02/11/2008

Funcionários públicos trucidados e um apêndice


Recebi na sexta-feira à noite um telefonema de um amigo perguntando-me se eu já tinha sido trucidado. Não percebi a graça. É que nessa noite ele tinha ouvido no Telejornal umas declarações de um Secretário de Estado afirmando que os funcionários públicos iriam ser trucidados. Pensei, percebeu mal a palavra. No entanto, pelo sim pelo não, fui ver se havia alguma referência no Público ou no Expresso do dia seguinte, pois uma afirmação daquele jaez merecia destaque especial. Nada.
Ontem à noite, durante a leitura dos meus blogs favoritos, encontrei no do Victor Dias referência ao assunto. O post remetia para uma notícia no Correio da Manhã , que começava assim: “O secretário de Estado da Administração Pública, Gonçalo Castilho dos Santos (ver fotografia ao lado), diz que o "mítico dia 1 de Janeiro de 2009" não marcará o início da reforma da Administração Pública, porque ela "já está no terreno" e alerta que quem não cumprir as exigências que a lei impõe "será trucidado". E continuava: "Trabalhadores, serviços e dirigentes que não estejam com a reforma serão trucidados", afirmou o governante, no encerramento do Congresso Nacional da Administração Pública. Para Castilho dos Santos, os funcionários devem ter a noção de que "a reforma já não pode andar para trás", pelo que "trucidará quem não estiver com ela". Depois seguiam-se mais uns considerandos, que quem quiser pode encontrar na notícia, já linkada, do Correio da Manhã.
É espantoso, como declarações deste jaez, que não sendo propriamente silenciadas – este meu amigo garantiu-me que as declarações do Secretário de Estado tinham aparecido na RTP 1 e na 2 – e havendo até referência no Correio da Manhã, as mesmas não tenham sido objecto de protesto das forças políticas da oposição e que não tenham, por exemplo, servido para galhofa pública, num programa como o Eixo do Mal ou em qualquer outro semelhante. Estas declarações não podem passar despercebidas, mas, pelos vistos, passaram. Só encontrei referência no blog já referido do Victor Dias, num comunicado do Sindicato dos Enfermeiros, e nos blogs República das Opiniões, Pharmácia de Serviço e Portugal Profundo (sem link para o post), estes dois últimos bastante reaccionários.
Também, por meu intermédio, apareceu uma referência no site da Renovação Comunista.
Ao menos que na blogosfera haja indignação, mas parece-me difícil

Para que o Victor Dias não fique todo vaidoso pela referência que faço ao seu post, E não se pode trucidá-los a eles?, quero afirmar que achei de muito mau gosto o texto que dedica ao João Semedo, que não se meteu com ele, mas sim com as novas interpretações que as Teses do PCP propõem para o desaparecimento da União Soviética, ao contrário do foi aprovado em Congressos anteriores sobre aquele mesmo acontecimento histórico. Victor Dias, sempre tão crítico em relação às apressadas generalizações que os outros fazem dos textos do PCP, fingiu não perceber que João Semedo põe a questão em forma de pergunta. Por acaso bastante pertinente, pois se o PCP acha que aquela sociedade estava bem e foi a traição de alguns que provocou o seu desmoronamento, então o PCP pode defender para Portugal um modelo semelhante, sem os traidores. Isto é simples, para aqueles que estão de boa fé a travar o debate político. O seu camarada Octávio Teixeira, com outras palavras, questionou-se também sobre os que as Teses dizem sobre o desmoronar da União Soviética. Victor Dias não foi capaz ainda de dar esse passo e provavelmente aproveitou este facto para lembrar ao PCP o que ele inscreveu no seu programa e não o que tem nas suas Teses. Não era necessário era servir-se do João Semedo para dizer isso.

A boçalidade de esquerda também existe, veja-se os comentários de alguns dos seus camaradas, que o menor mimo que têm para João Semedo é de “rachado”, só que estes não têm acesso aos jornais.

6 comentários:

Anónimo disse...

Caro J.N. Fernandes :

Tenho dito e assim continuarei até que a voz me doa que uma coisa é discutir e discordar de certos pontos das Teses para o Congresso do PCP na base de uma leitura e consideração da INTEGRALIDADE das partes em causa e outra, politicamente reprovável e eticamente criticável, é fazer acusações e tirar conclusões com base em patentes amputações de texto, saltos de leitura e citações feitas por estreitos critérios de conveniência.

Julgo que o J.N. Fernandes tem perante os seus leitores o dever de explicar como é que pode afirmar ou insinuar que o PCP «acha que aquela sociedade estava bem» quando se está referir a um texto onde contam afirmações como estas:

-«PERANTE OS COMPLEXOS PROBLEMAS QUE SE MANIFESTARAM NA CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO NA URSS, ASSIM COMO NOUTROS PAÍSES DO LESTE DA EUROPA O PCP, EXPRESSOU COMPREENSÃO E SOLIDARIEDADE PARA COM OS ESFORÇOS E ORIENTAÇÕES QUE PROCLAMAVAM VISAR A SUA SUPERAÇÃO».

-«TEMOS MUITO DE VALIOSO JÁ ADQUIRIDO PELA ELABORAÇÃO E REFLEXÃO COLECTIVAS DO PARTIDO DESDE O XIII E XIV CONGRESSOS. REVELOU-SE PARTICULARMENTE FECUNDA A TESE AVANÇADA PELO PCP DE QUE (...) O QUE FOI DERROTADO NÃO FORAM OS IDEAIS E O PROJECTO COMUNISTAS MAS UM «MODELO» HISTORICAMENTE CONFIGURADO, QUE SE AFASTOU, E ENTROU MESMO EM CONTRADIÇÃO COM CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DE UMA SOCIEDADE SOCIALISTA, SEMPRE PROCLAMADAS PELOS COMUNISTAS RELATIVAS AO PODER DOS TRABALHADORES, À DEMOCRACIA POLÍTICA, ÀS ESTRUTURAS SOCIOECONÓMICAS, AO PAPEL DO PARTIDO, À TEORIA.»

-«INFLUENCIOU OS CAMINHOS E AS SOLUÇÕES ENCONTRADAS NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO E CONTRIBUIU, EM MEDIDA CONSIDERÁVEL, PARA OS ATRASOS, ERROS E DEFORMAÇÕES QUE SE VERIFICARAM COM VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS ESSENCIAIS DO SOCIALISMO.»

A situação, que não é bonita nem prestigiante para si, é que quem o ler, terá pensado que para o PCP a «traição de dirigentes» foi a causa essencial quando, como acabo de demonstrar, as Teses contém referências bastantes e claras a factores estruturais e de fundo.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

O Victor Dias selecciona nas Tese os argumentos que mais lhe convêm. Assim, depois do seu primeiro parágrafo (Tese 1.4.2.1), a seguir a “superação”, vem o seguinte: “alertando simultaneamente para o desenvolvimento de forças anti-socialistas e para a escalada de ingerências imperialistas, confiando em que existiam forças capazes de defender o poder e as conquistas dos trabalhadores e promover a necessária renovação socialista da sociedade. Mas certas medidas tomadas agravaram os problemas ao ponto de provocar uma crise geral. O abandono de posições de classe e de uma estreita ligação com os trabalhadores, a claudicação diante das pressões e chantagens do imperialismo, a penetração em profundidade da ideologia social-democrata, a rejeição do heróico património histórico dos comunistas, a traição de altos responsáveis do Partido e do Estado, desorientaram e desarmaram os comunistas e as massas para a defesa do socialismo, possibilitando o rápido desenvolvimento e triunfo da contra-revolução com a reconstituição do capitalismo.”
Por isso, pode ir buscar aqui e acolá – já agora, se quer continuar a discutir, deverá indicar os parágrafos onde foi retirar os seus trechos seleccionados – esta ou aquela afirmação, não pode é deturpar o sentido do que é dito. Fica claro que o PCP “expressou compreensão e solidariedade” para com a superação dos “complexos problemas que se manifestaram na construção do socialismo”, mas o que se verificou foi a “penetração em profundidade da ideologia social-democrata” e a “traição de altos responsáveis do Partido e do Estado”. Ou seja, as Teses do PCP retomam quase “ipsis verbis” as ideia defendidas por aqueles dois comunistas americanos que escreveram aquele interessante e vergonhoso livro que é o “Socialismo Traído”. Quer queira o Victor Dias ou não, a Direcção Sectária do seu Partido, esquecendo o que se disse no passado sobre os estalinismo, quer, por portas travessas introduzir, as velhas explicações maoistas obre a traição dos dirigentes a União Soviética, e o papel de Estaline. Portanto Victor Dias não se apresse tanto a criticar-me pois terá, se quiser, que gritar outra vez neste Congresso abaixo o Sectarismo ou Dogmatismo, já não me lembro a expressão que utilizou, como o fez no último.

Anónimo disse...

Espantoso, Caro J. N. Fernandes:é que,escamoteando o ponto de partida desta mini-polémica, se esqueceu de dizer se a sua ideia de que para o PCP «aquela sociedade estava bem» tinha algum fundamento depois da publicação dos extractos a que procedi.

Ah, como dão jeito as derivações para outros pontos...

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Para além de alguns erros que a pressa em lhe responder provocaram, como uma não concordância entre o sujeito e o predicado logo início da minha resposta, o que lhe tenho a dizer é que o Victor Dias é incapaz de reconhecer que o seu Partido anda a cometer deslizes sectários graves.
Quanto à questão em causa: superados os complexos problemas da construção do socialismo, a URSS poderia servir como um “modelo”. “Poderia”, ou como no texto inicial, “pode”, portanto eu nunca afirmei, e o próprio João Semedo faz a pergunta, que o PCP queira aplicar a Portugal aquele “modelo”. Já se sabe que o Victor Dias, incapaz de reconhecer, como o seu camarada Octávio Teixeira, algumas das contradições das Teses refugia-se em argumentos formais para defender o indefensável. Lamento.

Anónimo disse...

Terminando desta vez a conversa, só posso dizer que, ó firme determinação e teimosia, o Jorge Nascimento Fernandes volta a passar descaradamente ao lado do que eu perguntei no comentátio anterior.
Ó homem, caiam-lhe os parentes na lama se reconhecesse que foi um bocado forçado e a martelo dar a entender que para o PCP «aquela sociedade estava bem>» ?.

Por fim, só dizer que ainda não me apanhou em lado nenhum a defender o indefensável mas sim a denunciar e criticar rasuras de texto e conclusões ilegitimas e sem fundamento nos textos em causa.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Ainda bem que o reconhece, tudo mais são “words, words”. Mas, pelo menos é minha intenção, assim “Deus” me dê força e coragem, fazer uma análise das Teses propostas pelo PCP. Nessa altura então poderemos discutir, se por acaso estiver interessado.