaram os crimes de Estaline, como sucedeu no XXº e XXIIº Congresso do PCUS, com os relatórios de Nikita Khrushchev. Ainda hoje o que se pretende em muitos casos, a que o PCP não foge, é desvirtuar o Relatório Secreto apresentado por Khrushchev no XXº Congresso. Daí a importância da sua análise e das repercussões que ele teve.

VII - Reconhecer que o regime que os revolucionários de Outubro desejavam não seria aquele que acabou em 1991, que os caminhos seguidos merecem uma análise do ponto de vista marxista. Que o que se passou em 1991, não foi uma libertação, mas a concretização prática do que muita da nomenclatura dita comunista queria de facto para a Rússia. Falar em traição, como gostam de garantir os nossos comunistas, é não compreender nada sobre a sociedade
que se desenvolveu na URSS.

1 comentário:

operário herdeiro da Grande Revolução de Outubro sem " " disse...

-Eu diria que abordar a questão; embora disfarçada de perguntas onde se colocam respostas tipo Fast-food - "como quem atira a pedra e esconde a mão."
-Sem ter em conta as constâncias históricas em que a personagem ou personagens em questão tiveram de viver.

Marx, sobre estas questões disse qualquer coisita do género:

(O Homem faz a história por si mas não nas circunstancias por si escolhidas.)