20/07/2009

A governabilidade, a política de alianças à esquerda e o voto útil – II


No post anterior afirmei que a previsível, mas não garantida, subida da esquerda, à esquerda do PS, estava a alarmar a direita, tendo esta, por essa razão, recomeçado a defender alterações constitucionais para artificialmente obter a governbilidade do país.
Gostaria neste post de relançar um outro problema que atravessa toda a esquerda, qual fantasma que percorre a Europa (Marx dixit), que é o das alianças à esquerda.

Comecemos pela nossa história recente.
Como resultado do PREC formaram-se na sociedade portuguesa dois blocos políticos, um maioritário, chefiado por Mário Soares, e que agrupava o PS e toda a direita, outro bastante mais reduzido que englobava o PCP e a esquerda radical, mas que entre si não tinham qualquer unidade política.
Por esta razão, como eu já afirmei no post anterior, o PS sempre se recusou a fazer alianças à sua esquerda, ou seja, com o PCP, já que a outra não tinha expressão parlamentar. As suas propostas foram sempre de governar sozinho e quando não podia, fazia o “sacrifício” de governar coligado com o CDS ou o PSD. No fundo, Portugal reproduzia as clivagens da guerra-fria: os partidos da governabilidade, eram pró-americanos e os outros, ligados aos vários campos comunistas.
E quando alguém no PS se atrevia a sugerir alianças à sua esquerda lá vinha a ladainha que esses eram partidos anti-NATO, e depois, mais tarde, anti-União Europeia. Desaparecido o campo comunista, como o entendíamos antes da queda do Muro de Berlim, acabada, pelo menos em palavras, a guerra-fria, ainda hoje a direita com a cumplicidade do PS, continua a chamar aos partidos à esquerda dos socialistas, anti-NATO e anti-União Europeia e radicais e extremistas. Sobre isto já escrevi vários posts (ver aqui e aqui), que só vêm sublinhar o bloqueamento por parte do PS oficial de qualquer aliança com a sua esquerda. Neste aspecto, como noutros, a linguagem da guerra-fria continua a manter-se e o PS nada faz para que haja uma reversão destes factos.
Manuel Alegre nos seus recentes encontros com o Bloco de Esquerda e a Renovação Comunista, quer no Teatro da Trindade, quer na Aula Magna, pretendeu desbloquear esta situação, iniciando, e bem, uma diálogo com a sua esquerda. Houve de facto frutos, mas quanto a mim eles não são ainda transponíveis para estas eleições.

Como é que o PCP tentou, sem êxito, romper estes bloqueamentos que o PS e a direita lhe estavam a impor desde a instituição do Estado constitucional, saído do 25 de Abril?
Primeiro, tentando puxar o PS para a sua área. Na altura, falava muito em partidos democráticos, em oposição aos não democráticos, que seriam o PSD e CDS. Esta linguagem ainda teve algum curso, e irritou particularmente aqueles partidos, hoje está completamente fora de uso. Depois, evita defrontar em conjunto o bloco PS, mais a direita. Por exemplo, na primeira eleição de Ramalho Eanes, em 1976, para Presidente da República, não apoia qualquer candidato “unitário”, como na altura foi sugerido pelo MDP, que queria Costa Gomes, e sacrifica o seu dirigente Octávio Pato. Por razões mais tarde compreensíveis, foge, como Diabo da Cruz, de se juntar a Otelo, que era o candidato da esquerda radical nessas eleições.
Em seguida é a questão, já abordada num post anterior, dos cartazes a falar da eleição de uma maioria de esquerda para a Assembleia da República e a sua posterior transformação de maioria numérica em política. Por último, é a operação PRD, que visa enfraquecer o PS e encontrar à sua direita um possível aliado. Essa operação culmina com o apoio a Salgado Zenha, contra Lurdes Pintassilgo, Mário Soares e Freitas do Amaral, nas eleições para Presidente da República de 1986. Tudo isto saiu furado e teve-se que ir à última da hora votar em Mário Soares. Hoje tenho dúvidas se não se devia ter apoiado Lurdes Pintassilgo. Os “esquerdistas” diriam que o PCP, na hora da verdade, preferiu sempre alianças à sua direita do que à sua esquerda.
Depois foi “a apagada e vil tristeza” dos últimos anos em que a perspectiva unitária se transformou em fazer aliança consigo mesmo, ou seja, com os Verdes e a Intervenção Democrática.

Quanto à política de alianças do Bloco – partido recente, apesar da sua origem na esquerda radical, com a qual cortou –, já escrevi um longo texto sobre esse assunto, a propósito da intervenção do Louçã na sua IV Convenção. Aí falava da sua proposta para uma esquerda grande e que esta seria “anti-capitalista, porque só pode ser socialista”, em ruptura com a actual prática “terceira-via” do socialismo dito democrático e reformista, ou de centro-esquerda. Ou então, da defesa que fez de uma convergência de esquerda que não deve ter pressa, ou seja, que só se poderá concretizar para depois destas eleições, já que naquele momento nada garantia que Manuel Alegre se afastasse do seu partido e formasse um novo.

Deste longo arrazoado fácil é de concluir que, neste momento, não são previsíveis alianças à esquerda. Sem querer pretender ser moralista, é razoável concluir que o PS é quanto a mim o principal culpado. Poderíamos dizer, como agora é vulgar afirmar, que está no seu código genético a pulsão para ser um fiel reprodutor entre nós, primeiro, das práticas atlantistas de não se coligar com comunistas. Segundo, como defensor do chamado socialismo reformista, e seguindo as directivas da terceira-via, enfileirar no apoio ao neo-liberalismo triunfante e ao chamado reformismo, que não passa de repor a ordem estabelecida antes da instalação do estado de bem-estar social. Hoje, com a crise e a retoma do papel do Estado e com vista a piscar o olho à esquerda, vem contrapor um maior intervencionismo estatal, contra uma Manuela Ferreira Leite ainda sem saber que programa e que princípios há-de defender, se os de Pedro Passos Coelho da privatização da Caixa Geral de Depósitos, se os de rasgar todas as medidas de cárter social ou então deixar tudo como dantes.
Este é o PS que temos, com quatro anos de um longo Governo responsável por medidas bem gravosas contra os trabalhadores, como o Código de Trabalho ou o ataque aos professores, fechando as portas a qualquer saída possível, ou ainda por todas as pequenas injustiças e trapalhadas na administração pública. Um primeiro-ministro autista e arrogante, que depois de entradas de leão, muito apreciadas por quem gosta de pulso forte para governar o povo, se transforma num empecilho, mesmo para aqueles que tanto apreciavam o seu estilo.
Quanto às outras esquerdas estão na retranca: o PCP, a garantir a sua sobrevivência, e o Bloco pensando que ainda não está chegado o momento de fazer a convergência de esquerda, e provavelmente terá razão, pois com este PS e o seu Governo não é possível qualquer entendimento.
Nesse sentido, todos aqueles que neste momento apelam ao voto útil no PS, pois não há outro, para combater a direita e a sua actual versão, que pode acabar num Governo e num Presidente, estão a dar um voto em branco a Sócrates, não percebendo que com ele a esquerda não irá a lado nenhum.
Este tem sido sempre o dilema da esquerda, que é votar útil naqueles que miticamente se consideram de esquerda, e depois ficar desiludida porque o seu voto não serviu para nada a não ser para prolongar a vida daqueles que nunca cumpriram as promessas feitas.
Que cada homem e mulher vote em quem em sua consciência pensa que na esquerda melhor defende os seus interesses. Eu por mim votarei no Bloco.


Resta o problema bem real, mas se não houver maiorias absolutas de nenhum dos lados, que fazer? Em post posterior tentarei responder a essa pergunta

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