14/10/2008

O fim do capitalismo


Antes que o meu amigo Fernando Penim Redondo publique um post sobre o artigo de Immanuel Wallerstein (IW), Le capitalisme touche à sa fin, publicado no Le Monde, de 11/10/08 (ver aqui e aqui) e que foi oportunamente traduzido para o blog Antreus, de António Abreu, resolvi publicar este post que já tinha em mente, mas que devido à minha proverbial inacção ainda não tinha posto em prática. O Fernando já tinha ameaçado o António Abreu que iria fazer um post sobre o assunto, espero que o faça, para confrontarmos ideias.
Em post anterior, provavelmente com um título pouco feliz, já tinha chamado a atenção para que não bastava os locutores e alguns comentadores falarem da intervenção do Estado e da nacionalização da banca, para que o capitalismo caísse. Era necessário dar-lhe um piparote. No fundo, levantava a velha questão do poder e recorria a uma polémica, referente a outros assuntos, mas de grande actualidade, entre Charles Bettelheim e Paul Sweezy. Ou seja, introduzia a luta política e a Política, com maiúscula inicial, nos problemas da crise. Provavelmente ninguém me leu, nem o tema despertou qualquer interesse.
No entanto, nestes últimos dias alguns comentadores recorrem à política para falar da crise. Pacheco Pereira diz mesmo É à política e não ao Estado que devemos regressar e Rui Tavares afirma É preciso ter lata . No entanto, qualquer dos artigos, por razões diferentes, não aborda as minhas preocupações. O primeiro ataca Sócrates e a politiquice do primeiro-ministro e a sua pretensa defesa da intervenção estatal. Chegando a afirmar que “desde a história do diploma e das casinhas que o personagem me aparece bem mais perigoso do que antes”. Eu, que fui seu subordinado no Ministério do Ambiente e que tive a desgraça de tê-lo como chefe de delegação nas conversações para a aprovação do Protocolo de Cartagena sobre Segurança Biológica, em Montreal, confirmo para pior todas as crítica que lhe façam. Ainda um dia hei-de contar esta história.
Quanto ao segundo artigo chama a atenção para que foram os políticos, com a sua permissividade, que permitiram que a "ganância dos executivos" chegasse onde chegou. Sendo isto verdade, o certo é que os comentadores de direita, com algumas inverdades pelo meio, pretendem concluir, com afirmações semelhantes, que a culpa é do Estado, chegando a afirmar que a maioria dos bancos responsáveis por este desgoverno têm capitais públicos.

Mas regressemos ao que nos trouxe aqui. Entre os muitos artigos que na net começaram a circular sobre esta crise realço o de IW, inicialmente referido, que de um ponto de vista histórico e sistémico aborda o fim do capitalismo, considerando que actualmente este está na sua “fase terminal”.
O mais preocupante neste artigo de IW, é que ao contrário do que os marxistas sempre afirmaram, acreditando, como ele diz, “num progresso contínuo e inevitável”, é possível em trinta ou quarenta anos “vermos instalar-se um sistema de exploração ainda mais violento do que o capitalismo, do que, pelo contrário, aparecer um sistema mais igualitário e redistributivo”.
Mas como anteriormente IW afirmava “estamos num período, bastante raro é certo, onde a crise e a impotência dos poderosos deixa um espaço ao livre arbítrio de cada um: há agora um período de tempo durante o qual todos teremos a oportunidade de influenciar o futuro pela nossa acção individual. Mas como esse futuro será a soma do número incalculável dessas acções, é absolutamente impossível prever qual o modelo que finalmente irá prevalecer.”
Penso eu, provavelmente ingenuamente, que a acção política dos homens tenha possibilidades de canalizar as acções referidas para “um sistema mais igualitário e redistributivo”, a que chamaria socialismo. Mas é possível que isso não suceda, e aqui divirjo, tal como IW, da crença inelutável dos comunistas ortodoxos que pensam que ao sistema capitalista sucederá inevitavelmente o socialismo.
Só para dar um exemplo, a crise de 1929, não foi ainda o fim do capitalismo, mas a solução encontrada por alguns para a resolver foi o reforço do fascismo e o aparecimento do nazismo, que trouxe muito mais sofrimento e exploração do que formas anteriores de domínio sobre os trabalhadores.
Temos pois que admitir que a solução para a crise pode desembocar num sistema de exploração ainda mais violento do que o capitalismo, mas que a nossa acção pode de facto inverter essa tendência.
Dêmos pois força à política.

7 comentários:

F. Penim Redondo disse...

Caro Jorge,

tiveste sorte por eu andar com outras prioridades. De outra forma teria publicado sobre o Wallerstein ainda antes do António Abreu.

Claro que quando é ele a falar da fase final do capitalismo tu já alinhas, se fosse este teu amigo rias-te. É assim, sou um incompreendido.

Curiosamente, na altura da preparação do meu livro, cheguei a tentar um contacto com ele pois achava o trabalho dele bastante interessante.
O contacto não teve seguimento...

Ciao e um abraço

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Caro Fernando
A respeito de prioridades, não sei quem ganha, porque este texto do IW já me tinha sido enviado por e-mail. Posteriormente, encontrei-o no António Abreu e só depois é que vi o teu comentário. Foi por isso que me apressei.
Repara que o IW prevê o fim do capitalismo, mas não consegue enxergar o que lhe vai suceder e tu prevês a vinda do digitalismo. Há alguma diferença. Por outro lado, o que me apoquenta mais na tese de IW é a sua suposição, trágica para a humanidade, mas não impossível, como eu também referi, de que o que suceda ao capitalismo poderá ser uma sociedade mais desapiedada. Por outro lado, eu como viste dou grande importância à intervenção política, pois considero que só ela é capaz de modificar este possível fatalismo. Por isso considero que a pequena politica nacional, que tu tanto desprezas, é uma forma de tentarmos politicamente alterar este estado de coisas.
Um abraço
Jorge

Porfirio Silva disse...

Porque é preciso recomeçar a pensar (a menos que se pense que "a crise" foi um carnaval e já estamos em quarta-feira de cinzas...), permito-me interromper para sugerir Para uma economia política institucionalista .

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Caro comentador
Tive muito prazer em que viesse bater a esta porta. Fui ver o trabalho que me recomenda e como velho macaco pelado fui logo ler a conclusão e não é que descubro, passados tantos anos, que alguém ou alguns, parece, vêm defender na conclusão 18, "Rumo a uma teoria gradualista reformista-revolucionária da evolução", posições semelhantes a uma tese do André Groz, que fez escola nos anos 60, que era a do reformismo-revolucionário e que eu de vez enquanto falo nos meus textos.
Mas, garanto, prometo ir ler com mais atenção o texto que me recomenda.
Estive a consultar o seu perfil e reparei que num dos seus blogs, "A tertúlia de Abril", onde só se tem acesso com autorização dos donos, participa um velho conhecido meu dos tempos do cineclubismo, o Hélder Coelho, rapaz aí na casa já dos sessenta. Se for o mesmo, um abraço para ele.

Porfirio Silva disse...

E que tal ler os textos em vez de "saltar logo para as conclusões"? A verdade é que "a velocidade da internet" nos incentiva demasiado a pensar que "não há nada de novo debaixo do sol", mas isso por vezes é pouco produtivo.
Penso saber quem é o Hélder Coelho de que fala, mas penso que se terá enganado tb nessa leitura: há lá um Hélder, mas se calhar não é coelho...
Saúdes.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

A Internet tem destas coisas, quis ser tão rápido na resposta que, de facto, não me inteirei do que estava em causa. No entanto, a minha intervenção pretendia ser simpática e até estabelecer um certo diálogo. Com razão ou sem ela, pareceu-me que a resposta era um bocadinho agreste.
Primeiro fui ler o post inicial do "Ladrão de Bicicletas" e de facto no contexto de crise, quando alguns pretendem de repente moralizar o mercado, vários economistas já tinham proposto aquilo a que se chamaria uma economia moral. Li o texto e insere-se perfeitamente na visão que o Castro Caldas nos dá no seu post.
Reconheço que foi precipitada a minha conclusão a propósito de um dos itens das conclusões finais do texto que me propôs para leitura, até porque as preocupações do autor é diferente das do André Gorz dos anos 60. No entanto, a formulação do parágrafo proposto tem algumas semelhanças.
O texto a que me refiro de Immanuel Wallerstein tem preocupações completamente diferentes das do artigo citado e enquadra-se noutra perspectiva. Pela minha parte, dada a minha focalização marxista, sinto-me um bocado ao lado do texto que me sugere, apesar de comungar muitas das suas preocupações.
Dado que me parece que os seus blogs têm a ver com robótica e inteligência artificial achei que alguém que assina Hélder C. poderia ser o Hélder Coelho. Não é, paciência.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Errata

...até porque as preocupações do autor são diferentes das do André Gorz dos anos 60...